quarta-feira, 15 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P56: Notícias da CCAÇ 12 (Xime, 1973/74)

1. Pergunta o Luís Carvalhido (CCS/BART 3873, Bambadinca, 1972/74):

9 de Junho de 2005:

" (...) uma vez que temos aqui gente da CCAÇ 12, será que alguém se lembra do Furriel Alfredo Guerreiro e do Furriel Domingos? O baixinho e o lavrador respectivamente? Um Vianense e outro (como se chama um natural de Leiria?) Leiriense?

Um dia conto um episódio que passei com o Domingos, quando descemos o Geba de zebro, numa operação de busca, que passou pelo Mato Cão, até que fomos apanhados pelo macaréu. [Este episódio já foi evocado pelo Sousa de Castro, em 22 de Abril de 2005].

2. Responde o Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71):

14 de Junho de 2005:

Luís Carvalhido: No tempo em que estive na CCAÇ 12, até Março de 1971, não existia lá nenhum furriel miliciano com esses nomes, Alfredo Guerreiro ou Domingos. Havia da zona de Leiria, mais propriamente dos Pousos, um Fur Mil Arlindo Teixeira Roda, que agora vive em Setúbal, onde é, ou foi, professor numa das escolas secundárias. É o que posso ajudar, em relação a esse tempo.

3. Nova pergunta do Luís Carvalhido:

15 de Junho de 2005:

Caro Humberto Reis: Estiveste lá no tempo daquele capitão que andava sempre com um pingalim e a quem, creio, chamavam de Salta-me a Tampa? Penso que se chamava Bordalo e esteve a liderar o processo pós-25 de Abril no BC 9 em Viana do Castelo.

Quanto ao Furriel Guerreiro, era um homem muito baixinho de quem os africanos (lembras-te do Suleimane Baldé, aquele fula magrinho, todo gingão ?) diziam que em combate nunca se aninhava porque as balas passavam por cima.

Quanto ao Domingos, apenas me lembro que comandou uma operação de má memória (fomos apanhados pelo Macaréu) e na qual eu participei. Lembra-me que lhe passei o rádio para ele falar com o major de operações, que estava muito preocupado em saber se tínhamos metido o motor do zebro dentro de bordo e que nem sequer perguntou se tínhamos alguma baixa. A resposta do Domingos (se calhar ele já nem se lembra dela, eu nunca mais a esqueci) não a vou publicitar porque faria corar o mais desavergonhado de todos nós.

4. Resposta do Humberto Reis:

Luís Carvalhido, Bom Dia!

O capitão da CCAÇ 12, no meu tempo, Maio de 69 a Março 71, era o Carlos Alberto Machado de Brito, que em Janeiro de 71 foi promovido a major.

Esses dois furriéis, Guerreiro e Domingos, já não são do meu tempo.

Os únicos capitães que conheci antes e depois do 25 de Abril foram o Delgado da Fonseca que era o comandante da companhia de instrução de Rangers no CIOE de Lamego, em Outubro de 68 e, mais tarde, o Vasco Lourenço, nas Caldas, enquanto dei lá uma recruta ao CSM, de Janeiro a Março de 69, e que não acabei pois fui mobilizado pelo RI 2 e apresentei-me em Santa Margarida. Em 24 de Maio marchei para Lisboa onde embarquei num Cruzeiro de Luxo a bordo do Niassa para uma férias em regime de TI + (quer dizer Tudo Incluído + Porrada) num destino paradisíaco conhecido como Guiné.

Enfim, Recordar É Viver!

Um abraço.
Humberto Reis

segunda-feira, 13 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P55: Notícias do Cacheu (1)

1. Tertúlia de ex-combatentes da Guiné, que até agora só inclui malta de 1967 a 1974... Mas a guerra começou bem antes: Janeiro de 1963, oficialmente. De qualquer modo, actualizem, por favor, a vossa base de dados:


Afonso M.F. Sousa (Maceda, Ovar)

- Ex-furriel miliciano, de transmissões, da CART 2412 (Agosto de 1968 / Maio de 1970);
- Esteve em Bigene, Binta, Guidage e Barro.

Um pelotão da CCAÇ 3 (onde também esteve, em 1968, o nosso camarada A. Marques Lopes) reforçou a CART 2412, quando esta se instalou em Guidage. Esse pelotão era comandado pelo Alferes Gonçalves.

Esta CART 2412 integrava-se no COP3 (comando do Major Correia de Campos, em Bigene).

O COP 3 constituia uma quadrícula militar de vários agrupamentos a norte do rio Cacheu, entre Barro, a Oeste, e Guidage (Farim), a Nordeste. Comportava unidades do Exército e da Marinha, estas estabelecidas na base fluvial de Ganturé (Fuzileiros navais, sob o comando de Alpoim Calvão), junto ao Rio Cacheu, cujo ancoradouro dá saída para Bigene (2,8 Km, para Norte).

O COP 3 tinha por missão fundamental a eliminação ou amputação dos corredores entre a faixa fronteiriça do Senegal e as densas (e quase impenetráveis) matas do Óio, em cujo coração se situava a base do PAIGC, de Morés.

Afonso M. F. Sousa

2. Correspondência entre o Afonso M.F. Soua e o A. Marques Lopes:

8 de Junho de 2005:

Caríssimo Coronel A Marques Lopes: Foi por uma lista na Net que localizei o Alferes Gonçalves. Como se referia à CCAÇ 3, contactei-o telefonicamente, para lhe perguntar se conhecia Guidage.

Surpreendentemente a resposta dele foi esta: acompanhei a vossa companhia (CART 2412) no trajecto Binta-Guidage, quando vocês se deslocaram para lá pela primeira vez. Comandava um pelotão da CCAÇ3 que ficou em Guidage como reforço da vossa CART.

Eu (talvez pelos 37 anos que decorreram ?!) não estou a ver a cara dele, mas o facto é que ele e eu estivemos na mesma coluna, rumo a Guidage (1968). Ainda fomos surpreendidos a pouco mais do meio do trajecto, no sítio do Cufeu, por tiros sentidos na floresta de uma e da outra banda do caminho.

Ele sabe da história da perda do nosso comandante (o Capitão Miliciano António Dias Lopes), logo nos primeiros dias, naquela terra de fronteira com o Senegal. Logo no início aterrou lá de surpresa o Spínola. Depois da rápida formatura na exígua parada, saíram-lhe estas palavras dirigidas ao capitão: "O senhor é indigno de estar à frente destes militares...o senhor prepare-se e vai já comigo para Bissau"

Viria a ser castigado com despromoção (tenente) e eventualmente com outras consequências que não conheci. Isto resultou do envio, por um soldado, de um aerograma para o General Spínola, queixando-se que estavam a passar fome, visto que o capitão se esquecera de solicitar o reabastecimento. O que valia eram as minúsculas galinhas que comprávamos na tabanca.

Por acaso ainda me lembro que, após o destroçar, de forma menos formal o General Spínola me perguntou:
- Meu militar, precisa alguma coisa para transmissões ?
Ao que eu lhe respondi:
- Precisamos de substituir a antena, meu General.
Passados uns dias essa antena lá apareceu.

2. Resposta do A. Marques Lopes, na mesmam data:

Amigo Afonso Sousa: Já deve ser a não sei quantas vezes que digo isto, mas vou voltar a repetir: é mesmo muito pequenino este nosso mundo (e há-de ser mais pequeno cada vez que um de nós morrer).

Através do contacto que me deste, falei com o Alferes Gonçalves e conheci-lhe logo a voz: é mesmo esse que esteve comigo em Barro. Contou-me que o General Spinola, em certa altura, decidiu que os metropolitanos deveriam estar dois anos na CCAÇ 3, como nas outras companhias. Foi o que sucedeu com ele, que tinha vindo da metrópole directamente para lá.

Diz que vem frequentemente ao Porto e combinámos já um encontro. Falou-me de outros que eu também lá conheci e que tinham feito um encontro no dia 28 de Maio passado!!... Cheguei à conclusão que tenho de ver os programas de chacha da televisão: é que deram notícia num deles, em rodapé, da realização desse encontro.

Falou-me [também] do furriel Folha, que eu bem conheci, e que mora em Matosinhos, afinal perto de mim. Vou-me encontrar com ele na segunda-feira próxima. E o Folha disse-me que há vários soldados da CCAÇ 3 que estão em Portugal! Fantástico!!! Obrigado, grande amigo, por me encontrares esta ponta que já tinha perdido!

Quanto a Barro, é como dizes: há todos esses edifícios, mas uns destruídos e outros abandonados. Só de um deles saíu um indivíduo vestido à ocidental e que se juntou a mim e ao meu acompanhante, quando lá estive em 1998. Era um funcionário governamental. Deu-me ideia que esse foi aproveitado, creio que era o da secretaria, os outros não só não tinham sido aproveitados como a população de Barro continuava nas suas moranças, deles afastada.

Infelizmente, caro amigo, constatei com pesar que a população de Barro vivia muito pior do que quando lá estava a CCAÇ 3. Retrocesso, portanto. Se calhar, fizeram manga de ronco quando o Ansumane Mané se rebelou... E agora? Estarão diferentes? Continuo a pensar que não, infelizmente.

Quanto ao Cacuto , a conversa era simples:
- Cacuto, com qual vais dormir esta noite?... Então e as outras, como é que é?...

Tu e os outros camaradas acabem com o coronel. Óscar Kilo? Não faz sentido.
Um abraço. A. Marques Lopes

4. Nova mensagem do Afonso Sousa, a quem agradeço por nos trazer mais um amigo e camarada para a nossa tertúlia, o ex- Alferes Miliciano Gonçalves, da CCAÇ 3 (telefone nº 259 326 426, telemóvel > 914 200 318):

9 de Junho de 2005:

Caro amigo António M. Lopes: O Alferes Gonçalves não tem ligação por e-mail, mas ficou de me ligar para nos fornecer o endereço de e-mail de um sobrinho, que nos servirá transitoriamente.

Podemos servir-nos da sua frescura de memória para recolhermos alguns relatos e testemunhos da sua permanência naquelas paragens difíceis de Guidage (tabanca isolada, no risco de fronteira com o Senegal).

Guiné 63/74 - P54: Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro (Marques Lopes)

Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), hoje coronel (DFA) na situação de reforma:

O Cacuto Seidi era o chefe da tabanca de Barro em 1968. Era um espectáculo vê-lo andar de bicicleta só com uma perna... houve um dia em que foi mordido por uma cobra de palmeira e tiveram que lhe cortar a perna.

Muitas vezes fui até à sua porta para falar com ele. Por duas razões: a primeira é que suspeitávamos que ele estava feito com o PAIGC e eu tentava colher alguma informação de interesse, mas ele tinha esperto no cabeça e nunca se descoseu, até porque sabia que eu suspeitava dele; a segunda é que era quem tinha influência sobre as bajudas, além de que tinha cinco mulheres, e essas conversas foram sempre muito úteis... e proveitosas.

Em 1998 fui a Barro. Assim que me viu abriu a boca e disse admirado:
-Alfero Lopes!- Ao fim de 30 anos lembrou-se logo de mim, apesar de estarmos os dois mais velhos, de tal modo que quem me acompanhava ficou com a boca aberta de espanto. É que foi, de facto, muito tempo de convívio e de conversa.

Perguntei-lhe pelo Braima, um caçador da tabanca de Barro, muito conhecedor de toda aquela zona e que foi o meu guia em 1968, porque conhecia todos os trilhos e buracos quer na mata quer no tarrafe das margens do Cacheu. O Cacuto ficou atrapalhado e respondeu:
- O Braima mataram.
- Ah! - disse-lhe eu - mas tu continuas a ser o chefe da tabanca! Então, eu tinha razão... -. Acabou por se rir, é claro.

Barro não é nada do que era. A pista da Dornier não existe, está de tal modo cheia de mato alto que ninguém diria que alguma vez houve ali uma pista. As instalações da companhia estão completamente destruídas e também cobertas de mato. A única lembrança de alguma actividade militar era uma granada de morteiro detonada, do PAIGC com certeza. Foi tanta a miséria que vi que deixei ao Cacuto 20 CFA (moeda actual da Guiné-Bissau) para ele distribuir pelas famílias da tabanca.

A. Marques Lopes

quinta-feira, 9 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P53: Notícias da CART 2339 ('Os Viriatos', Fá e Mansambo, 1968/69)

1. Telefonou-me o António dos Santos Almeida, natural de Lisboa e residente na região do Ribatejo (Samora Correia, se não me engano), a dizer que se sentia muito feliz por encontrar malta do tempo dele, da Guiné.

Esteve na Zona Leste, no Sector L1, em Fá Mandinga e depois em Mansambo, de Janeiro de 1968 a Dezembro de 1969 (Pediu-me para corrigir esta informação que vem na página referente a Mansambo, o que vou fazer em breve).

A sua companhia, de artilharia, a CART 2339, era também conhecida como "Os Viriatos". Hoje ele é advogado, trabalhou no sector dos seguros, está na situação de pré-reforma e gostaria de encontrar companheiros de viagem para voltar à Guiné. Deu-me o seu número de telemóvel (962601138) e o seu endereço de e-mail: asarute1@sapo.pt.

Recordou-me que um dos seus camaradas (ele disse-me o nome, mas não consegui fixar) foi apanhado, à unha, pelo PAIGC na famosa e perigosa fonte que abastecia de água o aquartelamento de Mansambo.

O pessoal da CART 2339 não se tem encontrado. Ou pelo menos o Almeida não tem tido notícias dessa malta. Prometi-lhe incluí-lo na nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné, de modo em ficar em rede e em contacto connosco...

2. O Almeida era, na altura, soldado de artilharia. Tinha habilitações literárias superiores à 4ª classe mas chumbou no curso de milicianos (sargentos ou oficiais, não sei ao certo).

Recorda-se de também haver em Bambadinca um médico que estava na mesma situação, como soldado raso, e com quem ele convivia, quando lá ia à sede de batalhão (BCAÇ 2852).

Lembra-se de ir beber, de vez em quando, um copo, acompanhado da boa mancarra, na esplanada do bar de um dos dois comerciantes brancos que havia em Bambadinca, com vista para o rio. Esse mesmo que era suspeito, no nosso tempo, de estar feito com os turras. Eu e malta da CCAÇ 12 íamos lá sempre que o homem arranjava uns camarões tigres, do Rio Geba, pescados em zona de risco... Fazia-nos pagá-los a preço de ouro (50 pesos o quilo, se a memória me não falha; o equivalente ao que te pedia uma "bajuda de mama firme" para "partir catota" contigo...).

Além disso, o Almeida deu aulas à população de Fá Mandinga. Recorde-se da estação agronómica onde trabalhou o Amílcar Cabral. O seu capitão, o da CART 2339, porém, nunca lhe facilitou muito a vida - a ele, Almeida -, mesmo sabendo que ele podia ser melhor aproveitado, graças às suas habilitações literárias.

Esse capitão era o tal, pequenino de estatura, que eu dia vi dar um enxerto de porrada a um gajo de transmissões, no regresso ao quartel, depois de uma operação na região... O Almeida disse-me o nome. Não o vou aqui mencionar, por razões óbvias. Não estamos aqui para julgar ninguém, e muitos os comportamentos no tempo de guerra.

Mas o ex-capitão da CART 2339, será bem vindo à nossa tertúlia, se um dia destes nos descobrir e tiver vontade de nos rever e partir mantenha. Se não me engano, ele era miliciano, como nós. Ou não ?

Aqui fica, no essencial, a conversa que tivemos ao telefone, eu e o Almeida. Ele decobriu-nos através do Castro (não sei se do Sousa, se do Manuel, ambos são Castro de apelido, trabalham nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e pertencem ao nosso grupo, à nossa tertúlia).