domingo, 20 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!


Guiné > Região do Óio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > c. 1966 > A nossa “jangada” feita supostamente para pescar, mas que acabou por servir apenas de brinquedo recreativo… Na foto, aos remos eu e o João (???)  ( natural da zona do oeste, não me lembro exactamente, mas creio ser do  Ramalhal, Bombarral) que era o “padeiro” do destacamento. Alguém sabe do paradeiro dele? E o outro tripulante… há alguém que o possa reconhecer? Eu definitivamente "estou a ficar mesmo velho” … que já a muitos dos meus colegas não consigo reconhecer e lembrar...


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ  1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) > c. 1966 > O  “cais” de Porto Gole funcionava assim: o "barco de abastecimentos” (e outros) tinham de chegar quando a maré estava cheia. E depois de devidamente seguro (a uma árvore ou a um poste ) esperava-se pela maré vazia quando o barco ficava em seco para fazer o descarregamento, como se pode verificar na foto…. Como havemos de esquecer coisas destas?

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67)

Data: 17 de agosto de 2017 às 21:58

Assunto: Porto-Gole 1966: uma lembrança / história para não esquecer...

Caro Luís Graça,

Ainda estou na Eslovénia; tenho aproveitado para dar umas voltas para conhecer as "redondezas": Croácia, Montenegro e até dei  um salto (5 dias) a Roma para matar saudades; tanto a Vilma como eu tínhamos estado lá em tempos passados  (quando ainda não sabíamos um do outro) e de repente apresentou-se uma oportunidade que não quisemos perder.

Ontem  no decorrer duma pequena "excursão  guiada" a várias ilhas (de um dia apenas), às ilhas Elifati, ao longo da costa  da Croácia, encontrei-me num barco pequeno (daqueles com o  motor no meio como algumas das traineiras de pesca que eu conhecia quando ainda jovem, na nossa terra) e  a curiosidade levou-me a meter o nariz na portinhola do motor: isso  fez-me lembrar um barco semelhante (mas bem mais pequeno), "palco" duma  experiência extraordinária que tive quando estive em Porto Gole.

Como tu no teu/nosso blogue falas e incentivas os camaradas da Guiné a que partilhem as suas memórias, não só porque isso nos faz reviver esses tempos, mas também para que fiquem "registadas" para a posteridade, lembrei-me de pôr em papel o que ainda me lembro dessa experiência. Como dizes e bem, não sendo assim essas experiências de cada um  ficam só mesmo para cada um de nós e "quando formos para o outro lado", para quem cá fica  é como se nunca tivessem acontecido.

Devo avisar/esclarecer que a memória me falha já em muitos detalhes; tenho pena de o não ter feito antes. O que se segue não terá mais o interesse que teria se eu me lembrasse  melhor  dos pormenores. Vou descrever o que ainda me lembro sem qualquer intenção de aumentar ou florear; é mesmo possível que já comece a  confundir e trocar coisas e circunstancias e a ordem/sequência do acontecido. Se tal sucede não é com essa intenção; se alguém  do grupo que estava comigo em Porto Gole onde isto aconteceu ler o que se segue e com melhor memória  me quiser corrigir e emendar, só fico agradecido.

Não lembro em que altura do ano foi, mas sei que foi em 1966. A nossa companhia, CCAÇ 1439, sediada em Enxalé tinha os destacamentos de Missirá e Porto Gole sob a sua  alçada. Revezávamo-nos em temporadas (em princípio devia ser de um mês cada pelotão mas isso nunca sucedia certo… houve casos de um pelotão ter ficado destacado no mesmo sítio mais de três meses!).

O destacamento de Porto Gole não era dos piores sítios: de alguma maneira a sua situação junto ao rio Geba proporcionava "vantagens" que faziam a estadia aí mais amena e diversificada: barcos de abastecimentos e outros passavam e muitas vezes atracavam no "cais"; havia algum negócio, especialmente de arroz, o que trazia ao local muita gente das redondezas, especialmente " bajudas" cuja simples presença era suficiente para tornar a vida menos aborrecida a muitos dos aí destacados (ou desterrados, como dizíamos só pelo prazer de nos queixarmos do que quer que fosse…).

Havia até  um representante da Casa Gouveia que fazia do local a sua estadia quase permanente. Havia um posto de administração e era a sede do poderoso e famoso (e saudoso também)  régulo Abna Na Onça (com as suas 10 mulheres, sobrinhas e não sei que mais que davam vida ao local e seus "habitantes'); lembro-me bem dele: um indivíduo enorme para quem autoridade e mandar era coisa natural e que, se não controlava  completamente os balantas da região - como te deves lembrar os balantas eram na maioria favoráveis ao "partido oposto" - mantinha pelo menos muito respeito e controle nas muitas tabancas das redondezas.

Entre os "habitantes temporários" que apareciam de vez em quando vindos de Bissau houve um indivíduo já bem entrado na idade - o clima por vezes ocasiona a que nos enganemos, mas eu creio que estava nos seus setentas, já bem "queimados" pelo sol e outras razões que desconheço mas de efeitos evidentes - que apareceu e ficou por lá uns tempos. Disse-me ter sido, quando mais jovem,   capitão dum barco, não me lembro de mais detalhes; que estava reformado há muitos anos e que as saudades do mar o tinham levado a comprar um barco que era agora toda a sua vida ...

Não sei onde estava  hospedado, mas aparecia de vez em quando. Um dia, quando eu lhe disse que tínhamos feito uma espécie de "jangada" (em forma de  quadrado com 4 bidões vazios, um em cada canto, ligados entre si, e com dois  remos enormes para locomoção), convidou-me para dar um passeio no barco dele no Geba, ocasião que eu podia aproveitar para pescar se quisesse.

Não tinha visto o barco, mas como ele disse ter vindo nele de Bissau com alguns tripulantes "indígenas locais", e também que estava armado e  tinha meios de se defender, eu pensava que era um barco de tamanho razoável e teria com certeza alguém como  ajudante, empregado permanente. E aceitei logo o o convite, não sei mesmo se para o dia seguinte. Sei que para não ir só (isto foi antes de encontrar e conhecer o alferes  Henrique Matos, que esteve em Porto Gole mais tarde) disse a um dos soldados nativos para me acompanhar e que trouxesse com ele os dois "pescadores" da tabanca.

Estes tinham uma canoa (daquelas feitas dum tronco de árvore) e  vendiam-nos pescado quando havia. Por vezes porém não traziam nada - que "não havia peixe nenhum nesse dia" - antes de descobrimos mais tarde que a razão de em certos dias não haver peixe era porque propositadamente e de livre vontade ou porque a isso eram forçados o peixe desse dia tinha ficado nas mãos dos "turras" como eram na altura chamados os nossos oponentes no conflito.

No dia seguinte com o soldado nativo falado e os dois pescadores (que avisados pelo soldado nativo já tinham deixado a "rede de pesca"no cais - uma rede bem pequena, mas era o que tinham, disseram - , lá fui para o cais. Fiquei surpreso que o barco fosse tão pequeno e não houvesse mais ninguém com o velhote, nem sequer um nativo como  seu ajudante. Mas não quis dar parte de fraco: sempre era maior do que uma canoa e tinha um motor… a ideia de quebrar a monotonia com umas voltas pelo Geba era mesmo aliciante. E quem sabe, talvez voltasse com meia dúzia de peixes para o jantar.

E lá zarpamos Geba abaixo, aceitando como válidas as afirmações do "capitão" do barco que conhecia bem o Geba e ia a lugar onde havia sempre peixe. Quando a viagem me pareceu ficar mais longa do que eu antecipava (já navegávamos há uma hora e não via sinal de ele chegar ao tal lugar bom para pesca), disse-lhe que queria estar de volta em Porto Gole antes do cair da noite. Ao que ele acedeu imediatamente: que já estávamos perto, que o tal lugar era um pouco mais abaixo, mas que  ali mesmo já havia muito peixe; e parou o motor dando instruções aos pescadores para começarem a pescar…

Eles lá lançaram a tal rede e passados cerca de dez minutos disseram que não havia ali peixe nenhum. E eu disse ao capitão que o melhor era voltar e tentar lançar as redes um pouco mais acima, já no caminho de volta. Ele ligou o motor mas o motor parou  logo.

Tornou a ligar, uma e muitas vezes e nada: a rede tinha-se embrulhado na hélice, assim me explicou, e por mais que ele quisesse nada havia a fazer antes que a hélice estivesse livre; era preciso cortar a rede para a libertar. Disse a um dos pescadores para o fazer, mas este negou-se a saltar para a água. "que sabia nadar muito mal", e o outro disse-me a mesma coisa. O soldado nativo esse que não sabia nadar mesmo nada… Embora eu não fosse grande nadador (ainda hoje, apesar de mais tarde ter pago umas lições para aprender melhor a nadar, mal consigo nadar o comprimento duma piscina e quando o consigo fazer  chego sempre exausto e aflito), vi que não tinha outra solução senão deitar-me à água para cortar a rede.

Quando eu disse da minha intenção ficaram todos apavorados: "Alfero" não pode fazer isso!; que tínhamos que  que esperar que passasse barco dos fuzileiros e então eles nos rebocariam  até Porto Gole. Nem pensar nisso, pensei eu. Deus sabe quando é que um barco dos fuzileiros ia passar por ali… podiam ser dias antes que passasse um barco, de fuzileiros ou não; nós não tínhamos  água nem provisões.. e eu tinha dito ao pessoal em Porto Gole que estaria de volta antes de escurecer!…

E comecei a despir as calças para em cuecas me atirar à água.  Mas os pescadores começaram aos berros: "não, não altero, não pode mesmo alfero".  O capitão, esse não dizia nada, e eu ignorando as "teimosas súplicas" que eu não compreendia, atirei-me à água e comecei a cortar a rede da hélice, enquanto os dois pescadores com uma expressão de ansiedade, senão mesmo de terror, olhavam  à volta do barco, de trás para a  frente; eu atribuía essa ansiedade a que estavam a ver se a rede não saía muito danificada...

Finalmente  consegui cortar as cordas e libertar a hélice. Para surpresa minha os pescadores não se importaram nada com o reaver a rede; que não valia a pena e que arranjariam outra; mas pareceram  ter ficado  mais calmos quando me viram de novo dento do barco. Foi-me explicado mais tarde que naquele sítio havia " manga de jacarés"… mas a sorte esteve comigo nesse dia; talvez porque a maré estava a esvaziar rapidamente eles não andavam nas redondezas...;  aliás eu não estaria agora a lembrar agora essa tarde de pesca…

Depois de liberta a rede, o "capitão" pôs o motor em marcha e começávamos o regresso a Porto Gole; não demorou muito que o barco parasse outra vez: a maré tinha baixado e o fundo do barquito  bateu no lodo e não havia mesmo nada a fazer, senão esperar que a maré subisse outra vez. Fiquei apavorado, preso no meio do rio; depois de ter ouvido tantas histórias sobre o macaréu do Geba …Pois se os próprios barcos dos fuzileiros - assim  contavam - tinham por vezes de fazer manobras para se defenderem do macaréu, o que nos ia suceder a nós numa casquinha de noz?

E ali ficamos esperando, coração nas mãos… não me lembro se pedia ajuda aos santos ou não, mas acredito que o devo ter feito pois que me lembro de ter requerido o favor dos céus em outras ocasiões apertadas…

Quando esperávamos pelo tal macaréu que, esperançadamente sem nos virar o barco, trouxesse com ele água suficiente para prosseguir a volta, vi ao longe bem alto dois "bombardeiros" [T-6]  que regressavam a Bissau, depois de terem feito a "entrega do correio", como nós costumávamos dizer. Passaram por cima de nós e daí a pouco voltaram para trás, desta vez voando mais baixo na nossa direcção. Passaram  perto e depois voltaram outra vez, um atrás do outro…

"Mas que que é que estes malvados querem?" - pensei eu - …"Querem lá ver que pensam que somos terroristas?!... E como eles começassem a passar bem perto do barco, a uns escassos metros que me aterrorizavam - eu podia ver a cabeça deles como se estivessem a tentar ver o que estava dentro do barco - eu tentava fazê-los compreender quem éramos, eu pondo-me ao lado do  pobre velho capitão que tremia, mostrando-lhes a minha jaqueta e a minha G3 e com os dedos a fazer sinal sobre os meus ombros para que compreendessem que eu era um "oficial"…

Mas eles viam também os três outros, não brancos, e deviam estar pensar talvez que "éramos ou tínhamos passado para o lado deles" e não nos deixavam… revezavam-se, um atrás do outro… no momento em que um passava por nós o outro já estava a vir na nossa  direcção, pronto  a desfazerem-nos em bocados se o quisessem fazer a qualquer momento; e de repente apercebi-me  que "pescadores" se queriam  deitar à água  para fugir (pelos vistos sempre sabiam nadar!…), eu vi o caso perdido: se eles se deitassem à água então os pilotos concluíam imediatamente que éramos todos "terroristas"… e tive de lhes dizer que nem pensassem em se deitar à agua, pois se o fizessem eu espetava imediatamente um tiro em cada um… Foi a única vez que eu me lembro de ter  ameaçado alguém; e  se eles o tivessem feito …eu estava mesmo decidido a fazê-lo, que  a gente em tais situações nem sabe o que fazer nem pensar…

Depois lembrei-me de tentar fazer aos pilotos sinais de comunicações, fazendo com os dedos sinais de argolas e com gestos a apontarem a direcção de Porto Gole… eles devem ter compreendido:  um deles subiu bem alto e ficou a fazer círculos lá no alto por cima de nós, e o outro desapareceu na direcção de Porto Gole como eu tinha indicado. Passado um bom bocado voltou e junto com o outro foram-se embora os dois e nós continuamos no meio do rio.

Entretanto fez-se noite e nós esperando o macaréu… e, já escuro como breu, comecei a ouvir o ruído roncoso, mas não muito forte (era quase um sussurro) do macaréu que pouco a pouco se aproximava. Felizmente, talvez porque a maré não era uma maré viva, o macaréu era bem pequeno e passou por nós sem grande sobressalto, como sucede com os barcos nas praias  ao entrarem no mar.  E passados uns minutos, já com as águas calmas e suficiente calado recomeçamos a nossa volta.

Estava escuro, não se via um palmo à nossa volta e lá íamos andando, eu confiado na experiência do velho capitão para nos  fazer chegar a Porto Gole sãos e salvos. Mas as aventuras desse dia ainda não haviam acabado: eu sentei-me no chão, tentando refazer-me do susto dos aviões, quando de repente um dos pescadores sacudiu-me dizendo: "alfero, é bandido ... , manga de bandido"… Eu não via nem ouvia nada mas disse ao capitão para parar o motor imediatamente. E comecei depois a ouvir ao longe um ruído mas não fazia a mínima ideia do  que quer que fosse. O pescador então disse-me ao ouvido no seu crioulo/português mal falado, que aquela zona era um lugar onde os "turras" faziam cambança, passando armas, mantimentos etc. duma margem para a outra do rio e que eles estavam a "fazer cambaça".

Fiquei outra vez sem saber como me desenrascar; não fazia ideia se eram muitos ou poucos se estavam armados ou não… "O que é que eles vão fazer connosco se nos descobrem?" - pensei eu. Entanto lembrei-me que os fuzileiros de vez em quando faziam emboscadas  na aquelas redondezas e lhes caíam em cima durante estas "cambanças"… Se eu pudesse fazê-los suspeitar que tinham sido detectados, eles com certeza fugiam e nós  estávamos salvos… e se o pensei logo o pus em prática: cochichei que não fizessem um pio, e que quando eles estivessem perto a gente os pudesse começar a ver, eu gritaria "FOGO"!.. O capitão devia pôr o motor a trabalhar e bem alto e todos deviam berrar ao mesmo tempo, enquanto eu, depois de ter tirado o tapa-chamas da minha G3 faria tiro cadenciado, tentando imitar uma das metralhadoras pesadas dos fuzileiros.

E assim fizemos. Quando o barulho já estava perto e comecei a discernir um vulto duma jangada que deslizava na nossa direção, berrei e todos fizeram o que eu tinha dito: uma grande barafunda no nosso barquito com o motor a todo o vapor e o capitão disparando a sua pistola de bolso, - que era o que ele chamava "estar armado" - e o soldado nativo disparando a sua Mauser. A minha G3 fazia o seu trabalho e como era noite cerrada quem quer que fosse deve ter mesmo pensado que era emboscada de fuzileiros.

O que eu sei é que não se ouviu  nem mais um pio e passados uns minutos passou mesmo em frente ao nosso barquito uma jangada vazia levada ao sabor da  corrente. O factor surpresa tinha mesmo funcionado como eu tinha desejado.

Passada uma semana foi à nossa" enfermaria" para tratamento uma mulher balanta com uma ferida/rasgão numa coxa (como maneira de criar boa vontade entre a população nós dávamos alguma assistência em casos simples ao nosso alcance"). Foi-me depois contado que isso tinha sido resultado duma "emboscada de fuzileiro" no rio Geba: a história dela foi que estavam a fazer cambança de arroz; que fuzileiro pensou que era bandido e atacou; e eles para se safarem da emboscada de fuzileiro deitaram  tudo e todos ao rio; com a pressa a canoa voltou-se, quando ela já estava na água e apanhou-lhe a perna…

Quando cheguei finalmente ao destacamento estava tudo em pé de guerra, guardas duplas e toda a gente preparada para o que desse e viesse, esperando um ataque… e "ainda por cima eu ainda não tinha voltado e não sabiam nada de mim"...que um bombardeiro  os tinha contactado; que havia movimentos suspeitos no rio, e que eles tinham dito ao bombardeiro que o alferes tinha ido pescar mas ainda não tinha voltado…

Depois de umas duas horas achei que "o perigo" tinha passado; que não havia mais razão para alarme; que eu ficaria ainda mais uns tempos de pé, mas que as sentinelas passassem a ser simples (não dobradas) e que toda a gente devia voltar ao normal.

Isto é o que me lembro: se alguém do meu pelotão que estava lá e se lembrar disto, por favor contactem-me por e-mail - jcrisostomo@earthlink.net - para combinarmos falar pelo telefone ou mesmo pessoalmente se puder ser. Gostaria imenso de poder relembrar mais e falar desta tarde de aventuras (e de muita estupidez minha que poderia ter tido consequências graves) com alguém que porventura ainda se lembre disto.

Não tenho a certeza mas parece-me que quem estava lá comigo como furriéis eram o António Lopes, o Bonifácio (o "passarinho") e/ou o Farinha ou o Neiva, não me recordo qual, (que por uma razão ou outra por vezes havia mudanças temporárias)…

João Crisóstomo




Guiné > Mapa geral da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: localidades da margem direita do Rio Geba por onde andou a CCAÇ 1439, e aqui assinaladas a zul: Porto Gole (destacamento), Enxalé (sede), Missirá (destacamento)... Mas também por onde passou, na margem esquerda (aquartelamentos assinalados a verde: Xime e Bambadinca). Finete, em frente a Bambadinca, na margem direita do rio Geba, era um destacamento de milícias, no regulado do Cuor.  

Até ao início de 1969, o PAICG controlava largamente as duas margens do Rio Corubal, entre a mata do Fiofioli e a foz do rio Corubal. Os pontos de cambança nos rios Corubal e Geba  eram absolutamente fundamentais para o abastecimento das regiões do Óio, Norte e Leste, a partir do sul (Quínara e Tombali). As colunas, apeadas, do PAIGC, para reabastecimento do norte, centro e leste da Guiné, a partir do "corredor de Guileje",  foram verdadeiras epopeias a que temos de render homenagem. A homenagem é a um povo extraordinária, capaz de enormes sacrifícios, como os guineenses. Do corredor de Guileje até à margem esquerda do rio Geba, as colunas podiam ser feitas em dois dias, com escolta!... LG

 Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).
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Nota do editor

Último poste da série > 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano

Guiné 61/74 - P17685: Blogpoesia (525): "Quando era pequeno..."; "Aquela mulher grave..." e "Diante do mar...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Diante do mar
Foto: Carlos Vinhal

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Quando era pequeno...

Quando era pequeno, via o mundo imenso e infinito.
As árvores gigantes. Pacíficas.
Os grandes amigos. Atentos.
A vida era festa, constante.
Se fazia com pouco.
Eram eternos os dias.
Chegavam p'ra tudo.
Os anos sem fim.
Pouca roupa chegava.
Calções e camisa.
Descalço era bom.
Havia pais e padrinhos,
sempre por perto.
Roscas, rosquilhos,
no Natal e na Páscoa.
As portas abertas.
Não havia ladrões.
O sino das horas cantava à hora.
Havia verdade.
De inverno, chovia.
Calor, no verão.
Agora, tudo parece.
É falso e não é.
Quem me dera voltar ao mundo pequeno,
imenso para mim.
Feliz que eu fui...

Café Castelão, 14 de Agosto de 2017
10h45m
Jlmg

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Aquela mulher grave…

Aquela mulher grave,
De meia idade,
Não admite brincadeiras.
Vai sozinha fitando o chão.
Na mão um saco
Todo em panos, de várias cores.
Seu cão morreu.
Deixou-a triste,
Amargurada.
Não foi capaz de o substituir.
Perdera o homem
Quando era nova.
A vida nunca mais sorriu.
Tem um vizinho interessado nela.
Já é viúvo.
Muito amigos,
Mas nada mais.
Talvez um dia,
Sabe-o Deus.
Pois ele a espera
Para bem dos dois,
Que a solidão dói
E a vida é breve …

Mafra, 16 de Agosto de 2017
7h48m
Dia de sol
Jlmg

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Diante do mar...

Diante do mar, esquecem-se as horas, as agruras da vida,
batem saudades, tempos vividos
não voltam.
Há que viver.
É incerto o futuro. O presente sofrente.
Aquela harmonia que havia,
Parecia eterna,
O voo acabou. Para trás o sonho.
Chegou o inverno.
Quem me dera partir.
Por este mar além.
O céu é azul.
O sol ainda brilha do lado de lá.
Passadas perdidas não se voltam a passar.
Eram quimeras meus sonhos.
Foi-se o dia.
Pôs-se o sol.
Não será para sempre.
A esperança não morre...

ouvindo "Claro de Lua" de Beethoven
Café Castelão em Mafra, 17 de Agosto de 2017
9h13m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17668: Blogpoesia (524): "O mínimo vital..."; "Sussurros da madrugada..." e "Nas asas dum violino...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17684: In Memoriam (302): Morreu o Aurélio Duarte, mais um dos nossos, da nossa seita, da nossa guerra... Nunca mais ouvirei o teu grito de guerra coimbrão, Eferreá!... Eferreá!... Mas para ti vai tudo, amigo e camarada!... Ficas à sombra do nosso poilão, no lugar nº 750!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)


Nelas > Canas de Senhorim > 31 de maio de 2014 > 24.º convívio da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/71) > ​Da esquerda para a direita, o Valdemar Queiroz, o Abílio Duarte e o Aurélio Duarte


Silvalde, Espinho > Jan/fev 1969 > IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, antes do embarque para a Guiné, a 18/2/1969 > O Aurélio Duarte, em baixo, na primeira fila, é o primeiro à direita... Segue-se, para o lado esquerdo, o Abílio Duarte, o Pechincha e o Manuel Macias. O Cândido Cunha é o terceiro, na segunda fila, de pé, a contar da esquerda para a direita (facilmente identificável por ser o que se está a rir). Na terceira fila, à esquerda do Cunha, o Renato Monteiro. Na última fila, de pé, na ponta esquerda o Valdemar Queiroz, e à sua direita o Bento.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > Centro de Instrução Militar > CART 2479 > 1969 > Da esquerda para a direita: Manuel Macias, Aurélio Duarte, Abílio Pinto, Pais e Abílio Duarte


Guiné > Região de Gabu > Piche > CART 2479 / CART 11 >  c. 1969/70 > O Aurélio Duarte é o da carecada, à direita...

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 /CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70):


Data: 18 de agosto de 2017 às 18:46

Assunto: Morreu o Aurélio Duarte

No passado dia 15 de Agosto morreu o Aurélio Duarte. Quando dava o seu passeio habitual foi fulminado por um ataque do coração. Desta vez o seu coração não aguentou.

Morreu mais um rapaz que esteve na guerra na Guiné.

Morreu o amigo e sempre bem humorado ex-furriel miliciano Duarte,  natural de Coimbra.

Foi dos primeiros a chegar à guerra na Guiné, muito dias antes da chegada do resto do pessoal da CART 2479 e foi o dos últimos a regressar à sua terra (fez parte da 'secção de quarteis').

Foi o Aurélio Duarte que levou na sua bagagem discos do Zeca Afonso, Adriano, Fanhais e outros mais.(*)

Eu nunca me esquecerei do Duarte, quando estivemos em Canquelifá. Meteu 'bioxene', matrecos, golpes de judo e braços partidos (o braço dele). Inesquecível. (**)

É uma chatice morrerem os rapazes que estiveram na guerra na Guiné.

Nunca mais o ouviremos o Aurélio Duarte, de Coimbra.

Nunca mais ouviremos ele dizer esfuziante um... EFERREÁ!!! EFERREÁ!!! NÃO VAI NADA , NADA, NADA.???.

Nunca mais ouviremos ele dizer o delicioso poema 'Quando a corte de D. João VI chegou a Paquetá, tudo servia de pretexto para criticar certa mulata que havia lá' (**)

Morreu o Aurélio Duarte, de Coimbra.

Vamos ter muitas saudades.

EFERREÁ, EFERREÁ, EFERREÁ !!!!

Valdemar Queiroz

2. Comentário do editor:

O Aurélio Duarte fazia (e continuará a fazer parte) da "grande seita" dos furriéis da CART 2479/CART 11, os "Lacraus". Agora lá no "assento etéreo" ou muito simplesmente no alto do poilão da Tabanca Grande vamos continuar a ouvir o seu "grito de guerra" coimbrão, Eferreá!... Eferreá!... Ele tinha já várias referências no nosso blogue e, de resto, iríamos permitir que fosse parar à "vala comum do esquecimento"... Ele faz parte do nosso património de memórias da Guiné!... Ele será doravante o nosso grã-tabanqueiro nº 750, por coincidência (ou não...), o número  a seguir ao do  seu camarada da mesma companhia, o Manuel Macias (***).

Vamos celebrar a memória deste camarada que eu conheci em Contuboel. Também por estranha coincidência é a segunda vez, em escassos dias, que o Valdemar Queiroz é o mensageiro de tristes notícias que enlutaram a sua antiga companhia: primeiro foi a morte do Pais, de Nelas, e agora, a do Aurélio Duarte, de Coimbra (****).

Paz às suas almas!...
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(**) Vd. poste de 23 de março de 2014 >  Guiné 63/74 - P12886: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte X): Quando a corte dos Lacraus chegou a Canquelifá...

(***) Vd. poste de 26 de julho de 2017 >  Guiné 61/74 - P17621: Tabanca Grande (442): o serpense Manuel Macias, ex-fur mil, 4º Gr Comb, CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus" (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)... Grã-tabanqueiro nº 749.

Guiné 61/74 - P17683: Parabéns a você (1300): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série > 19 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17682: Parabéns a você (1299): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66)

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17681: Notas de leitura (989): “Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”, por Daniel Gouveia, Âncora Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

"Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”
Autor: Daniel Gouveia - Âncora Editora, 2015


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
É a escrita de um septuagenário experimentado, os seus livros de guerra distinguem-se dos demais por revelarem um ser curioso, deslumbrado com a Natureza, vai aprendendo a olhar e a interessar-se pelo Outro, aquela guerra foi a sua matéria-prima para aprender a crescer. Não está desatento ao fator bélico, não é mordaz ou cínico ou calhandreiro ou está tomado por acessos de azedume, não, é medularmente construtivo, divertido e convivente. É esse o vigor que perpassa pelas cartas que ele selecionou e que enviou à sua dama. No meio de uma chuva imensa, conta entusiasmado que presenciara um espetáculo magnífico, talvez uma hora antes de a clareira se alargar​ e​ formigueiros inteiros muda​v​ am para os sítios altos, aranhas passavam carregando sob as patas um saco com os ovos, gafanhotos, lagartas buscavam lugar seguro contra a subida das águas. E estava sempre a aprender com o guia Teixeira que lhe dizia que ia chover muito e apontava para a bicharada em fuga.
Um homem que escreve assim tem o coração pacífico, aprende a superar os antolhos com uma perna às costas.

Um abraço do
Mário


Cartas do mato, por Daniel Gouveia (2)

Beja Santos

De Daniel Gouveia já aqui se saudou o seu notável “Arcanjos e Bons Demónios – Crónicas da Guerra de África”, DG Edições, 3.ª edição, 2011. Em abono dessa sua preciosa narrativa, vamos agora dar atenção a “Cartas do Mato – Correspondência Pacífica de Guerra”, Âncora Editora, 2015. Por uso e costume, o centro das nossas atenções vai para o que se escreve sobre a guerra da Guiné, mas faz-se sempre o reconhecimento de que só ganhamos em comparar o que é comparável em toda a literatura da guerra; em comparar e distinguir, pois claro, cada teatro tem as suas especificidades, houve diferentes hostilidades. Mas ao comparar e distinguir também elevamos o nosso olhar para um patamar de princípios, de ética, de fusão da camaradagem: os valores e os sentimentos universais, aquilo que é transversal no combatente, seja a descoberta dos novos ambientes, as formas de adaptação, o quinhão da solidariedade, as angústias e os medos, a repartição dos farnéis, o combate contra a solidão, e o medo das picadas, a angústia das esperas, o caminhar dentro das florestas húmidas, a reação à emboscada; e a caraterização dos protagonistas, o cozinheiro, o padre, o apontador de bazuca, o oficial e o sargento, a ansiedade na chegada do correio.

Os meses passam, Daniel Gouveia está em Quiximba, anda à procura de soluções práticas, uma delas passa pelo uso do apito: “Comprei um apito de árbitro, para evitar berrar ordens, sobretudo nas paradas dos quartéis alheios, quando a tropa anda dispersa a falar com os conterrâneos. Tenho um código de apitadelas e aquilo funciona como um relógio, com uma eficácia de que nem eu suspeitava. Uma apitadela curta e duas longas e tenho toda a minha gente a correr para os Unimogs, estejam na cantina, na caserna ou nas latrinas”. Vai encontrando soluções expeditas para evitar acidentes e simultaneamente ter as armas prontas as funcionar. Sem descurar a guerra e a logística, é um alferes profundamente atento a brejeirices e dá conta de divertidos entremeses culturais, caso de um soldado cuja mulher tinha ido a França e lhe mandara um postal ilustrado, ele queria saber o conteúdo:
“Vendredi = Sexta-feira
Ma cheri marrie
je ofere-ça a mon marrie que bocú eme vu, toutjours, e jame múa no 
pa te obilie 
je te envie compliments escuzemuá 
bocú
rvoá macheri 
mom bena mó”
(Com boa vontade, poderia traduzir-se assim: Sexta-feira/Meu querido marido/ofereço isto ao meu marido que amo muito, sempre e jamais te esqueço/mando-te cumprimentos, desculpa/muito/adeus meu querido/meu bem amor). Está bem integrado, partilha as festas dos seus homens, ridiculariza o empolamento dado pelos relatórios oficiais, ele encontrara ninharias e a PIDE destacava que a unidade “apreendera grande quantidade de material ao inimigo, numa operação de limpeza a umas grutas aonde se encontraram vestígios de permanência de um numeroso grupo. Nessa operação foram recuperadas 10 enxadas indígenas, dez metropolitanas, dinheiro e documentos ao inimigo”. E comenta, ladino: “Tudo aldrabice. As enxadas eram três, o dinheiro era uma moeda de cinquenta centavos e os documentos eram uma ficha de recenseamento local e uma guia para consulta no hospital de São Salvador”.

São deliciosos os seus comentários com o guia Teixeira, andavam em patrulha e detetaram o rasto de uma manada de burros-do-mato:
“- São poucos. Trazem cinco ou seis crias. O chefe é este – aponta uma pegada – e é muito velho. Aqui escorregou um. Aqui uma cria correu para alcançar a mãe.
Já vou percebendo alguma coisa, quando os sinais são nítidos. A vista vai-se treinando. Às vezes encontro um rasto e chamo o Teixeira para interpretar. Outras, arrisco eu a interpretação e ele vai corrigindo:
- Teixeira, olha, pacaça do ontem.
- Do hoje, meu alferes…
- Cabra do mato, da água para aquela mata, parando de vez em quando a olhar para trás, porque o vento estava contra e só trazia o cheiro do que estivesse à frente.
- Não, meu alferes. Olhava para trás porque desconfiava da onça no rasto.
- Mas não há pegadas de onça…
- Cabra do mato passou sobre esta lama, marcou as patas dela. A onça passou ao lado, no chão seco, não marcou.
- Então como é que sabes que era onça?
- Este arbusto tem pelo de onça. Vê, meu alferes?
- Vejo…
É assim que vou fazendo a minha aprendizagem de pisteiro”.

Vai de férias e volta a Quiximba, dá notícias da rotina, da chegada do cinema ao refeitório, dos autos, das colunas, faz um comentário duríssimo aos camionistas: “São uma raça especial de gente, rude e grosseira, o rebotalho humano que já não tem onde cair, nem sequer numa terra como Angola, onde qualquer paspalho subsiste, e agarram-se à última das últimas tábuas de salvação: guiar camiões pelas zonas de guerra, estabelecendo contacto entre as povoações e os centros urbanos e levando os abastecimentos à tropa. Por um lado, são admiráveis, pelo que suportam, por aquilo a que se sujeitam a troco de 6.000$00 por mês, melhor dizendo a 1$20 por quilómetro. Por outro lado, já pouco têm a perder e gente desta só se recruta nas camadas marginais da sociedade. Donde, a violência de atitudes, a falta de educação e até hostilidade em relação ao resto das pessoas”.

Inaugura-se a capela de Quiximba, o padre Campos, antes de benzer a capela, dirige-se às tropas nestes termos: neste momento, não chegou ainda às unidades o modelo oficial em português, da bênção, porque agora só se faz em português, de maneira que vai ser em latim, vocês não vão perceber nada, mas também é só cinco minutos…

Aprende a dar injeções, nem aqui dá tréguas à brejeirice: “Cheguei a combinar com o enfermeiro Bessa o truque de, no último momento, ele passar-me a agulha e ser eu a espetá-la sem o paciente saber. Mas a notícia espalhou-se em menos de um fósforo e bastava eu estar na enfermaria à hora dos tratamentos, para logo desaparecerem os doentes que tinham de levar injeções".

Estamos em Maio vão chegar 350 famílias que viviam no Quanza Norte, virão fazer sanzala para o Quiximba. Chama-se a “Operação Robusta”. É um dos grandes textos de Daniel Gouveia, como veremos.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17669: Notas de leitura (988): “Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”, por Daniel Gouveia, Âncora Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17680: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (15): Págs. 113 a 120

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura

1. Continuação da publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17671: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (14): Págs. 105 a 112

Guiné 51/74 - P17679: Manuscrito(s) (Luís Graça) (122): um soneto de amor (dedicado àquela que amo e que faz hoje anos)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 11 de dezembro de 2011 > Autorretrato do poeta entre castanheiros, carvalhos e vinhedos...


Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Soneto do amor

(o primeiro soneto que dedico à minha Chita)


O italiano Francesco Petrarca (1304-1374) foi o inventor do soneto (14 versos de 10 sílabas métricas, sob a forma de duas quadras e dois tercetos). E com isso, foi o fundador da moderna  poesia de amor. Ficam para a história aos seus sonetos a Laura. Camões e tantos outros poetas maiores da língua seguiram o modelo. Fernando Pessoa acharia ridículo escrever  cartas e, pior ainda, sonetos de amor.  Para mais publicamente, num prosaico blogue dedicado à guerra da Guiné de que já ninguém se lembra. E para mais repproduzido no Facebook que ele abominaria, se fosse vivo. Mas não tive outro jeito: poeta menor, nascido em meados do século passado, jubilado, descobri agora o encanto do soneto. Faço sonetos por encomenda, para batizados, casamentos e funerais, Não chego às barbas nem sequer aos calcanhares dos grandes, e vais-me desculpar a minha menoridade poética. Mas também sei que os teus amados nunca te escreveram, em vida,  um soneto de amor. Eu ousei, tentei e aqui está um, o primeiro que te dedico. Sei que és facebook...eira. Em dia de anos, toma lá soneto em primeira mão. Come-se como o chocolate. Di-lo-ei em público, no fim da caldeirada de peixe, que é o prato que vai ser servido na Tabanca de Porto Dinheiro, do régulo Eduardo Jorge Ferreira, meu amigo e camarada. O ramo de rosas vermelhas, como tu gostas, virá depois. A esta hora a florista ainda está fechada. Um bom dia de anos, meu amor!... LG




O amor é como o bacalhau,

P’ra cada dia tem uma receita,

Ora se rapa com colher de pau,

Ora se estraga e nada se aproveita.



Se queres ser um (e)terno enamorado,

Amor é arte, mais do que ciência,

Primeiro, nunca o sirvas requentado,

E, depois, tem do santo a paciência.



Quem o diz, é a minha dama e mestra,

Que faz hoje setenta e dois aninhos:

Que pena eu não ter aqui uma orquestra,



Com coro, para os parabéns lhe dar,

E, entr’as velas e os búzios dos moinhos,

Lhe jurar que a continuarei… a amar!



Lourinhã, Tabanca de Porto Dinheiro, Restaurante "O Viveiro", 18 de agosto de 2017


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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de agosto de 2017 >  Guiné 61/74 - P17672: Manuscrito(s) (Luís Graça) (121): poema à minha igreja do Castelo, Lourinhã, setembro de 1964...

Guiné 61/74 - P17678: Parabéns a você (1298): Coronel Inf Ref António Melo de Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira de Lisboa, esposa do nosso editor Luís Graça


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17676: Parabéns a você (1297): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17677: Fotos à procura de... uma legenda (88): "Pietá"... O fotógrafo indiano, Avinash Lodhi, captou o desespero de uma fêmea de macaco Rhesus que abraça a cria inanimada (Luís Mourato Oliveira)


"Pietá"...Um fotógrafo indiano captou o momento em uma macaca abraça com força a cria, que aparentemente estava inconsciente. "Foi um momento raro, especialmente entre animais", disse o fotógrafo Avinash Lodhi.

Segundo informação do DN - Diário de Notícias, de 11 de maio de 2017, a fotografia foi tirada em Jabalpur, no estado indiano de Madhya Pradesh e publicada nas redes sociais. "A imagem tem comovido vários utilizadores e tornou-se viral."... Um momento raro, entre animais, comentou o fotógrafo.

O animal parece-nos ser uma fêmea de  macaco Rhesus, uma das 15 quinze espécies de macacos existentes no subcontinente indiano. De acordo com a investigação dos primatólogos, os macacos Rhesus demonstram uma variedade de habilidades cognitivas complexas, como a capacidade de fazer avaliações psicológicas, entender regras elementares e avaliar os seus próprios estados mentais. Inclusive, parecem reconhecer-se ao espelho, tendo por isso algum tipo de autoconsciêncua. Já em 2014, os utentes de uma estação de comboio em Kampur, na Índia, assistiram a um cena incrível: a de macaco Rhesus, eletrocutado, a ser objeto de assistência  e reanimação  por outro macaco Rhesus.

[Imagem enviada e legendada por Luís Mourato Oliveira. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné... Reprodução com a devida vénia...]


1. Mensagem do Luís Mourato Oliveira, com data de 22 de junho (complementada com informação sobre a foto em 15 do corrente):


[foto à esquerda, Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740, Cufar, 1972/73, e Pel Caç Nat 52, Bambadinca e Mato Cão, 1973/74; membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730]

Quando há algum tempo escrevi para a Tabanca Grande “Quatro Aventuras Gastronómicas na Guiné” (*) ,  fi-lo com o propósito de deixar um testemunho das limitações que existiam na obtenção de alguns géneros alimentares e também recordar o recurso à imaginação e improviso com que os militares em campanha ultrapassavam essas mesmas dificuldades.

Não contava, o que me deu muita satisfação, que um dos textos enviados, “ Macaco em Mato de Cão”, gerasse polémica e discussão tendo ainda originando um inquérito feito no Blog e no Facebook, sobre as opiniões gustativas dos camaradas que experimentaram esse prato. (**)

Um camarada criticou vivamente essa prática gastronómica que qualificou de quase canibalismo e quem a praticava de “não serem boas rolhas”,  tendo eu assumido com algum humor que me enquadrava nessa categoria.

Há alguns dias uma fotografia trouxe-me à memória a discussão travada na altura. Foi produzida por um fotógrafo indiano [, Avinash Lodhi,]. que captou o desespero de uma macaca que abraçava a cria inanimada e a imagem trouxe-me imediatamente à memória a Pietà que Miguel Ângelo esculpiu quando tinha apenas vinte e três anos e que é das obras de arte que mais emoções me produziram. 

Na Pietà a mãe de Jesus sustenta o corpo do filho morto com resignação pela morte e talvez a serenidade da sua expressão na escultura já represente a esperança da ressurreição. Na macaca o que mais impressiona é o enorme desespero e revolta de uma perda para ela irrecuperável.

Hoje seria para mim impossível repetir o exercício relatado em “Macaco em Mato de Cão”, não pelo efeito da fotografia, mas por toda a vivência de mais de quarenta anos que modificaram mais de forma invisível o meu comportamento, bem como os camaradas da minha geração com experiência similares que as transformações físicas que vamos sofrendo, o que me leva a ponderar sobre que tipo de pessoas éramos quando jovens num cenário de guerra e qual o limite que a educação e a ética impunham para os nossos comportamentos de então?

Questiono-me se,  sem as experiências vividas, como teríamos evoluído como seres humanos e se a nossa visão de humanidade seria hoje critica aos comportamentos dos nossos vinte anos?

Todos nós “crescemos” no mesmo sentido ético e dentro dos mesmos valores após as experiências vividas?

Sem rejeitar nada do passado, em transportar quaisquer sentimentos de culpa ou complexos pelos momentos vividos naquele período, quero acreditar que a vida e as experiências adquiridas nos encaminharam para ciclos distintos de comportamento difíceis de explicar porque muitas vezes antagónicos.

Quero acreditar que o processo de evolução das nossas vidas nos conduz à aprendizagem e aperfeiçoamento permanente a padrões de humanidade e compaixão por todos os seres que connosco coabitam neste Mundo e à rejeição dos caminhos fáceis de trilhar do egocentrismo, da violência e da escuridão. (***)

Luís Mourato Oliveira


Nota: A cria que na fotografia parece ter morrido estava apenas inconsciente e após ter recuperado a macaca mostrou de novo alegria e “macaquices”.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo, bom pão e melhor... macaco cão no forno com batatas!

(**) Vd. 17 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16730: Inquérito 'on line': Num total de 110 respondentes, apenas 16% disse que provou (e gostou de) carne de macaco-cão... Pelo lado dos "tugas", o "sancu" está safo... Agora é preciso que os nossos amigos guineenses façam o seu trabalho de casa...

(ªªª) Último poste da série > 26 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17620: Fotos à procura de...uma legenda (87): o luxo de um "petromax" da Casa Hipólito nas noites escuras como breu...

Guiné 61/74 - P17676: Parabéns a você (1297): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17673: Parabéns a você (1296): Armando Faria, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4740 (Guiné, 1972/74)

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17675: In Memoriam (302): Morreu o Pais, de Nelas, o homem das transmissões da CART 2479 / CART 11, que era também o nosso barbeiro (Valdemar Queiroz)


Foto nº 1 > Guiné, Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/71) > O Pais, barbeiro. O "cliente" era o Valdemar Queiroz.


Foto nº 2 A > CART 2479 / CART 11 > Convívio > Nelas, 2000 > O Pais, de gravata, entre o capitão, de camisa vermelha e o Valdemar Queiroz, de camisa azul clara. O ex-cap mil art, Analido Aniceto Pinto, morreu em 20/2/2014.


Foto nº 2  > CART 2479 / CART 11 > Convívio > Nelas, 2000 > Foto de grupo

Fotos ( e legendas): © Valdemar Queiroz (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de 13 do corrente, enviada pelo nosso camarada Valdemar Queiroz [, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70] [Foto à direita]

O ex-Alf.Mil. Pina Cabral informou-me da morte da Pais, de Nelas.

Morreu mais um rapaz do nosso tempo.

Morreu o Pais, o homem das transmissões da CArt 2479 / CArt 11.

Morreu o Pais, o homem que nos cortava o cabelo

Morreu o Pais, que esteve na Guiné de 1969 1971

Morreu o Pais, silêncio, por favor.

Morreu o Pais.

Valdemar Queiroz
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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de julho de  2017 > Guiné 61/74 - P17568: In Memoriam (301): António Alves Ramos (Ramitos), ex-Radiotelegrafista da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1871/74) (Sousa de Castro)

Guiné 61/74 - P17674: Os nossos seres, saberes e lazeres (226): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 28 de Abril de 2017:

Queridos amigos,
São os últimos dias passados em Malta, amanhã vou até Gozo e farei relatório.
Malta vive essencialmente do turismo, é gigantesco, desdobra-se em atividades ao ar livre, visitas culturais, excursões em todas as direções. Hoje movimentei-me a pé durante horas, quando me senti esfaimado entrei num snack e fui servido por um português que ali vive e se sente muito bem, o salário mínimo ronda os 840 euros, ele sente-se satisfeito com o estado social de Malta.
Continuo à volta do Grão-Mestre Vilhena mas há outros vultos portugueses referidos com regularidade. Para os estudiosos das guerras informo que tem aqui um largo pitéu com as instalações poderosas que foram vitais durante a II Guerra Mundial para assegurar sucessos da aviação e da frota naval.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: 
À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (5)

Beja Santos

Pelas contas do viandante, hoje será um dia exclusivamente dedicado a contemplar preciosidades em Valeta. Já ficou dito que este pequeno país tem entre as suas peculiares atrações um número elevadíssimo de estátuas em todas as localidades, é um país novo que procura a identidade com os seus vultos e eventos superiores. Logo esta dinâmica estátua alusiva à independência, à entrada da cidade.


Há razões fundadas para os guias proporem, entre as principais atrações, a visita à Igreja do Naufrágio de S. Paulo e às suas 25 relíquias. Caminhando para o templo, surpreende a amálgama de diferentes estilos arquitetónicos da sua fachada neogótica oitocentista, parece mais a sede de um banco do que uma igreja. Entra-se e tudo muda de figura. Ali predomina o barroco. Os visitantes vão à procura das relíquias, diz-se que há um osso do pulso direito e um fragmento da coluna onde terá sido decapitado. O viandante já aqui esteve e voltará aqui logo que possível. A cúpula do tempo não é nada de transcendente, mas o arquiteto foi subtil nos jorros de luz que a elevam e lhe dão uma dimensão sublime. Também esta relíquia de S. Paulo, a sua cabeça, é uma impressiva imagem da mortificação, ele que falou na dádiva pelos outros assim cumpriu a sua missão, parece dizer o génio desta estatuária.



Não teria sentido ignorar o nosso Grão-Mestre Manoel, sempre presente, vamos ao seu encontro no teatro que ele providenciou para que o público tivesse “entretenimento honesto”, logo ópera séria. O Teatro Manoel abriu as suas portas em 19 de Janeiro de 1732. Em rigor, é hoje uma casa de espetáculos, promove concertos, recitais, mas também óperas. Foi ligeiramente atingido durante os bombardeamentos da II Guerra Mundial e restaurado. Dizem que é uma réplica do teatro da ópera de Catânia, a capital da Sicília.



O turista recebe ampla informação sobre o património maltês, dentro das referências fala-se nas fontes e o viandante gosta muito desta, está na Praça de S. Jorge, lugar de grande afluência, o viandante pôs-se a observar e escreveu no caderninho: mais um elemento italiano a juntar a tantos outros.


Sendo Valeta uma cidade com tantos fortes e fortificações, é sempre uma tentação descer e olhar de cima para baixo a monumentalidade das muralhas. O viandante tomou o elevador nos jardins superiores de Barrakka e desceu. Recorde-se a ironia de ter feito esta construção ciclópica que ficou operacional no exato momento em que o império Otomano entrou em refluxo.


O viandante sobe ao nível superior de Valeta, encontra aberta a igreja de Nossa Senhora das Vitórias, considerada a primeira igreja de Valeta, mandada construir por Jean Parisot de Valette, para comemorar a sua vitória sobre os otomanos em 1565. Foi a principal igreja de ordem e o Grão-Mestre Manuel Pinto da Fonseca mandou embelezá-la com a fachada barroca que podemos admirar. Fala-se das vitórias, não é só a de 1565 é também para marcar a capitulação da Armada italiana em 1943, representou a chegada da paz para os malteses. Os viandantes podem agora admirar uma igreja praticamente toda restaurada, é um encanto para os olhos tanta arte preservada.


Nisto o viandante tem uma veneta, olha para o céu, busca um autocarro e procura novo desfrute, as falésias Dingli, muito procuradas pelos amantes da conservação da natureza. Estas falésias de calcário na Costa Ocidental proporcionam panorâmicas de cortar o fôlego. Foi construída uma agradável marginal e dá-se um passeio de alguns quilómetros a ouvir o piar dos pássaros, a ver o funcho e a contemplar, mantendo uma respeitosa distância das falésias uma brancura que cai abruptamente nas águas. Está na hora do regresso, volta-se a Sliema.


Isto de vasculhar à procura de promoções dá por vezes resultados sensacionais. Um hotel de Sliema assegurava um quarto por 30 euros, com vista para o pátio, por sinal sem graça nenhuma. Mas era um quarto cheio de conforto, foi um ótimo negócio. Porque Sliema é a principal faixa turística de Malta, passeios não faltam e as vistas são soberbas. O viandante despede-se hoje dos seus amigos com uma vista da cidade e em dado momento até pensou em Veneza, imagine-se, estava na marginal a ver os barcos e o serviço de ferry que atravessa a baía em dez minutos. O viandante escreve no seu caderninho: amanhã começamos pela pré-história e a seguir parte-se para Gozo. O passeio maltês dentro em breve finda para se partir para Bruxelas, o viandante está saudoso desta cidade que percorre com tanta alegria.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17660: Os nossos seres, saberes e lazeres (225): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do grão-mestre António Manoel de Vilhena (4) (Mário Beja Santos)