terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13996: Em busca de... (251): António Lopes Pereira, ex-1.º Cabo Atirador do 4.º Pelotão/CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, Infandre e Braia, 1970/73), procura camaradas

1. Mensagem do nosso camarada António Lopes Pereira, ex-1.º Cabo Atirador da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, Braia e Infandre (1970/73), com data de 30 de Novembro de 2014:

Uma óptima noite desde já. 
Camarada,
Pela primeira vez me identifico como ex-1.ª Cabo António Lopes Pereira do 4.º Pelotão da CCAÇ 3305/ BCAÇ 3832, e estive na zona de Mansoa, primeiro em Infandre, depois em Braia e novamente Mansoa.

Moro em Matosinhos e procuro os meus camaradas.

Foi com profunda tristeza que soube do falecimento do meu maior amigo, o ex-Furriel França Soares.

Foi o meu furriel e andámos sempre juntos do primeiro dia ao último dia. 

Espero que me consiga ajudar na minha procura ou apenas numas palavras com as quais possa ter alguma identificação. 

Aguardo uma resposta sua e agradeço lhe desde já a sua atenção.

Antonio Lopes Pereira

Quartel de Mansoa
Com a devida vénia a BCAÇ 2885

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2. Comentário do editor

Caro camarada Lopes Pereira, muito obrigado pelo contacto.
Aqui fica o teu pedido para encontrares camaradas da tua Companhia.
Não sei se reparaste mas temos na nossa tertúlia o teu camarada Germano Santos, ex-1.º Cabo Operador Cripto da CCAÇ 3305. Mando-te o seu contacto por outra via.

Na nossa terra (Matosinhos) realiza-se anualmente, no primeira sábado do mês de Março, o almoço dos ex-combatentes da Guiné. Temos inscrito um camarada de Santa Cruz do Bispo com o nome de António Lopes Pereira Gomes. Se não fores tu, ficas desde já a saber da nossa iniciativa.

Voltando ao Blogue, o nosso Editor Luís Graça disse-me para te convidar para aderires formalmente à nossa tertúlia.

Se quiseres então fazer parte desta família de ex-combatentes da Guiné, basta uma mensagem tua a confirmar a tua adesão, e se quiseres, o envio de uma pequena história passada contigo, seja em Mansoa, Infandre ou Braia, acompanhada de fotos que tenhas.

Deixo-te um abraço em nome dos editores e da tertúlia, com o votos de Boas Festas com saúde e alegria.

Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13778: Em busca de... (250): Camaradas do Esquadrão de Reconhecimento 2350 (Bafatá, 1966/68), com vista ao próximo Convívio de 2014 (António Bastos)

Guiné 63/74 - P13995: A minha máquina fotográfica(4): (i) Comprei em Cabo Verde uma Yashica Electro 35 a um primeiro srgt que se dedicava ao contrabando; e (ii) improvisei um estúdio de fotografia (José Augusto Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde, Ilha do Sal, outubro de 1963 a julho de 1964, e Guiné, Olossato, julho de 1964 a outubro de 1965)

1. Mensagem de José Augusto [Miranda] Ribeiro, ex-fur mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal, Outubro de 1963 a Julho de 1964) e Guiné (Olossato, Julho de 1964 a Outubro de 1965):


Data: 8 de dezembro de 2014 às 00:19

Assunto: Sondagem: Tinhas máquina fotográfica no TO da Guiné ?


Sim, já tinha máquina fotográfica quando entrei no serviço militar. Essa máquina era um pequeno "caixote".

Em Cabo Verde comprei uma Yashyica Electro 35, a um primeiro sargento que se dedicava ao contrabando. Paguei 1750 escudos, equivalente ao meu ordenado mensal, como professor, no ano anterior em Portugal. Entrei na Guiné com a máquina (em punho) numa mão e a G3 na outra.

Na Ilha do Sal um soldado tinha encontrado à beira mar uma boía de vidro. Fiz-lhe um pequeno orifício, no local onde terá partido uma espécie de argola.Enchi-a de água para fazer de condensador. Claro, sem ferramenta nem material adequado foi difícil fazer um ampliador. Mas fiz. Com as tábuas de um caixote de sabão e o serrote e o martelo que fui pedir emprestado ao nosso pescador, lá ajeitei o dito ampliador. Pedi à minha irmã mais nova para comprar, em Coimbra, e me mandar um dispositivo para revelar as películas e o pó que misturei com água para fazer o líquido revelador de películas. Pedi também duas tinas uma para revelar o papel que teria de mergulhar por breves segundos no líquido revelados de fotografias e logo em seguida, na outra tina, teria de mergulhar por mais tempo as fotografias no líquido fixador. Dentro do ampliador tinha um espelho e uma luz branca que projectava raios difusos, um condensador (feito com a boia já referida) que transformava os raios difusos em raios paralelos. Em seguida ficava a película (negativo do filme).

Mais à frente um tubo que tinha a objectiva da velha máquina de fotografar e por fim o papel de fotografia que segurava na parede.A focagem era feita andando com o tubo para dentro ou para fora do caixote, só com a luz vermelha. Quanto mais longe estivesse da parede maior era a fotografia, mas mais imperfeita ficava. Depois apagava a luz vermelha e acendia a branca, por breves segundos, que iria marcar o preto da fotografia.

Fiz centenas que vendi barato, porque também não eram muito perfeitas.

JRibeiro



Foto  206 > Passagem por uma tabanca no mato



Foto 216 > Antes de dormir, uma cachimbada



Foto 218 > A máscara do feiticeiro


Guiné > Região do Oio > Olossato > CART 566 (Julho de 1964 a Outubro de 1965) > Algumas das muitas fotos do álbum do José Augusto Ribeiro.


Fotos (e legendas): © José Augusto Ribeiro  (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

2. Comentário de L.G.:

Meu caro José Augusto, é bom ver-te por estes lados, da Tabanca Grande. O nosso poilão continua frondoso e acolhedor.

Sabes, tão bem como eu, que recordar é viver. E apraz-me registar a tua paixão pela fotografia. Adore o detalhe e o carinho com que falaste do teu "estúdio fotográfico" da Ilha do Sal...

[Foto à esquerda, a Yashica Electro 35. Fonte: Wikipedia, com a devida vénia].


Entretanto, peço-te que me confirmes o mês ( ?) e o ano em que compraste a tua Yashica Eletroc 35. Segundo o portal Camerapedia Wikia, este modelo foi lançado em 1966, já tu devias estar de regresso a casa.

Outra coisa: a tua série "História da CART 566 (Bravos e Sempre Leais)" aguarda a continuação... Só se publicou um poste, salvo erro...

Sei que há outras coisas mais divertidas e seguramente mais importantes para fazer quando se tem 70 e picos... Mas tu és de uma geração de combatentes em que a literacia (funcional e informática) é baixa... Não te peço que escrevas pelo resto do pessoal do caqui amarelo, mas a história da vossa passagem pela Guiné interessa-nos, a todos, incluindo os nossos netos e bisnetos...

Um xicoração natalícia. Muita saúde e longa vida. Luis

PS - Tens magníficas fotos que eu preciso de revisitar e reeditar para melhorar as valorizar... Se quiseres mandar mais (, incluindo as de Cabo Verde), agradeço... E a mandar, manda sempre com boa resolução (c. 1 MB ou mais).
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Guiné 63/74 - P13994: Ainda o livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas" apresentado no Auditório do EMFA, em Alfragide, no passado dia 26 de Novembro

Com a devida vénia à Tabanca do Centro e ao nosso camarada Miguel Pessoa, trascrevemos um artigo publicado no Blogue daquela Tabanca:


AINDA O LIVRO DAS NOSSAS ENFERMEIRAS PARAQUEDISTAS

Num texto recente em que reportámos o lançamento do livro “Nós, Enfermeiras Paraquedistas”, referimos que o texto lido pelo TCor. José Aparício no decorrer dessa sessão tinha calado fundo no coração de muitos dos presentes. Ficámos por isso de o reproduzir neste blogue logo que nos fosse disponibilizado. Aqui fica a referida apresentação, com a devida vénia ao autor.

TEXTO LIDO PELO TCOR INF JOSÉ APARÍCIO NA APRESENTAÇÃO DO LIVRO “NÓS, ENFERMEIRAS PARAQUEDISTAS” NO AUDITÓRIO DO EMFA, EM ALFRAGIDE, EM 26NOV2014

TCor Inf José Aparício durante a apresentação do livro "Nós Enfermeiras Paraquedistas"

Poderá parecer estranho a todos os presentes que a apresentação deste livro vá ser feita por um militar do Exército. Não conheço o que motivou o convite que me foi formulado, que muito me honra, e que agradeço. Presumo que a condição de ex-combatente tenha sido a determinante, já que em todos os Teatros de Operações, as tropas no terreno, paraquedistas incluídos por maioria de razão, foram as testemunhas privilegiadas, e especialmente os grandes beneficiários, das actividades na guerra das enfermeiras paraquedistas portuguesas, que nesta obra importante e tão vivida, tão bem relatam, com uma sensibilidade e delicadeza comoventes.

De tudo o que fizeram por nós, todos os combatentes ainda hoje têm uma lembrança muito viva, e que nunca esquecem. É de todos, o sentimento de uma enorme dívida de gratidão que toda uma geração vos deve, e que enquanto vivermos sempre lembraremos. Sinto por isso, a responsabilidade acrescida de, em seu nome, dizer aqui o essencial do que vai na alma e no coração de tantos portugueses que apoiaram em momentos muito difíceis.

Por muitas razões, não sou com absoluta certeza a pessoa mais qualificada e habilitada para fazer esta apresentação. Mas estando hoje aqui para isso, vou fazê-lo sem filtros, como aos velhos tal é permitido, e com todo o coração, seguindo assim o exemplo do que é bem visível nesta obra, desde a capa à última página que escreveram.

Confesso que foi com muita emoção que preparei a apresentação deste livro, que já li e reli várias vezes, para o perceber em todas as suas dimensões. Inclusivamente as que, por razões que se adivinham, as autoras deixaram implícitas e não revelaram completamente; como foram seguramente os desabafos e as súplicas que ouviram de gente em enorme sofrimento físico e também moral. “Não se pode olhar fixamente o sol, nem a morte” como refere o francês, LaRochefoucault. Quando se sente a morte por perto, somos todos mais autênticos, e há sempre, pelo menos, o esforço de deixar uma última mensagem para alguém, mesmo quando as palavras faltam e só os olhos falam; quantas mensagens destas não terão ouvido e sentido estas mulheres portuguesas!

Hoje há já publicados muitos livros sobre a denominada “Guerra do Ultramar”. Nessas obras constam normalmente as vivências e o sofrimento, de toda uma geração que foi chamada a servir a sua Pátria em condições crescentemente adversas. O livro que hoje aqui apresento é um livro único nessa já longa Bibliografia Militar; pela novidade e sensibilidade do assunto tratado, pela sua autenticidade bem manifesta, pela dureza e intensidade dos relatos neles contidos, pelo sentimento e emoção ali sempre presentes, pelas histórias humanas comoventes, até dramáticas, que nele são contadas. Pelo que mostra da guerra que vivemos, na sua face mais cruel, e com pormenores que ainda ninguém tinha ousado assim contar.

Quem estude a guerra a que tivemos de fazer frente, não pode deixar de conhecer, e de sublinhar a importância, de algumas decisões que, atempadamente, o então Secretário de Estado da Aeronáutica, TCor Kaulza de Arriaga e os comandos da Força Aérea Portuguesa tomaram, quando todas as previsões apontavam que “os ventos de guerra” iriam rapidamente chegar às províncias ultramarinas portuguesas. Estranhamente, a maior parte da história publicada ainda nada menciona a esse respeito, pelo que é preciso recordá-las com insistência, para que constem. Refiro-me concretamente às decisões tomadas a partir da segunda metade da década de 50, na preparação para a guerra em África, e que foram: a decisão da construção das infra-estruturas aeronáuticas necessárias para que em todas e em cada uma das províncias ultramarinas, as mesmas estivessem já operacionais quando a guerra eclodiu em cada uma delas; a criação das Tropas Paraquedistas que, quando a guerra começou, tinham já um grau de preparação e de prontidão muito avançadas, e que foram as primeiras forças a chegar às zonas onde aconteceram os terríveis massacres no norte de Angola, e que até ao fim tiveram sempre um desempenho notável; finalmente o mérito, e a ousadia para a época, da criação do quadro das enfermeiras paraquedistas, que depois foram imprescindíveis nas evacuações dos feridos a partir dos próprios locais de combate.

Para além, evidentemente, do desempenho da Força Aérea Portuguesa na guerra, da sua operacionalidade e eficiência com que sempre actuou desde o início até ao seu fim; e com todas as suas componentes e funções, aérea, de transportes, paraquedistas, e de evacuação. Todos nós, os que fizemos a guerra no Ultramar, em terra ou na água, temos da FAP no seu conjunto, dos seus diferentes comandos, dos seus excelentes pilotos e de todos os seus especialistas, a imagem bem vincada que, mesmo em situações limite e nos locais mais isolados e difíceis, sempre nos apoiaram.

Como é bem demonstrado neste livro, a criação do Quadro das Enfermeiras Paraquedistas não foi um episódio e muito menos um pormenor da Guerra do Ultramar. Foi antes um projecto bem pensado, amadurecido, e posto em execução com todo o cuidado e empenho. O desempenho excepcional dos seus agentes, as enfermeiras paraquedistas, justificou-o plenamente, e a todos os títulos; como militares paraquedistas, como enfermeiras profissionais altamente qualificadas, como Pessoas de uma enorme estatura moral e humana.

Logo no início deste seu testemunho as autoras assumem com uma humildade exemplar que este livro não é uma obra literária, e que portanto não tiveram grandes preocupações quanto à forma. Tiveram antes como principal objectivo relatar a sua vivência na guerra, mas também na FAP e no Regimento de Paraquedistas, a que ainda hoje, com muito orgulho e empenho, ainda se reclamam de pertencer. É pelo seu conteúdo que este livro é impressionante; pela humanidade e humildade que põem em cada palavra, pelo sentimento com que descrevem as terríveis situações por que passaram, pela simplicidade como relatam cenas de uma grande violência, como abrem as suas almas e o seu coração e dizem o que pensaram e sentiram em todas as situações da vida que então viveram.

Como o livro contém muitos depoimentos individuais das suas autoras, e que são imprescindíveis para se conhecer o que foi a sua vida e as suas emoções durante os 13 anos de guerra, era impossível evitar algumas repetições. Curiosamente, ou talvez não, o que é mais repetido são os seus comentários sobre a FAP e as unidades paraquedistas, com a manifestação permanente do orgulho que ainda sentem por terem pertencido a esta Instituição e às tropas paraquedistas, e com os seus agradecimentos pelo calor do acolhimento que tiveram, e pelo apoio que sempre sentiram. Como todas referem, “os tempos de Tancos foram uns tempos magníficos”.

Citando o que no início desta obra escrevem, «As autoras assumem-se aqui, neste livro, simplesmente como gente que viveu a dor dos outros, gente igual a tanta gente; ”gente que tratou gente”…». Acrescento, da minha parte, o que os combatentes delas sentiam, “Gente bonita, por dentro e por fora!”, o que hoje ainda se aplica por inteiro e em toda a dimensão. Esta frase foi um comentário de um militar de uma das companhias que comandei numa evacuação dramática como todas foram. A razão que a provocou, foi apenas uma manifestação de carinho e de solidariedade da enfermeira em causa, que depois de embarcar no helicóptero o ferido grave, ainda teve um gesto que calou fundo em todos nós que estávamos perto, e que foi, só, dar um toque nas costas do socorrista do exército que até aí tinha estado a tratar o ferido. É bem verdade que na vida há pequenos gestos que se tornam enormes pelas suas circunstâncias e sentimento, que classificam moralmente os seus autores, e que por isso ficam para sempre com quem os presencia.

Como revelam, a inspiradora da ideia da “Enfermeira Paraquedista” foi uma mulher portuguesa, Isabel Bandeira de Melo, filha dos condes de Rilvas, que desde muito jovem foi uma apaixonada por actividades aéreas. Em França frequentou cursos de pilotagem de aviões e de balões de ar quente e ainda de paraquedista. Nessa sua permanência no exterior conheceu um grupo de médicas e enfermeiras da Cruz Vermelha Francesa que eram paraquedistas e que tinham actuado na então Indochina francesa e na Argélia, como os livros publicados na época referem. Sendo das relações do TCor Kaulza de Arriaga, então Secretário de Estado da Aeronáutica, convenceu-o da bondade da ideia, que depois até foi apadrinhada pelo Presidente do Conselho de então, Prof Oliveira Salazar, que ainda recomendou, a propósito, que a selecção das voluntárias devesse ser feita nas escolas de enfermagem religiosas então existentes.

Na primeira parte deste livro as autoras relatam-nas as suas vidas até à opção que tomaram de serem enfermeiras, e depois enfermeiras paraquedistas. As terras onde nasceram vão do Minho ao Algarve, e uma delas em Santo Antão, Cabo Verde. Representam o Portugal autêntico, com as suas diferenças ainda hoje prevalecentes entre os residentes dessas várias regiões do País. Descrevem de uma forma muito simples, mas muito completa e objectiva, como era a sociedade portuguesa nesses tempos já longínquos. E não esquecem nenhum dos seus aspectos mais relevantes, como a extrema pobreza de então em largos estratos da população, a imensa iliteracia reinante, a enorme pressão sobre os costumes e as mentalidades, sobretudo nas aldeias. Como referem, desde cedo aprenderam a viver com muito pouco e com dificuldades, o que, reconhecem, lhes granjeou uma grande capacidade de resistência às adversidades, que lhe foi útil face às muitas dificuldades que depois tiveram de enfrentar.

Lisboa era então vista pelo Portugal profundo como o “antro do vício” onde os riscos para uma rapariga nova, bonita e sozinha, eram enormes; ser então enfermeira, e ter trabalhar de noite, era um enorme perigo; ser paraquedista e viver num quartel no meio de homens, era hipótese impensável. Percebem-se muito bem as dificuldades que tiveram que ultrapassar; primeiro junto das suas famílias, o que contam com uma grande ternura, depois nas suas aldeias e na sua roda de amigos. Além disso tiveram que enfrentar imensos tabus, e assim contrariar o que era considerado o papel tradicional da mulher na sociedade portuguesa. Foram por isso notáveis pioneiras na luta pela emancipação da mulher, com a força da relevância que tiveram pelo seu extraordinário desempenho, em todos os aspectos, durante a guerra do Ultramar.

Depois de terem tomado como opção de vida a enfermagem, fizeram o seu caminho conforme as habilitações que então tinham, mas principalmente conforme as possibilidades financeiras dos seus pais. Ao tempo havia 2 cursos de enfermagem, um de Auxiliares de Enfermagem menos exigente na escolaridade já feita, o outro, mais completo e mais longo, e com mais anos de escolaridade de exigência. Revelando a sua garra e a sua determinação algumas das já Auxiliares de Enfermeiras, conseguiram tirar depois o Curso Geral de Enfermagem com o dinheiro ganho no exercício da sua actividade, e com o sacrifício do seu merecido descanso.

Eram já enfermeiras profissionalmente bem preparadas, experientes, e especialmente motivadas, quando em 26Mai61 as primeiras onze voluntárias seleccionadas se apresentaram em Tancos para o primeiro curso de enfermeiras paraquedistas. É muito interessante ler as suas impressões sobre a sua entrada no BCP, o ambiente amigo e respeitoso que encontraram e sempre ali tiveram, as enormes dificuldades físicas e psicológicas que tiveram valentemente de ali vencer, o muito esforço físico a que foram submetidas e a que não estavam habituadas, as muitas nódoas negras, a torre de saltos, os seus medos, os saltos que cumpriram galhardamente, os campos do Arrepiado, o Tejo e as preocupações de nele não cair.

Através deste livro percebe-se bem como foi cuidado e acarinhado pela FAP este projecto. Primeiro pelo conceito aprovado, depois pelo rigor posto na sua aplicação, finalmente pelo continuado acompanhamento do seu desenvolvimento introduzindo os ajustamentos que a realidade foi depois aconselhando. A escola de enfermagem escolhida para efectuar a selecção e a angariação de potenciais voluntárias foi a Escola das Franciscanas Missionárias de Maria, na altura uma escola de enfermagem muito prestigiada. Após serem seleccionadas, apresentaram-se em 06Jun61 em Tancos onde durante 12 semanas fizeram a normal formação de paraquedistas, um treino duro que lhes foi ministrado com exigência. Finalmente em 08Ago61 receberam com reconhecido orgulho e entusiasmo a boina verde e o brevet de paraquedista que tanto ambicionavam. Logo de seguida, os primeiros cursos estagiaram nos serviços de Urgência do Hospital de S José e no Hospital Militar Principal onde nessa altura já havia feridos de guerra evacuados de Angola. Depois, o estágio passou a ser feito nos Açores no Hospital da FAP até 1968; nos últimos anos o estágio passou a ser realizado já em operações, sendo acompanhadas nas primeiras evacuações por outra enfermeira já experiente no local.

Veio então a guerra. As primeiras a aterrar em África chegam a Luanda em 12Out61. A partir daí e até ao seu fim estiveram sempre presentes em todas as situações delicadas. Primeiro no desastre do Chitado em 16Nov61, na muito penosa identificação dos cadáveres carbonizados que ali encontraram, e na posterior assistência às famílias dos mortos e no seu acompanhamento no regresso a Lisboa. Em Dezembro de 1961, quando da invasão dos territórios portugueses da India, foram deslocadas para Karachi onde estiveram cerca de 2 meses a assistir as mulheres e crianças entretanto evacuadas daqueles territórios. Depois, e até ao fim de 1974, estiveram presentes em todos os locais onde a guerra foi mais intensa e dura.

Em Angola a guerra já se tinha entretanto iniciado; na Guiné e Moçambique eclodiu nos anos seguintes. Face ao sucesso que constituiu o primeiro curso de enfermeiras paraquedistas, e à sua rápida e fácil adaptação ao ambiente operacional, extinguiram-se os receios até aí existentes quanto à utilização de mulheres na Instituição Militar. E assim outros cursos se lhe seguiram, agora já abertos a voluntárias provenientes de todas as escolas de enfermagem do País.

Até ao fim, estiveram presentes em todos os locais onde a guerra foi mais intensa e dura. E também estiveram nos aviões de longo curso da FAP que transportavam feridos do Ultramar para os Hospitais Militares de Lisboa. Estes aviões eram autênticas enfermarias voadoras, onde as enfermeiras tinham a responsabilidade de manter as funções vitais dos feridos, durante viagens muito longas e prolongadas sobre a África e o oceano Atlântico. Mas também controlar a ansiedade dos feridos e os problemas psicológicos de muitos perante o momento terrível de, naquelas condições de diminuição física, quase sempre para o resto da vida, aparecerem às suas famílias que ansiosamente os esperavam em Lisboa, às horas sempre tardias de chegada dos aviões.

A guerra do Ultramar no seu conjunto foi extremamente longa, dura e exigente. Recordo que estiveram nela envolvidos cerca de um milhão de portugueses, que nela morreram 8,300 combatentes, da Marinha, do Exército e da FAP, a maior parte em combate. E os feridos foram muito perto de 26,300, dos quais muitos, estropiados e deficientes para a vida, de que não se sabe o número oficial, e que hoje são a prova viva dos horrores de então.

A guerra, qualquer uma que seja, é sempre o mal absoluto, em que o sacrifício, o sangue, o sofrimento, as feridas monstruosas, e as terríveis mutilações estão sempre presentes. Foi com todos estes horrores, na circunstância os mais duros e dolorosos, que as enfermeiras paraquedistas portuguesas quase diariamente se confrontaram durante 13 anos. Sem um lamento, sem um desfalecimento, sem qualquer apoio psicológico exterior, valendo-se apenas dos mecanismos de autodefesa que foram criando, e do muito convívio e apoio dos seus camaradas da FAP e paraquedistas nas instalações que ocupavam.

Como detalhadamente descrevem, as evacuações efectuadas a partir dos locais de combate foram sempre situações complicadas. Onde correram enormes riscos – que nunca mencionam por modéstia - mas que era a constante nessas situações, com muitos tiros e rebentamento de granadas no local. As imagens vivas, que ainda hoje perduram perante nós dessas ocasiões, são: a coragem e a perícia do piloto em poisar o helicóptero em sítios que pareciam impossíveis, ou aterrar o avião em pistas rudimentares; a enfermeira paraquedista, quase sempre a correr para os feridos, completamente indiferente ao que ao lado se passava, e pondo muitas vezes ordem na confusão eventual existente; e o cabo mecânico com uma maca a ajudar no exterior do meio aéreo. As equipas de evacuações eram realmente equipas magníficas, de coragem, de generosidade, e de fraternidade. Os riscos que correram tiveram consequências: uma das autoras faleceu nas condições trágicas que adiante referirei, outra levou um tiro na cabeça de que felizmente recuperou, outra escapou milagrosamente a um disparo de Strela que passou nas imediações do avião que a transportava; várias estiveram em aterragens forçadas das suas aeronaves em zonas fortemente controladas pelo adversário, no planalto dos Macondes (Moçambique) e na ilha do Como (Guiné).

Há um aspecto particular que foi de uma enorme importância e que consta aliás de vários depoimentos deste livro. À distância do tempo, ainda hoje me espanto com a percepção que as enfermeiras paraquedistas tão cedo adquiriram de como era penalizadora a existência de militares já mortos no terreno. E como tão generosamente depois resolveram o problema. Assumiram elas próprias o transporte de militares já cadáveres, o que não era permitido pelos regulamentos. Formalizavam o facto com o registo de que a morte tinha ocorrido minutos após a descolagem. Tal só foi possível, certamente, com a cumplicidade dos cabos mecânicos que as acompanhavam, com o fechar de olhos dos pilotos à situação, e com a compreensão posterior dos respectivos comandantes de esquadra.

Em campanha convive-se muito mal com a morte de alguém, que há instantes marchava a nosso lado, que era nosso irmão qualquer que fosse a sua cor ou graduação. Sei por experiencia própria, que é a de muitos infelizmente, quão doloroso é o transportar aos ombros um dos nossos, com o sangue, o vómito, e todos os fluidos de um corpo escorrendo para os camuflados; e com as nossas cabeças cheias de desespero, de raiva e de muitas de interrogações.

Porque em guerra, as enfermeiras paraquedistas, conviveram intensamente com um dos enigmas do nosso destino: apenas uma fracção de segundo nos separa da morte e da eternidade; há momentos de uma enorme intensidade, em que o tempo não existe porque não se pode medir; alguns instantes fugazes parecem uma eternidade, e são anos que nos fazem envelhecer, e que deixam marcas até à morte. Há aliás no livro uma afirmação de uma das autoras, que a partir dos horrores que viu e viveu em todos os TO, conclui: “A guerra era assim! Para quem a faz, para quem a sente, e para quem a presencia… um suplício”.

Os extraordinários depoimentos que escreveram sobre esses tempos são umas magníficas lições de humanidade e de dádiva pelos outros. E não só pelos combatentes portugueses, como também pelos combatentes do PAIGC e da FRELIMO, de que também sempre cuidaram com o mesmo desvelo, carinho e entrega. E ainda nas horas livres apoiando as populações nativas em postos de socorros primários, em aulas de educação sanitária, ajudando nas Missões contra a Lepra e a Elefantíase que existiam em Bissau, brincando com as crianças, esses “olhões brilhantes como sóis” como, com tanta beleza, estão aqui descritos.

O convívio agradável e amigo que sempre tiveram nas unidades da FA que as apoiavam ajudou-as muito a amortecer os dramas e as agruras de cada dia. Por vezes até tinham tempo de fazer renda e ensinar os vários tipos de pontos; houve tempo para cantar e de se divertirem em serões animados. E naturalmente também tiveram tempo de namorar; como era de esperar de gente nova e bonita, cheia de vida, de projectos e de ilusões. Não admira por isso as consequências posteriores, que foram os casamentos felizes de muitas das autoras com paraquedistas, aviadores e mais elementos da Força Aérea.

Como referem com frequência, em muitas situações de enorme tristeza rezaram a Deus e a Nossa Senhora do Ar por aqueles que tratavam. Fizeram-me lembrar, a propósito, um velho provérbio russo “Quem nunca fez a guerra não sabe o que é a oração”.

Alguns dos depoimentos que vão ler são de uma enorme violência e dramatismo como o referente à descrição do acontecido à enfermeira Celeste morta na Guiné, quando atingida por um hélice do avião que a ia transportar para uma evacuação. Uma enorme tragédia. O que descrevem, ilustra ao limite o que é sofrimento humano, e também a grandeza da Amizade, e a admirável dimensão humana de duas das autoras – que todas as outras também teriam tido, se fossem elas que tivessem estado presentes – ao tratarem durante horas do corpo morto da sua Amiga, para que partisse bonita, como tinha sido em vida!

Este vosso livro é, por tudo, mais um serviço extraordinário que prestam à sociedade portuguesa e à sua história. Os que foram combatentes vão lê-lo com uma lágrima nos olhos; os outros portugueses, com o espanto de uma realidade que julgavam nunca pudesse ter acontecido.

Por tudo o que as enfermeiras paraquedistas fizeram, muito mais do que relatam, lembrei-me da frase histórica do PM inglês Churchill aos cidadãos ingleses no final da II WW: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.

Todos os combatentes, e não só os que convosco directamente contactaram, nunca esquecerão como nos trataram e apoiaram, tudo o que fizeram por nós, o vosso magnífico desempenho profissional a que tantos devem a vida, ou a melhor recuperação possível de tantas mutilações, a vossa sensibilidade humana sempre presente, os pequenos gestos de ternura e afecto que sempre nos prodigalizaram e que tão profundamente nos tocaram em momentos de enorme sofrimento e dor que nunca se esquecem.

Que Deus vos guarde e proteja, como tanto merecem pelo bem que sempre praticaram.

Lisboa 26Nov 2014,
José Aparício,
TCor Inf (Ref)

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SOBRE A APRESENTAÇÃO DO LIVRO "NÓS, ENFERMEIRAS PARAQUEDISTAS"

Tivemos a oportunidade de referir anteriormente que os exemplares disponibilizados ao público pela Editora na sessão de apresentação do livro "Nós, Enfermeiras Paraquedistas" foram claramente insuficientes face à procura. Para além de muitos terem adquirido mais que um exemplar (estamos a aproximar-nos do Natal e um livro é sempre um bom presente), vimos vários interessados que traziam encomendas de pessoal a residir no estrangeiro interessados em receber esta obra. E, claro, uma série de gente (como algumas das co-autoras...) acabou por ficar de mãos a abanar...

Contactámos recentemente um responsável da Editora, que nos referiu estar prevista a distribuição do livro nos grandes centros livreiros só para o mês de Janeiro. Uma situação que se lamenta, pois prejudica quem gostava de ler já o livro, aqueles que gostariam de adquirir alguns exemplares para ofertas de Natal e, afinal, a própria Editora, que poderia ter feito um volume de vendas superior ao que possa vir a conseguir após estas limitações iniciais.

Sabemos que estão previstas apresentações do livro no Porto, em Aveiro e em Évora, que só ocorrerão no início de 2015. Sobre estas sessões, bem como a disponibilidade do livro nos escaparates, daremos informações assim que estas nos forem chegando às mãos.

Guiné 63/74 - P13993: Convívios (645): Almoço de Natal da Tabanca dos Melros, dia 13 de Dezembro de 2014 na Quinta dos Choupos, Fânzeres, Gondomar (Carlos Silva)

VAI REALIZAR-SE NO PRÓXIMO DIA 13 DE DEZEMBRO DE 2014 O TRADICIONAL ALMOÇO DE NATAL DA TABANCA DOS MELROS, SENDO, COMO É HABITUAL DURANTE TODOS OS MESES DO ANO, ANFITRIÃO O NOSSO CAMARADA GIL MOUTINHO NA SUA QUINTA DOS CHOUPOS, EM FÂNZERES - GONDOMAR


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13931: Convívios (644): encontro de fim de estação da tropa enquadrada na Magnífica Tabanca da Linha (texto de José Manuel Matos Dinis; fotos de Manuel Resende)

Guiné 63/74 - P13992: Parabéns a você (826): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73)


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Nota: Foi comunicado ao Blogue o falecimento do nosso camarada Armandino Alves no passado dia 4 de Novembro, pelo que retiramos o postal de parabéns.
A ser verdade, aqui deixamos os nossos sentidos pêsames à família.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13986: Parabéns a você (825): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil do Pel Canh S/R 2054 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13991: Memórias de Gabú (José Saúde) (47): Vidas


O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.


As minhas memórias de Gabu

O Mundo é pequeno e as nossas recordações gigantescas

Vidas

Não obstante a velocidade estonteante que contempla um desgastar imutável de vidas que vão paulatinamente marcando gerações, eis-nos perante uma realidade que consome nacos de uma existência humana que marcará eternamente a nossa presença neste cosmos terrestre.

Assumindo a minha condição de exímio sexagenário, sou, de quando em vez, embalado ao colo, da minha saudosa mãe admito, por um sentimento nostálgico onde as luzes da ribalta transcende o hino das emoções e me conduzem, quiçá inadvertidamente, a vidas sentidas dos tempos de tropa.

Tempos em que nós, miúdos e de caras joviais, dávamos um pontapé nas estrelas, sendo que nesse exorcismo irreal deixávamos um sinal claro que o nosso futuro passava irremediavelmente pelo dia da chamada do futuro mancebo para engrossar as fileiras do exército lusitano.

Porém, uma certeza invadia as nossas almas: a guerra no Ultramar. Ou seja, um cenário gigantesco que ditava como encenação provável uma comissão militar em território de além-mar. Mas, existiam também nuances que acarretavam preocupações acrescidas a rapazes que viviam anos de uma efervescente juvenilidade. O futuro, sempre imensurável, sugeria um sonho que nos fazia sorrir. A guerra era coisa distante. Parecia.

Todavia, escondido no nosso ego lá permanecia uma faixa negra onde se lia: segue em via rápida uma encomenda que transporta “carne para canhão”. Ainda assim, a utopia transmitia um similar de odores onde esperança falava mais alto. “Vou à guerra mas regressarei um dia são e salvo ao meu rincão sagrado. Não quero medalhas mas exijo apenas um simples reconhecimento pelos momentos de padecimento. Ponto final”.

E muitos regressaram isentos de malazengas contraídas nos campos de batalha. Outros, infelizmente, chegaram tendo à sua espera uma secção de militares do quartel mais próximo que honrava o defunto com uma rajada de G3. Depois seguia-se o discurso que embelezava o fúnebre momento, frisando o oficial de dia o heroísmo do camarada agora já cadáver. Bolas, que púdica linguagem!

A tropa apresentou-se, creio certamente, para todos nós como uma universidade da vida na qual recolhemos informações que nos levaria a efetivos doutores de uma licenciatura concluída num mar de aventuras e que coabitava com o desenrolar das nossas vidas. A tropa foi, e afirmo obstinadamente, uma inquestionável experiência que muito nos ensinou.

Lembro o dia 10 de outubro de 1972 quando dei entrada como mancebo no CISME, em Tavira. Depois veio Lamego, Operações Especiais/Ranger. O dia 4 de janeiro de 1973 traçou-me um novo destino. Abençoado pela Serra das Meadas, a bíblia dos futuros rangeres, tornei-me um exemplar militar e adquiri louros para uma especialidade que me fez crescer na sua plenitude. Seguiu-se a Guiné e Gabu recebeu-me com “pompa e circunstância”.

Recordo o dia que ousei desafiar calendas escondidas e obrigatoriamente parti para uma comissão militar na Guiné. Num outro lado de África esperava-me o solo guineense. Constatei de imediato que o bafo causado pela aquela terra vermelha me aconselhava cuidados atempados.

Cuidados que, posteriormente, disparavam em todas as direções. O dia-a-dia em Gabu evidenciava novas aventuras. Aventuras que coincidiam com patrulhamentos, com proteções às colunas, quartel e pista de aviação, com visitas permanentes a tabancas, com operações, com saídas constantes para o adensado mato, enfim, um rol de procedimentos comuns imputados a um operacional em tempo de guerra. 

Lembro, também, outros momentos em que o clima de África contemplava as nossas vidas. O paludismo, que me visitou por três vezes, derrubou-me mas levantou-me. Foi uma espécie de ataque de morteiro sem recuo onde a versão primária levou o debilitado combatente a exercitar a sua já usada condição de ranger. Não houve feridos com gravidade, ficando, contudo, a experiência acumulada.

E é neste permanente propagandear de vidas preenchidas em território da Guiné, que me ocorrem situações em que o facilitar permitia o desenvolvimento de momentos caóticos. Alguns fatídicos.

Jovens militares que acreditam na sorte. Vidas que, inconscientemente, se perderam. Tão-só porque não premeditavam no futuro imediato. Facilitavam. Depois vinha a desgraça.

Para uma reflexão aos camaradas sobre as nossas vidas como antigos combatentes na Guiné, fica este meu pequeno texto para avivar memórias do nosso tempo de tropa.

A preparação de um futuro ranger 
Como ranger "encartado" 
Numa coluna que transportava gente nativa, material de guerra e alimentos

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

4 DE DEZEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13972: Memórias de Gabú (José Saúde) (46): A minha máquina fotográfica Olympus. Obrigado pelas tuas imagens

Guiné 63/74 - P13990: A minha máquina fotográfica (3): (i) A Kodak Brownie Fiesta foi, depois da G3, a minha segunda companheira do mato (Vitor Garcia, ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71); (ii) tive uma Olympus Trip 35 (António Murta, ex-allf mil inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)

1. Comentário de António Murta [ex-Alf Mil Inf  Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74]

Camarada Mário Gaspar (*)

Tive uma Olympus Trip35 com características muito parecidas com as da tua Canon Canonet. Quando tive que a substituir foi um grande desgosto. Mas ainda a guardo.

A mítica Olympus Trip 35, de que se terão vendido
10 milhões de unidades entre 1967 e 1984...
Ideal para se tirar fotos em férias (daí o nome
do modelo, "trip"),  despreocupadamente

Dizes que a tua tinha «um erro de paralaxe». Vou fazer-te uma correcção,
se me permites, não para armar aos cucos porque os meus conhecimentos são modestos, mas porque sei que vais ficar ainda mais admirador da tua Canon. É o seguinte: a Canon tinha um erro de paralaxe, porque todas as máquinas compactas tinham esse erro, mesmo a lendária Leica dos grandes fotógrafos (ou dos ricos). Isto devido a que o visor por onde víamos a imagem estar afastado do eixo da objectiva que, por sua vez, está a "ver" uma imagem diferente. O ângulo entre o eixo da nossa visão e o eixo da objectiva para o mesmo alvo, é que é o tal erro. Isto, para distâncias curtas (os manuais informavam), porque a partir aí de 1,5 m esse fenómeno não se verificava. Por isso é que quase todas tinham uma "moldura" brilhante no visor para nós corrigirmos o enquadramento.

Isto não se passa nas Reflex porque a imagem que nós vemos pelo visor "entrou" pela objectiva e chegou-nos através de um espelho e de um prisma. Portanto, só há um eixo de visão.

Esperando que não te melindres com este atrevimento, deixo-te um abraço com muita estima.
António Murta (o Periquito)




Máquina Kodak Brownie Fiesta
Fotos: © Victor Garcia (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



2. Mensagem de  Victor Garcia [ ex-1º cabo at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71]

Caros camaradas

No seguimento da vossa sondagem sobre a máquina fotográfica na Guiné, há qual já fiz o meu voto no vosso Blog, aproveito para vos enviar duas fotos tiradas á momentos, da minha segunda companheira na Guiné (a principal companheira era a minha G3)

Foi com esta máquina a qual ainda hoje a guardo com muita estima, e que embarcou comigo no dia 22/10/1969,  no Paquete Uíge, rumo á Guiné, que tirei praticamente a totalidade das fotografias que constam na minha página pessoal, que os camaradas amigos já conhecem, disponível em:

http://www.vitor-garcia.com/2639Guine.php

Espero com este meu testemunho ter contribuído para o sucesso da vossa sondagem e despeço com um fraterno abraço a todos vós e os votos de um Bom Natal.
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Guiné 63/74 - P13989: A minha máquina fotográfica (2): (i) a minha velhina Yashica Yashinon 1: 2.8 f= 4.5cm, comprada no T/T Uíge: e (ii) os calotes dos trabalhos fotográficos em Empada (Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 / BCAÇ 1932, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69))




A velhinha Yashica Yashinon 1: 2.8 f= 4.5cm, do Manuel Serôdio


Fotos: © Manuel Serôdio (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mensagem, de hoje, do Manuel Serôdio [. camarada que vive em Rennes, Bretanha, França: ex-fur mil CCAÇ 1787 / BCAÇ 1932, Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69]  [foto à direita]
 

Amigo e camarada, aqui vai umas fotos da minha velhinha YASHICA, que ainda hoje guardo como uma relíquia, comprada a um tripulante do Uíge em Outubro de 1967 durante a viagem de ida para a Guiné. Minha companheira de tantas patrulhas, emboscadas, operações, e de lazer, quase todas reveladas num "laboratório improvisado" pelo amigo Sargento Santos,  do quarto pelotão.

Fui o "ajudante" do Santos em tirar fotos seja a militares ou civis. Como a máquina do Santos era de qualidade superior à minha, quando eu saía para o mato, levava-a tal como um "jornalista de guerra". Ainda hoje guardo dezenas de fotos reveladas nesse "laboratório de mato". 

Por vezes acontecia que o trabalho do "fotógrafo" não era recompensado, como a provar esta história passada em Empada. Um africano, Beafada, milícia meu conhecido, pediu certo dia para eu fazer um álbum com uma série de fotos que eu faria durante uma batucada familiar. Com a aprovação do "mestre" Santos, o trabalho foi feito, as fotografias coladas num ábum comprado em Bissau, e entregue ao milícia, que se prontificou a pagar dias mais tarde, quando recebesse a "solde" [o pré], 

Os tempos passaram, o pagamento nunca foi feito, eu fiquei sem o dinheiro da película, o Santos sem o dinheiro das revelações, e o milícia ganhou um álbum de fotografias. 

Havia uma folha dividida em duas categorias, de um lado os CERTOS, e do outro os CALOTEIROS. Ai ai ai, a segunda lista era muito completa, mas enfim......tempos difíceis num país cheio de más intenções.

Um abraço amigo a todos os antigos combatentes.

Guiné 63/74 - P13988: Notas de leitura (655): Apresentação do livro "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961-1974)", dia 12 de Dezembro de 2014, pelas 21h30, na Sala Manoel de Olivera, em Fafe (Beja Santos)

CONVITE PARA O LANÇAMENTO DO LIVRO "O CONCELHO DE FAFE E A GUERRA COLONIAL (1961-1974), A LEVAR A EFEITO NO PRÓXIMO DIA 12 DE DEZEMBRO DE 2014, PELAS 21H30, NA SALA MANOEL DE OLIVEIRA, EM FAFE.
A APRESENTAÇÃO SERÁ FEITA PELO NOSSO CAMARADA MÁRIO BEJA SANTOS QUE TAMBÉM PREFACIOU A OBRA.





Fafe na luta contra o esquecimento

Prefácio de Mário Beja Santos

A obra “O concelho de Fafe e a guerra colonial (1961-1974)”, com a chancela do Núcleo de Artes e Letras de Fafe, é uma iniciativa exemplar: destas paragens partiram para três teatros da guerra africana mais de 1500 jovens, houve vidas ceifadas e vidas destroçadas, há mágoas insanáveis, há ainda memórias em carne viva, para muitos há uma guerra ou um tumulto que adormece com intermitências, sucedem-se, inopinadamente, rebentamentos e gritos de feridos que vão e vêm, e que deixam sofridos, stressados, não poucos desses combatentes, repercutindo-se esta dolorosa agitação nas suas famílias.

Fafe, ao longo destas últimas décadas, evoca-os com tocante dignidade, e mediante várias iniciativas ímpares. O documento agora à disposição do público, e de que fui cumulado com a honra de apresentar, congrega diferentes intervenções dentro de um curso livre de história local. O leitor passa a ter à sua disposição olhares de gente da terra que se irá debruçar sobre o contexto internacional em que fermentou, se preparou e desencadeou a guerra de guerrilhas em Angola, Guiné e Moçambique. O que aqui se escreve é fidedigno, probo, irrefutável. Esse mesmo leitor estremecerá quando vir partir estes jovens mal preparados e até profundamente desconhecedores dos lugares para onde são levados. Tudo fica sumariamente explicado desde os centros de instrução, a formação de batalhão, a existência de uma unidade mobilizadora, as rendições individuais, a chegada a África, o ponto de partida para a viragem de um jovem em adulto, porque todos aqueles teatros mexeram com a gente, mudaram a gente: na abnegação e na solidariedade; a cuidar da solidão e a gerir saudades; a descobrir a liderança e o sentido das responsabilidades com a vida dos outros em jogo; a ver a morte de perto e a engolir as lágrimas; por causa desta guerra se sulcaram dimensões imprevistas, desde a higiene e os cuidados com o corpo, até às novas dimensões do que é essencial e secundário nas nossas escolhas, e para todo o sempre.

O que prontamente me impressionou foi constatar que este minucioso estudo local tem foros de universalidade, há ali dimensões do país todo, aqueles testemunhos, aqueles relatos de operação são genuinamente portugueses, apesar de todos nós termos um apodo local: o Setúbal, o Xabregas, o Açoriano… Um estudo onde há mortes em combate e por acidente, heróis e desaparecidos, moribundos que não se deixam em terra de ninguém, há gente que se atira ao rio para salvar o camarada; há filhos nascidos de relações espúrias ou paixões assolapadas. Estão ali os fafenses, estão ali todos os portugueses que combateram em todas as paragens africanas. Igualmente interessante é o estudo da imprensa, uma análise cuidada, estão ali as mensagens de exaltação nacionalista, saídas de professos como houve em tanta imprensa nacional e regional daqueles tempos, como se vai ler noticiário de partidas e chegadas, com crónicas de militares e variadas peças literárias.

Alguns autores fazem depoimentos circunstanciados sobre as suas comissões, lendo-as, dei comigo a pensar sobre o que tenho refletido acerca de literatura da guerra colonial. E como há um estudo cativante neste livro sobre as memórias literárias na guerra colonial, convocando fafenses, permito-me dissertar sobre a importância desta literatura que procuro dedicadamente estudar há alguns a fio, vazando para este espaço o que penso sobre esta corrente nascida com o desencadear das hostilidades e que só desaparecerá quando se finar o último combatente da guerra colonial.

Primeiro, é um fenómeno literário irradiante, abarca romance e conto, memórias, ensaio, poesia, reportagem, história e diários. Nela debutaram e aprimoraram o seu talento escritores inesquecíveis como Álvaro Guerra, João de Melo, José Martins Garcia, Lídia Jorge ou António Lobo Antunes. Há centenas e centenas de títulos e agora, que estes plumitivos estão na reforma, estes ex-combatentes escrevem torrencialmente. De um modo geral, escreve-se uma vez e fica tudo dito, é o que eu chamo o primeiro e último regresso. Há casos excecionais de reincidência, como Armor Pires Mota que escreveu Tarrafo em 1965 e continua a escrever, parece que nunca mais deixou a Guiné.

Segundo, é um subgénero literário que possui uma marca própria, o que se escreve sobre a Guiné não é coadunável com Angola e Moçambique. É que as guerras não são só emoções, podem ter ficado nas memórias tiros e rebentamentos, o medo das minas, a fúria das emboscadas, mas os “inimigos” tinham localização e natureza diferenciadas, todos estes palcos de guerra eram intransitáveis. Tenho lido livros sobre Angola em que há caminhadas sobre montanhas, viagens de centenas de quilómetros, pode haver parecenças com Moçambique, absolutamente impossível com a Guiné. Transcrevo o que já escrevi: “Atenda-se ao relevo da Guiné, com os seus pântanos e onde cresce uma vegetação eriçada, um temível obstáculo para quem queria progredir a partir de uma lancha, para se internar rapidamente na mata; havia aquelas marés que até enganavam os profissionais, aquelas distâncias aparentemente curtas que se tornavam em infindáveis marchas onde até os guias se perdiam e os azimutes falhavam. Os palcos de guerra têm todos a sua identidade e a Guiné é este tarrafo, os poilões, os lagartos à espreita nas bermas das águas barrentas de cursos de água sem nascente; a Guiné tem o seu crioulo, os seus tornados, o seu macaréu, na Guiné se encontrava a lepra e as mais terríveis doenças tropicais. E, acredite-se ou não, o combatente do PAIGC tinha uma vontade indómita, era corajoso e com bravura enfrentava essoutros combatentes que não lhe voltava as costas”.

Terceiro, como em tudo na vida, este subgénero literário está marcado pelo tempo e o espaço. Nos anos 1960, era uma literatura de exaltação patriótica, de glorificação do esforço do soldado português; na década de 1970, com discrição antes do 25 de Abril e às escâncaras com a democracia, começaram os libelos acusatórios, apareceram peças ímpias ou truculentas; nos anos de 1980 e daí em diante a escrita parece que serenou, mesmo a ficção ganhou vincos memoriais. E escreveram-se memórias de toda a ordem e feitio, do punho de gente de todos os ramos das Forças Armadas. Um pouco à margem, publicaram-se documentos históricos como aqueles que foram assinados por João de Melo, Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, José Freire Antunes. Agora a escrita parece mais desinibida, parece que a memória está menos recatada, mas há uma extrema necessidade de pôr a pratos limpos a experiência avassaladora que se quer comunicar. Exemplifique-se com uma passagem de um livro importante, As Ausências de Deus – No Labirinto da Guerra Colonial, de António Loja (Âncora Editora, 2.ª edição, Abril de 2013):  
“Não teve tempo de dizer-me que havia uma mina na picada porque, na certeza enganosa de que o terreno que antes calcara estava livre, colocou o pé sobre outra, já tinha passado sem notar e que explodiu com violência. Mamadú ficou desfeito, literalmente, em pedaços espalhados pela picada e escorrendo derrames das árvores; e Abdulai, que vinha logo atrás, foi apanhado por um estilhaço que o atingiu na parte superior do tórax. Deu dois passos na minha direção, dizendo: 
- Ai, meu capitão! Meu capitão! - De um buraco abaixo da clavícula jorrava, a cada batida do coração, um repuxo de sangue que me atingiu a cara, os óculos e me escorreu para o nariz e para a boca. Sustentei-o debaixo dos braços e pousei-o devagar sobre as folhas das árvores, no meio da picada, enquanto toda a companhia assumia posições de defesa. Nunca consegui esquecer o sabor do sangue ainda quente e o cheiro adocicado e logo nauseabundo que me invadiu as narinas. Disse-lhe uma mentira piedosa:
- Vem aí o enfermeiro. Vais ficar bem! Já mandei vir o helicóptero…
Espero que ele tenha acreditado, nos breves segundos que levou a morrer. Só que na morte não há breves segundos. É um tempo sem relógio. É toda a eternidade de um fim que parece nunca chegar. Morreu a esvair-se em sangue que ninguém poderia estancar. O que recordo com horror é a minha reação seguinte: ainda ajoelhado junto dele, inclinei-me para o lado e vomitei, de um modo incontornável, ali a dois passos do cadáver do meu camarada”.

Quarto, esta literatura é tão ou mais importante que os relatos das operações, as histórias das unidades militares, os ensaios interpretativos de toda a índole. Constituída, em grande parte, por edições de autor, e sem grandes pretensões de chegar ao grande público, acolhe testemunhos soberbos de oficiais, sargentos e praças. Um dos autores do livro observará: “A guerra não acaba. Fica em nós até ao nosso fim. E fica a obrigação de nos reconstruirmos e ensinar o que aprendemos, de tentar encontrar uma virtude e um sentido para a vida”. E lendo os poemas dos combatentes de Fafe leio toda a poesia que chegou a esta metrópole por aerograma ou carta, enviada à mulher ou à noiva ou a familiares, e que parece ser fado militar, acima de qualquer patente, são homenagens aos mortos, lembranças à mãe que está longe, por vezes versos de desalento. São narrativas de circunstância, tal o choque daquela mina ou daquela emboscada. E há os reencontros, na justa medida em que estes militares teimam em ver-se, reúnem-se anualmente de Norte a Sul do país e em momentos mais solenes como o cinquentenário da CCAV n.º 587, que ficou inoperacional ao fim de um ano de combate, tantos foram os mortos e os feridos. E li com emoção neste documento o que escreveu Parcídio Summavielle, que não vejo há tanto tempo e de que guardo apreço e admiração, a propósito deste meio século daquela unidade militar devastada, algo que vai de Fafe para o país inteiro e que nos convida a continuar a trilhar a pesquisa, a acumulação de testemunhos e o render de homenagem a quem parece destinado ficar numa nota de rodapé na história de Portugal:
“Durante dois longos anos aprendemos a saber como e quanto é desgastante viver a incerteza e a incógnita do amanhã! A vida jogava-se numa roleta quase diária, numa angústia de nervos à flor da pele, numa esgotante luta contra o medo. Mas havia que resistir, que tudo fazer para, ao fim do dia, poder riscar mais um dia no calendário (…). Lá longe, aprendemos também o valor incomensurável da chegada do correio, do refúgio da sua leitura, da importância desse laço que, por instantes, nos unia ao mundo a que tínhamos sido arrancados. E, impotentes, aprendemos ainda a iniquidade, a irracionalidade e falta de sentido de tal conflito armado.
Por tudo isto, porque a memória não se deve varrer e muito menos apagar é que hoje aqui estamos (…)”.

E é por hoje aqui estarmos que estes testemunhos são valiosos. Fafe está de parabéns pela memória que conserva. Que todos os outros lugares de Portugal ponham os olhos nesta dedicação, nesta permanente lembrança em nome dos feridos e dos mortos, para que o porvir deles aproveite a lição.

Lisboa, 5 de Novembro de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13977: Notas de leitura (654): Reimpressão do livro “Crónica dos [Des]Feitos da Guiné" da autoria de Francisco Henriques da Silva (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P13987: A minha máquina fotográfica (1): (i) da velhíssima Kodak do meu pai à minha Canonet; (ii) da Filmarte (Lisboa) à Foto Íris (Bissau); e (iii) das minhas fotos importantes, a preto e branco (Mário Gaspar, ex-fur mil at art minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

Foto 1 – A muito antiga Kodak do meu pai


Foto 2 – A Minha Canon – Canonet, comprada em Ganturé, a um alf mil da CCAÇ 728.

Fotos: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]



1. Texto, com data de 2 do corrente, do Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]



Sondagem: Máquinas (Fotográficas, Fotografia(s), há 50 anos Atrás...

por Mário Vitorino Gaspar


[, foto à esquerda, em Gadamael, no final da comissão]


Camaradas:

Queria adquirir uma Máquina Fotográfica para substituir a velhíssima Kodak do meu pai – que curiosamente fazia milagres, e sem quaisquer filtros – admirando-se o Fotógrafo que revelava os rolos da nitidez das fotos.

Tirei fantásticas imagens da natureza com a velhinha Kodak – ainda a possuo – e muito jovem tive esta paixão e recordo ainda uma a foto do Carnaval do Estoril; outra numa mesa repleta de copos e um maço de tabaco SG. E aquela de uma bateira do rio Tejo, embarcação usada pelos avieiros, os oriundos de Vieira de Leiria? Por último – e entre outras – a da chaminé da Fábrica do Cimento Tejo, com um fumo ténue (que foi bastante elogiada por fotógrafos amadores de Alhandra, devo-a ainda possuir). Hoje a cimenteira é a Cimpor. Devo ter escondido em qualquer canto a saborosa bateira do Tejo.

Mas sempre gostei das fotografias a preto e branco. Continuo a pensar o mesmo nos dias de hoje.

Quando parti para a Guiné, não levei a velhota Kodak, pensando comprar uma em Bissau – de preferência japonesa, trazida de Macau tal como como os relógios Seiko – que tinham muita procura. Não desembarquei em Bissau, indo logo com bagagem para uma LDM e Batelão BM­‑1. Ficámos espantados, visto julgarmos desembarcar na capital. Seria de esperar um desembarque em Bissau. Deram­‑nos uma maçã, um quarto de pão, uma laranja, um ovo e um destino incerto. Depois de encaixotados avançávamos por via fluvial estreita, o mato quase que nos tocava.

A compra da máquina fotográfica fora adiada. Entretanto em Ganturé comprei uma Canon – Canonet a um Alferes Miliciano de rendição individual da CCAÇ 798 que julgo chamar-se Santarém. O negócio foi efectuado como uma brincadeira. Pus uns patacões na minha mão bem fechada, e disse ao Camarada Alferes que lhe dava toda a "guita" escondida, em troca da dita máquina. Riu e aceitou o desafio. Respondi que nada estava resolvido porque tinha de pagar uma rodada para todos: 2 Alferes Milicianos (um era ele) e três Furriéis Milicianos. Ficou-ma a Canonet em 850 patacões [ pesos]. Possuía um erro de paralaxe, mas como verifiquei na prática o mesmo, não era problema.
A máquina fotográfica era mesmo uma dádiva divina – dos Oficiais e Sargentos – não me recordo de um Praça possuir esse luxo. Mas mesmo estes eram poucos os que as possuíam. Isto na CART 1659, penso não ser generalizado, até pela existência de inúmeras fotos espalhadas em todo o país que relatam a Guerra Colonial nas três frentes.

Enviava para a Metrópole, rolos e rolos para os Laboratórios Fotográficos da Filmarte, em Lisboa. Desapareceram-me dois rolos de 36 fotos cada, praticamente todos tirados no "corredor da morte" e julgo ter sido a PIDE, porque eram documentos que denunciavam uma guerra. Recebi dois rolos em branco. Em Outubro de 1995 vim a ver uma dessas fotos numa Exposição sobre a Guerra Colonial na Fundação Calouste Gulbenkian.

Comecei depois a mandar revelar as fotos em Bissau – Foto Íris ou Laboratórios Íris, em Bissau – não tinham a qualidade da Filmarte, em Lisboa. Sei da existência de Laboratórios improvisados por várias zonas da Guiné. Muita beleza existia naquela terra no "cu do mundo".

Para a Família – fotos enganadoras – calção de banho e sempre vestido para família ver que vivia num paraíso – como se dissesse "Cá tudo bem!"

Pelo Natal de 1967 uma foto tirada a abranger Gadamael Porto entre azevinhos e o emblema da CART 1659, surge escrito: – "Boas Festas e Ano Novo e Muito Feliz". O maravilhoso nascer e pôr de sol; os imponentes embondeiros; as bajudas e aquela mata mortífera que no inferno ampliava de multicores o belo.

A cultura; a diversidade de etnias, o enorme e sonoro batuque e a dança ritmada de mulheres e crianças. A música, sua nostalgia e o seu movimento rítmico, nasceu em África. A máquina fotográfica não cria movimento.

Mas a fotografia possui o dom de mostrar a cor, antes da seca da flor na floresta, é perpétua. A flor seca, a floresta se consome, arde e morre, não é perpétua. O que se passa com a pintura do pincel do artista e a escultura do cinzel, eternos

Em suma: Guiné é África, sinónimo da grandeza de Deus. Sem guerra, bem diferente seria. Iniciei um trabalho na fotografia, mas depois de me roubarem 2 rolos de 36 fotos na Filmarte, perdi o interesse, e foi pena…

Tinha muitas fotos, mas emprestei-as, mas nunca tive apetência pelos slides.


FOTOS IMPORTANTES


Foto 3 – Abandono de Sangonhá e Cacoca a 27 de Julho de 1968

Foto: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


Existe o abandono de Sangonhá e Cacoca e portanto da População Civil a 27 de Julho de 1968. O Brigadeiro António Sebastião Ribeiro de Spínola, que desembarcara em Bissau a 20 de Maio de 1968,  dera ordens para o desmantelamento daquela zona, o que vinha prejudicar profundamente as defesas de Gadamael Porto e Ganturé.

Posteriormente em Gadamael Porto – na hora do almoço – fortes explosões vêm de Sangonhá. Após ter sido chamado ao Comando, chefiei um Grupo de Combate, constituído um Pelotão, Praças "U" e Caçadores Nativos para verificar o que se passara realmente. Fizemos uma batida no aquartelamento abandonado, picámos minuciosamente, existindo fortes possibi­lidades de estar tudo armadilhado, pensei até terem montado um campo de minas. Verificámos o estado em que o mesmo se encontrava. Tudo destruído. O PAIGC destruiu completamente Sangonhá. Mas esperava pior.

A CART 1659 estava no fim da comis­são.



Foto 4 – Apoiámos Guileje – e no Cruzamento de Guileje o PAIGC desandou

Fotos: © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


De 08 a 14 de Abril de 1968 a CART 1659 entrou na Operação Bola de Fogo – Implementação de um aquartelamento no "corredor da morte", "corredor de Guileje". A CART 1659 colaborou promovendo as descargas de todos os rea­bastecimentos e material destinados às forças empenhadas na operação e à montagem do novo aquartelamento. Procedeu ao transporte dos mesmos até Guileje e colaborou, com viaturas e respectivos condutores, em todas as colunas que, de Guileje, se efectuaram para o aquartelamento de Gandembel, cuja localização era impensável, visto estar localizado na fronteira. Estavam quase 24 horas debaixo de fogo.

A CART 1659 apoiou Guileje, quando chamada a colaborar, visto estes estarem a ser atacados em força e quando a Companhia chega ao Cruzamento de Guileje, o PAIGC desandou – deixando para trás – porta granadas metálicas de CAN S/R e granadas de Lança Granadas Foguete, armamento que não tiveram oportunidade de levar. Recolhemos todo o material de guerra e continuámos a segurança.

Entretanto sobrevoam três aviões. Mig ? Ainda hoje não sei…

O abandono de Sangonhá e Cacoca em 1968. A montagem do novo Aquartelamento de Gandembel – o Inferno de Gandembel – em pleno "corredor da morte" ou "corredor de Guileje" em 1968. Em 1969 a desactivação de Mejo e Ganturé, e o fim previsível de Gandembel – que deu os sinais claros da política errada de Spínola – deixou Guileje e Gadamael Porto sós.

Há quem esteja desarticulado de todos estes acontecimentos. O nosso Camarada Coutinho e Lima ordenou a retirada e com razão. Os meus agradecimentos pela atitude do Camarada.


Um Abraço

Mário Vitorino Gaspar
[Ex-Furriel Miliciano Atirador de Artilharia,
Especialidade de Minas e Armadilhas
CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]

[Autor de O corredor da morte, edição de autor, Lisboa, 2014. Para adquirir a obra contactar:
mariovitorinogaspar@gmail.com ]


Fotos nºs 3 e 4 – Reservados todos os Direitos de Autor |
Registo no IGAC n.º 807/2014 | Depósito Legal: 368452/13 |
ISBN: 978-989-20-4220-6


Guiné 63/74 - P13986: Parabéns a você (825): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil do Pel Canh S/R 2054 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13975: Parabéns a você (824): Manuel Carvalho, ex-Fur Mil Armas Pesadas da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)