sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7687: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (51): Na Kontra Ka Kontra: 15.º episódio




1. Décimo quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 27 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


15º EPISÓDIO

Já noite, depois do jantar, o Alferes Magalhães passa pelo “bentem” apenas para dar as boas-noites ao pessoal, e vai deitar-se. Desde que tinha chegado à tabanca ainda não tinha ouvido uma sinfonia até ao fim. Desta vez, com tempo, e com os seus problemas quase todos resolvidos, ia tentar ouvir a 5ª de Mahler completa.

Conseguiu. Por isso dormiu até mais tarde. Acordou com o barulho do pessoal a falar alto. Saiu da morança e passou pelo “legionário” dizendo-lhe para lhe aprontar o café enquanto ainda ia passar pelo forno. Queria ver se não havia fissuras, pois não sabia como se comportava aquele barro ao secar. Verificou que estava tudo perfeito e foi tomar o café.

Definitivamente iria haver pão, mas não como imaginara…

A meio da manhã, com todos os trabalhos a decorrer, inclusive a apanha de lenha para depois queimar no forno, eis que se começa a ouvir o ruído de viaturas. Conforme as instruções recebidas todo o pessoal se aprontou, vestindo a camisa os que estavam em tronco nu, o que era habitual quando estavam a trabalhar. O Alferes sabendo que, quer o Comandante Chefe de Bissau, quer o Coronel de Bafata não iam aparecer ali num Unimog, aos saltos, não se preocupou muito com quem lá vinha. Era com certeza o pessoal da Companhia de Galomaro.

Passados uns minutos chega uma coluna de três Unimogs. Houve os cumprimentos habituais, como se o pessoal já não se visse há séculos. Além do sempre esperado correio, traziam abastecimentos de toda a ordem e, naturalmente, pão! Logo o Alferes anteviu a possibilidade de não forçar com fogueiras a secagem do forno, para este não estalar. Havia pão para dois ou três dias.

Os que chegaram foram dizendo que traziam duas arcas “térmicas”, uma com gelo e a outra com cervejas frescas. Seria boa ideia habituar o palato a cervejas frescas se depois teriam que as beber a trinta e tal graus? Sempre se tiraria a barriga de misérias.

Foi sol de pouca dura. Um qualquer “inteligente” em Galomaro, em vez de por o gelo numa arca e as cervejas noutra, pôs tudo misturado. O que chegou foram apenas cervejas frescas e água…

Uma coluna, trazendo correio e abastecimentos, era sempre bem vinda mesmo sem mensagem prévia. Esta muito mais, pois trazia um grupo de sete soldados e um Furriel para reforçar a guarnição de Madina Xaquili. Pena era que não trouxesse qualquer reforço de armas pesadas ou mais granadas para o morteiro. Enfim, sempre era alguma coisa.

O João arranjou mais umas moranças para os oito homens acabados de chegar e, depois das despedidas do pessoal que retornava a Galomaro, vão todos almoçar.

Logo à mesa, o Alferes Magalhães pensou em entregar ao Furriel acabado de chegar, parte das responsabilidades que tinha sobre os ombros. Uma razão sobressaía: ter mais tempo para se dedicar à sua bajuda.

Nesta primeira refeição, a conversa repartiu-se por um lado entre os dois graduados como seria natural, por outro entre todo o resto do pessoal partilhando as suas experiências. O Alferes põe o Furriel a par de toda a situação e pede-lhe para executar as funções de orientação dos trabalhos que ele próprio vinha exercendo.

O pessoal foi dormir a sesta e os dois graduados continuam à mesa a bebericar uma boa bagaceira acabada de chegar. A mesa, sob um alpendre de folhas de palmeira e implantada numa pequena elevação, proporcionava quase sempre uma aragem refrescante. O Alferes conta ao camarada as suas intenções sobre a Asmau, única bajuda casadoira da tabanca. Conta que as coisas já estão adiantadas, pelo menos para ele, e que talvez no dia seguinte já fosse “negociar” com o Chefe da Tabanca, Adramane, pai da Asmau. O Furriel, acabado de chegar e só conhecendo o Alferes agora, não expressa qualquer opinião sobre o assunto. Apenas lhe deseja felicidades.

Depois de uma pequena sesta o Alferes faz o que o João Sanhá lhe tinha feito no dia da sua chegada: Vai mostrar os recantos da tabanca ao Furriel. Fala-lhe nas sentinelas metidas na mata para os lados de Padada, mostra-lhe o fornilho detrás do poilão, os abrigos e vão à fonte. Pelo caminho o Alferes vai dizendo:

- Nosso Furriel, foi a época seca, passaram uns seis meses sem chover e poucos lugares haverá na Guiné que tenham nesta altura uma nascente de água a correr e com a qualidade que já vai apreciar.

Estavam a chegar ao fim da zona desmatada e iam entrar na zona ensombrada da mata onde se situa a fonte, quando o Furriel pára olhando fixamente para o grupo de mulheres que estavam a lavar roupa. Fica estático. Mudo por instantes, talvez a pensar no que iria dizer ao Alferes.


Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7680: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (50): Na Kontra Ka Kontra: 14.º episódio

Guiné 63/74 - P7686: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (2): 6/12/2009, domingo, 1ª consulta, um baptizo muçulmano, um casório católico, uma visita a uma fábrica de caju... 7/12/2009, 2ª feira: 1º dia de consultas. 42 doentes à porta do C.S. Materno-Infantil de Iemberém


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil > 7 de Dezembro de 2009 > O 1º dia de consulta do médico João Graça... 42 doentes à porta... (Foto tirada às 12h55)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Domingo, festa de baptizado muçulmano (10h25)... A eterna divisão do trabalho, homens de um lado, mulheres do outro...






Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h25)...  Preparação da comida... 



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h26)... Rapando a cabeça da criança, com uma gilete...




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h34)...  Uma mãe (in)expressiva... uma "mater dolorosa" (?)...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h27)... Pose majestática de um homem grande...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h52)... Actuação de um grupo de músicos da Guiné-Conacri, com instrumentos tradicionais...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (11h31)... Actuação de um grupo de músicos da Guiné-Conacri, reforçados com um novo elemento, o portuga João Graça...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > A estrada Iemberém-São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Foto tirada às 12h14, a caminho da festa de casamento em S. Francisco... Esta imagem, para qualquer ex-combatente do Cantanhez, evoca seguramente um passado de guerra, o terror das minas e das emboscadas quase à queima-roupa...





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de casamento (13h47)... Posando junto ao bolo de casamento, feito (e enfeitado) à moda europeia... Reconheço, à direita, o incansável Domingos Fonseca, o "arqueólogo" de Guileje, quadro técnico da AD e membro da nossa Tabanca Grande



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de casamento (16h48)... As cozinheiras em acção... aqui como em toda a parte, que o dia era de festa rija...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de casamento (16h41)... Reconheço, à esquerda, o motorista da AD, o Antero, que andou comigo em Março de 2008 e agora com o João, em Dezembro de 2009.



Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Continuação da publicação dos  apontamentos (mais estenográficos do que caligráficos...), do diário de viagem do João Graça, acompanhados de algumas das centenas fotos que fez, nas duas semanas que lá passou (*)... Nos  cinco primeiros dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009) vamos encontrá-lo, como médico, voluntário,  no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém. Nalguns casos, por serem de todo ilegíveis ou fazerem referências muito pessoais a terceiros, optei por assinalar com parênteses rectos e reticências [...] essas partes do diário... Noutros casos, acrescentei, também dentro de parênteses rectos [   ], algumas notas da minha lavra,  decorrentes das nossas conversas sobre esta viagem (memorável, para ele)...


O João Graça, que celebrou no passado dia 21, as suas vinte e sete primaveras, pede-me para aproveitar o ensejo para  agradecer todas as manifestações de simpatia, carinho e amizade, de que foi alvo,  expressas publicamente no nosso blogue, por parte de mais de três dezenas de camaradas, amigos e camarigos (**)...


Ele ficou muito sensibilizado e um dia promete (re)conhecê-los, a todos,  ao vivo, ao Jero, Manuel Maia, Torcato, Artur Soares,  Mário Migueis, António Graça de Abreu,  Joaquim Mexia Alves, Filomena, Jorge Cabral, Eduardo Campos , César Dias, A. Santos, Manuel Marinho, Fernando Almeida, António Marques, Paulo Santiago, Manuel Amaro, J. Belo, José Câmara, Juvenal Amado, Adriano Moreira, José Corceiro, Jorge Narciso, Vasco da Gama, Manuel Reis, Jorge Picado, Felismina, António Tavares, José Martins, Luís Borrega, Hélder Valério e Zé Teixeira…



6/12/2009, domingo



Dia 2 – Iemberém e S. Francisco


17. J…, [investigadora portuguesa], amiga do C… [vem à] consulta com menina de 5 anos . Dor de dentes e barriga inchada. Abcesso dentário. [Medicação: ] ciprofloxacina e ibuprofeno. Volta na terça.


18. [A J… está a fazer] doutoramento em conflitos nas áreas de reserva ecológica. Comunidade ‘versus’ ecologia. Deu-me 10 000 francos (mais ou menos 15 €), uma “fortuna”,  para amanhã decidir evacuação de uma menina [, com suspeita de HIV/Sida] , com a enfermeira Vera, [brasileira] (Centro de Saúde Materno Infantil de Iembérem)


19. Baptizado muçulmano. Sacrifício de um carneiro para escolher nome de menino.


20. Abdulai apresentou-me a sua mulher [, bonita…]


21. Casamento com o bispo [de Bafatá] em S. Francisco. (…) Tínhamos combinado [, com o Domingos Fonseca e a esposa,] sair às 8h30, eram 12h00 ainda estávamos cá [, em Iemberém]. Dancei e pus tudo a rir.


22. Visita com os italianos [, cooperantes, reformados,] de Veneto [, região nordeste de Itália], a uma fábrica de caju. “Noi portiamo il know how” [, Nós trazemos o conhecimento      tecnológico ].


23. Nós, convidados de honra, a comer à mesa. Só homens.


7/12/2009, segunda-feira


Dia 3 - Iemberém


24. 1º dia de consultas. 42 doentes.

[Continua]

[ Revisão / fixação de texto / título / selecção, edição e legendagem das fotos: L.G.]


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Notas de L.G.:


(*) 16 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7622: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (1): 5/12/2009, sábado, viagem de carro, de Bissau (13h30) a Iemberém (21h50)
 
(**) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7647: Parabéns a você (204): João Graça, médico, músico e amigo da Guiné-Bissau (Tertúlia / Editores)
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7685: Tabanca Grande (262): António Teixeira, ex-Alf Mil, CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto) e CCAÇ 6 (Bedanda), 1972/73

1. Mensagem de António Henrique Teixeira* (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73), com data de 25 de Janeiro de 2011:

Caríssimo amigo:
Lamentavelmente, bem tentei procurar (que sei que tenho algures), os dados referentes ao Batalhão de Caçadores que me levou para a Guiné, mas não o consegui.
Apenas sei que depois de ter estado na Amadora, na altura Regimento de Infantaria 1, onde formei o Batalhão, fui para a Guiné em 1971, creio eu que terá sido no mês de Setembro.

Esse Batalhão foi para Teixeira Pinto, cabendo-me a mim a sorte de ir para um destacamento que ficava em Calequisse.(Isto, claro, depois de um pequeno estágio com o Batalhão em Bolama).

Um pouco mais tarde, não muito, fui chamado para comandar uma Companhia de Instrução de Milícias no Pelundo, onde estive cerca de 2 meses. Cheguei ainda a passar por Bachile, mas apenas uma semana ou pouco mais.

Terminada a instrução no Pelundo, e mal chego de férias da metrópole, fui chamado para Bolama de novo, para um curso intensivo destinado a formar oficiais e sargentos para as Companhias de Caçadores.

Sou então colocado em Bedanda, na CCaç 6, onde fiquei até ao final da comissão.
Bem, até ao final da comissão no papel, porque ainda passei mais de um mês na boa vida em Bissau, onde me limitava de vez em quando fazer de oficial de dia nos Adidos, e a comer as belas ostras pelas esplanadas.

Sei que regressei da Guiné em Setembro de 1973, tendo vindo de avião. Desde os meus tempos de Pelundo, nunca mais me juntei ao meu Batalhão de origem, tendo apenas algumas notícias que me iam chegando de vez em quando.

Realmente, para mim a Guiné foi basicamente Bedanda, onde fiz grandes, enormes amizades, algumas delas ainda em contacto permanente nestes dias que correm.


Mas vamos então à minha identificação:

Alferes Miliciano António Henrique Teixeira
Nascido a 21 de Junho de 1948
Residente em Espinho
Actualmente reformado do Ensino Secundário.
Licenciado em Educação Física e Desporto, fui professor desde Dezembro de 1973 até Agosto de 2006.

email: ahoct@netcabo.pt

Como foi pedido, junto algumas fotos tipo passe quer desse tempo, quer actuais. Agora compete a vocês escolherem.
Tenho também bastantes fotos, muitas delas que vou ter de digitalizar, e que posteriormente poderei colocar no blog.

Uma delas, gostaria de enviar já, porque é uma foto que eu gosto particularmente.
Trata-se do nosso Cabo Dias, homem de Braga, pessoa extraordinária, e que era quem tratava de nós na messe de oficiais.


Esta foto que lhe tirei quando escrevia para a família, eu gosto de lhe dar o título de "saudade".


Gostaria também de informar que em Bedanda, herdei do furriel vagomestre, por troca de alguns escudos, um estúdio de fotográfico, que fez a delícia de muita gente e muito me ajudou a passar o tempo. E que também foi responsável pela minha paixão pela fotografia.

Resta-me apenas acrescentar que já me tornei também "amigo" da "Tabanca Grande de Luís Graça" no Facebook, e de vez em quando lá irei "postar" qualquer coisa.

E para finalizar é com grande alegria que o digo, que depois do anterior mail que enviei para aí, já recebi mensagens do Dr. Mário Bravo, do José Vermelho e do Vasco Santos. O grupo está a engrossar e em todos a mesma ideia: vamos juntar este pessoal de Bedanda.

Um grande abraço e até breve,
António Teixeira


2. Comentário de CV:

Caro camarada António Teixeira, bem-vindo à Tabanca Grande, onde afinal já estás instalado, quer através do Facebook, quer dos dois postes já publicados no nosso Blogue*.

O teu Batalhão é quase de certeza o BCAÇ 3863 que embarcou para a Guiné em 16SET71, onde chegou a 22SET71. Era composto, além da CCS, pelas Companhias operacionais: CCAÇ 3459, CCAÇ 3460 e CCAÇ 3461. A tua Companhia deve ter sido a 3459 que tinha "sede" em Bassarel e destacamentos em Chulame, Blequisse, Bajope e Binhante, que poderás encontrar no mapa de Teixeira Pinto.

Pelo que contas, quase nunca desarrumavas as malas pois andavas sempre de um lado para o outro. A CCAÇ 6 e Bedanda marcaram-te mais pelo que será de onde terás mais camaradas referenciados.

No Blogue podes, através dos marcadores CCAÇ 6 e Bedanda, encontrar muitas histórias de camaradas que passaram por esta Companhia e esta localidade.

A par da curiosidade que terás em através do Blogue encontrar camaradas, poderás e deverás contar-nos algumas das tuas experiências nas diversas Unidades e locais que palmilhaste, acompanhadas pelas fotos que tens em mão e que ajudarão a ilustrar os textos.

Recebe da minha parte, em nome da tertúlia e dos editores, um abraço de boas-vindas.
CV
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7661: Tabanca Grande (261): António Teixeira, ex-Alf Mil, CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73), contemporâneo de Mário Bravo, José Vermelho, Pinto de Carvalho, Vasco Santos
e
26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7677: Facebook...ando (8): Ganha força a ideia de um próximo encontro dos ex-Bedanda: Mensagens de António Teixeira, Mário Bravo e Hugo Moura Ferreira

Guiné 63/74 - P7684: Contraponto (Alberto Branquinho) (22): Quê?! Catota?!


1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 11 de Janeiro de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Junto vai o texto para o Contraponto (22), cujo título poderá, no imediato, parecer menos "decente".
No entanto, a palavra que poderá, porventura, ferir pessoas mais sensíveis consta do glossário do blogue, na coluna mais à esquerda.

Com um abraço
Alberto Branquinho



CONTRAPONTO (22)

- QUÊ?! CATOTA?!

Foi esta a reacção de espanto que tive ao ler o livro de mini contos irreverentes, “nonsense”, irónicos, surrealistas “Doutor Avalanche” de Rui Manuel Amaral (Angelus Novus, Editora), página 93 (“A tampa de uma esferográfica”):

“Por que escarafunchava ele o ouvido com a tampa de uma esferográfica? Bem, talvez por causa disto: uma grande, redonda, brilhante e interessantíssima catota. E por que é que uma catota pode ser tão interessante? Ora, como todos os geógrafos experimentados sabem, as catotas germinam e saem exclusivamente do nariz. Esta, porém, saiu do ouvido, solene e orgulhosamente empinada na tampa da esferográfica.”

Reacção seguinte: - Que coincidência, a imaginação do autor ter inventado a palavra “catota”! Podia ter inventado uma outra qualquer.

Mas assaltou-me a dúvida: - Será que a palavra existe mesmo na língua portuguesa? Consequência: corrida aos dicionários.

E não é que o autor tem razão? A palavra “catota” é usada no Brasil e tem mesmo a ver com o nariz.

“Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”:
“catota… muco nasal ressequido; meleca;...“

Confirmando “meleca”:
“meleca… macaco (muco ressequido)……………….“

Assim é, pelo menos, no nordeste brasileiro.

Do atrás exposto constatei, com espanto:

- Como foi possível um homem chegar aos sessenta e tantos anos sem saber o que é catota… (em linguagem nordestina…).

Alberto Branquinho
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Notas de CV:

1. Huíla
Edificação do hospital da missão de Catota será concluída este ano

Lubango – As obras do hospital da missão de Catota, no Lubango, e a reabilitação de outro em Cavango, na província do Huambo, pertencentes à União de Igrejas Evangélicas de Angola (UIEA), estará concluído este ano, informou hoje o presidente da organização religiosa, Eduardo Chikete.
Em declarações à Angop, perspectivando as acções a desenvolver no decurso deste ano, o interlocutor disse tratar-se de obras estimadas em um milhão e 150 mil dólares, dos quais um milhão é financiamento do governo e 150 mil de apoios diversos.
De igual modo, continuou o reverendo, pretende-se reforçar a produção nos projectos de desenvolvimento agrícola, numa fazenda na zona do Giraúl (Namibe) e o pecuário, com o alargamento das suas produções, mormente de hortícolas tubérculos e criação animal, para ajudar os obreiros na sua dieta alimentar.
Consta também dos projectos da instituição religiosa a realização de uma caravana automóvel de paz do Bié ao Moxico, contra o alcoolismo e droga.
Notícia retirada da internete, ANGOP, Agência Angola Press, com a devida vénia.


2. Cabral, Salvador das Bajudas Desfloradas
Finda a comissão, calculem (!), fui louvado. O Despacho do Exmo. Comandante do CAOP Dois referia, entre outros elogios, a minha “habilidade para lidar com a tropa africana e populações”, a qual me havia “granjeado grande prestígio”.
Esquecido, porém, foi o essencial – evitei a dezenas de Bajudas o repúdio matrimonial e a consequente devolução do preço. Essa tão meritória actividade, sim, teria merecido, não um simples louvor, mas uma medalha…
Entre Fulas, Mandingas e Beafadas, as mulheres eram compradas, alcançando-se verbas elevadas. Cheguei a arbitrar casamentos, cujo dote atingiu os trinta contos! Claro que era exigida a virgindade, que às vezes havia desaparecido… Era então que o Alfero odjo grosso era procurado para remediar o que parecia irremediável.
Quanto ao teste pré-matrimonial, a cargo das mulheres grandes, que utilizavam um ovo(!), a questão resolvia-se, com alguns pesos.
O mais difícil era a prova do sangue no lençol, que devia ser exibido no dia seguinte à cerimónia. Equacionado o problema, adoptei uma solução que sabia já ter sido usada entre outras gentes com sucesso. Comprei em Bafatá pequenas esponjas, as quais embebidas em sangue de galinha, e metidas no local apropriado deram um resultadão.
Não houve mais Bajuda que não casasse em total e absoluta virgindade e confesso que me dava um certo gozo assistir às manifestações de júbilo dos viris maridos, no dia seguinte aos casamentos, no meio da algazarra da Tabanca.
Espalhada a minha fama, acorreram noivas de todo o lado. Ponderei mesmo montar um gabinete especializado, tendo chegado a escrever um folheto publicitário a informar que Alfero poi catota noba, dam trezbintim.

Jorge Cabral no Poste Guiné 63/74 - DCXXXIX: Estórias cabralianas (7): Alfero poi catota noba

3. Vd. último poste da série de 13 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7608: Contraponto (Alberto Branquinho) (21): Ensinar/Aprender a ler

Guiné 63/74 - P7683: Memória dos lugares (126): Os meus camaradas da CCAÇ 6, em Bedanda (Dezembro de 1971 / Março de 1972) (Mário Bravo, ex-Alf Mil Med)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Alf Mil Médico  Mário Bravo, entre os furriéis da companhia... Boa disposição, boa música, bom uísque (a garrafa mais pequena era de Old Parr, uísque velho)... Os nomes  dos furriéis já se varreram da memória do nosso camarigo... O Mário Bravo não terá estado mais do que 4 meses em Bedanda (enter Dezembro de 1971 e Março de 1972, com algumas saídas, pelo meio, até Guileje, Gadamael e Cacine)...  A CCAÇ 6 era então comandada pelo jovem Cap Cav Carlos Ayala Botto, futuro ajudante de campo do Gen Spínola.



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Alf Mil Médico  Mário Bravo, tendo a seu lado o Alf Mil Borges, açoriano... 




Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Alf Mil Médico  Mário Bravo, ao meio, ladeado pelos Alf Mil Borges (à sua direita) e o Figueiras (à sua esquerda)



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Alf Mil Médico  Mário Bravo posando num monumental bagabaga (com cerca de 5 metros de altura)...



1. Mais fotos enviadas pelo  nosso camarada Mário Bravo (ou Mário Silva Bravo), ex-Alf Mil Med, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72), hoje cirurgião, ortopedista, reformado,  vivendo no Porto. Depois de sair de Bedanda, em Março de 1972, o Mário Bravo foi colocado no Serviço de Estomatologia do HM 241, em Bissau, onde aprendeu a tratar dos nossos dentinhos... Um belo dia quem se sentou na cadeira do médico dentista foi o Spínola... É uma história que ele vai contar dentro de dias... (LG).



Fotos: © Mário Bravo (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

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Nota de L.G.:

Último poste da série 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7675: Memória dos lugares (125): Aldeia Fomosa (hoje, Quebo): em busca de fotos do Cherno Rachide, que morreu em 1973 (Pepito / Vasco da Gama)




(*) Vd. postes anteriores, recentes, relativos ao Mário Bravo [, foto acima,] e à sua passgem pela CCAÇ 6, Bedanda (1971/72) (sobre Bendanda temos já cerca de 4 dezenas de referências; e sobre a CCAÇ 6, cerca de duzenas e meia).



Guiné 63/74 - P7682: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (17): Algumas conversas para melhor perceber o PAIGC

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,


Já estamos na despedida.
Quero agradecer a todos aqueles que contribuíram para clarificar impressões de viagem que deixaram o Tangomau intrigado. Não há nada como descobrir que a viagem ficou incompleta, havendo necessidade de regressar, um dia. Em nome das amizades inigualáveis, em nome do lugar que se habitou e que se grudou ao coração.


Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (17)

Beja Santos

Algumas conversas para melhor perceber o Outro, o PAIGC

Despedidas e promessas

1. É uma reunião muito estimulante com mulheres e homens predominantemente entre os 50 e 70 anos. Já se percebeu que não há nenhuma historiografia oficial, formal ou informal, tanto na posse do PAIGC ou dos seus dirigentes históricos. Há arquivos incompletos, há os trabalhos de Luís Cabral, Aristides Pereira, Mário Pinto de Andrade, as prosas laudatórias da propaganda, de um modo geral inúteis para se obter a panorâmica de como o PAIGC se inseriu junto das populações e delas obteve apoios incondicionais ou as abrigou a colaborar na luta; há muita documentação na Fundação Mário Soares, serve para esclarecer alguns ângulos, mas não todos; desapareceram documentos secretos, correio entre dirigentes, ordens de batalha, até comunicados políticos.

Continua a ser tabu o relacionamento entre os dirigentes cabo-verdianos e os quadros militares guineenses. Ninguém usa como referência o Livro Branco do PAIGC, ninguém tem ilusões que é uma historiografia oficial datada, a história não é feita de declarações incontestáveis. É por todos admitido que foi no Congresso de Cassacá (1964) que o poder político se sobrepôs ao poder militar, orientando-o durante e após a independência, até 1980. Eram os comissários políticos que superintendiam as operações militares, os comandantes prestavam permanentemente contas.

A partir de 1980, com a era de Nino, deu-se uma demarcação, com o agravamento da situação económica e financeira, os militares sentiram-se livres de contestar e de se orientar nos negócios. Quando se sentiram ameaçados, como Ansumane Mané, reagiram. Até hoje. Os altos comandos vivem permanentemente à espreita de serem liquidados, desde a época do conflito político-militar de 1998.




O Tangomau já esgotou praticamente o seu stock de imagens. Nas reuniões por onde anda, nem lhe passa pela cabeça tirar fotografias. Socorre-se de fotografias não publicadas. Neste caso, uma panorâmica do cemitério de Bissau, o talhão dos combatentes da guerra da pacificação, rodeado do talhão dos combatentes da guerra que perdurou até 1974. Estava tudo relativamente bem arranjado, a Liga dos Combatentes determinara uma boa limpeza. Estava um dia luminoso, o Tangomau sentiu-se impelido a estranhas orações, quase conversas, entre o céu e a terra, era uma evocação errática e difusa em nome de todos os mortos.


2. O Tangomau muda de registo e pergunta à assistência como é que os quadros do PAIGC sentiam o crescimento do pensamento nacional, houve comentários variegados, alguns deles mereciam aprofundamento e até registo para um qualquer historiador procurar direcções de análise desse PAIGC aparentemente coeso e militarmente indómito. Um dos comentários lembrou ao perguntador a singularidade do desencadear da guerrilha: primeiro, a formação dos agitadores, quadros que foram lançados na subversão, quer nas barbas das autoridades, quer aproveitando a insignificância da sua presença, como foi o caso do Sul; esses agitadores conduziram à mobilização de populações, mesmo à custa do terror e da separação das famílias, em escassos meses, em 1963, o Sul foi transformado em parcelas atomizadas que reduziram a capacidade de manobra das tropas portuguesas.

Cabral era um ideólogo incontestado, nos primeiros anos; os choques virão mais tarde, se bem que permanecessem discretos, entre cabo-verdianos e guineenses, estes últimos frequentaram escolas de formação e foram confrontados com outras formas de racismo. Uma guerrilha que se expande tão rapidamente entre 1963 e 1964, populações a viver sempre em risco e, de um modo geral, a aceitar esses riscos e os sacrifícios no transporte de munições, armamento, comida e medicamentos, tudo acaba por se saldar numa combatividade de âmbito nacional, basta pensar no hino e na bandeira.

Alguém da assistência pede para fazer um comentário: é verdade que hoje o pensamento nacional é difuso, mas no conflito político-militar a população insurgiu-se contra a presença estrangeira, contingentes senegaleses e de Conacri foram severamente reprimidos por exércitos ad hoc, compostos por gente de todas as etnias. E foi lembrado ao perguntador se era possível não haver uma consubstanciada crença no PAIGC quando, em 27 de Abril de 1974, andavam grupos nas ruas de Bissau a gritar vivas ao MFA e ao PAIGC. O Tangomau a todos agradece, amanhã terá um encontro com Filinto Barros e Chico Bá para falar sobre a evolução da guerra de 1973 para 1974, ouvi-los sobre o que devíamos fazer conjuntamente para se estudar melhor o Outro, antes e depois da guerra que findou em 1974.

É a última fotografia que resta de Ponta Varela. Permite verificar a natureza do Geba estreito, que aqui começa ou aqui finda. Neste exactíssimo ponto, dentro da vegetação, os guerrilheiros do PAIGC flagelavam batelões e até lanchas da Armada. O Tangomau sentiu-se compensado da passeata em companhia de gente moçoila, intrigada com o velhote que caminhava despachado aqueles quilómetros ida e volta, encantado com hortas, cabaceiras, poilões e o marulhar da corrente desse Geba, que é o rio da sua vida.


3. Anoitece, o Tangomau despede-se das pessoas que amavelmente cederam a conversar com ele. Regressa à Pensão Central, vem com muita precisão de tomar um banho de caneco, pôr o corpo na horizontal, sentir o fresco de uma ventoinha trepidante. Encontra Patrício Ribeiro, combinam ir jantar num restaurante de comida portuguesa. Antes, conversa com a Avó Berta, conta-lhe o que andou a fazer pela região de Bambadinca. A Avó Berta aproveita para lhe falar de como, com o marido, num oceano de dificuldades, montaram a Pensão Central, como ela sobreviveu a todas as carestias, ali se recebeu professores, ali se manteve a sede viva da cooperação portuguesa e internacional. O Tangomau embevece-se com o fulgor desta senhora exemplar que se recusa a abandonar a grande obra da sua vida.

Refrescado e com o corpo menos moído, vai prestar contas e dar graças ali ao pé, na catedral. Dar graças por o coronel Jales Moreira ter pedido ao Daniel Nunes para encontrar uma solução de acolhimento na região de Bambadinca, foi ele quem apresentou o Tangomau ao embaixador Inácio Semedo, depois este pôs o irmão em acção; dar graças ao Fodé à família, dar graças a quem o reconheceu e o quis rever, com a alegria estampada no rosto, dar graças pela imensidade destas relações indestrutíveis, até ao último alento da sua vida.



Era assim a Pensão Central em 1997, fora retocada, pintada de branco imaculado, agora está de azul e há muita ferrugem à mostra. Ainda é possível andar num destes táxis azuis, com um ou até quatro passageiros. Importa não esquecer o bem que aqui se fez a quem chegou com fome e à procura de abrigo, de todas as partidas do mundo (foto retirada do site: www.guinee-bissau.net, com os devidos agradecimentos).


4. Vão jantar, o Patrício Ribeiro e o Tangomau, num restaurante decorado à portuguesa, até ali há enchidos, cebolas e alhos decorativos. Para surpresa do empregado, o Tangomau pede dois ovos estrelados, umas batatinhas fritas e uma boa salada, tudo a regar com uma cerveja gelada. A assistência grita frenética, o Barcelona esmaga o Real Madrid, há claques furiosas pró e anti-Cristiano Ronaldo. O Real Madrid sai dali desfeiteado, o Tangomau despede-se de Patrício Ribeiro, cai de sono, já está informado que aí pelas 23 horas se apaga a luz com o corte de energia, quer fazer as últimas leituras, preparar-se para os últimos encontros de amanhã, vai entregar cartas a Tumlo Soncó, que dentro em breve parte para o Cuor.

Na cama, folheia os elementos que compilou sobre o MFA da Guiné, o golpe militar que ele desencadeou em Bissau logo a seguir ao 25 de Abril, até o plano de ali fazer uma sublevação caso falhasse o 25 de Abril em Lisboa. Nunca entendeu porque é que os protagonistas não documentaram claramente estes factos, os movimentos, as tensões ideológicas e depois o entabulamento de relações, mais ou menos informais, com o PAIGC e como, logo em 1 de Julho de 1974 centenas de militares exigiram ao Governo de Lisboa o reconhecimento da República da Guiné-Bissau, no fundo se a Guiné o berço do MFA e este conspirou e descolonizou por conta própria no território, que diálogo se estabeleceu com os quadros do PAIGC. E assim adormeceu, mesmo sentindo a pressão do calor e depois de olhar, assombrado, o volteio dos carros na Avenida Amílcar Cabral, a fugir dos buracões do alcatrão, na noite escura.



Este é o Zé Pereira que viajou de Bissorã para me abraçar. Era o 1.º cabo mais culto e desempenado do Pel Caç Nat 52. Foi um exemplo de coragem quando, com Missirá em chamas, foi salvar uma criança esquecida numa morança. O que o Tangomau lhe deve não cabe num possível título de dívida e quando lhe disse: “Zé, deixa-me tirar-te uma fotografia, quer que todos saibam quanto te admiro!” ele logo respondeu: “Sim, mas com o teu livro na mão, este é meu e vou levá-lo para Portugal, quando for visitar o meu filho”. Um pai orgulhoso por ter conseguido dar estudos médios a todos os seus filhos, o Aillton é avançado no Atlético Clube Oriental e está a acabar a licenciatura.


5. De manhã, não há tempo para o devaneio de leituras, é importante escrever ao régulo Carambá, ao Príncipe Samba e ao Fodé. O ambiente escolhido é o do Centro Cultural Francês, é fresco e silencioso, o Tangomau escolhe uma mesa na zona da banda desenhada, bem fornecida e tentadora, sem perda de tempo escrevem-se saudações e promessas.

Que o régulo Carambá veja o Cuor desenvolver-se, do Geba estreito até Madina de Gambiel. Que o régulo esteja descansado, o Tangomau sente impulso para voltar, a velha estrada abandonada de Gambaná atrai-o, percorreu-a vezes sem conta, corta-lhe o coração vê-la reduzida a um caminho alcantilado de pouco préstimo, quer voltar à Aldeia do Cuor que ele encara como uma civilização perdida, nunca decifrou aqueles muros tão altos, houve quem lhe dissesse que ali se pensou criar a povoação mais importante, desistiu-se, sabe Deus porquê, foi assim que nasceu Bambadinca, era por Aldeia do Cuor que se pensava escoar as madeiras exóticas e os produtos agrícolas do Gambiel.

Ao Príncipe Samba desejou-se as maiores felicidades, agradeceu-se o encontro comovente, aquela tradução para crioulo, cheia de intenção e sentimento, aqueles pedidos de ajuda a que ele gostaria de corresponder e lamentavelmente não pode, o Tangomau recorda e acentua a gratidão pela dedicação recebida. Ao Fodé, o muito obrigado por ter convocado tanta gente, ele foi o anjo de S. Gabriel que anunciou a vinda do Tangomau.

Aproveita-se o agradecimento para fazer tábua rasa das diferentes tensões entre ambos, aguarda-se agora reencontro em Lisboa. Escritas as missivas, faz-se a sua entrega no Bairro Missirá, Tumlo lembra ao Tangomau que tem um filho com muito jeito para a bola, pede-lhe encarecidamente ajuda, o Tangomau volta a chorar, de impotência, não pode corresponder a tanto pedido.

Tumlo Soncó sentado, parece que está à espera calmamente que o futuro seja pródigo, lhe traga algumas benesses. É nestas coisas que o Tangomau revela a incipiência própria dos fotógrafos amadores, deixa sombra da Maria Fausta, a mulher de Abudu Soncó, e do Sr. Sabino, o motorista da Embaixada de Portugal.


6. Entregues as cartas, o Tangomau parte para um café onde se vai encontrar com Filinto Barros e Chico Bá, ou Francisco Silva, que foi comissário geral das frentes Norte e Sul. Ambos autorizam que o Tangomau tome notas. A primeira pergunta incidiu sobre o modo como se radicalizou a luta, exigindo, logo após o 25 de Abril uma independência total e irrestrita. Os interlocutores responderam que se temia também com o futuro de Angola e Moçambique: se a independência da Guiné empanasse, haveria consequências para as outras colónias. Era preciso que tudo começasse claramente na Guiné.

Ao contrário do que se tem dito, os negociadores guineenses pediram às autoridades portuguesas para ficarem transitoriamente na Guiné, cedo se aperceberam que não havia condições nem militares nem políticas. Os quadros do PAIGC sabiam não dispor de uma estrutura administrativa capaz para as novas realidades da independência. Os gestores que se prepararam vieram de escolas muito rígidas, como a RDA, uma outra realidade. Filinto Barros lembrou que a confraternização em Bissau teve muito poucas arestas, logo a seguir à chegada do PAIGC, por pura coincidência, encontrou do lado português um oficial da Armada que estudara com ele no Colégio Nuno Álvares. O erro não esteve em exigir a independência, esteve em não partilhar por mais alguns anos com os portugueses a aprendizagem da administração.

Falando dos acontecimentos de 1973 e 1974, estes dois importantes quadros políticos foram consensuais: não havia pressa quanto ao fim da guerra, sentia-se e sabia-se da erosão que a guerra estava a provocar e que a perda de supremacia aérea trouxera uma profunda desmotivação. Mesmo que, por absurdo, os aleados da NATO dessem provisoriamente um equilíbrio militar, a capacidade do PAIGC estava imparável, agora não era só o facto das tropas mal saírem do arame farpado, já se combatia com carros de combate e escolhiam-se alvos como Canquelifá que, tudo previa, iria ser cercada em Maio, em termos semelhantes ao de Guidage, como no ano anterior.

Os informadores do PAIGC em Bissau também sabiam que ia haver abandono de vários quartéis junto da fronteira e com graves consequências para o moral das tropas, essas populações ao abandonarem as suas tabancas iriam concentrar-se à volta de Bissau, agravando todos os problemas. Outra informação digna de nota: quando se proclamou o Estado em 24 de Setembro, a partir dessa data deu-se uma sangria de estudantes já adolescentes que se foram oferecer para a guerrilha. Era uma quantidade impressionante. A direcção do PAIGC ao comentar o facto concluiu que a juventude guineense irreversivelmente se pusera do lado do PAIGC. A relação de forças entrara em desequilíbrio, estes jovens marcavam a diferença. Discutiram-se ainda projectos sobre as relações com o Outro, de ambos os lados. Todos prometeram manter-se em contacto.



O Tangomau voltou à Madina do Gambiel à procura do paraíso, das palmeiras de Samatra. Tudo mudou, mantém-se luxuriante mas aquela beleza esmagadora desapareceu. Foi um dos momentos de decepção. Felizmente que o Tangomau fora reconhecido por Ieró Baldé, não há paisagem que substitua um momento de tanta beleza nos corações.


7. Amanhã haverá despedidas, algumas delas comoventes. E depois terminará este diário composto a trouxe-mouxe. O Tangomau vai às compras, para si e à procura de lembranças para os outros. Será a circunstância para mostrar as últimas fotos e convidar todos os confrades a voltar à Guiné.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7676: Ninte Kamatchol: a história da capa de um livro (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7650: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (16): Até Bissau num toca-toca e conversas sobre a história do PAIGC