Página da congressista norte-americana Judy Chou em que se faz campanha por uma política de tolerância zero às praxes militares... Um seu sobrinho, Harry Lew, de 21 anos, militar da Marinha recém chegado ao Afeganistão, suicidou-se em Abril de 2011, depois de submetido a praxes violentas...
1. Grosso modo, a praxe pode ser definida como a prática de rituais e outras atividades de iniciação, ou ritos de passagem, envolvendo, quase sempre, formas diversas de violência, física ou psicológica, tais como intimidação, assédio, humilhação, tortura....
O objetivo é iniciar e integrar um indivíduo num grupo particular. É comum a diferentes grupos etários e sociais: escolas, colégios, universidade, grupos de combate, navios, forças armadas, locais de trabalho, gangues, equipas desportivas, irmandades, sociedades secretas....
Termos equivalentes noutros sítios e línguas de praxe ou iniciação: hazing (inglês), novatada [de novato, recém chegado] (espanhol), baptême [batismo] ou bizutage (francês), trote (português do Brasil)... A recepção aos caloiros, recrutas, mancebos, novatos, aprendizes, irmãos, novos membros, recém chegados (por ex., na guerra colonial na África portugesa, os periquitos, na Guiné, os maçaricos, em Angola, os checas, em Moçambique, etc.), é feita pelos mais velhos (veteranos, velhinhos, seniores...). As sessões de de inicição e receção dos mais novos tendem a envolver algum tipo de violência (por ex., humilhações sexuais, sevícias, etc.).
Nalguns casos (internatos,escolas militares, forças armadas...) acabam por se confundir com "bullying", "mobbing", ou sejam, com comportamentos reiterados, continuados no tempo, de discriminação, perseguição e intimação dos membros mais fracos dos novatos... São práticas proibidas pela lei e pelos regulamentos, mas no fundo toleradas pela cultura institucional (académica, militar, etc.).
Por detrás de todas as praxes, há subjacente o princípio - comum a muitas culturas humanas, das sociedades mais simples às complexas - de que é "pela dor que te tornas homem... e bravo guerreiro"... Veja-se, por exemplo, o ritual de iniciação dos maués, grupo indígena da Amazónia brasileira... Há alguma parecença com as nossas praxes militares (nomeadamente na fase de instrução) ?...
O "hazing" militar nos EUA continua a dar que falar... Encontrei no Google mais de mil referências "military hazing stories"...(LG)
2. Com a devida vénia, reproduz-se aqui excertos de uma reportagem do portal noticioso brasileiro Estadão.com.br [Observações nossas, entre parênteses retos. Todos os links são nossos. Mantém-se a ortografgia original].
Domingo, 25 de novembro de 2007 > Amazônia > Grandes reportagens > Iniciação dolorosa > Os adolescentes sofrem em rituais violentos
Domingo, 25 de novembro de 2007 > Amazônia > Grandes reportagens > Iniciação dolorosa > Os adolescentes sofrem em rituais violentos
SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM) - Os líderes indígenas não têm
dúvida sobre a razão de estranhos e seguidos suicídios de adolescentes tucanos
em São Gabriel da Cachoeira, onde, só em 2006, dez jovens se mataram em pouco
mais de três meses. Para eles, é o choque cultural – e não cabem mais
explicações. A socióloga Marilene Corrêa, reitora da Universidade Estadual do
Amazonas (UEA), tem uma versão bem diversa e polêmica: sempre houve suicídios
de jovens entre os tucanos e outras etnias que submetem seus meninos e meninas
a rituais de iniciação brutais.
Como é o caso dos sateré-maués [, ou simplemente maués], que vivem perto de Parintins
e têm um ritual de iniciação que para os brancos é torturante, mas para eles
funciona como o milagre que transforma meninos em homens fortes de corpo e
espírito, bons guerreiros, caçadores e pescadores.
Na época, meninos que têm entre 9 e 14 anos são convocados
para a prova: devem enfiar a mão numa espécie de luva tramada em palha, que
cumpre o papel simbólico da vagina e tem centenas de watyamas (formigas tucandeiras) [, ver aqui imagens do Google,] habilmente encravadas nos espaços da trama de palha, de forma que
os ferrões delas fiquem voltados para dentro.
Tão logo a mão é enfiada, as formigas – irritadas pela
imobilização entre as tramas da palha – começam a ferroar. Não é de bom alvitre
que os meninos gritem muito e não se espera que chorem. Alguns minutos depois,
eles são convidados a trocar de mão. Esse ritual assustador começa nos fins de
tarde e se prolonga até o meio da madrugada. É repetido em dias subseqüentes,
de forma que cada menino deve enfiar a mão na luva de formigas pelo menos 20
vezes, até ser aprovado pelos pajés [curandeiros]
Neste ano, na aldeia Mocongotuba, no Rio Andirá, o ritual
juntou 32 meninos. Enquanto os jovens enfiam as mãos na luva de formigas, os
adultos entoam o mypynukuri (que quer dizer tatu-açu), um cântico para
homenagear a dor que eles sentem, e tomam çapó (guaraná em bastão ralado na
água). Na progressão do ritual, os meninos precisam ser auxiliados em tudo,
porque as mãos ficam inchadas e inabilitadas para fazer qualquer coisa, até
para comer. Enquanto sofrem, não podem ser consolados pelos pais; terão de
suportar sozinhos a dor extrema de milhares de picadas com o veneno potente da
watyama.
Ao participarem do ritual, embora tentem mostrar coragem,
produzem esgares faciais que sugerem tensão e pavor. Muitos desistem no meio do
caminho. E estarão automaticamente convocados a repetir o ritual no ano
seguinte, sob pena de ficarem desmoralizados na aldeia. “Nunca aconteceu de um
não terminar a prova”, gaba-se Jecinaldo Sateré, o coordenador da Coordenação
das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coiab), que participou do ritual
quando era menino e agora vai incentivar o filho a fazer o mesmo – como sua
mulher é ticuna, as duas filhas vão participar do ritual de iniciação ticuna.
Conta Marilene que antigamente o ritual era muito mais
doloroso: os meninos eram obrigados a introduzir o pênis no formigueiro. O
órgão ficava inchado como uma bexiga de ar, diz ela. As missões católicas
proibiram esse formato e os sateré-maués inventaram a luva.
A ciência empírica dos tucanos, um dos povos indígenas mais
populosos da Amazônia, lhes permite perceber a aproximação da primeira
menstruação das meninas, época em que elas são submetidas a um impressionante
ritual de iniciação. Durante dias, têm o cabelo arrancado em tufos. Depois, são
induzidas a beber um chá que as esteriliza por um período de dois meses; são,
por fim, entregues a uma franca e irrefreada iniciação sexual com os meninos da
aldeia. Depois desse “treinamento”, a menina poderá escolher um marido – e, a
partir daí, só terá olhos para ele.
Marilene lembra Lévy-Strauss [, Claude Lévi-Strauss, famoso antropógio francês, 1908-2009], para explicar outro mito do
meio indígena – por que eles bebem tanto. Segundo ela, na maioria das nações há
um hábito imemorial de tomar drogas alucinógenas e servi-las aos jovens,
principalmente durante os rituais de iniciação. “Das drogas para o álcool é um
pulo”, afirma a socióloga. A médica e antropóloga Luíza Garnello, da
Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Fiocruz, discorda: “Não há
correlação entre o uso de substâncias psicoativas e o hábito de beber, até
porque aquelas substâncias sempre foram de uso restrito dos xamãs (pajés).”
Luíza prefere acreditar que os suicídios podem ser causados
pela mudança violenta de hábitos trazida pela invasão dos brancos. (...)
________________
Nota do editor:
Último poste da série > 16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P11101: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4): Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)
________________
Nota do editor:
Último poste da série > 16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P11101: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (4): Fui praxado, em Bissum Naga, e não vi nada de mal nisso... (Manuel Maia, o nosso bardo do Cantanhez)