Lisboa > Associação 25 de Abril > 20 de outubro de 2016 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: crónicas de guerra e amor", da autoria do Paulo Cordeiro Salgado (Lema d'Origem Editora, Carviçais, Torre de Moncorvo, 2016, 230 pp; coleção Palavra) > O autor autografando um dos exemplares do seu livro: à esquerda, os nossos grã-tabanqueiros. Hélder Sousa, Luís Graça e Alice Carneiro.
Fotos: © Conceição Salgado (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O Livro de Paulo Salgado
Capa do livro |
por Rogério Rodrigues,
poeta e jornalista
[Rogério Rodrigues nasceu em Peredo dos Castelhanos, concelho de Torre de Moncorvo; foi professor do Ensino Secundário; trabalhou como jornalista no Diário de Lisboa, no Jornal, na revista Sábado, no Público, Visão: foi co fundador do Semanário O Ribatejo e fundou e dirigiu o semanário Grand'Amadora; trabalhou em televisão; é autor de diversos livros (poesia, ficção, reportagem), bem como séries televisivas). [Fonte: Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte, Vol. 3: 2003, 765 pp. Guimarães: Editora Cidade Berço, 2003]
Declaração de interesses: eu e o Paulo Salgado, autor destas Crónicas de Guerra e Amor somos amigos há mais de 50 anos. Pelo que, para mim, é um privilégio apresentar este livro. Ambos fomos marcados, embora de formas diferentes, pelo estigma da guerra.
O Paulo traz o corpo cheio de cicatrizes como milhares de jovens que passaram pelos caminhos duros das três colónias.
Alguns deles acharam que tinham de expor as suas cicatrizes, de explicar as suas feridas e sofrimento para memória futura. Como testemunho.
Talvez os primeiros textos em prosa que relatam o absurdo de gerações sacrificadas no altar de mito da existência de um Império, sejam A Lebre e Os Mastins de Álvaro Guerra, um dos poucos, senão o único, civil que teve contacto e conhecimento antecipado do 25 de Abril.
Proibido seria a o livro de poesia a cartas de José Bação Leal, morto em combate, e o célebre Cancioneiro do Niassa, poemas e canções críticas dos soldados de comissão em Moçambique.
O Canto e as Armas de Manuel Alegre é o grande manifesto poético contra a guerra. O meu compadre Fernando Assis Pacheco escreve a novela Walt, a história dos dias que precedem o embarque para a guerra. Teve como primeiro título, não utilizado, “Uns gajos parados à beira do Rio”. Socorrer-se-ia com frequência de nomes e geografia da guerra do Vietnam, só mais tarde convertidos para uma realidade colonial, em português. O Cau Kien: um resumo, transforma-se depois do 25 de Abril em Katalabanza, Kilolo e Volta.
António Lobo Antunes começa a sua saga obsessiva de encontrar razões para o absurdo da guerra com Os Cus de Judas e a Memória de Elefante.
Tanto Lobo Antunes como Assis Pacheco, ainda que em comissões diferentes, fizeram parte de companhias do sartriano capitão Melo Antunes.
Livro fundamental, também porque escrito por um militar de carreira, o Nó Cego de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo do coronel Matos Gomes, é o sinal de que algo, fosse uma febre militar, uma megalomania de velhos generais ou uma obstinação de políticos e ditadores em hora de despedida, se estava a passar no interior do Exército, sobretudo entre capitães.
Surgem e vão surgindo ainda testemunhos vibrantes sobre o que foi a guerra nas colónias, desde a Autópsia de um Mar em Ruinas de João de Melo até à Costa dos Murmúrio de Lídia Jorge.
Matos Gomes e Aniceto Afonso sistematizam as contradições, factos e conflitos da guerra com documentação vária, escrita e fotográfica, mais os trabalhos de Joaquim Vieira e a série televisiva fundamental da Joaquim Furtado, as crónicas, publicadas postumamente, de Salgueiro Maia, em comissões da Guiné e Moçambique e o livro de Vasco Lourenço, também respeitante à Guiné, No Regresso Vinham todos.
Último poste da série > 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16632: Notas de leitura (894): “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, pelo Brigadeiro-General Willem van der Waals; Casa das Letras, 2015 (Mário Beja Santos)
poeta e jornalista
[Rogério Rodrigues nasceu em Peredo dos Castelhanos, concelho de Torre de Moncorvo; foi professor do Ensino Secundário; trabalhou como jornalista no Diário de Lisboa, no Jornal, na revista Sábado, no Público, Visão: foi co fundador do Semanário O Ribatejo e fundou e dirigiu o semanário Grand'Amadora; trabalhou em televisão; é autor de diversos livros (poesia, ficção, reportagem), bem como séries televisivas). [Fonte: Dicionário dos mais ilustres Transmontanos e Alto Durienses, coordenado por Barroso da Fonte, Vol. 3: 2003, 765 pp. Guimarães: Editora Cidade Berço, 2003]
Declaração de interesses: eu e o Paulo Salgado, autor destas Crónicas de Guerra e Amor somos amigos há mais de 50 anos. Pelo que, para mim, é um privilégio apresentar este livro. Ambos fomos marcados, embora de formas diferentes, pelo estigma da guerra.
O Paulo traz o corpo cheio de cicatrizes como milhares de jovens que passaram pelos caminhos duros das três colónias.
Alguns deles acharam que tinham de expor as suas cicatrizes, de explicar as suas feridas e sofrimento para memória futura. Como testemunho.
Talvez os primeiros textos em prosa que relatam o absurdo de gerações sacrificadas no altar de mito da existência de um Império, sejam A Lebre e Os Mastins de Álvaro Guerra, um dos poucos, senão o único, civil que teve contacto e conhecimento antecipado do 25 de Abril.
Proibido seria a o livro de poesia a cartas de José Bação Leal, morto em combate, e o célebre Cancioneiro do Niassa, poemas e canções críticas dos soldados de comissão em Moçambique.
O Canto e as Armas de Manuel Alegre é o grande manifesto poético contra a guerra. O meu compadre Fernando Assis Pacheco escreve a novela Walt, a história dos dias que precedem o embarque para a guerra. Teve como primeiro título, não utilizado, “Uns gajos parados à beira do Rio”. Socorrer-se-ia com frequência de nomes e geografia da guerra do Vietnam, só mais tarde convertidos para uma realidade colonial, em português. O Cau Kien: um resumo, transforma-se depois do 25 de Abril em Katalabanza, Kilolo e Volta.
António Lobo Antunes começa a sua saga obsessiva de encontrar razões para o absurdo da guerra com Os Cus de Judas e a Memória de Elefante.
Tanto Lobo Antunes como Assis Pacheco, ainda que em comissões diferentes, fizeram parte de companhias do sartriano capitão Melo Antunes.
Livro fundamental, também porque escrito por um militar de carreira, o Nó Cego de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo do coronel Matos Gomes, é o sinal de que algo, fosse uma febre militar, uma megalomania de velhos generais ou uma obstinação de políticos e ditadores em hora de despedida, se estava a passar no interior do Exército, sobretudo entre capitães.
Surgem e vão surgindo ainda testemunhos vibrantes sobre o que foi a guerra nas colónias, desde a Autópsia de um Mar em Ruinas de João de Melo até à Costa dos Murmúrio de Lídia Jorge.
Matos Gomes e Aniceto Afonso sistematizam as contradições, factos e conflitos da guerra com documentação vária, escrita e fotográfica, mais os trabalhos de Joaquim Vieira e a série televisiva fundamental da Joaquim Furtado, as crónicas, publicadas postumamente, de Salgueiro Maia, em comissões da Guiné e Moçambique e o livro de Vasco Lourenço, também respeitante à Guiné, No Regresso Vinham todos.
Dessacralizaram o que durante muito tempo foi tema tabu e algo que tivéssemos que esconder. Nesta libertação do passado, sem que tenhamos vergonha de participar em algo de que discordámos, levou Paulo Salgado a escrever estas crónicas em sua memória, em lembrança dos seus soldados, na esperança de sobreviver suportada pelas cartas de amor, mas também na sedução da Guiné a que regressaria já como cooperante 20 anos depois, a Olossato (a Maconde de Paulo Salgado) onde não foi feliz, mas que o seduziu. Foi redescobrir os cheiros e a paisagem que lhe tatuaram o corpo e o espírito; o Poilão, a árvore centenária onde se reuniram os homens bons da tribo, os militares em descanso, como se fossem druidas transpostos para Guiné, absortos e convertidos ao animismo, num panteísmo tropical, sendo a árvore a sua referência de Deus.
Da guerra, Paulo Salgado desafia-nos com a leitura da condição humana dos seus soldados que o ruído das armas não silencia.
Chegado a Olossato, 20 anos depois, reencontra o Seidi que estivera ao serviço do Exército português e que hoje tem de sofrer as consequências do novo poder.
Recorda Bakar, milícia na tropa portuguesa, usado na despistagem de minas. Tantas despistou que ficou sem uma perna num rebentamento, num tempo em que recebera a promessa de que nada lhe aconteceria se regressasse ao PAIGC. Tinha que optar entre as agruras da guerrilha ou a comida para a família que a tropa portuguesa lhe garantia. Que opção Bakar tomaria?
Os soldados do pelotão, os camaradas alferes da companhia, são o objecto da sua escrita, essencial e substantiva, não necessitando da adjectivação para classificar as pessoas e os acontecimentos. Licenciado em Direito é mais o gestor de emoções que mestre da retórica.
Não esquece os seus. Nem as emboscadas, provavelmente a primeira, em que relata, e passo a citar, “dentro da bolsa, caído ao lado da espingarda, um passarinho morto. Para dar sorte. Naquele carreiro de morte, em Bissancage”. Fim de citação.
As suas crónicas têm a tensão de contos curtos. Só que aqui é a realidade que vence a ficção. Controla a palavra, administra de forma sábia a emoção até ao remate final, quase sempre surpreendente.
As figuras dos soldados conhecemo-las sobretudo aqueles que, como eu e o Paulo Salgado, têm vivências rurais. É a história do alentejano de alcunha o Toucinho, guardador de porcos que se quer vingar do Bezerra, filho do patrão que abusou da sua mãe. É a balanta Rosa por quem o alferes Pereira está perdido de desejo, enquanto se interroga, porquê a guerra?
Mas Rosa prefere o soldado de sentinela, com o qual faz amor fora do arame farpado do quartel. O alferes vê o enlace. E, passo a citar: “A bajuda Rosa acabava de o convencer que ele era um sonhador impenitente”. Fim de citação.
No amor não há hierarquias.
Kadi, capturada, consegue fugir. É enfermeira do Partido, com o marido guerrilheiro na Guiné -Conacri.
Mas Olossato é também um espaço concentracionário em que o álcool e a tensão erótica intensos são usados e abusados para amenizar o medo e a solidão.
Como registo de quem não morre com balas, mas morre pelo esquecimento, a história, angústia de um alferes cuja mulher há muito que lhe não escreve. Suicidou-se.
O soldado Moita é casado. Os aerogramas deixaram de chegar. E passo a citar:” pegou na G3 e meteu-se no mato. Nunca mais foi visto”. Uma repetição suavizada de um episódio da História Trágico- Marítima.
Julião, soldado, antes de a Guiné o ter sufocado, vivia com a mãe viúva, que o pai morrera entre Espanha e a França no drama ou epopeia do salto de um povo à procura de melhor vida.
Julião era um homem simples e generoso mas que os camaradas não levavam a sério. Julião é apanhado por uma granada. Fragmentos penetram nas costas. Está a morrer e diz as últimas palavras ao seu camarada Costeira: “Escreve à minha mãe e diz-lhe que estarei junto dela muito em breve”.
Nestas crónicas não há heróis nem anti-heróis, muito menos convicções de que a guerra é o caminho certo para a paz. O caminho certo para a paz é, e será sempre, a liberdade.
Com as longas noites de espera que nem o álcool e o jogo amenizam, na sua incapacidade de saída, ouvindo Ray Charles e José Feliciano, ou lendo O Vermelho e o Negro de Stendhal, há tempo para reflectir, transmitir ou debater ideologia, seja num jornal de caserna, se assim podemos dizer, O Tabanca, seja num texto escrito a tinta vermelha que surgiu no quartel e que é uma espécie de magna carta da recusa do status quo da condição do militar na Guiné e da colonização. Relata o papel ao rubro:
“Aqui onde permanecemos por obrigação, onde nos defendemos para continuarmos vivos; aqui, na terra das febres, onde o chão está por lavrar, o mato por desbravar, as muitas tabancas por reconstruir; aqui onde a camaradagem é arrimo da sobrevivência; aqui, onde cada palavra e cada gesto são medidos e apreciados até ao ínfimo pormenor; aqui—meu alferes—os homens sentem-se ‘filhos da puta’ ".
O texto terá o dedo do cabo Meireles, altamente politizado, como muitos jovens do PCP, que era contra a deserção, mas que aconselhava os seus filiados que em teatro de guerra tentassem politizar os camaradas. Quando o cabo Meireles acabou a sua comissão em Olossato e se prepara para regressar a Lisboa, uma rapariga oferece-lhe um colar, porque tinha sido sempre muito digno para com ela.
Vinte nos depois, o autor das Crónicas regressa a Olossato, com a mulher, num Fiat Uno. É cooperante na área da saúde, ele que é gestor hospitalar e tem levado e sua solidariedade e conhecimento de ofício à Guiné e a Angola.
Vai encontrar um branco caçador que ficou na Guiné depois de cumprida a comissão. Quando ficou ainda havia guerra. Além de caçador é também parteiro. Fala as línguas indígenas.
Vai encontrar um guerrilheiro que se tornou médico e que verte lágrimas perante uma criança que não consegue curar. E, com frequência, por falta de meios.
No meio da guerra ainda há finais felizes, como o do jovem alentejano que se insurge contra a escravatura e é largado sozinho nas matas da Guiné. Feito prisioneiro, é a preta Kali que o alimenta. Casam. Enriquece. E nunca mais voltou ao Crato.
Este regresso de Paulo Salgado à Guiné, mais do que um gesto de solidariedade, é o reconhecimento de uma identidade, a guineense. Estudou com profundidade a história daquele país, da sua descoberta e povoamento, desde a escravatura até à cristianização, na procura de especiarias sob a capa da demanda do Prestes João.
Durante séculos as várias etnias da Guiné combateram o opressor, fosse ele português, espanhol ou francês.
Para terminar, que a conversa já vai longa, para exemplo extremo do amor à liberdade, Paulo Salgado recorda o facto histórico da pilhagem de Antão Gonçalves aos povos da Guiné e vizinhança. Embarca para Lisboa com escravos guineenses que, no alto mar, se suicidam-se lançando-se às águas. Escolhem a liberdade à escravatura, mesmo que ela passe pela morte.
Rogério Rodrigues
Lisboa (Associação 25 de Abril), 20 Outubro 2016.
2. Informação do editor António Lopes,
Da guerra, Paulo Salgado desafia-nos com a leitura da condição humana dos seus soldados que o ruído das armas não silencia.
Chegado a Olossato, 20 anos depois, reencontra o Seidi que estivera ao serviço do Exército português e que hoje tem de sofrer as consequências do novo poder.
Recorda Bakar, milícia na tropa portuguesa, usado na despistagem de minas. Tantas despistou que ficou sem uma perna num rebentamento, num tempo em que recebera a promessa de que nada lhe aconteceria se regressasse ao PAIGC. Tinha que optar entre as agruras da guerrilha ou a comida para a família que a tropa portuguesa lhe garantia. Que opção Bakar tomaria?
Os soldados do pelotão, os camaradas alferes da companhia, são o objecto da sua escrita, essencial e substantiva, não necessitando da adjectivação para classificar as pessoas e os acontecimentos. Licenciado em Direito é mais o gestor de emoções que mestre da retórica.
Não esquece os seus. Nem as emboscadas, provavelmente a primeira, em que relata, e passo a citar, “dentro da bolsa, caído ao lado da espingarda, um passarinho morto. Para dar sorte. Naquele carreiro de morte, em Bissancage”. Fim de citação.
As suas crónicas têm a tensão de contos curtos. Só que aqui é a realidade que vence a ficção. Controla a palavra, administra de forma sábia a emoção até ao remate final, quase sempre surpreendente.
As figuras dos soldados conhecemo-las sobretudo aqueles que, como eu e o Paulo Salgado, têm vivências rurais. É a história do alentejano de alcunha o Toucinho, guardador de porcos que se quer vingar do Bezerra, filho do patrão que abusou da sua mãe. É a balanta Rosa por quem o alferes Pereira está perdido de desejo, enquanto se interroga, porquê a guerra?
Mas Rosa prefere o soldado de sentinela, com o qual faz amor fora do arame farpado do quartel. O alferes vê o enlace. E, passo a citar: “A bajuda Rosa acabava de o convencer que ele era um sonhador impenitente”. Fim de citação.
No amor não há hierarquias.
Kadi, capturada, consegue fugir. É enfermeira do Partido, com o marido guerrilheiro na Guiné -Conacri.
Mas Olossato é também um espaço concentracionário em que o álcool e a tensão erótica intensos são usados e abusados para amenizar o medo e a solidão.
Como registo de quem não morre com balas, mas morre pelo esquecimento, a história, angústia de um alferes cuja mulher há muito que lhe não escreve. Suicidou-se.
O soldado Moita é casado. Os aerogramas deixaram de chegar. E passo a citar:” pegou na G3 e meteu-se no mato. Nunca mais foi visto”. Uma repetição suavizada de um episódio da História Trágico- Marítima.
Julião, soldado, antes de a Guiné o ter sufocado, vivia com a mãe viúva, que o pai morrera entre Espanha e a França no drama ou epopeia do salto de um povo à procura de melhor vida.
Julião era um homem simples e generoso mas que os camaradas não levavam a sério. Julião é apanhado por uma granada. Fragmentos penetram nas costas. Está a morrer e diz as últimas palavras ao seu camarada Costeira: “Escreve à minha mãe e diz-lhe que estarei junto dela muito em breve”.
Nestas crónicas não há heróis nem anti-heróis, muito menos convicções de que a guerra é o caminho certo para a paz. O caminho certo para a paz é, e será sempre, a liberdade.
Com as longas noites de espera que nem o álcool e o jogo amenizam, na sua incapacidade de saída, ouvindo Ray Charles e José Feliciano, ou lendo O Vermelho e o Negro de Stendhal, há tempo para reflectir, transmitir ou debater ideologia, seja num jornal de caserna, se assim podemos dizer, O Tabanca, seja num texto escrito a tinta vermelha que surgiu no quartel e que é uma espécie de magna carta da recusa do status quo da condição do militar na Guiné e da colonização. Relata o papel ao rubro:
“Aqui onde permanecemos por obrigação, onde nos defendemos para continuarmos vivos; aqui, na terra das febres, onde o chão está por lavrar, o mato por desbravar, as muitas tabancas por reconstruir; aqui onde a camaradagem é arrimo da sobrevivência; aqui, onde cada palavra e cada gesto são medidos e apreciados até ao ínfimo pormenor; aqui—meu alferes—os homens sentem-se ‘filhos da puta’ ".
O texto terá o dedo do cabo Meireles, altamente politizado, como muitos jovens do PCP, que era contra a deserção, mas que aconselhava os seus filiados que em teatro de guerra tentassem politizar os camaradas. Quando o cabo Meireles acabou a sua comissão em Olossato e se prepara para regressar a Lisboa, uma rapariga oferece-lhe um colar, porque tinha sido sempre muito digno para com ela.
Vinte nos depois, o autor das Crónicas regressa a Olossato, com a mulher, num Fiat Uno. É cooperante na área da saúde, ele que é gestor hospitalar e tem levado e sua solidariedade e conhecimento de ofício à Guiné e a Angola.
Vai encontrar um branco caçador que ficou na Guiné depois de cumprida a comissão. Quando ficou ainda havia guerra. Além de caçador é também parteiro. Fala as línguas indígenas.
Vai encontrar um guerrilheiro que se tornou médico e que verte lágrimas perante uma criança que não consegue curar. E, com frequência, por falta de meios.
No meio da guerra ainda há finais felizes, como o do jovem alentejano que se insurge contra a escravatura e é largado sozinho nas matas da Guiné. Feito prisioneiro, é a preta Kali que o alimenta. Casam. Enriquece. E nunca mais voltou ao Crato.
Este regresso de Paulo Salgado à Guiné, mais do que um gesto de solidariedade, é o reconhecimento de uma identidade, a guineense. Estudou com profundidade a história daquele país, da sua descoberta e povoamento, desde a escravatura até à cristianização, na procura de especiarias sob a capa da demanda do Prestes João.
Durante séculos as várias etnias da Guiné combateram o opressor, fosse ele português, espanhol ou francês.
Para terminar, que a conversa já vai longa, para exemplo extremo do amor à liberdade, Paulo Salgado recorda o facto histórico da pilhagem de Antão Gonçalves aos povos da Guiné e vizinhança. Embarca para Lisboa com escravos guineenses que, no alto mar, se suicidam-se lançando-se às águas. Escolhem a liberdade à escravatura, mesmo que ela passe pela morte.
Rogério Rodrigues
Lisboa (Associação 25 de Abril), 20 Outubro 2016.
2. Informação do editor António Lopes,
com data de 24 do corrente:
Caro Luís,
Hoje telefonou-me o Paulo dizendo que necessitavas das condições de venda pelo correio. As condições são simples:
O custo é de 15 €. Os portes são por nossa conta. O pagamento por transferência bancária.
Contacto: editora@lemadorigem.pt
Abraço,
Lema d'Origem - Editora, Ldª
NIPC: 509 059 473
E/ editora@lemadorigem.pt
URL/ http://lemadorigem.pt
Facebook: https://www.facebook.com/LemadOrigem
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Caro Luís,
Hoje telefonou-me o Paulo dizendo que necessitavas das condições de venda pelo correio. As condições são simples:
O custo é de 15 €. Os portes são por nossa conta. O pagamento por transferência bancária.
Contacto: editora@lemadorigem.pt
Abraço,
Lema d'Origem - Editora, Ldª
NIPC: 509 059 473
E/ editora@lemadorigem.pt
URL/ http://lemadorigem.pt
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Nota do editor:
Último poste da série > 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16632: Notas de leitura (894): “Guerra e Paz, Portugal/Angola, 1961-1974”, pelo Brigadeiro-General Willem van der Waals; Casa das Letras, 2015 (Mário Beja Santos)