terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18106: Blogues da nossa blogosfera (85): Do Blogue "reservanaval", do nosso camarada Manuel Lema Santos, 1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, 1966/68, o artigo de sua autoria "Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte I"



Guiné, 1969 – Emboscada a um comboio naval - Parte I

Afundamento do batelão “Guadiana” por EEA–Engenho Explosivo Aquático (Post reformulado a partir de outro já publicado em 15 de Julho de 2010)

Considerações gerais


O 2TEN FZE RN João António Lopes da Silva Leite do 10.º CFORN e o STEN FZ RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva do 11.º CFORN, depois de concluírem os respectivos cursos foram ambos mobilizados para a Guiné, o primeiro integrado no Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 10 (1967) e o segundo na Companhia de Fuzileiros n.º 6 (1968).

Em Maio de 1969, viriam ambos a protagonizar, um episódio marcante da complexa actividade da Marinha ao longo dos doze anos de guerra, o primeiro como comandante operacional de uma “task unit” activada na sequência da organização de um comboio logístico, integrando LDM e embarcações comerciais e, o segundo, como comandante operacional de uma outra LDM, também com batelões mas que, numa parte comum do percurso, se juntava àquela task unit.


O 2TEN FZE RN João António Lopes da Silva Leite do 10.º CFORN e o STEN RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva do 11.º CFORN


A organização e planeamento dos comboios de abastecimento logístico estavam atribuídos pelo Comando de Defesa Marítima da Guiné à Esquadrilha de Lanchas que, de acordo com as exigências operacionais, disponibilidade de meios navais e o tão criterioso como indispensável apoio da tabela de marés, procedia à escolha do período e datas em que se efectuavam os comboios - RCU.

A necessidade de manutenção de uma logística de apoio a populações e unidades militares, tornava alguns dos percursos não só frequentes mas de periodicidade obrigatória, quer para norte quer para sul daquele território, situação também decorrente do normal escoamento de produtos agrícolas essenciais à economia do território.

Entre os mais carismáticos, cabe destacar Farim, no norte, cerca de 85 milhas a montante da foz do rio Cacheu e Bedanda ou Gadamael, no sul, ambas a uma distância próxima de 20 milhas da foz nos rios Cumbijã e Cacine (rio do Porto de Gadamael) respectivamente.

As distâncias totais percorridas a partir de Bissau – normais pontos de partida e chegada destes comboios - dependiam dos percursos parciais efectuados e dos navios e embarcações presentes. Havia ainda a considerar, de acordo com as unidades navais utilizadas, rotas alternativas às barras convencionais dos rios.


A tracejado (violeta) o percurso Bissau - Bolama e, na continuação, Bolama - TT (confluência dos rios Tombali e Cobade); igualmente visível o percurso de regresso a Bolama (laranja)


Estavam nesse caso o Canal de Melo, na travessia do rio Cumbijã para o rio Cacine, a passagem do rio Tombali para o rio Cumbijã, via rio Cobade ou a ida para o Cacheu navegando pelo interior do baixo dos Macacões, este só acessível a LDM. Claro que esta possível utilização, válida igualmente para os percursos inversos, permitia encurtamentos de caminho e reduções de tempo notáveis.

Enquanto a uma LFG de escolta estava vedada a possibilidade de efectuar atalhos por causa dos 2.20 m de calado daquela unidade naval e as LFP -Lanchas de Fiscalização Pequenas, ainda que com limitações, efectuassem diversos percursos com alguns shortcuts, as LDM - Lanchas de Desembarque Médias efectuavam verdadeiros milagres no encurtamento de traçados, quase bastando haver alguma altura de água para passarem e muita, mesmo muita, experiência do "patrão".

Afinal, com a maré na enchente, um encalhe resolvia-se quase sempre por si próprio, em fundos lodosos sem cristas rochosas. Bastava arriscar primeiro e esperar depois, raciocínio obviamente limitado para as unidades com quilha.

Para comandar estes RCU eram habitualmente nomeados oficiais subalternos dos Destacamentos ou Companhias de Fuzileiros, dos Quadros Permanentes ou da Reserva Naval, reforçados por esquadras ou grupos de combate daquelas unidades e com o armamento adequado à missão, por forma a aumentar a segurança dos comboios, garantindo um destino seguro às guarnições, populações e bens por eles transportados.

Se algumas das embarcações ou batelões comerciais dispunham de motor, outras não tinham propulsão própria, sendo por isso rebocadas por aqueles que tivessem condições para o fazer. Navegação com velocidades diferentes, cabos de reboque partidos e avarias frequentes, era um panorama comum que gerava confusão e granel, obrigando o comandante do comboio, com as LDM disponíveis, a um enquadramento atento e disciplinado.

Esta estratégia era sobretudo importante a partir do ponto de confluência de todas as unidades, normalmente situado no início das bacias hidrográficas dos rios onde se situavam os locais a aportar. Aí se reviam os derradeiros pormenores da navegação a efectuar, procedimentos de comunicações e a abordagem de eventuais zonas de risco de ataques ou emboscadas do inimigo.


A tracejado (violeta) o percurso Bolama - ponto TT - Catió e os restantes percursos parciais, ponto CC (confluência dos rios Cobade e Cumbijã)- Bedanda - Cabedú - Cacine - Gadamael e respectivos regressos



A missão

Pela "Ordmove" 132/69 o Comando de Defesa Marítima da Guiné ordenou à LDM 302 que, a partir de 16 de Maio de 1969 pelas 16:30, sob o comando operacional do STEN FZ RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva, largasse de Bissau com o objectivo de escoltar as embarcações motor «Portugal» que rebocava o batelão «Angola» levando carga geral, o Pelotão de Morteiros 2115 e respectivas bagagens com destino a Vila Catió. A guarnição da LDM e o motor «Portugal» foram reforçados com elementos da CF 10.

O comboio (RCU) escalou Bolama no mesmo dia da largada e completou o percurso no rio Cobade no dia seguinte de manhã, entre o rio Tombali e a foz do rio Cagopere que dá acesso ao porto de Catió, esta parte do trajecto feita com apoio aéreo. Durante a permanência naquele porto foi montada segurança pelas FT (Forças Terrestres) locais. No regresso, a LDM 302 e as embarcações civis confluíram para a foz do rio Cagopere no dia 21 pelas 10:00 passando a estar integradas no RCU 9/69.


As embarcações comerciais motoras «Portugal» e «Angola»

Quase simultaneamente, pelo "Ordmove" 136/69 – RCU 9/69 o Comando de Defesa Marítima da Guiné ordenou a activação da TU 5 com a nomeação do 2TEN FZE RN João António Lopes da Silva Leite para comandar aquela task unit a partir do dia 20 de Maio de 1969, pelas 00:00. Foi constituída pelas LDM 105 e LDM 313, com o fim de escoltar as embarcações motor «Rio Tua» rebocando um batelão, motor «Vencedor», motor «Gouveia 17» rebocando os batelões «Guadiana» e «Lima» com destino a Bedanda e Cacine.

Houve ainda que transportar 12 toneladas de produtos de reabastecimento, enviados para Cufar pelo CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné) na LDM 105 e ainda um veículo "GMC" do exército para Gadamael na LDM 313.


O batelão «Guadiana» que viria a ser afundado mais tarde.

Tal como previsto, a partir do dia 21, pelas 10:30, foi integrada no comboio a LDM 302 com a embarcação com motor «Portugal» rebocando o batelão «Angola», sendo este grupo (RCU) a integrar comandado pelo STEN FZ RN Carlos Alberto Gil Nascimento e Silva.

Com início e regresso a Bissau, estavam definidos os movimentos previstos com respectivas escalas e horários de chegada/largada, tendo em atenção as marés: Bissau, Bolama, ponto TT (confluência dos rios Tombali e Cobade), foz rio Cagopere, ponto CC (confluência dos rios Cobade e Cumbijã), Impungueda, Bedanda, Impungueda, ponto CC, ponto TT, Bolama e Bissau.

No dia 23 pela manhã a LDM 313 deixou o comboio no ponto CC, rumando a Cacine e Gadamael pelo Canal de Melo, com as embarcações motor «Vencedor», motor «Gouveia 17» rebocando os batelões «Lima» e «Guadiana».


O batelão motor «Gouveia 17» que rebocava os batelões «Lima» e «Guadiana»

O movimento efectuado para o aquartelamento de Cabedú com os batelões «Lima» e «Gouveia» permitiu ganhar um dia ao movimento destas embarcações, escoltadas pela LDM 313 para Cacine.

A descarga em Cacine não foi concluída mas, a necessidade do rigoroso cumprimento do planeamento imposto pelos horários das marés, obrigava a algumas decisões incompatíveis com atrasos nas cargas e descarga dos locais aportados, por problemas de estiva alheios ao comando operacional do comboio.

A progressão para montante do rio Cumbijã a partir dos ponto CC fez-se sem problemas e as descargas em Cufar e Bedanda fizeram-se dentro dos horários e com normalidade.

Regresso, rebentamento de um EEA (Engenho Explosivo Aquático) e o ataque IN

No regresso, o percurso descendente do rio fez-se com as LDM 105 e LDM 302 com as embarcações motor “Portugal” rebocando o batelão “Angola” e motor “Rio Tua” com outro batelão.

Dia 27 pelas 11:00, juntaram-se a estas unidades, no ponto CC, as provenientes do regresso de Cacine. A LDM 313 trazia de Gadamael para Bissau uma viatura GMC e destruiu uma canoa abandonada na foz do rio Meldabom. Cerca das 13:00 do dia 27 de Maio de 1969, e com apoio duma parelha de aviões Harvard T6, iniciou-se o percurso do rio Cobade.


Os batelões motores «Rio Rua» e «Vencedor»

O comboio navegava em coluna, com as unidades navais e embarcações pela seguinte ordem na formatura: «Gouveia 17» rebocando os batelões «Lima» e «Guadiana», LDM 313, motor «Portugal» com o batelão «Angola» de braço dado, LDM 105, motor «Rio Tua» de braço dado com um batelão, LDM 302 e finalmente o motor «Vencedor».

Foi adoptada esta formatura para o motor «Gouveia 17» estabelecer a velocidade do comboio, uma vez que era a embarcação motora com menor velocidade de progressão. Pouco tempo depois, pelas 14:30, o IN (inimigo) viria a revelar-se.

Cerca de meia milha após o desembarcadouro do Cachil, foi avistado pelo pessoal da escolta, fornecida pela CF10 que se encontrava a bordo do «Gouveia 17», um fio que atravessava da margem do lado do Cachil para o meio do rio. Por analogia com casos anteriores, este pessoal mandou parar imediatamente o «Gouveia 17», o que foi tentado pelo patrão desta embarcação metendo máquinas a ré.

Como consequência desta manobra necessariamente brusca e devido ao normal seguimento por inércia, os dois batelões rebocados aproximaram-se do «Gouveia 17», tendo o primeiro reboque, o batelão «Lima», colidido com a popa do «Gouveia 17», enquanto que o outro que o seguia, o batelão «Guadiana», devido ao comprimento do cabo de reboque, ultrapassou por estibordo o «Gouveia 17», e no final do comprimento do cabo, rodopiou ficando aproado em sentido contrário ao da marcha invadindo, com a parte de ré, o local onde o fio tinha sido avistado.


Pormenor do porto interior de Bedanda

Nesse exacto momento, verificou-se uma forte explosão à popa do batelão «Guadiana». Simultaneamente, o inimigo, emboscado em ambas as margens desencadeou violento ataque com armamento ligeiro e morteiro, sem consequências pessoais.

Por sua vez, o engenho explosivo aquático que havia deflagrado à popa do batelão «Guadiana» causou 5 mortos e dez feridos, confirmados pelo sargento enfermeiro - 2Sarg H Cotovio que, seguindo na LDM 105 e após a explosão, passou imediatamente para bordo daquela embarcação. Foram rapidamente assistidos no local por aquele profissional de saúde com a colaboração de um colega - 2Sarg H Mesuras - embarcado na LDM 302. Ambos, debaixo de fogo e no meio de grande confusão por parte de passageiros civis, mantiveram a presença de espírito suficiente para desempenharem as suas funções.

Entretanto, o comandante operacional informou o apoio aéreo do sucedido e, dentro das possibilidades, solicitou cobertura mais cerrada na zona, a fim de ganhar tempo e conseguir a segurança necessária para proceder a uma busca junto ao batelão sinistrado, prevendo a eventualidade de virem a ser encontrados mais mortos ou feridos. Foi informado da impossibilidade de satisfação do pedido por um dos aviões T6.

Calado o IN por acção do fogo efectuado pelas LDM e pelo pessoal de reforço da CF 10 pertencente às escoltas das embarcações civis, reiniciou-se imediatamente a marcha, tendo sido ordenado à LDM 105 que passasse um cabo ao motor «Gouveia 17» dado continuar com os dois batelões a reboque.

Desde o momento do rebentamento junto à popa do «Guadiana» tinham passado uns escassos dez minutos e a embarcação afundava-se rapidamente. Urgia sair da zona da ocorrência e encalhá-lo em local mais seguro, o que veio a suceder próximo da foz do rio Ganjola.


Um comboio no rio Cumbijã, na foz do rio Macobum, na zona de Cafine

Pelas 14:45, quando o comboio navegava já próximo daquele local, o 2TEN FZE RN Silva Leite, por intermédio da FAP, pediu evacuação para dez feridos a partir de Catió. Entretanto contactou igualmente as FT de Catió pedindo ao aquartelamento local a presença de transporte e médico no porto exterior, a fim de prestar assistência aos feridos e recolher os mortos que seguiam a bordo da LDM 313 para aquela localidade.

Nesta altura, o comboio reiniciou a descida do rio Cobade até à confluência com rio Tombali, depois do comandante operacional ter confirmado a presença do apoio aéreo na zona, tendo atingido aquele ponto TT pelas 16:00.

De acordo com o Comando de Defesa Marítima da Guiné (CDMG), foi dada ordem à LDM 303 para permanecer em Catió até ordem em contrário, às embarcações civis para prosseguirem independentemente para Bissau e às LDM 105 e LDM 302 para seguirem para Bolama, onde ficaram a aguardar novas instruções.

Como resultado do acontecimento e das condições de mau tempo verificadas na altura, extraviou-se diverso material fixo que se fez constar nas relações de ocorrências de cada unidade.


Um avião Harvard T6 sobrevoando o rio Cumbijã, próximo de um comboio

Foram consumidas na resposta à emboscada 2200 munições de 20 mm, 2100 de 7.62 mm, 8 granadas ofensivas, 30 munições de ALG (dilagramas), 4 de LGF (lança-granadas foguete) e 10 rockets.

O comandante operacional, por intermédio de um militar do exército responsável pelo carregamento, foi informado de que a carga era composta por 17 bidons de gasolina, cerca de 2000 detonadores e caixas de whisky velho. O transporte deste material terá agravado substancialmente as consequências da explosão.

Observou-se ainda a presença de inúmeros passageiros civis sem qualquer identificação que, por serem familiares de militares ou por lhes interessar visitar as famílias fora da localidade a que pertenciam, pediam aos patrões das embarcações civis para lhes facilitarem transporte para pontos de paragem do comboio de conhecimento antecipado.

Depois da chegada àquela cidade, no dia 28 pelas 18:00, foi dissolvida a task unit, regressando o 2TEN FZE RN Silva Leite a Bissau, de avião.

(continua)

Fontes: Pesquisa e compilação de texto a partir do relatório do 2TEN FZE RN José António Lopes da Silva Leite, núcleo 236-A do Arquivo de Marinha; fotos do Arquivo de Marinha; imagens do autor do blogue efectuadas a partir de extractos da carta da Guiné (cortesia IICT);

mls
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18099: Blogues da nossa blogosfera (84): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (5): "Lágrima de Sol" e "Dentro do Meu Caderno"

Guiné 61/74 - P18105: Manuscrito(s) (Luís Graça) (134): As nossas comidinhas... guineenses, "manga di sabi"


Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > Simpósio Internacional de Guileje (Bissua, 1-7 de março de 2008  > 2 de Março de 2008 >  O famoso óleo de palma do Cantanhez. A sua cor vermelha intensa deve-se às características da variedade do chabéu (termo científico, Elaeis guineenses), que é rico em caroteno.




Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cananima > Simpósio Internacional de Guileje (Bissua, 1-7 de março de 2008  > 2 de Março de 2008 >

A simpatiquíssima Cadidjatu Candé, da comissão organizadora do Simpósio Internacional de Guileje e colaborada da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, servindo um fabuloso arroz com filetes de peixe do rio Cacine e óleo de palma local, que tem fama de ser o mais saboroso do país, devido à qualidade da matéria-prima e às técnicas e condições de produção (artesanal). Na imagem, um diplomata português, o nº 2 da Embaixada Portuguesa, que integrava a nossa caravana (e cujo nome, por lapso, não registei, lapso de que peço desculpa).

Um dos pratos que foi servido no almoço de domingo, aos participantes do Simpósio Internacional de Guileje, foi peixe de chabéu, do Rio Cacine, do melhor que comi em África... Durante a guerra colonial, na zona leste, em Bambadinca, só conheci conhecíamos o desgraçado peixe da bolanha que sabia  a lodo....

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís  Graça & Camaradas da Guiné] (*)


1. A propósita da nota de leitura que o Mário Beja Santos fez do livro  "Tera Sabi: receitas da gastronomia tradicional guineense",  2ª ed., 2013 (**)


Mário: o teu amor àquela terra e àquela gente, a "nossa" terra, a "nossa" gente,  passa também pelas comidinhas... Acho que estamos todos hoje a (re)descobrir as cores, os sabores, os ingredientes e as receitas da culinária guineense... Tal como no Alentejo, a pobreza pode ser (e é) criativa... na cozinha!... Veja-se as "sopas dos ganhões" a irem á "mesa dos chefs", sendo já hoje verdadeiros produtos "gourmet"...

Quando lá estive (... quando lá estivemos) na Guiné, estupidamente o meu, nosso, prato favorito era... o "bife com batatas fritas e ovo a cavalo"!... Fazíamos 60 km (ida e volta) para o ir comer à "Transmontana", em Bafatá, à civil"!... Nio intervalo da guerra...

Ainda comi algumas vezes o "frango de chabéu" da dona Auá Seidi, mulher do Fernando Rendeiro, as ostras ao natural (em Bissau) e os lagostins do Geba (no Zé Maria, em Bambadinca)...Alguma caça, alguma fruta... e pouco mais.

Com os meus 23/24 anos, não tinha nem estômago nem muito menos sensibilidade cultural, nem "mundo" em matéria gastronómica... para apreciar as iguarias guineenses... Muito menos tinha a indispensável "paz de espírito"...

Voltei lá em 2008, e aí comecei a experimentar algumas coisas, boas, que me deliciaram, como o peixe do rio Cacine... Mas, por causa do pãnico das diarreias, mal toquei no pitchipatche (canja ou sopa de ostra) em Bissau, na casa do Pepito...

Parabéns pela tua recensão, parabéns ao Tony Tcheka pelo texto introdutório... Vou ver se encontro o livrinho nas "lojas do comércio"...Porque nas nossas livrarias nem pensar... Muito menos nas grandes superfícies (FNAC, etc.)... Nem na Net, há referência a esta 2ª edição... (A não ser, claro, está no nosso blogue e naqueles blogues que nos seguem, e já são bastantes...). (***)


2. Tony Tcheka é o pseudónimo literário de António Soares Lopes Júnior, nascido em Bissau, em  21 de dezembro de 1951.  É já uma das referências maiores da poesia guineense pós-independência.

Vive em Portugal, é (ou foi)  jornalista.  E vai, portanto, fazer, depois de amanhã  66 anos. Partimos mantenhas com ele... e convidamos os nossos leitores a conhecer 10  dos seus poemas, disponíveis aqui. Gosto particularmente de:

Batucada na noite
Povo adormecido
Concerto de 'Djunta mon'
Zé da Tugalândia
Mulher da Guiné
Lusa língua

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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P18104: Parabéns a você (1358): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71) e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18097: Parabéns a você (1357): Francisco Henriques da Silva, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2402 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18103: (De)Caras (102): O nosso João Crisóstomo em estampilha comemortativa da Fundação Internacional Raoul Wallenberg, emitida pelos correios postais do estado de Israel





Cópia do estampilha  emitida pelos correios do Estado de Israel, por iniciativa da Fundação Internacional Raoul Wallenberg. Trata-se de uma coleção de estampilhas comemorativas da Fundação. Entre os anteriores homenageados, pessoas inidviduais e coletivas, num total de cerca de 3 dezenas,   está, por exemplo, o português Aristides Sousa Mendes (por ocasião do 50º aniversário do seu falecimento).



1. Mensagem do nosso amigo e camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque), ativista de causas sociais, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67):
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Data: 18 de dezembro de 2017 às 15:20
Assunto: Fwd: Stamp -Israel

Caríssimos,

Junto um e mail que  enviei  aos meus filhos ( e que junto a seguir ).    Francamente não sei que fazer disto.  Sem  querer ser ridículo e idiota (, pois sei muito bem que  muita  gente merece estes reconhecimentos   muito mais do que eu  e  permanecem sempre 'esquecidos" e só um conjunto de circunstancias inesperadas deu azo a isto), não quis com  falsa modéstia pretender  não querer que ninguém saiba; e por isso  lembrei-me   de dar conhecimento  disto aos meus amigos mais chegados. 

Deixa-me porém "pôr os pontos nos iis" e explicar  a natureza deste selo, conforme ( a meu pedido)
 me foi  explicado pela IRWF - International Raoul Vallenberg Foundation: 

"The stamp ……. was commissioned by the IRWF and issued by the Israel Postal Authority,,,It is perfectly valid for postage purposes, but it is a limited edition,  not available for the public at large. Only the IRWF can authorize the issuance of further sheets"...

Como tu me tens dado o privilégio da tua muito apreciada amizade, aqui vai. 

Um grande abraço grande de Boas Festas para ti e a Alice.

João C

2. Mensagem de João Crisóstimo para os filhos, Cristina e John Crisóstomo:


Subject: Fwd: Stamp -Israel
Date: December 16, 2017 at 11:37:53 PM EST

Meus filhos queridos,


Há tempos falaram-me que, dado o meu esforço no sentido de diálogo e compreensão entre diversas religiões e no reconhecimento e divulgação de Aristides de Sousa Mendes, Luís Martins de Sousa Dantas, Angelo Roncalli (agora S. João XXIII) e outros,  a IRWF ia sugerir um selo em Israel…

Na altura nem cheguei bem a compreender do que estavam a falar, mas agora enviaram-me isto.

Vocês são meus filhos e portanto, sem pretensões de merecimento ou não da minha parte , aqui está, FYI.

Dad, Vovô


 3. Mensagem  de  ZK-IRWF para o João Crisóstomo:

Subject: Stamp -Israel
Date: December 15, 2017 at 3:58:40 PM EST

Hi Joao,

Attached please find a copy of the new stamp.  As soon as we receive the originals I will let you know.

Best, Zvika 

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Nota do editor:

Ultimo poste da série > 30 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18030: (De)Caras (101): J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op esp, CCAV 8530 (Guileje, 1972/73) e a "patrulha fantasma", massacrada em Gadamael, em 4/6/1973

Guiné 61/74 - P18102: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 15 (A picada) e 16 (O analfabetismo)...Terei escrito meio milhão de palavras em cartas e aerogramas durante a comissão...


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Chegada de uma LDP com reabastecimentos.

[ Foto do álbum de Jorge Pinto [ex-alf mil da 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), professor de história reformado; natural de Alcobaça, vive na Grande Lisboa e é também membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca da Linha]

Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:


Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros,  publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .


Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos.

2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 15 (A picada) e 16 (O analfabetismo)


[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


Capº 14 > A PICADA

Pela imeira vez percorri os 4 km, do aquartelamento até ao rio, para recolher os abastecimentos que chegavam através de um barco, aparentemente civil. O que, quando não havia problemas, acontecia de 15 em 15 dias. E a “Picada” tinha de ser picada.

Chamávamos “Picadas” a todas as vias de terra batida que percorríamos nas províncias ultramarinas. Tal devia-se ao cuidado a ter pela provável colocação de “Minas” antipessoais ou anticarro, pelos “terroristas”.

Todas as armas que levem ao extermínio da vida humana são abomináveis, mas a “Mina” é de todas a mais execrável, levando à morte milhares de pessoas e deixando milhões de estropiados, entre eles, contam-se milhares de crianças que na sua ignorância as activam infantilmente. Infelizmente, nestes últimos 45 anos, creio que nunca deixaram de ser produzidas. Talvez a mina seja a arma que mais justamente empresta à guerra de guerrilha o nome de terrorismo. É letal, é imprevisível, é cobarde, é psicologicamente um terror.

“Sabes meu amor para ir ao rio, temos de picar a picada. Isto não é para rir. A picada é um carreiro de terra”.

Iria então ser um ritual quinzenal, ter um pequeno grupo de soldados a caminhar à nossa frente com uns bastões, muito finos nas pontas, picando cada centímetro de terra, para que a maioria dos soldados, as viaturas e a mesmo a população civil, pudesse transitar em segurança porque, por vezes, eram estes os mais atingidos; até mesmo aqueles que eram coniventes com o PAIGC.

Não posso deixar de mencionar neste capítulo que não eram só os inimigos que colocavam “Minas”; nós próprios também o fazíamos. Em todas as companhias existia a especialidade de Minas e Armadilhas.

Hoje existem vários modelos de detectores de minas terrestres, sendo mais fácil detectá-las, mas essas armas continuam a matar e a estropiar; continuam a ser aterradoras. Uma vez mais, podemos dizer que a mente humana continua, perfidamente, a mostrar os tristes caminhos por onde caminhamos. Caminhos que estão, de facto, cheios de armadilhas.


16º Capítulo > O ANALFABETISMO


Fiquei a saber muito depressa que no seio da minha companhia havia muitos analfabetos. Surpreendi-me por haver também muitos casados e com filhos. Apesar de se terem passado tantos anos, recordo, com uma enorme dor, muitas das cartas que li para alguns, e das respostas que eles me mandavam dar.

Não tinham nome, eram apenas números por isso, não sei quem eram. Os números já não existem, agora têm nome. Pela mesma razão, não sei quem são. Apenas sei que pertencem às minhas recordações.

Tive de amar muitas mulheres que nunca conheci, embora o fosse, somente nas palavras que lhes escrevia. Confesso que saber a intimidade dos meus colegas chegou a ser muito mau para mim.

Em algumas cartas, ou aerogramas, bastava-me copiar as palavras que escrevia à minha namorada... Que raio!, era tão parecido o que me mandavam dizer às deles. Reparem! Hoje estamos no dia 10 de setembro de 2017 - domingo. O furacão IRMA chegou à Flórida.

O dia 10 de setembro de 1972 foi também ele, a um domingo. O jornal Diário de Lisboa tinha na primeira página “Inflação assola a Europa” (Aonde é que já li isto?). Nesse dia, há 45 anos atrás, escrevi cinco aerogramas, com cinco endereços diferentes, que começavam assim…

“Meu eterno amor:

Aqui em Fulacunda longe de ti e das tuas carícias passei mais um Domingo só. Só com a minha dor e o meu desespero e como este outros Domingos já se passaram e muito mais tenho de passar e eu tal como a Maioria dos meus colegas temos de resistir a esta tragédia quando ainda há pouco tínhamos uma vida tão alegre.”


Claro que escrevia frases de todos os géneros. Muitas de cariz sexual. Pedidos dos maridos para as esposas se portarem bem. Muitas juras de amor que, na Maioria das vezes, se foram perdendo com o decorrer dos dias. Li cartas de mães extremamente pungentes, lembro-me de algumas.

“Meu rico filhinho que Deus te guarde e te proteja. Rezo todos os dias por ti, mas mesmo assim, sinto que não voltarei a ver-te.”

Que poderia eu responder a cartas assim? Não seria suficiente o meu próprio sofrimento?

O melhor é voltar a este tema mais para diante. Não estou a sentir-me com coragem para prosseguir. Algumas mães tinham razão. Não voltaram a ver o seu filho.

Em média, escrevia num aerograma, entre 70 a 80 linhas. Fiz isso, praticamente, todos os dias, o que, num cálculo aproximado, teria escrito mais de 500.000 palavras, naqueles funestos dois anos. Ainda hoje me surpreendo: não foi fácil.

Interrogo-me se teria escrito 1% de frases ditadas pelos meus camaradas que fossem alegres. Nas minhas, pude e posso provar, pouca alegria transmitia. É que, ao contrário do que muitos dos ex-combatentes apregoam, as histórias dramáticas, nas circunstâncias em que foram vividas, muito dificilmente se transformariam em histórias cómicas.

Eu ia mudando e, comigo, todos os meus camaradas alteravam comportamentos. Prossigamos mais para diante. Ainda só reli o aerograma no nº 100 (Aerograma ou apenas aéro. Sobrescrito usado durante a Guerra Colonial).

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18066: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 13 (Não quero morrer( e 14 (As praxes dos 'Capicuas', CART 2772)

Guiné 61/74 - P18101: Manuscrito(s) (Luís Graça) (133): O Natal das crianças que já fomos (e somos)…








Lisboa > Praça do Comércio > Iluminações de Natal > 2 de dezembro de 2017




Lisboa > Fonte Luminosa da Alameda   Dom Afonso Henriques > 17 de dezembro de 2017 > "Lisbonland; onde o Natal acontece"...Espetáculo de Natal de videomapping 4 D,

  [ Promovido pela Associação de Turismo de Lisboa e Câmara Municipal de Lisboa, criado e produzido pelo ateliê OCUBO, LISBONLAND é uma projeção de Natal 4D com jatos de fogo em sincronia com diversas imagens projetadas, que pretende contar a todos uma divertida e inesperada história de Natal. Este espectáculo conta ainda com a participação, virtual,  da fadista Cuca Roseta.  Espetáculo para todas as idades, e em especial avós e netos... ]


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]




O Natal das crianças que já fomos (e somos)…

Em todos os Natais nasce a esp’rança
De que p’ro ano o mundo seja melhor,
E de qu' haverá um novo portador

Da mágica mensagem de mudança.

E a gente senta-se à mesa na crença
De qu' já nasceu o novo salvador,
Com ele a cura p’ra toda a doença,
Tudo rimando com paz e amor.

Qu’ importa se a gente não lê História,
E, se a lê, p’lo Natal faz a limpeza
Desta nossa selectiva memória.

Deixemos, pois, à solta, essas crianças,
Que já fomos, e co’ elas a luz acesa
Das nossas melhores e doces lembranças!


Alfragide, 18 de dezembro de 2017,
Luís Graça e Maria Alice Carneiro



PS - Um feliz e santo Natal 
para todos os nossos amigos e camaradas
e que o ano de 2018 seja um bom ano,
se não puder ser o melhor,
para cada um e para todos vós!
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18100: Notas de leitura (1024): Tera Sabi, receitas da gastronomia tradicional guineense, 2.ª Edição (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,

Não é a primeira vez que aqui se fala de Tera Sabi. Sucede que a 2.ª edição, datada de 2013 e que se encontra com facilidade nas lojas do comércio justo, tem mais 28 novas receitas de pratos e doces típicos e inclui sumos. Não conheço mais sugestivo repertório da gastronomia tradicional guineense. Temos aqui a grande angular dos pitéus cujos ingredientes são limão-lima, a malagueta, o óleo de palma, o peixe e os frutos do mar, a galinha, a cabra, o porco, o carneiro; mas também os milhos, a mandioca, o inhame, a batata-doce, ramas e folhas de plantas silvestres. 

Não são esquecidos os sumos de mandiple, ondjo com folhas de hortelã, fole, cabaceira, veludo, farroba, tambarina e limão. O que espanta é como este valiosíssimo património, e seguramente uma vasta clientela interessada pelos valores desta gastronomia, não acordam empreendedorismo numa restauração que, parece-me, está fadada ao sucesso.

Há restaurantes de comida angolana e cabo-verdiana, não há um só restaurante para estes maravilhosos pitéus guineenses. Não é de espantar?

Um abraço do
Mário


Tera Sabi, receitas da gastronomia tradicional guineense, 2.ª Edição (2013)

Beja Santos

Preparado e editado no quadro do projeto “Kil ki di nos ten balur”, é o resultado de uma parceria entre a Tiniguena e o CIDAC, cofinanciado pela União Europeia e pelo IPAD. Esta edição de 2013, que se encontra facilmente nas lojas do comércio justo, apresenta-se com mais de 28 novas receitas. Foi redigido com base nas receitas recolhidas por ocasião dos eventos gastronómicos realizados no Bairro Belém e durante as pesquisas de gastronomia tradicional Crioula, Manjaca, Fula, Balanta e Bijagó, promovidas pelo Centro de Recursos do Espaço da Terra, entre 2005 e 2011.

O texto introdutório de Tony Tcheka, reputado jornalista e admirável poeta, é de uma grande beleza, indutor de aventuras para conhecer alguns dos grandes prodígios da gastronomia guineense:

“Estávamos a começar mais um ano e como é normal em qualquer parte do mundo animados de uma justa e certa esperança. Em boa verdade nestas bandas a esperança é finalmente ver a nossa Guiné irromper das amarras de malfitu di nega bay dianti (praga de recusar sistematicamente o progresso). E ser terra sabi (terra boa, saborosa). E ser terra de paz – a grande firkidja (alicerce) do desenvolvimento.

Sim, um ano novo estava a começar – 2012. Já tínhamos dobrado Janeiro com a sua moleza, mas sobretudo marcado pelo prematuro desaparecimento do chefe de Estado. Era já Fevereiro, tinha acabado de regressar à terra depois de mais um ano de ausência. Desenhava-se o quadro de eleições antecipadas, um teste à democracia. Mas o país teimava em acreditar, participando, criando.
Era ainda Fevereiro. Tinha-me chegado às mãos o anúncio da ONG Tiniguena (esta terra é nossa!) de passar o testemunho ou seja passar o legado da geração fundadora à geração nova. Nesse mesmo mês de Fevereiro um cooperante amigo brindou-me com uma publicação editada pela Tiniguena, “Guiné-Bissau-Terra Sabi”, um livro de receitas, um total de 35 receitas recolhidas junto de um corpo de cozinheiras de mão cheias, mestres no manuseio do di buli (colher de pau). São 50 páginas que falam da diversidade do mosaico cultural e etnográfico que compõe a Guiné-Bissau”.

Tony Tcheka disserta sobre o que se passa no cabaz de kacry (quando se põe o kacry – um crustáceo – numa cabaça, os que estão em baixo tendem a puxar os que estão em cima para que não possam trepar, e daí a utilização da expressão popularizada de “kacry no cabaz” para referir uma sociedade que não deixa construir um futuro melhor). Saúda esta nova edição, exulta com as novidades da gastronomia Bijagó e Balanta que tem pratos típicos com muito a ver com rituais religiosos.

No povo Bijagó sobressai o primado do arroz, óleo de palma, produtos do mar (moluscos, mariscos, peixe) destaque para o ligron (lingueirão). E há também a mancarra e o feijão Bijagó, que ajudam a preparar pratos deliciosos. A gastronomia Balanta destaca-se pelo arroz, milho, peixe, marisco, folhas e raízes. São concelebradas as iguarias à base de carne de porco e de vaca.

E Tony Tcheka acrescenta mais um elemento: 

“As etnias Bijagó e Balanta também se cruzam e destacam em outras artes. São exímios escultores. Os primeiros dão forma à madeira em peças etnográficas mágico-religiosas e os segundos trabalham-nas para fins utilitários e decorativos”.

O dietista Fanceni Henriques Baldé acrescenta algumas palavras ao valor alimentar:

“A culinária crioula, a primeira apresentada, por ter uma vocação mais nacional, é fruto da mestiçagem dos paladares das etnias que povoam tradicionalmente a Guiné-Bissau e de outros povos que aqui foram marcando a sua presença, em particular os portugueses e os cabo-verdianos. Os crioulos estão presentes sobretudo nas cidades e nas zonas que sofreram maior influência da colonização portuguesa, em particular Bissau, Bolama, Cacheu, Farim e Geba.

A gastronomia Manjaca é das mais apreciadas, sendo os Manjacos reputados como grandes cozinheiros. Habitando predominantemente na zona costeira, na região de Cacheu, utilizam muito os frutos do mar na confeção dos seus pratos, onde o óleo de palma é omnipresente.

Em contraste, os Fulas, mais presentes no interior do país, onde os recursos tendem a escassear, fazem uso de diversos cereais e de uma grande variedade de plantas que cultivam nos quintais ou extraem do mato, tornando a sua alimentação mais rica e equilibrada em termos nutricionais.
A gastronomia Balanta é, por sua vez, um espelho do pragmatismo e do modo de ser deste grupo étnico maioritário nas regiões de Tombali e de Oio. Os pratos tradicionais da etnia Balanta distinguem-se pela sua simplicidade e predomínio de alimentos energéticos caraterísticos do vigor deste povo e da sua forte ligação ao campo.

Por seu turno, a cozinha tradicional Bijagó está envolta em rituais e simbologias religiosas, que determinam e explicam não só os ingredientes usados como também os modos de confeção, os temperos e até os utensílios usados para servir cada prato. Devido à sua proximidade com o mar e o com o mato, o povo Bijagó, etnia que povoa tradicionalmente o arquipélago dos Bijagós, é conhecido pelo uso dos produtos do mar e silvestres, em particular o óleo de palma”.

O leitor prepare-se para ser confrontado com o sabor ácido do limão-lima, a malagueta, o arroz, o óleo de palma, os milhos, a mandioca, o inhame, a batata-doce, mas também os legumes como o baguitche, a candja, o djagatu.

Tenho para mim que as melhores canjas do mundo dão pelo nome de canja de cacry e a canja de ostra conhecida por pitchipatche. Qualquer dia ponho anúncio no jornal:

“Procuro cozinheira guineense que me prepare um panelão de pitchipatche. Favor só responder se souber onde devo comprar gandim, cuntchurbedja e escalada. Mas se souber preparar porportada de ostras terá preferência”.

Livro especialmente destinado a quem gosta de caldo de chabéu com manga verde, unto de peixe com folha de mandioca, e muitas dezenas de outras receitas. Não conheço melhor livro para testemunhar os sabores associados à gastronomia tradicional guineense.

Que maravilha, esta 2.ª Edição de Tera Sabi!
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18090: Notas de leitura (1023): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (13) (Mário Beja Santos)

domingo, 17 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18099: Blogues da nossa blogosfera (84): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (5): "Lágrima de Sol" e "Dentro do Meu Caderno"


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos estas duas publicações da sua autoria.

LÁGRIMA DE SOL

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ

O sol vem sempre, vermelho e quente.

O sol não mente, queimando a sede e roendo a fome de tanta gente inocente e sem nome.

Também o sol vem sempre, pálido e frio.

O sol não mente, congelando a sede e empedrando a fome, ainda que a gente o não veja e pareça ausente.

E também o deserto, o deserto não mente, o deserto sempre aberto na alma desta gente, ainda que pareça certo o caminho em frente.

Vem sempre a dor na secura das carnes, a dor não mente, ainda que ao mundo pouco importe a dor que dói a tanta gente.

E também a dor da alma não mente o sofrimento no esbugalhar dos olhos, ainda que a mente enlouqueça e até se esqueça de que é alma de gente.

E morre a paz, a paz podre não mente, ainda que na vaga esperança da sorte não seja mais do que a paz da morte.

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DENTRO DO MEU CADERNO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ

Dentro do meu caderno há uma pena branca de palavras e gestos cansados, de inocência a prazo ao longo do tempo.

Dentro do meu caderno há mensagens desamparadas como os dedos verdes das estrelas, ora inquietas no mar incerto, ora plácidas no mar sereno.

Sempre assim foi no meu caderno, criador de silêncios nos desertos de um poema.

A beleza embriagada de mel nasce dentro do meu caderno, sobre as águas de um mar de sol poente.



De tanto azul fiz um barco pintado de sonhos, e na cama infinda deste mar, perdi o respeito pelo silêncio do teu corpo.

Dentro do meu caderno cai a chuva no cristal do pensamento, embaciando nossos corpos e nossos mundos.

Dentro do meu caderno, para que servem vozes se não sabemos cantar?
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18070: Blogues da nossa blogosfera (83): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (4): "O menino de brilho nos olhos" e "Minha terra mãe"

Guiné 61/74 - P18098: Blogpoesia (544): "Pintar com água...", "Cada um seu jeito..." e "A voz cala para se ouvir o coração...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Pintar com a água…

Me apronto diante da tela de brocha na mão.
Um balde de água. Esfrego os olhos.
E começo.
Me percorre na mente uma bola de cores.
Jogo a água como quem chapinha à sorte.
Bate na tela. Se espalha e escorre. Com sulcos.
Desenha figuras feéricas de cor.
As linhas são veias azuis.
Com ramos. Folhagens de verde.
Reflexos de seda flamejando à luz.
Abordo o quadro como se fosse pintor.
Aliso aqui, desfaço e emendo.
A figura aparece. Envolta em luar.
A leveza é total.
Sinto um tremor.
Abala-me a espinha.
Na testa me escorre suor.
Me estranho. O único quadro pintara em criança.
Uma ponte e um rio,
Com guache e pastel.
A água é que nunca…

Berlim, 12 de Dezembro de 2017
19h34m
Jlmg

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Cada um seu jeito…

Tantas portas e janelas tem o edifício da existência.
Umas se escancaram prontamente.
Entrada livre.
Outras, só com chave e marcação da hora.
Reservas.
Depende do recheio e conteúdo a preservar.
Há sempre riscos.
Bom seria não ser preciso…
Mas é assim.
Ainda hoje as pirâmides do Egipto conhecidas escondem segredos e enigmas por decifrar.
E, o mais sério, é que, talvez, fazem falta à Humanidade.
A presença desta sobre a terra não é obra do acaso.
Tem um sentido.
E, parece, ainda há muito que descortinar…

Ouvindo Brahms, concerto piano e orquestra, por Yuja Wang
Berlim, 15 de Dezembro de 2017
8h27m
Jlmg

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A voz cala para se ouvir o coração...

A voz se cala.
Os olhos fecham.
A mente pára.
Só assim se ouve o coração.
Suas palavras são as obras.
Sua linguagem é activa.
Se conjuga no presente e no futuro.
Seu alimento é o amor.
Sem classes nem fronteiras.
Tem sempre a porta aberta.
Sua moeda é o bem.
Sem distinção.
Viver na graça,
Sua filosofia.
Compreender e perdoar
É o seu chão.
O seu sol é a alegria.
Natal é todo o ano…

Berlim, 16 de Dezembro de 2017
11h25m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18068: Blogpoesia (543): "Criação...", "Deus passou pelo Alentejo..." e "Asas negras...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18097: Parabéns a você (1357): Francisco Henriques da Silva, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2402 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18092: Parabéns a você (1356): António Paiva, ex-Soldado Condutor Auto do HM 241 (Guiné, 1968/70)

Guiné 61/74 - P18096: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte II: Zona portuária de Bissau e o heli do Spínola a dizer adeus ao T/T Uíge, em 4/8/1969


Foto nº 504


Foto nº 504 A


Foto nº 504 B


Foto nº 601 > Guiné> Bissau > 1969 > Estuário do Geba, navios da marinha portuguesa e, ao fundo , Bissau velha, e à esquerda, não visível na foto, a ponte.cais.


Foto nº 601 A



Foto nº 601 > Guiné > Bissau > 1969  > Vista de Bissau velha nas proximidades da Amura e da ponte cais (não visíveis na foto).... Nesta imagem; à esquera, é fácil identificar o edificio da Alfândega,


Foto nº 601 C > Uma LDP - Lancha de Desembarque Pequena


Foto nº 601 D >  Outra LDP - Lancha de Desembarque Pequena


Foto nº 513

Guiné > Bissau > 1969 > Zona portuária 

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar_ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine]


Guiné > Bissau > s/d > Imagem da ponte-cais, do edifício da Alfândega, à direita, e da fortaleza Amura, à esquerda...

Pormenor de: Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 119" . (Edição Foto Serra, COP 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL).


1. Continuação  da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira [, que foi alf mil, SAM – Serviço de Administração Militar, CCS – Companhia de Comando e Serviços, Chefe do Conselho Administrativo, BCAÇ 1933, mobilizado pelo RI 15, Tomar, e que esteve no CTIG, em Nova Lamego e São Domingos, 1967/1969; é economista, reformado] (*)

Legendas:

Foto 601
– Foto tirada a bordo de um Patrulha, onde almocei a convite do Comandante, e tive a oportunidade de fotografar a Base Naval em Bissau da nossa Marinha de Guerra.

Foto 513 – Outra série de fotos que tenho, o Uige a afastar-se, Bissau a ficar ao largo, e o Heli do Spínola a sobrevoar o Uige, num último adeus às tropas. Nostalgia deste dia [4/8/1969].

Foto 504 – Tenho uma série destas fotos. É o dia 4 de Agosto de 1969, o dia da saída da Guiné. Eu tinha passado a noite anterior no Uige, e por isso de manhã cedo estava lá em cima a ver chegar as lanchas LDG, LDM e LDP, carregadas de tropas vindas do interior e que encostaram ao navio, vinha tudo ao molhe e fé em Deus, 

Tive a sorte de ver algumas e assim fotografei a chegada, o içar da carga para o barco, um momento inesquecível, e como foi tirada com os slides, só foram revelados em Agosto e iam para França, e assim ficaram quase 50 anos. 

Nunca ninguém do BCAÇ 1933 e do BCAÇ 1932 e outras Companhias e Pelotões, as viu, muitos poderão agora recordar a sua chegada em 4 de Agosto e entrada para o Uige, naquelas condições degradantes. Esta série de fotos que tenho da chegada das lanchas a encostarem ao Uige e depois a serem içadas, são realmente uma questão de sorte, eu estar no sitio certo à hora certa. Nenhum dos protagonistas, éramos cerca de 700 militares, conhece estas fotos, muitos vão rever-se nelas, um dia que as possam ver. Mandarei mais, pois acho que são momentos inesquecíveis, independentemente da força da imagem em si mesma.
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