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Terra de Ninguém / No Man’s Land
Salomé Lamas | 72' / Portugal / 2012
COMPETIÇÃO PORTUGUESA - LONGAS
ESTREIA MUNDIAL PRIMEIRA OBRA
Sinopse: Paulo oferece retratos sublimados das crueldades e paradoxos do poder, assim como das revoluções que o depuseram, apenas para erguer novas burocracias, novas crueldades e paradoxos. O seu trabalho como mercenário encontra-se na franja destes dois mundos.
24 OUT. 21:30 - Culturgest - Gr. Auditório / 26 OUT. 16:00 - São Jorge - Sala 3
Fonte: Página do Facebook da realizadora, Salomé Lamas
Comentários:
(i) Jorge Mourinho:
Terra de Ninguém é o título do filme de Salomé Lamas (Culturgest, amanhã, 21h30, e São Jorge, sexta, 16h) que se instala de corpo inteiro na questão da identidade. Identidade de tema - Paulo de Figueiredo, ex-comando tornado mercenário conta a sua história frente à câmara - mas também de formato - Terra de Ninguém inscreve-se na forma tradicional do documentário, mas, pela natureza da história do Portugal pós-revolucionário que Paulo conta, levanta questões sobre a natureza da realidade e sobre o próprio documentário enquanto seu registo. Salomé Lamas tem trabalhado na fronteira entre a arte e o cinema, e ao explorar de modo assumido esse limbo, Terra de Ninguém é tão fascinante conceptualmente como absorvente narrativamente. E mais não dizemos. (Excerto de Jorge Mourinho, Ypsilon, Público, 23/10/2012)
(2) Luís Graça:
Filme que me surpreendeu, da jovem e talentosa realizadora Salomé Lamas... Sério candidato ao prémio das longas metragens - competição portuguesa...Paulo Figueiredo, 66 anos, conta a sua história de vida, em quatro dias, em 80 curtíssimas cenas, numeradas de 1 a 80, respondendo a perguntas de um guião que nunca se ouvem, apenas as respostas, secas, curtas, telegráficas, assertivas, onde a ausência de emoção é a nota dominante e obsessiva... Se bem apanhei toda a história, Paulo Figueiredo, estatura meã, seco de carnes, já meio calvo, nasce em Malanje, Angola, em 1945 ou 1946. Guarda as melhores recordações da infância despreocupada e feliz, do convívio entre brancos e negros em Malanje..."Angola poderia ter sido um grande Portugal"... Diz-se "engenheiro", profissão que nunca terá exercido...
Neto do homem que fundou o Casino Estoril (Fausto de Figueiredo, 1880-1950), filho de mãe alemã judia, de olhos azuis, 1,90 m de altura, que terá emigrado para Angola, na II Guerra Mundial (presumo). Paulo terá 15 anos em 1961, quando "rebenta o terrorismo" no norte de Angola. As imagens de cabeças cortadas e corpos empalados, de mulheres e crianças, parecem persegui-lo... Faz o serviço militar em Angola, oferece-se para os comandos, é alferes numa Companhia de Comandos (14ª ? 19ª ?., não consegui fixar), e numa outra (4021ª ?) (, há aqui uma referência a Jaime Neves, que não percebi)... Em princípio, terá sido comando entre 1967 e 1974, a acreditar na sua história... Era conhecido como o "alferes granadas". E às granadas chamava "sanzalas"...
Há relatos, sempre secos, da sua atuação como militar em Angola, alguns pouco ou não verosímeis, estereotipados... Depois vem o 25 de abril (a notícia só lhe chega "dois meses depois", o que é muito pouco provável...), a guerra civil, a independência, a retirada dos portugueses, a vinda para Portugal... Sente-se inadaptado em Portugal. Precisa do "cheiro a sangue e a pólvora", confessa. Dá-lhe "adrenalina" (sic) ir às urgências do Hospital de São José... É segurança na Fidelis, empresa ligada a um grupo de antigos comandos (, trabalhou por exemplo no Pão de Açucar, nos Olivais). É guarda costas (?) de Kaúlza de Arriaga, de Sá Carneiro, defende herdades no Alentejo... Até que surge, através da CIA, um convite para atuar como "mercenário" para combater a guerrilha na América Latina (Nicarágua, El Salvador), depois de ter explorado a hipótese (não concretizada) de "trabalho" na Rodésia...
De "mercenário" passaria por fim a "killer" (sic) ao serviço de um dos GAL - Grupos Antiterroristas de Libertação, espanhóis, que entre 1983 e 1987 praticaram o chamado "terrorismo de Estado". A sua missão era eliminar "etarras", por 10 milhões de pesetas por cabeça (sic)... Faz sempre questão de distinguir o seu trabalho como "mercenário" (mas "militar", sempre) e como "killer" (sic)... Faz questão de sublinhar a existência de um código de ética que o levava, por exemplo, a abortar uma ação quando havia vidas de "inocentes" (crianças, mulheres) em jogo... Na sua contabilidade da morte, como "killer" fala de 15 alvos abatidos, eliminados, liquidados... Nada lhe pesa na consciência... É frio, cerebral, racionalizador... "O terror combate-se com o terror"...
Acaba por ser preso em França e condenado em Espanha a 30 anos de prisão... Passou por diversas cadeias espanholas de alta segurança, tendo sido libertado ao fim de 15 anos... Criminoso, amoral, psicopata, mitómano, justiceiro ?...A realizadora descobre-lhe o rasto em Portugal, e está interessada apenas em "ouvir" e "documentar" a "verdade" do Paulo... Nunca faz nenhum "juízo moral" sobre o seu entrevistado e o seu comportamento passado. De resto, as suas "confidências" têm coerência e parecem ser consistentes... Nos quatro dias em que tem um "palco" e uma "audiência", ele conta a sua história de vida. E que vida!... Agarra o espectador, consegue inclusive ser empático e sedutor, tem algum sentido de humor (negro) que nos leva a esboçar um sorriso amarelo... Não se percebe bem se chegou a constituir família, se tem filhos e netos... Mas, numa das raras confidências em que "fraqueja", ele diz que a coisa que mais desejaria, antes de morrer, era poder sentar-se no sofá a ver televisão, rodeado dos filhos e dos netos...
As últimas cenas do filme mostram-nos a sua condição de "sem abrigo", vivendo algures em Lisboa, debaixo de um viaduto, com dois negros...A realizadora, que acabou o filme muito recentemente, prometera-lhe que ele seria o primeiro espectador do seu filme... Perdeu-lhe definitivamente o rasto. Há um dedicatória, no fim, a este homem que terá morrido recentemente, sem papéis, sem identidade, sem documentos, na "terra de ninguém". e que é parte da nossa história, da história da geração dos homens que fizeram a guerra colonial e o 25 de abril... Perturbante, perturbador, a não perder... (Luís Graça)
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Nota do editor:
Último poste da série > 23 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10557: Agenda cultural (224): Lançamento do livro póstumo “Golden Gate - Um quase diário de guerra”, de José Niza (1938-2011), ex-alf mil médico em Angola (BCAÇ 2877, 1969/71) (Carlos Pinheiro)
Filme que me surpreendeu, da jovem e talentosa realizadora Salomé Lamas... Sério candidato ao prémio das longas metragens - competição portuguesa...Paulo Figueiredo, 66 anos, conta a sua história de vida, em quatro dias, em 80 curtíssimas cenas, numeradas de 1 a 80, respondendo a perguntas de um guião que nunca se ouvem, apenas as respostas, secas, curtas, telegráficas, assertivas, onde a ausência de emoção é a nota dominante e obsessiva... Se bem apanhei toda a história, Paulo Figueiredo, estatura meã, seco de carnes, já meio calvo, nasce em Malanje, Angola, em 1945 ou 1946. Guarda as melhores recordações da infância despreocupada e feliz, do convívio entre brancos e negros em Malanje..."Angola poderia ter sido um grande Portugal"... Diz-se "engenheiro", profissão que nunca terá exercido...
Neto do homem que fundou o Casino Estoril (Fausto de Figueiredo, 1880-1950), filho de mãe alemã judia, de olhos azuis, 1,90 m de altura, que terá emigrado para Angola, na II Guerra Mundial (presumo). Paulo terá 15 anos em 1961, quando "rebenta o terrorismo" no norte de Angola. As imagens de cabeças cortadas e corpos empalados, de mulheres e crianças, parecem persegui-lo... Faz o serviço militar em Angola, oferece-se para os comandos, é alferes numa Companhia de Comandos (14ª ? 19ª ?., não consegui fixar), e numa outra (4021ª ?) (, há aqui uma referência a Jaime Neves, que não percebi)... Em princípio, terá sido comando entre 1967 e 1974, a acreditar na sua história... Era conhecido como o "alferes granadas". E às granadas chamava "sanzalas"...
Há relatos, sempre secos, da sua atuação como militar em Angola, alguns pouco ou não verosímeis, estereotipados... Depois vem o 25 de abril (a notícia só lhe chega "dois meses depois", o que é muito pouco provável...), a guerra civil, a independência, a retirada dos portugueses, a vinda para Portugal... Sente-se inadaptado em Portugal. Precisa do "cheiro a sangue e a pólvora", confessa. Dá-lhe "adrenalina" (sic) ir às urgências do Hospital de São José... É segurança na Fidelis, empresa ligada a um grupo de antigos comandos (, trabalhou por exemplo no Pão de Açucar, nos Olivais). É guarda costas (?) de Kaúlza de Arriaga, de Sá Carneiro, defende herdades no Alentejo... Até que surge, através da CIA, um convite para atuar como "mercenário" para combater a guerrilha na América Latina (Nicarágua, El Salvador), depois de ter explorado a hipótese (não concretizada) de "trabalho" na Rodésia...
De "mercenário" passaria por fim a "killer" (sic) ao serviço de um dos GAL - Grupos Antiterroristas de Libertação, espanhóis, que entre 1983 e 1987 praticaram o chamado "terrorismo de Estado". A sua missão era eliminar "etarras", por 10 milhões de pesetas por cabeça (sic)... Faz sempre questão de distinguir o seu trabalho como "mercenário" (mas "militar", sempre) e como "killer" (sic)... Faz questão de sublinhar a existência de um código de ética que o levava, por exemplo, a abortar uma ação quando havia vidas de "inocentes" (crianças, mulheres) em jogo... Na sua contabilidade da morte, como "killer" fala de 15 alvos abatidos, eliminados, liquidados... Nada lhe pesa na consciência... É frio, cerebral, racionalizador... "O terror combate-se com o terror"...
Acaba por ser preso em França e condenado em Espanha a 30 anos de prisão... Passou por diversas cadeias espanholas de alta segurança, tendo sido libertado ao fim de 15 anos... Criminoso, amoral, psicopata, mitómano, justiceiro ?...A realizadora descobre-lhe o rasto em Portugal, e está interessada apenas em "ouvir" e "documentar" a "verdade" do Paulo... Nunca faz nenhum "juízo moral" sobre o seu entrevistado e o seu comportamento passado. De resto, as suas "confidências" têm coerência e parecem ser consistentes... Nos quatro dias em que tem um "palco" e uma "audiência", ele conta a sua história de vida. E que vida!... Agarra o espectador, consegue inclusive ser empático e sedutor, tem algum sentido de humor (negro) que nos leva a esboçar um sorriso amarelo... Não se percebe bem se chegou a constituir família, se tem filhos e netos... Mas, numa das raras confidências em que "fraqueja", ele diz que a coisa que mais desejaria, antes de morrer, era poder sentar-se no sofá a ver televisão, rodeado dos filhos e dos netos...
As últimas cenas do filme mostram-nos a sua condição de "sem abrigo", vivendo algures em Lisboa, debaixo de um viaduto, com dois negros...A realizadora, que acabou o filme muito recentemente, prometera-lhe que ele seria o primeiro espectador do seu filme... Perdeu-lhe definitivamente o rasto. Há um dedicatória, no fim, a este homem que terá morrido recentemente, sem papéis, sem identidade, sem documentos, na "terra de ninguém". e que é parte da nossa história, da história da geração dos homens que fizeram a guerra colonial e o 25 de abril... Perturbante, perturbador, a não perder... (Luís Graça)
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Nota do editor:
Último poste da série > 23 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10557: Agenda cultural (224): Lançamento do livro póstumo “Golden Gate - Um quase diário de guerra”, de José Niza (1938-2011), ex-alf mil médico em Angola (BCAÇ 2877, 1969/71) (Carlos Pinheiro)