sexta-feira, 30 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9683: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (4): De Cobumba para Bissau e regresso à Metrópole

1. Conclusão do trabalho do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), intitulado O tempo que ninguém queria:

O TEMPO QUE NINGUÉM QUERIA (4)

DE COBUMBA PARA BISSAU

Chegou o dia do regresso a Bissau, nessa manhã a única viatura que tínhamos operacional avariou, todas as coisas que tínhamos connosco para levar para a LDG que nos foi buscar, tiveram de ser transportadas às costas, mas por essa altura eu estava fisicamente bastante fragilizado, tive que pagar a um homem da população para me levar o caixote com os meus pertences, tendo eu levado apenas a G.3, as cartucheiras, e um pequeno malote onde transportava dois ou três quilos de peso, mesmo assim, ao fim de escassas centenas de metros até chegar ao barco, já não conseguia caminhar mais. Há pouco tempo tinha passado por lá o médico, que creio estava sediado em Bedanda a quem eu me queixei, tive como resposta; de facto estás doente, mas não te posso mandar para Bissau.

Deixamos Cobumba descendo o rio Cumbijã, alguns quilómetros mais abaixo estava outra companhia à espera para seguir connosco para a cidade, vindo de Cafal Balanta. Dessa companhia fazia parte um vizinho nosso, o Victor Santos, da Lagoa do Cão. Se um vizinho deixava aquela zona, um outro que o tinha ido render ficava bastante triste e só; era o José Balbino, sabendo que eu vinha a caminho de Bissau quis vir ver-me, não foi fácil para ele, como não seria para qualquer um, despedir-se de um vizinho com a comissão quase terminada… e ele ainda no inicio e numa zona tão má como era aquela.

Normalmente as companhias quando vinham do mato para a cidade era porque estavam para regressar à Metrópole, ou fazerem trabalhos de menor risco. Sabíamos ir estar mais alguns meses na cidade, o que não sabíamos era que a nossa companhia ia passar a ser cem por cento operacional, só os criptos exerciam a sua especialidade, todos os outros faziam os mesmos serviços. Para além do serviço de segurança à cidade que constava de percursos a pé durante a noite na periferia, em grupos de três ou quatro homens, serviços ao paiol, ao Palácio do Governador, no cais quando chegava algum barco da Metrópole, e também serviço junto ao arame que em alguns sítios circundava a cidade.

Como se tal não chegasse com vinte e seis meses de tropa, fizemos uma coluna a Farim, viagem de alto risco. Por essa altura a minha saúde não era a melhor, pela primeira vez tinha tido paludismo, e dois dias antes de se realizar a coluna fui ao médico tentando que ele me dispensasse de serviços pesados.Tive sorte, fui dispensado de ir a Farim, apenas eu e outro camarada que estava também de baixa não fomos.

No tempo em que estivemos em Bissau, o quartel ficava a poucos quilómetros do centro da cidade, na Combis em Brá, nós de vez em quando íamos até lá. Na cidade havia muito movimento apesar de mesmo por lá as coisas começarem a não ser totalmente seguras. Por essa altura, rebentou um engenho explosivo no café Ronda, sempre muito frequentado por militares, também dentro do QG houve uma explosão, e no Pilão certa noite houve tiroteio durante bastante tempo, estando a nossa companhia pronta para sair. eA tropa esteve mais de uma hora em cima das viaturas à espera de ordem para avançar, era cerca da meia noite os tiros pararam pelo que o estado de prontidão foi suspenso. Nesse dia eu estava de cabo dia, razão pela qual se a companhia tivesse saído eu teria ficado no quartel.

Um dos locais com paragem obrigatória para quase todos que vagueavam pela cidade, era o café Bento, ou a 5ª REP como toda a gente lhe chamava. Assim que nos sentávamos, ainda antes do empregado de mesa, chegavam os engraxadores que se preparavam e insistiam para nos engraxar as botas a troco de dois pesos e meio, ou três. Naquela tarde sentei-me na esplanada e logo apareceu um dos muitos engraxadores, o marreco. Disse-lhe que só lhe dava dois pesos e meio, ele começou a engraxar as botas, quando acabou a primeira disse-me, olha que são três pesos, eu disse-lhe que não, e ele levantou-se e foi embora, deixando-me com uma bota engraxada e outra não, mas o mais caricato é que as minhas botas uma era mais velha que a outra e eu coloquei primeiro a nova a jeito de ser engraxada, e assim a mais velha mais mal ficou a parecer ao pé da engraxada, ainda prometi os dois pesos e meio aos outros engraxadores que estavam por ali para me engraxarem a outra, mas solidários com o marreco nenhum quis. Não me restou outra alternativa a não ser sair pela porta oposta à esplanada e voltar a sujar a bota engraxada, com terra para não parecer tão mal.

Os serviços continuavam na cidade, o tempo normal de comissão já há meses que tinha passado, e nós sem saber quando seria o nosso regresso à Metrópole. Poucos dias antes de virmos embora tivemos uma baixa, o furriel Trindade, o homem que tantas minas tinha levantado, ao ser atropelado pela viatura que lhe ia levar o almoço, quando se encontrava em serviço com alguns homens num dos postos de guarda junto ao arame farpado que existia em alguns sítios em redor da cidade.

Faltavam três dias para o nosso regresso, fomos informados que teríamos de fazer mais uma coluna a Farim p+elo que à tarde fomos levantar as viaturas que íamos levar na madrugada seguinte. Estávamos completamente arrasados, a dois dias de terminar o nosso tempo de Guiné, irmos fazer uma coluna a Farim, para essa também eu já tinha levantado viatura, mas a poucas horas do inicio da viagem alguém teve o bom senso, e decidiu que não seriamos nós a ir na coluna.

Faltavam dois dias mas não tínhamos a certeza que seria assim, só quando nos encontramos dentro do Boeing e já no ar acreditamos que era desta que a nosso regresso ia acontecer. Embarcamos perto do meio dia em Bissau no dia dois de Abril e chegamos ao fim da tarde a Lisboa.

Passados trinta e oito anos da minha chegada à Guiné dando uma volta pela memória encontrei os factos aqui relatados, certamente muitos não terei conseguido lembrar-me, mas fiquei satisfeito com aqueles que consegui lembrar em apenas três semanas.

Se alguém chegar a ler este relato de vida que foi a minha, durante o tempo de tropa que passei em África, e que foi também o de muitos jovens do meu tempo, em particular aos que passaram pela Guiné, verá que as coisas agora não são tão más como parece!

Outubro de 2010
António Eduardo Jerónimo Ferreira
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Nota de CV:

Vd. postes anteriores da série de:

15 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9608: Tabanca Grande (325): António Eduardo Jerónimo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873 (Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74)

18 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9623: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (2): De Bissau para Mansambo
e
21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9635: O tempo que ninguém queria (António Eduardo Ferreira) (3): De Mansambo para Cobumba

Guiné 63/74 - P9682: Agenda Cultural (191): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - História e Memória(s) - 1961-1974 (Carlos Cordeiro) (11): Que promessa?, pela Prof.ª Doutora Gabriela Castro, dia 30 de Março de 2012 no Anfiteatro B da Universidade dos Açores

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Cordeiro* (ex-Fur Mil At Inf CIC - Angola - 1969-1971), Professor na Universidade dos Açores, com data de 29 de Março de 2012:

Meu caro Carlos,
Amanhã, 30 do corrente, teremos a nossa sétima conferência do ciclo de conferências-debate "Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s)". Junto a notícia, nota biográfica e foto da conferencista, cartaz e prospeto.
Obrigadíssimo, querido amigo.
Não me puxes as orelhas por ir muito em cima da hora, please!!!

Um abraço amigo do
Carlos Cordeiro





BREVE NOTA CURRICULAR 

MARIA GABRIELA COUTO TEVES DE AZEVEDO E CASTRO é doutorada em Filosofia Contemporânea, especialidade de Estética e Teorias da Arte, pela Universidade dos Açores, com a dissertação intitulada A imaginação em Paul Ricoeur, filósofo que estuda desde 1988 e que foi também tema das suas provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, em 1991, com um trabalho subordinado ao tema Os símbolos do trágico em Paul Ricoeur.

É directora do Centro de Estudos Filosóficos da Universidade dos Açores e docente dessa universidade, onde tem leccionado diversas disciplinas aos cursos de História, Filosofia e Cultura Portuguesa, Património Cultural e Arquitetura. Foi diretora do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais daquela Universidade e tem liderado projetos investigação na área científica da sua especialidade.

É autora do livro intitulado Imaginação em Paul Ricoeur. Tem proferido conferências e comunicações em vários congressos e colóquios em Portugal e no estrangeiro, constando da sua bibliografia diversos artigos publicados em revistas da especialidade nacionais e internacionais e a colaboração em várias obras coletivas.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9427: Agenda Cultural (185): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (10): Intervenção da Prof. Dra. Célia Carvalho, dia 3 de Fevereiro de 2012 no Anfiteatro B da Universidade dos Açores

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9658: Agenda Cultural (190): A banda portuguesa Melech Mechaya em Lisboa, Cinema São Jorge, sábado, 31 de Março, 21h30... Convidada especial: Mísia...Ganda ronco! (João Graça)

Guiné 63/74 - P9681: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (13): Mansoa, 30 de Março de 1973: Faço hoje vinte e seis anos...




Carta da província da Guiné) > Escala 1/ 500 mil > Pormenor > Posição relativa de Mansoa, com Binar e Bula a oeste, e Porto Gole e Bambadinca, a leste.



1.  Com comissões de serviço militar de 2 anos, inicialmente, e depois de 21 meses, muitos de nós celebraram (!) dois ou até três aniversários natalícios no TO da Guiné... O mesmo aconteceu ao nosso camarada António Graça de Abreu (abreviadamente, AGA, nascido em  23 de março de 1947, no Porto, ex-Alf Mil do CAOP1, 1972/74, aqui na foto à esquerda, ): fez os 26 anos em Mansoa (região do Oio) e os 27 em Bissau ou em Cufar (região de Tombali), tendo regressado a Portugal, nas vésperas do 25 de abril de 1974... Em Mansoa já não era "pira", com 9 meses. 

Essa efeméride (a do aniversário natalício de 1973) é a única que consta do seu diário. (Os seus 27 anos deve tê-los passado em Bissau, regressando a 31/3/1974 a Cufar, de avioneta). Com a devida vénia, vamos reproduzir - para conhecimento da generalidade dos nossos leitores - esse excerto do Diário da Guiné, 1972/74, da autoria do AGA, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp) (*). 

 Mas primeiro chamamos a atenção para algumas excertos  do prefácio, em que explica o como surgiu e decidiu publicar este documento diarístico... E hoje, como é dia do seu 65º aniversário, fica bem a um amigo e camarada da Guiné, e seu leitor, como eu, congratular-me por esta efeméride, e desejar ao AGA cem anos de ventura(s)!... Que a ta vida tenha sempre a beleza de flor de lótus, a consistência do jade,  o conforto e a fantasia da sede!... E, claro, sempre, sempre, sob a proteção do irã acocorado no sagrado poilão da nossa Tabanca Grande (LG)



Apesar de tudo, a vida é bela quando se tem 26 anos (celebrados em Mansoa, em 1973)... E continua a sê-lo, aos 65, em Portugal, nesta parte do planeta, que é a nossa casa!... Parabéns, meu amigo AGA, camarada, escritor, poeta, tradutor, sinólogo! "Sínico, mas não cínico", como ele gosta de se definir...


2. Excertos do diário  > Prefácio

(...) "Não sendo propriamente um operacional, o facto de estar integrado num comando de operações [, CAOP 1,] e de contactar todos os dias homens e lugares onde ocorriam acções militares, possibilitou diluir-me no quotidiano da guerra, vivê-lo por dentro, ser testemunha e actor de um drama real que se desenrolava diante de nós, camaradas de armas e desdita.


"Tinha então vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete anos e, tal como muitos outros milhares de soldados enviados para as guerras de África, escrevi um 'diário secreto', redigi centenas de aerogramas e cartas endereçadas a familiares, a amigos em Portugal.

"Três anos depois de regressar da Guiné, os acasos da fortuna levaram-me outra vez para distantes paragens, agora o Extremo Oriente, a China onde – depois de todas as guerras - me embebi num quotidiano de paz, sortilégios, alvoroços e fascínios a povoar o respirar célere da passagem dos anos. Quase esquecia o tempo da Guiné.

"Os anos passaram. De novo em Portugal, sabia que continuavam comigo o 'diário secreto' e muitas das cartas que escrevera em África. Mas considerava esses textos uma herança demasiado pessoal. Publicar, dar a conhecer o 'diário' corresponderia talvez a um confessado exercício de auto-complacente contemplação do umbigo, de narcisismo. Eu, eu e mais eu.


"Os anos passaram. Até que, em finais de 2005, a publicação dos aerogramas e cartas escritas em Angola por António Lobo Antunes, entre 1971 e 1973 - e que li de um fôlego, - me recordou o 'diário', os meus textos da Guiné. Ainda somos algumas centenas de milhares de portugueses que, como militares, vivemos as guerras de África, no entanto a memória desses anos vai-se inevitavelmente esbatendo, esquecendo. 

"Que conhecem os nossos filhos, os nossos netos do dia a dia dos seus pais e avós combatentes na Guiné, em Angola e Moçambique? Que sabem do que comíamos, onde dormíamos, como nos deslocávamos, o que sentíamos, como eram as emboscadas, as flagelações, a morte, o medo, as bebedeiras, a alegria? Como era a guerra por dentro? Os meus escritos dos dias da Guiné respondiam a algumas destas questões e, longe de qualquer comparação com a prosa exuberante do autor de Os Cus de Judas, acabei por considerar que valia a pena recuperá-los e publicar". (...).



Guiné > Região do Oio > Mansoa > CAOP 1 > Março de 1973 > O Alf Mil António Graça de Abreu (1972/74) junto ao obus 14.... Antes, e desde finais de junho de 1972,  estivera em Teixeira Pinto (Canchungo). Terminará a sua comissão em Cufar, no sul, regressando a Portugal nas vésperas do 25 de Abril de 1974.


Foto:  © António Graça de Abreu (2010). Direitos reservados


(...) Mansoa, 30 de Março de 1973

Faço hoje vinte e seis anos, de certeza também complementarei os vinte e sete nesta santa Guiné. Tantos dias ainda a percorrer, tanto vazio a preencher! Se tudo correr bem, daqui a um ano estarei em Bissau à espera do avião para regressar a casa e deixar de vez a guerra.

Ninguém sabe que eu faço anos e não foi para recordar a data que às seis da manhã os obuses começaram a bater a zona, a mandar granadas de canhão para os possíveis locais onde os guerrilheiros se estariam a levantar da cama.

Às oito, foram os combatentes do PAIGC a flagelar à distância a frente de trabalhos da estrada Jugudul-Porto Gole-Bambadinca, sem resultados. É a quarta vez nestes últimos três dias, o que só serve para criar insegurança e fazer barulho. Os nossos obuses começam a ripostar e lá se vai o sossego, o nosso e o do IN.

O meu coronel, o meu major P. e um tenente-coronel que está aqui emprestado ao CAOP, foram esta manhã de jipe, com uma pequena escolta, a Bula e Binar, tratar de assuntos relacionados com ofensivas sobre o IN. Os guerrilheiros sabiam que gente importante ia chegar a Binar e estavam à espera, emboscados junto à pista de aviação. Falharam a recepção porque os 'homens grandes' brancos não chegaram de avião, viajaram por estrada. Foram e regressaram em paz. (...)

(...) Cufar, 31 de Março de 1974

Prometi que só regressava a Cufar depois de ter resolvido o problema do meu substituto. Pois agora é verdade, já desencantaram o homem. É o alferes Lopes, apenas com quinze dias de Guiné. Tem a especialidade de Secretariado, estava exactamente destinado à 1ª. Repartição, em Bissau, e ou porque têm gente a mais ou porque eu os chateei demasiado nestes últimos dez dias, desviaram-no para Cufar. Encontrei-o na piscina do Clube de Oficiais, almocei com ele, animei-o – está um bocado abalado com a vinda para o mato, - disse-lhe que Cufar é mauzinho mas se ele fosse atirador de Infantaria e tivesse sido colocado em Cadique ou Jemberém ou Gadamael, seria bem pior. (...)

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Nota do editor

(*) Último poste da série > 23 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9642: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (12): Os infelizes que estão em Cobumba...


Guiné 63/74 - P9680: Armando Pires, Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães agradecem à tertúlia as manifestações de carinho a propósito dos seus aniversários

1. Mensagem de Armando Pires*, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 27 de Março de 2012:

Camaradas Editores.
Um sensibilizado abraço pelas vossas mensagens de Parabéns.
Aproveito para lhes solicitar publicação do texto anexo, o qual serve para agradecer, honrado, as muitas felicitações que Camaradas e Amigos me endereçaram através do Mural da nossa Tabanca Grande.

Cedo compreendi que a Amizade é um bem imperdível. Fardado, conheci outro bem de valor acrescentado. A Camaradagem.

Nela andam, ombro a ombro, a Amizade e a Solidariedade. Resistem a tudo. Até às divergências.

A nossa Tabanca, mais do que o ponto onde as nossas vidas se cruzam com a história, é o laço que tudo entrelaça. Que tudo torna perene.

Aos Camaradas que neste dia, através das mensagens que me dirigiram, me fizeram sentir quanto todos estes sentimentos permanecem vivos o meu

Muito Obrigado
Um Forte Abraço
Armando Pires


2. Mensagem de agradecimento dos co-editores Eduardo Magalhães e Carlos Vinhal à Tertúlia**:

Caros camaradas e amigos tertulianos
Por que levaríamos imenso tempo a agradecer individualmente a todos quantos se nos dirigiram por comentário, mensagem electrónica, telefone (voz e SMS) e facebook, e foram tantos, felicitando-nos pelo nosso aniversário, utilizamos este meio expedito para o fazer.

Não é demais referir o quanto o nosso ego se elevou perante as vossas simpáticas palavras, muitas de elogios que nem merecemos. Tudo faremos para não defraudar as vossas expectativas e continuarmos a usufruir da vossa consideração e, principalmente, da vossa amizade.

Camaradas houve, que embora solidários com o nosso aniversário, não tiveram oportunidade de nos contactar em tempo útil. Podem estes amigos ficar cientes que o seu silêncio para nós foi considerado como mensagem de apoio à nossa longevidade e saúde.

Vamos continuar por aqui ajudando, como podemos e sabemos, o Luís a levar a bom porto esta tarefa diária que só terá fim quando deixar de haver colaboração da tertúlia. Nós não esmoreceremos, nunca. Esperamos o mesmo da vossa parte.

Aqui fica o nosso abraço
Eduardo Magalhães e
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9669: Parabéns a você (396): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70)

(**) Vd. poste de 27 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9670: Parabéns a você (397): Carlos Vinhal (64) e Eduardo Magalhães (60), dois dos nossos queridos co-editores

Guiné 63/74 - P9679: Notas de leitura (346): A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné, Gandembel/Ponte Balana, de Idálio Reis (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 27 de Março de 2012:

Queridos amigos,
É difícil imaginar o sofrimento que acompanhou a redação deste texto. Um grande escritor poderá fazer deste historial de sofrimento uma narrativa sublime, um libelo acusatório à irresponsabilidade de certos decisores militares que lançam seres humanos para posições indefensáveis, num esquema de ficção de que ocupam o território só porque estão homens dentro do arame farpado.
O nosso confrade Idálio Reis desvenda Gandembel em toda a sua grandeza e miséria: os limites da resistência física, moral e psicológica esticada até à linha da destruição, por isso quem resistiu devia merecer a nossa gratidão e sair do anonimato, é este o resultado sublime deste livro; miséria e vergonha para quem inventou aquele ponto ermo que serviu a propaganda do PAIGC.
O Idálio merece ser felicitado pela sua narrativa bem elaborada e original.

Um abraço do
Mário


A epopeia dos 296 dias no octógono de Gandembel

Beja Santos

“A CCAÇ 2317, na Guerra da Guiné” é um livro original, a diferentes títulos. O narrador, um dos seus alferes milicianos, surge como responsável pelo historial da companhia e depois apaga-se, volatiza-se na surpresa de um punhado de homens a quem atribuíram ma missão inacreditável, uma dobadoira de sofrimento constante, desde que abriram as primeiras fundações até ao dia da retirada. O narrador socorre-se de um português vernacular, usa sem artifícios um léxico luxuriante, cinzela a primor tudo o que nos vai aproximar de uma tragédia anunciada, descreve os acontecimentos da fundação e depois do desaparecimento de Gandembel e Ponta Balana, foi aqui que esteve o clímax da comissão da CCAÇ 2317, o que se irá passar em Buba e Nova Lamego é encarado como meramente acidental, é um correr da pena, quer-se o leitor preso e de tal modo que aqui se entretece mais uma dimensão dessa originalidade: Idálio Reis insere todos os acontecimentos da CCAÇ 2317 no amplexo de toda a guerra da Guiné, não nos explica exatamente porquê, mas o produto final acaba por contribuir para esta narrativa pungente deixar o leitor mais desassossegado. Afinal, dentro de um ecrã gigante de todos os factos e feitos da Guiné o que se passou em Gandembel/Ponta Balana é quase ou mais irracional de todo aquele cortejo de sofrimentos que levaram ao sofrimento atual daquele povo e à indignação (ainda presente) de quem combateu na CCAÇ 2317.

Idálio Reis não esconde a sua indignação: os documentos oficiais são parcimoniosos, parece que Gandembel foi uma redundância, mesmo com bastantes mortos e feridos. E temos uma singeleza para o corpo militar que se formou nos finais do Verão de 1967, no R.I. 15, a CCAÇ 2317 fazia parte do BCAÇ 2835. Em outubro tinha o destino traçado, rumo à Guiné. Finda a instrução especial, uma passagem por Santa Margarida. Em meados de Janeiro partem do cais de Alcântara no velho Quanza. Passam três semanas em Brá, na altura o presidente Américo Tomás chega a Bissau. Segue-se o treino operacional em Mansabá e Olossato. Os mandantes consideraram que a companhia amadurecera e podia partir para o Sul. Para uma terra de ninguém da região do Forreá. Esporadicamente, o narrador desaperta a neutralidade e clama em voz alta o seu protesto. Um exemplo: os acontecimentos de sofrimento, passados em Gandembel/Ponta Balana foram em tal quantidade, que desapareceram de modo significativo nos documentos oficiais conhecidos. E é por isso que nos sentimos profundamente chocados com esta provocante atitude, que em nada enobrece a instituição militar (…) Em seu nome, dos que tiveram a desdita de nos acompanharem neste longo pesadelo, em memória dos que vimos afastarem-se precoce e compulsivamente do nosso seio, procuraremos dar sinal dos amargos momentos vividos”.

A CCAÇ 2317 desembarca em Cacine e segue para Guileje. O narrador descreve os itinerários ali à volta do Cantanhez. Logo em 28 de Março, na proteção a uma coluna a unidade sofre duas baixas. Chegou a hora de partir para a criação de um quartel, em terra de ninguém. Antes, numa tentativa de desalojar o PAIGC das suas bases poderosas, vagas sucessivas de helicópteros lançam os para-quedistas em Cafal e Cafine e aniquilam um bigrupo. Em 8 de abril dá-se a partida, o narrador esmiuça os pormenores, teria havido nas imediações deste quartel que se iria fundar uma tabanca, de há muito abandonada, que se chamava Gandembel, bem pertinho do corredor de Guileje. Encetara a via-sacra, os soldados disfarçam-se de operários da construção civil, não basta os abrigos, são necessárias latrinas, desmatação, a criação de um posto de primeiros socorros, uma cozinha de campanha, ir buscar água ao rio Balana. Um pormenor: a água era infecta mesmo após alguma filtragem. Os guerrilheiros do PAIGC não tardam a apresentar-se com saudações de morteiros 82. Abriu-se o diário das flagelações, na noite de 30 de Abril houve 6 flagelações. A época das chuvas aproximava-se, foi uma autêntica corrida contra o tempo pôr de pé o destacamento de Ponta Balana. Ir buscar água ao Balana podia acarretar destruição, logo em 15 de maio um furriel aciona uma mina antipessoal e perde as duas pernas. Nessa data, a unidade militar está entregue a si própria quem ali tinha estado a dar proteção durante as primeiras semanas regressou a quartéis.

Há momentos em que sentimos que Idálio Reis quase nos obriga a descer àquela mata que se adubou de sangue, a descrição com que se constroem os abrigos, o nascimento da ansiedade em torno das colunas de reabastecimento e depois a forma exaustiva como ele menciona os ataques, dia após dia. As colunas são um suplício, víveres e munições custam um martírio a muita gente até chegarem a Gandembel. Spínola inteira-se da situação, tudo levava a crer que se Beli fora prontamente um quartel a abandonar por maioria de razão Gandenbel devia ser erradicado do mapa. Mas não, o número de mortos e feridos não para de crescer. Há datas horríveis, como 4 de Agosto, dia em que a companhia perde 4 elementos, descrevem-se ataques brutais, há cenas de solidão e de desespero, chega ali um alferes que prontamente entra em estado de choque, dali parte numa evacuação. O jornalista César da Silva, do Diário Popular, ali passa a noite de Natal, publicará uma reportagem audaciosa, inexplicavelmente a censura deixa passar as sequências de calvário que ali se vivem. E o narrador continua: “É na zona de Gandembel que o inimigo possui o maior potencial de fogo e foi contra esta posição que utilizou, pela primeira vez, o morteiro de 120 mm. Foi, também, na mesma zona que plantou o maior número de fornilhos (mina reforçada com torpedos de TNT que se destina a cortar itinerários, pois tem grande poder destruidor). No decurso de duras flagelações noturnas, o inimigo tentou penetrar no aquartelamento. Foi sempre repelido. Os para-quedistas deixaram 4 mortos em Gandembel e levaram alguns feridos, mas foram capazes de façanhas como a seguinte: numa nomadização orientada até algumas centenas de metros da fronteira, surpreenderam, certa madrugada, um bigrupo inimigo. Dizimaram-no completamente em menos de uma hora”.

Lê-se com consternação tudo quanto Idálio Reis escreve sobre as colunas de reabastecimento, aqueles três trajetos Guileje/Gandembel, Aldeia Formosa/Gandembel e Buba/Aldeia Formosa foram palcos de diferentes tragédias, tornaram-se caminhos de pesadelo e carnificina.

A ordem de retirada chegou finalmente, em Fevereiro rumam para Buba, a unidade vai ser ocupada nos trabalhos de vigilância da estrada. E mais tarde são destacados para um quase oásis, Nova Lamego. Balanço: “A bordo do Uíge, navegando de 5 a 10 de dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial (este escriba), chegámos à unidade mobilizadora, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados. Perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa”. Passadas estas décadas, o historial da unidade é apresentado ao público e deste modo: “Com imenso gosto e muito prazer, procurámos corresponder ao que um dia tínhamos prometido. É uma narração sucinta, indubitavelmente singela, mas que procurámos, à medida da nossa humilde pena de escrita, pormenorizar as múltiplas e diversificadas facetas em que a Companhia esteve inserida”.

É um relato que não deixará nenhum veterano de guerra insensível. Se Shakespeare voltasse à terra teria aqui pasto para uma das suas tragédias: a demência do poder, a impotência dos figurantes, a insensibilidade dos decisores, almas em desatino, uma permanente cena única em que os atores estão cercados por todos os lados.

Num relato inesquecível, mais uma riqueza testemunhal para o nosso blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9664: Notas de leitura (345): O Boletim Geral do Ultramar (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9678: Nós da memória (Torcato Mendonça) (17): Partida - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 17
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

13 – Partida

Partimos um dia pela manhã.
Armas aperradas, cuidados redobrados, lá fomos.

Paragem em Bambadinca para despedidas e os entendidos irem tratar de burocracias. Continuação da viagem, o Pontão do Unduma a ficar para trás, paragem em Amedalai para um adeus, uma promessa, a entrega dos galões ao Comandante do Pelotão de Milicias e, depois, foi um saltinho até ao Xime.
Aí esperamos e desesperamos pela nossa boleia. Finalmente chegou a LDG e nós, juntos a muitos outros, embarcamos.
Fomos convidados a acautelar as armas ou mesmo a guardá-las. Pedido não satisfeito.

LDG > Transporte de carga diversa até ao Xime

Partiu a LDG e, pouco depois, um novo pedido convite, se bem me lembro em nome do Comandante da embarcação: os oficiais eram convidados a irem até à ponte ou bar. Já não recordo bem. Éramos só dois e nem foi necessário dizer nada. Pedido não satisfeito. Certamente outros, que por ali andavam e nada diziam, tivessem ido. Não sei.

O que sei é que, ao final da tarde estávamos no cais de Bissau.

Encontrei, no cais, um capitão dos meus tempos de Évora. Comandava uma Companhia recém-chegada e ia a caminho do Sul.
Para ele era a segunda comissão. Despedimo-nos, sem grande palavreado, mas com um forte abraço a tudo dizer.

Parte da instalação da 2339 em Bissau ou efeitos do clima em fim de festa

Aquele cais e zona ribeirinha deixou-me muitas recordações. Boas e menos boas.

Dias depois, quando o Uíge chegou com mais militares e a preparar-se para nos levar, quase todas as noites passava pelo cais para o ver.
Curiosamente encontrava, quase sempre militares conhecidos a fazerem o mesmo percurso e, certamente a pensarem no mesmo.

O Uíge retempera forças para regressar à Pátria com os últimos militares do império

Eu continuava com as dúvidas: vou ou não? Volto ou não?
Ficou o capitão na Comissão Liquidatária e não mais voltei.

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Vd. último poste da série de 26 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9663: Nós da memória (Torcato Mendonça) (16): Cultura e desporto em Mansambo Resort - Fotos falantes IVTorcato

Guiné 63/74 - P9677: Parabéns a você (398): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil do CAOP 1; Benjamim Durães, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS/BART 2917 e Rosa Serra, ex-Alf Mil Enf.ª Pára-quedista do BCP 12


2. Mensagem do camarada Mário Fitas a António Graça de Abreu:

Caro António, 
Com a foto de bons momentos na Tabanca Grande e o soneto do poeta Joaquim Pessoa, envio um grande abraço de parabéns. 
Desejo-te um dia bem passado junto de todos os que te são queridos. 
Com a saudade do nosso Cumbijã, o fraternal abraço. 
Mário Fitas


Também eu tenho um hobby: é viver 
minuto após minuto a minha vida, 
se possível do lado em que souber 
que vale mais a pena ser vivida. 

Já deixei de sonhar com andorinhas 
e com o deus à venda nos prospectos. 
Recuso-me a entrar em capelinhas 
pois faço à transparência os meus projectos. 

Sei bem que os incapazes me detestam 
e nem os preguiçosos aguentam 
comigo a funcionar a todo o gás. 

Contudo, cada um vale o que vale. 
Porquê ambicionar ser imortal 
se nunca saberei se fui capaz? 

 Joaquim Pessoa 
Com a devida vénia


3. Mensagem de Mário Fitas para a nossa Enfermeira Paraquedista Rosa Serra:

Estimada Rosa, 
Com estas fotos do há 45 anos em Cufar e de 2010 em Montereal, encontro desta Grande Tabanca, envio os meus parabéns por este dia, que ele se repita por bons anos com muita saúde, junto de todos os que lhe são queridos. 

Fraterno abraço, 
Mário Fitas



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9670: Parabéns a você (397): Carlos Vinhal (64) e Eduardo Magalhães (60), dois dos nossos queridos co-editores

quinta-feira, 29 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Aspeto geral do aquartelamento (foto de cima) e vista de um doa abrigos (foto de baixo).


Foto: © Idálio Reis  (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69):


Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte II) (*)


por Idálio Reis
 

(...) [O Hino de Gandembel] caiu em graça, ao ajudar a libertar sentimentos de desesperança e inquietação, e o pessoal, indistintamente, parecia denotar um incontido júbilo no trauteio deste canto, onde os sons e o silêncio se sincronizavam em gesto de deslumbrante generosidade, do louvor à vida.


Quando surge o hino de Gandembel, continuavam a manifestar-se,  nesse acantonamento, situações particularmente amargas, e quando o descomedimento amainava, parecia ter o condão de apaziguamento, quando alguém exclamava de forma sentida “Oh Gandembel das morteiradas!”. O seu contributo para o estímulo da Companhia foi valiosíssimo, na aquietação das animosidades, na pacificidade das tensões 

Fundamentalmente, o hino teve a graça de contextualizar a gesta dos que tiveram a desdita de viverem coactivamente naquele soturno lugar, com inúmeros e alongados estremecimentos de inquietação.

Permita-se-nos uma leitura deste anódino poema, para referir alguns aspectos.

Hino de Gandembel [Ouvir aqui a interpretação do António Almeida]

Ó Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.


- Meu Alferes, uma saída! -
Tudo começa a correr.
- Não é pr’aqui, é prá Ponte! (i),
Logo se ouve dizer.


Refrão


Ó Gandembel,
És alvo das canhoadas,
Verilaites (ii) e morteiradas.
Ó Gandembel,
Refúgio de vampiros,
Onde se liga o rádio
Ao som de estrondos e tiros.


A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê (iii)
É preciso protecção.


Gandembel, encantador,
És um campo de nudismo,
Onde o fogo de artifício
É feito p’lo terrorismo.


Refrão (...)


Temos por v’zinhos o Balana (i),
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três (iv) te protege.


Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!


Refrão (...)


 [Notas: (i) Ponte Balana; (ii) Verylights; (iii) WC;  (iv) G-3; revisão e fixação de texto: L.G.]


Eis o que uma letra de um poema de um profundo sentimento popular, que atendendo aos incríveis circunstancialismos em que foi escrito e musicado, num arrepiador ambiente de uma guerra, que cruentamente avassalava, ferindo e matando, se viria a transformar tão-só num hino à vida, porquanto:

(i) Uma das facetas mais horrendas ao longo da sobrevivência daquele poiso, foram as míseras condições com que nos defrontávamos no dia-a-dia. Pernoitámos em abrigos, onde os corpos se deitavam sobre uma simples tela de borracha, que se estendia sobre o chão de terra nos abrigos-toupeira («imitamos a toupeira») e posteriormente no piso de cimento das casernas-abrigo. Em ambos, os troncos das centenas de árvores abatidas, vieram a desempenhar um contributo muito especial na nossa segurança («dos abrigos de madeira»). Mas estes abrigos, único meio para possibilitar tomar algum descanso, quantas vezes viria a ser suspenso pelas («morteiradas, canhoadas, tiros»), impedindo alívio, apaziguamento e serenidade.

(ii) Das peripécias de guerra mais agressivas, foi a audição dos milhares dos ecos das saídas dos morteiros, em que os de calibre 82 se mostravam demolidores: («Gandembel das morteiradas»), que quase quotidianamente flagelavam aquele poiso; os momentos de ansiedade e expectativa, enquanto a granada silvava os ares na sua trajectória indefinida, eram aterradores: («Meu alferes, uma saída/Tudo começa a correr»). Havia um estrépito quando deflagrava, e tudo se poderia esvair naquele contacto com o solo: onde? longe? ao lado? («Não é p´ra aqui, é p´ra Ponte/Logo se ouve dizer»).

(iii) Um outro negro aspecto, que envolve um doloroso e prolongado tempo, foi a do espectro da fome, pois a variedade das refeições quase não se alterava, em que os frescos praticamente não existiram: («A comida principal/É arroz, massa e feijão»). E quantos períodos sem uma qualquer bebida, que não fosse a água do Balana: («Bebida, diz que nem pó, /Acontece o mesmo ao vinho»).

(iv) A relevância dada à intimidade das valorosas e fidelíssimas companheiras que não largávamos, as nossas G3, que descansavam a nosso lado enquanto dormitávamos, e que em geral tinham um nome de estimação. Sempre limpas e asseadas, mostraram-se sempre ágeis em momentos cruciais: («E ao som das canhoadas/Só a G-3 te protege»).

Sim, Gandembel foi um local onde o perigo pairava a cada momento, e o seu tempo mais agradável conhecia-se por bonança. E, por vezes, ao entardecer, saía de uma caserna-abrigo, um coro à capela, à busca de um contentamento de tranquilidade, e também de rogo para que a noite decorresse sem queixumes

Mas quantas vezes, no pedido não satisfeito, as noites estremunhavam e o cansaço ou desalento agudizavam-se. E mal despontava o alvor da madrugada, ouvia-se um forte brado, de revolta, não mais que um grito de coração, de chamamento para todos
- “TIREEEEEM-NOS DAQUI!”.

A este eco lancinante, de tantas vezes repercutido, incutimos-lhe uma secreta aspiração, ainda que reconhecêssemos ser muito difícil de sobrepujar. De todo não chegou ao seu destino, tudo indiciando que os seus ais se vieram a sumir no marulhar de um macaréu de lua, acabando por se esvanecer na salsugem do Geba. E aí, enquistada talvez nalguma concha perlífera, se quedou de mansinho durante mais alguns meses, de modo a que alguém a remoçasse em melopeia cândida e dolente. Afortunadamente, encontrá-la-íamos quando regressávamos a Bissau, a caminho de um outro futuro mais promissor.

Procurámos perceber as causas desse estancamento repentino, e agora nos lembramos que, naqueles tempos de antanho, havia imensas dificuldades para transpor as fronteiras do império. A autocracia totalitária tudo abafava, inclusive o exaspero ou o desalento.

Nos tempos de agora, o hino de Gandembel, cativantemente, nos vem seduzindo e incontidamente nos emudece, já que ele teve o condão de aglutinar miríades de recordações marcadas por aquele frenesim delirante que aquela tremenda Guiné tantas vezes nos avassalou.

Deleitantemente, houve enlevos que parecem ter-se mantido para sempre, até à chegada 
do dia-noite final, em que definitivo, nos havemos de separar. (...)


[Continua]


(**) Fonte:  REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 198-201.
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Nota do editor:


(*) Vd poste anterior da série > 28 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9672: Cancioneiro de Gandembel (1): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte I) (Idálio Reis) 

Guiné 63/74 - P9675: Agenda Cultural (190): Confidencial / Desclassificado, exposição do artista plástico Manuel Botelho, a inaugurar no dia 4 de Abril de 2012, às 18h30, no Espaço Fundação PLMJ, Rua Rodrigues Sampaio, 29 em Lisboa

C O N V I T E

1. No passado dia 27 de Março recebemos uma mensagem do artista plástico Manuel Botelho* dando notícia da inauguração da sua próxima exposição "Confidencial / Desclassificado" que estará patente ao público a partir do próximo dia 4 de Abril no Espaço Fundação PLMJ, Rua Rodrigues Sampaio, 29 em Lisboa, até ao dia 7 de Julho de 2012.



Nota de Manuel Botelho:

A minha exposição vai integrar obras das várias séries do meu projeto mais recente: Confidencial/Desclassificado. O tema é a guerra na África Portuguesa. Irei expor fotografias da série Inventário, realizadas em 2006-2007 no Museu Militar de Lisboa, e que retratam armas utilizadas ou apreendidas pelas nossas tropas. Haverá também trabalhos de série Emboscada, onde um velho combatente confronta um duplo de si próprio, num exorcizar de pesadelos pessoais, de receios ou remorsos. Da Ração de Combate e Estado-Maior haverá imagens que falam do tempo sem fim vivido nas unidades de quadrícula, onde vemos surgir mapas de lugares incertos, restos de comida, castelos de cartas. Por último, a série Madrinha de Guerra convoca uma presença feminina; não é certa a origam dessa personagem, que pode ser real ou apenas o fruto da imaginação e desejo de soldado que com ela contracena. 

Um abraço a todos. 
Manuel Botelho
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Notas de CV:

Vd. postes anteriores de Manuel Botelho clicando aqui

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9658: Agenda Cultural (190): A banda portuguesa Melech Mechaya em Lisboa, Cinema São Jorge, sábado, 31 de Março, 21h30... Convidada especial: Mísia...Ganda ronco! (João Graça)

Guiné 63/74 - P9674: Meu pai, meu velho, meu camarada (27): Feliciano Delfim dos Santos (1922-1989), ex-1º cabo, 1º Comp /1º Bat Exp do RI 11, Cabo Verde (Ilhas de Santiago, Santo Antão e Sal, 1941/43) (Augusto S. Santos)


Setúbal > RI 11 > 1940 > Enquanto recruta...
Feliciano Delfim dos Santos
Natural de Lisboa, nasceu a 20 de Abril de 1922; faleceu a 18 de Março de 1989



1. Texto de Augusto Santos Silva para a série "Meu Pai, meu velho,meu camarada" (*):


O meu pai terminou a recruta em Julho de 1940 e frequentou posteriormente a escola de cabos. Foi como 1º Cabo, com a especialidade de Observador Telemetrista, que foi mobilizado para fazer parte do 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 / 1ª Companhia, com destino à então Colónia de Cabo Verde, durante o periodo da 2ª guerra mundial.





Partiu em meados de Junho de 1941 no navio a vapor João Belo, tendo desembarcado na cidade da Praia, Ilha de Santiago,  a 23 do mesmo mês. No entanto o Batalhão viria a ser colocado na Ilha do Sal, a mais inóspita de todas as ilhas do arquipélago, onde já não chovia há 5 anos, não havia árvores, água potável, fruta, e legumes frescos. (**)

Pelos seus relatos que, ainda guardo na memória, esta foi a pior das situações que registou em todas as ilhas por onde passou (Santiago, Sal, Santo Antão e S. Vicente), onde a água supostamente potável para consumo diário era racionada (não chegava a um cantil) e, para banhos, só havia água salgada.




Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Aspecto de como grande parte da população vivia no interior da ilha... [ Em 1940 e depois em 1942 e anos seguintes a seca prolongada foi responsável por uma das maiores catástrofes demográficas da história de Cabo Verde: este é o pano de fundo do romance Hora di Bai, publicado em 1962, pelo escritor português Manuel Ferreira (1917-1994), também ele mobilziado como expedicionário em 1941, para São Vicenre] .



Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Feiticeiro, fotografado com os seus adereços e talismãs...



Cabo Verde > Ilha de Santo Antão > 1943 > Festa de São João

Dos cerca de 1.000 homens que inicialmente compunham o Batalhão, no final só viriam oficialmente a regressar incorporados no mesmo, cerca de 500. Morreram na missão perto de 20 militares (todos eles por doença), e os restantes foram regressando antecipadamente por baixa médica, igualmente acometidos pelas mais diversas doenças (escorbuto, tifo, paludismo, anemia, disenteria, etc.) originadas pela falta de condições para uma vida normal. (**)

Felizmente naquela altura não havia guerrilheiros, minas, emboscadas, etc., ou seja, guerra propriamente dita mas o clima, a alimentação deficiente, e as condições em que viveram aqueles anos naquelas ilhas, encarregavam-se de fazer as suas vítimas e foram suficientes para reduzir o Batalhão a 50% dos seus efectivos. [Veja-se aqui o plano de defesa de Cabo Verde, elaborado por Santos Costa, em 1942]



Cabo Verde > Ilha de Santiago > 1941 >"O meu pai é o primeiro da direita"



Cabo Verde > Ilha do Sal > 1942 > O 1º cabo F. Delfim


Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2012). Todos os direitos reservados


O regresso à Metrópole deu-se no início de Dezembro de 1943, e a passagem à disponibilidade no final do mesmo.

Quiçá, estas foram também algumas das razões para o meu pai ter falecido com 66 anos de idade. A sua passagem por Cabo Verde deixou-lhe marcas profundas física e psiciologicamente, apesar da ausência de guerra efectiva.

Lembro-me ainda de contar que,  na sua passagem por aquelas terras, chegou a viver maritalmente com uma local, de seu nome Maria Helena Almeida, de quem viria a ter um filho chamado Fernando Almeida Santos (hoje teria 70 anos de idade). Ambos faleceram prematuramente por doença, sem que ele o conseguisse evitar. Há relatos de que os anos 40 foram especialmente difíceis em Cabo Verde, havendo ilhas em que as populações foram fortemente atingidas pelas mais diversas epidemias. [Vd. Hora di bai, romance de Manuel Ferreira, capa da edição da Europa-América, coleção Livros de Bolso Europa América]

Referenciou por inúmeras vezes a completa miséria em que as populações daquelas ilhas viviam na altura, e o que os militares faziam (apesar dos parcos recursos) para tentar minimizar o seu sofrimento, nomeadamente das crianças.

Apesar dessas condições desumanas, dizia que na generalidade o povo caboverdeano era alegre e muito virado para a música. Todas as ocasiões eram motivo para uma festa, com as suas improvisadas batucadas, mornas, coladeiras, e funanás, das quais sempre se mostrou muito saudoso. Recordo-me perfeitamente de o ver com lágrimas nos olhos a ouvir Fernando Quejas [1922-2005], aquele que durante muitos anos foi a única referência da música de Cabo Verde em Portugal, com discos gravados. Só muito anos mais tarde se daria o salto para aquilo que conhecemos hoje da real dimensão da musicalidade daquele povo.

Regressado à vida civil, viria a exercer a sua profissão de serralheiro civil, mas as dificuldades em arranjar trabalho condigno e normalmente renumerado mantinham-se, situação que infelizmente estamos de novo a viver.

Lembro-me de contar uma passagem da sua vida, que o marcou profundamente. Estando a trabalhar numa empreitada da qual era responsável o célebre Engº Duarte Pacheco, mais tarde membro do governo, e de alguns trabalhadores se lhe terem dirigido (entre eles o meu pai) a solicitar um pequeno aumento de salário, de este lhes ter respondido não ter conhecimento que o pão e as azeitonas tivessem tido qualquer aumento nos preços. Isto demonstra bem como era viver naquela altura.

Mais tarde viria a concorrer para os quadros do pessoal civil da Marinha de Guerra, onde exerceu a profissão de Maquinista em diversas embarcações (rebocadores e vedetas de transporte de pessoal),  inicialmente no antigo Arsenal de Marinha em Lisboa e posteriormente na Base Naval do Alfeite. Foi com a categoria equivalente a Sargento Ajudante que viria a ser reformado aos 56 anos de idade.

Ainda durante a sua passagem pela Marinha, teve a infelicidade e preocupação (como tantos pais e mães neste país) no início dos anos 70 de ver partir os seus 2 filhos para a Guerra do Ultramar, mais propriamente para a Guiné.

Contou-me por diversas vezes que, ao saber da minha mobilização (o meu irmão já lá estava há quase 1 ano), ainda tentou solicitar que esta fosse para uma outra frente sem um verdadeiro teatro de guerra (por exemplo Cabo Verde ou S. Tomé), pelo que se dirigiu ao então Tenente de Marinha Alpoim Calvão, na altura na Escola de Fuzileiros no Alfeite, de quem era mais ou menos próximo por alguns serviços prestados, para saber se haveria alguma hipótese de, de uma forma oficial, fazer tal solicitação. A resposta desse senhor foi de que o meu pai se deveria orgulhar por conseguir ter os 2 filhos, em simultâneo, na guerra a defender o país, e que por tal facto ele era um privilegiado. Enfim…

Apesar de algo debilitado fisicamente, pois tinha uma atrofia num joelho devido a diversas operações, e estava cego de uma vista por acidente em serviço, ainda ajudou a criar 4 netos que também o recordam com muita saudade, pelas suas manifestações de amor e carinho sempre presentes.

Foi um bom pai e avô para a sua época, era um homem paciente e bom,  apesar das agruras da vida e, no dia em que partiu, deixou um vazio na vida de todos nós, por tudo aquilo que ainda ficou por viver.

Esta é a minha homenagem ao meu pai, meu velho, meu camarada!


Augusto Silva dos Santos [, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73]
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Notas do editor:

(*)Último poste da série > 25 de amrço de 2012 > Guiné 63/74 - P9657: Meu pai, meu velho, meu camarada (26): Porfírio Dias (1919-1988), ex-sold aux enf, Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (de 18 de julho de 1941 a 7 de maio de 1944) (Luís Dias)


(...) Comentário do Augusto Silva Santos (em 19 do corrente):

"Camarada e Amigo Luís Graça, nem calculas como as tuas sábias palavras sobre o teu pai também a mim me tocam. Faz hoje precisamente 23 anos que o meu saudoso pai foi a enterrar. Se fosse vivo, teria perto de 90 anos (faria essa bonita idade no próximo mês de Abril). Tal como o teu, também ele esteve na década de 40 em Cabo Verde, mobilizado pelo R.I.11 (Setúbal) com 18 anos de idade. Lembro-me com saudade de também ele falar na música daquele arquipélago e, de algumas vezes, o ver com lágrimas nos olhos quando ouvia uma morna. Que coincidência ... Muito obrigado por me teres feito recordar bons momentos. Um grande abraço. Augusto Silva Santos" (...)

(...) Resposta de L.G. (em 20 do corrente):

"Querido camarada: Obrigado pelas tuas palavras amigas... Tenho pena que o teu pai já tenha partido precocemente... Compete-nos a nós lembrar essa geração, de gente anónima, que durante a II Guerra Mundial também soube dar o melhor da sua juventude no esforço de defesa do país e dos seus territórios de além-mar...

"Tens fotos de Cabo Verde, do álbum do teu pai ? Não as queres partilhar connosco para esta série Meu pai, meu velho, meu camarada' ? Já descobrimos que o meu, bem como o pai do Nelson Herbert (jornalista, guineense, a da Voz da América) e do Hélder Sousa (que vive em Setúbal) estiveram em Cabo Verde como expedicionários... Fala-nos do teu pai, nosso camarada... Quando e onde esteve, etc. Um abração. Luis" (...).

(...) Resposta imediata do Augusto Santos (a 20):

"Olá,  Luís, Bom Dia!

"Obrigado pelo teu desafio. Estou já a preparar algo sobre o tema para te enviar. Estou só a ultimar as minhas pesquisas e a confirmar alguns dados. Também já tenho algumas fotos.
Um Abraço, Augusto Silva Santos". (...)

(**) Veja-se aqui um excerto do depoimento da filha de António Gavina, outro expedicionário do RI 11, na Ilha do Sal. Fonte: "Viver em Cabo Verde à espera da invasão". Diário de Notícias. 14 de Abril de 2005. (Reproduzido com a devida vénia):

(....)"Eles eram missionários, homens com uma missão de paz e não de guerra. O seu objectivo era defender Cabo Verde de uma possível invasão alemã durante a II Guerra Mundial." A história de um desses soldados, António Gavina, do corpo expedicionário do Regimento de Infantaria 11, de Setúbal, é contada pela sua filha, Vanda Gavina.

"O meu pai devia ter vinte e poucos anos quando foi para a ilha do Sal. Acabou por ficar lá durante quase quatro anos", recorda. Os pormenores da passagem do pai pelo arquipélago de Cabo Verde já começam a ser esquecidos, mas uma coisa ficará para sempre na sua memória "Eles não passavam fome, mas viviam em muitas dificuldades, com muitas restrições."

Os anos da II Guerra Mundial foram anos de seca nas ilhas do Atlântico. A comida não abundava e os soldados alimentavam-se com aquilo que podiam. As recordações desse tempo deixaram marcas em António Gavina. "O meu pai nunca mais comeu percebes na vida. Tudo porque em Cabo Verde viu um dos habitantes locais morrer quando os tentava apanhar", referiu Vanda Gavina.

Outro dos problemas que o regimento teve de enfrentar foram as doenças. "Lembro-me de o meu pai contar que houve muitos colegas que morreram devido a alguns surtos de doenças que afectaram os homens da companhia."


Em 1939, pouco antes do início da II Guerra, Portugal autorizou o Governo de Benito Mussolini a construir um aeroporto na ilha do Sal, para servir de ligação com os países da América do Sul. Com o início do conflito, o projecto italiano, com casas prefabricadas, foi abandonado. Enquanto aguardavam a invasão alemã, que não chegou, os soldados portugueses ajudavam à criação de melhores condições de vida. "Eles ajudaram a construir habitações, não só para eles mas também para os cabo-verdianos", lembra Vanda Gavina. (...)