1. Em mensagem do dia 19 de Janeiro de 2014, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos o seu testemunho de mais uma tertúlia integrada no ciclo Fim do Império*, em Oeiras, esta realizada no passado dia 18 de Fevereiro cujo tema era o livro de Alexandra Marques, "Segredos da Descolonização de Angola".
Olá Carlos!
Envio-te uma espécie de reportagem sobre um encontro realizado em Oeiras, cuja matéria respeita à descolonização de Angola.
Fi-la de maneira a reportar só o propósito da sessão, e espero ter evitado opinar sobre o que ali foi dito. No entanto, não podia deixar de constatar e transmitir a opinião ali generalizada, ou, pelo menos, incontestada.
Não cito nomes, que constam do livro, para não ferir susceptibilidades, e para que os "árbitros de bancada" não se fiquem pelo comentário sobre causa desconhecida. Ah! Também não me foi pedida a divulgação, faço-o no âmbito das recensões no Blogue e para conhecimento de eventuais interessados.
Um grande abraço
JD
No passado dia 18, na sede da delegação da Liga dos Combatentes Cascais/Oeiras, realizou-se uma reapresentação, com debate, do livro com o título
"Segredos da Descolonização de Angola", da autoria de Alexandra Marques, no âmbito do seu doutoramento em história. À guisa de preâmbulo cautelar sobre eventuais reacções emotivas, o senhor coronel Barão da Cunha advertiu para o "picante" da obra, e apelou à urbanidade das intervenções sob os diferentes pontos de vista.
E do que consta esse picante?
Pois o picante radica nos actos de alguns elementos das FA, que durante o período da descolonização de Angola, ali protagonizaram atitudes que causam "vergonha" a alguns dos seus camaradas presentes no encontro. E ficou a sensação, por falta de manifestações divergentes, que na assistência todos repudiam situações de desleixo, de indisciplina e abuso de poder na instituição militar, de desonra à história de Portugal e à ética da condição militar, principalmente consubstanciadas pelo desprezo votado aos cidadãos, e pela entrega indigna de militares portugueses a um movimento, que sobre eles praticou sevícias, como corolário da exagerada desfaçatez de não se terem deixado desarmar pelos anteriores inimigos. Terão ido parar à praça de touros de Luanda.
O senhor coronel-comando Manuel Bernardo, que cumpriu comissões em Angola e Moçambique fez uma síntese sobre a situação militar que precedeu o golpe de 25 de Abril, e adiantou alguma notícia sobre os desenvolvimentos negociais em que participaram as FA, os movimentos ditos de libertação, e o novo poder político de Lisboa, anotando algumas contradições e sucessivas cedências da parte portuguesa.
A Autora referiu os pressupostos da obra, que leu grande quantidade de documentos, vasculhou arquivos oficiais e particulares, que enfrentou relutâncias de diversa ordem, recebeu conselhos para não mexer em certas matérias, mas decidiu prosseguir, e garante que o livro só espelha o que conseguiu provar, quer em documentação, quer por testemunhos. Acrescentou que, pelo menos um militar que entrevistou, já tentou vexá-la numa apresentação anterior, negando a entrevista e a projecção plasmada no livro.
Como se infere com facilidade, há responsáveis que tentam branquear as acções que determinaram e mantê-las escondidas da opinião pública. Igualmente os órgãos de informação sonegam sobre a obra tão importante para o conhecimento público, que já se considera da maior importância e coragem. Ao Expresso, conforme citou, enviou seis exemplares, e até hoje nem uma linha sobre a matéria.
A autora, que exerceu o jornalismo durante 20 anos até enveredar por esta investigação, acrescentou que tem sido essa a atitude dos diferentes órgãos da imprensa, onde, aliás, conta com muitos companheiros de trabalho, que por via do livro chegaram a abrandar o relacionamento.
Por fim, seguiu-se um período de intervenção do público (quase cinquenta pessoas, na maioria militares de profissão). E nesse tempo houve revelações complementares sobre a época em epígrafe. Assim, foi revelado sobre o caso Vila Alice, como consta do texto, que os movimentos entraram em Luanda com 600 efectivos cada, e instalaram-se quase em frente na mesma rua. Esse testemunho, de um oficial nascido em Angola, referiu que estava na Vila Alice a fazer um exame de Karate, participado com um mestre cubano, quando começaram os disparos de um lado para o outro, uns de uma vivenda, os outros de um edifício onde instalaram uma Browning, sob a quase complacência da autoridade portuguesa e a estupefação dos residentes.
Esse famoso episódio dá-nos conta da alteração da normalidade urbana, e foi um anúncio das dificuldades que passariam a afectar a população civil, já que os portugueses não puseram cobro àquela e a outras situações seguintes.
Também foi revelado que antes do apoio oficial cubano, já ali confluíam cidadãos daquele país que faziam a avaliação material para incremento de uma estratégia. E também foi apontada a coordenadora do MFA como parte bastante activa em benefício de um dos movimentos, com capacidade para repatriar quem se lhe opunha, como no caso em que o Alto-Comissário terá incumbido dois oficiais superiores para uma acção revanchista que aqueles recusaram.
A propósito desse Alto-Comissário, um dos presentes exibiu a célebre carta de aconselhamento a mal-tratar os colonos, cuja autoria a autora considerou não estar provada. Mas também ali foi dito, que um empresário, em seu nome e no de outros cidadãos que residiam e exerciam actividades em Angola, escreveu ao almirante no sentido de que lhes fossem dispensados meios de protecção, e obteve como resposta - assegurou que o empresário ainda conserva a resposta - que eram os movimentos que avaliavam sobre a questão da segurança, e acrescentava, que sendo o destinatário branco e português, seria aconselhável deixar Angola para os autóctones, mas com outra expressão, ou seja, desanda enquanto é tempo.
Também se falou do "batalhão em cuecas". A estória resume-se assim: as autoridades portuguesas tinham decidido providenciar por um equilíbrio bélico entre os movimentos, e um batalhão que retirava para Luanda, recebeu instruções para entregar o armamento à Unita, mas que por intervenção de alguém do MFA entregou a outro movimento. Em represália, a Unita aprontou uma emboscada e deixou parte do batalhão em cuecas, o que dá uma boa imagem da decência, e da proficiência da tropa naquele momento, que devia ser de grande responsabilidade, em que mais se exigia ordem e serenidade.
Do que se infere que a tropa, no geral obedecendo a ordens controversas e ofensivas da mais elementar racionalidade, abdicava.
Finalmente, foi divulgado que aquela delegação da Liga dos Combatentes, com o patrocínio da Câmara Municipal de Oeiras, está recolher testemunhos como os que aqui são revelados, para um eventual projecto editorial, na senda das publicações que já promoveu, pelo receberá com interesse todas as colaborações que lhe sejam endereçadas.
JD
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Nota do editor
(*) Vd. poste de 15 de Fevereiro de 2014 >
Guiné 63/74 - P12721: Agenda cultural (302): Tertúlia Fim do Império, dias 18 de Fevereiro, 18 de Março, 1 de Abril e 20 de Maio de 2014, às 15h00, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, em Oeiras (Manuel Barão da Cunha)