1. Texto do Jorge Santos(ex-Fuzileiro Naval em Moçambique, em 1969/71, estudioso da guerra colonial e autor da excelente página Guerra Colonial Portuguesa):
Esta relação [de jornais militares da Guiné] já tinha enviado para o Sousa de Castro.
Para mim, tem bastante interesse, pois já na altura havia pessoal que arriscava na escrita, e mesmo lá [no teatro de operações da GUiné] sempre liguei aos Jornais de Caserna.
Alguns podem ser consultados no Arquivo Geral do Exército. E pode ser que apareça alguém com alguma informação de um jornal que não conste na lista.
Ao fim e ao cabo é algo que também faz parte das nossas vidas e das nossas memórias. Depois envio capa de jornais com indicação das unidades.
2. Comentário de L.G.: Participei, durante a minha instrução de especialidade de Apontador de Armas Pesadas, em Tavira, na elaboração de um jornal de caserna, em 1968. Havia uma pequena equipa redactorial. O comandante da unidade zelava pela orientação editorial do jornal. Recordo-me de um belo dia ele obrigar-nos a mandar para o lixo uma edição dedicada à II Guerra Mundial e ao nazifascismo. O argumento do censor-mor era de peso:
- Para guerra, já basta a nossa, a do Ultramar!
Das três capas (ou folhas de rosto) de jornais de caserna enviadas pelo Jorge Santos (Manga de Ronco, Os Progressistas, Zoé) seleccionei Os Progressistas, por uma razão particular, histórica e até afectiva: (i) era um quinzenário de "divulgação, cultura e recreio" da Companhia de Cavalaria 3420, que esteve em Bula, no ano de 1971; (ii) o director era o respectivo comandante, o capitão de cavalaria Fernando J. Salgueiro Maia, o Salgueiro Maia (1944-1992) de quem Carlos Loures escreveu, no sítio Vidas Lusófonas, o seguinte:
"Salgueiro Maia, soldado português que à frente de 240 homens e com dez carros de combate da EPC avançou em 25 de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de tenente-coronel, recusou cargos de poder. É o mais puro símbolo da coragem e da generosidade dos capitães de Abril".
© Jorge Santos (2005)
Salgueiro Maia foi, além disso, meu colega, no ano lectivo de 1975/76, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS), embora eu pouco ou quase nada privasse com ele, porque eramos de cursos diferentes (eu, de ciências sociais; ele, de antroplogia), com o estatuto de trabalhadores-estudantes. Íamos às aulas à noite e a algumas Reuniões Gerais de Alunos (RGA), numa altura em que o ISCSP passava por um período de vida muito conturbado (saneamento de praticamente todos os docentes com assento no Conselho Científico...), o que levou no final do ano lectivo de 1975/76 (ou nas férias...) ao seu encerramento, por ordem do então Ministro da Educação Sottomayor Cardia e ao consequente início de um duro processo de luta estudantil contra a tutela e o regresso das múmias (como, depreciativamente, eram então chamados os professores, alvo de saneamentos selvagens, de natureza claramente político-ideológica).
3. Não me lembro na Guiné, no meu tempo de comissão (1969/71), de ter visto (e muito menos participado na elaboração de) jornais de caserna. A CCAÇ 12 não tinha caserna, éramos uma unidade de intervenção, composta por soldados africanos e quadros metropolitanos, vivendo em casa emprestada (os nossos soldados africanos, desarranchados, dormiam na tabanca de Bambadinca e não dentro do perímetro do aquartelamento)... Diferente era a situação das unidades de quadrícula (por exemplo, no Xime, Mansambo, Xitole). O jornal de caserna podia ser uma forma interessante de manter alto o moral das tropas e fazer a ligação com a Metrópole.
De qualquer modo, esta faceta do Salgueiro Maia, como director de um jornal de caserna chamado Os Progressistas( CCAV 3420, Bula, 1971), é capaz de ser um aspecto menos conhecido do seu currículo. Fico com curiosidade em saber, um dia, o que se dizia e não dizia nesse quinzenário, muito provavelmente em formato A4 e feito a stencil...
4. Já em tempos eu tinha comunicado com o Jorge Santos, felicitando-o pelo cancioneiro do Niassa, inserido na página dele (só por isso, pelo trabalho de recolha e de divulgação das canções proibidas da guerra colonial em Moçambique, ele merecia uma estátua!) e pedir-lhe autorização para reproduzir alguns dos versos dessas cantigas de caserna no meu blogue... (Vd. meu post, de 11 de Maio de 2004: Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa)
Voltei, entretanto, a dar-lhe os parabéns pela sua página (que é uma referência e um sítio obrigatório, para todos nós) e já pus o seu nome na nossa tertúlia... Mesmo sendo moçambicano, ele será bem acolhido por todos nós, guinéus.
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 7 de julho de 2005
domingo, 3 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P95: Blogpoesia: No muito somos irmãos, no pouco... outra bandeira!
Eis a mensagem que recebi, há dias, de um dos camaradas da nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné. Pediu-me para não ser identificado, no caso de decidir publicá-la no blogue.
Usa o pseudónimo literário de Marame. Assim seja:
"Salve para Todos, Cruzados do Leste! Cá o passeador do RACAL envia este improviso poético ou palavras em castelo. O texto simboliza uma conversa na companhia de uma bazuca que eu gostaria de ter bebido com todos vós, à sombra de uma laranjeira. Igual àquela que existia no meu Condomínio Fechado.
Um Alfa Bravo para Todos e Boas Férias".
Sentido
Largados na latitude do inferno,
Levando a Alma no bornal
Cujo corpo pede o Materno
Porque ainda não era Portugal.
Os pés cheiram o Chão
Mas a Mina é mostrengo,
Vive no solo, sente a Exaustão
Do guerreiro que ainda é Tenro.
Que leu Camões, dançou a chula
E só em Cristo tinha a luz,
Aconchega o Mandinga ou o Fula
Porque o respeito o Bem produz.
Seja no Mamadu, na bajuda ou no Zé
E assim no regresso o navio deixou Esteira
Para não se perder o elo para a Terra vermelha da Guiné
Porque no muito somos Irmãos – no pouco outra bandeira!
Marame (2005)
Usa o pseudónimo literário de Marame. Assim seja:
"Salve para Todos, Cruzados do Leste! Cá o passeador do RACAL envia este improviso poético ou palavras em castelo. O texto simboliza uma conversa na companhia de uma bazuca que eu gostaria de ter bebido com todos vós, à sombra de uma laranjeira. Igual àquela que existia no meu Condomínio Fechado.
Um Alfa Bravo para Todos e Boas Férias".
Sentido
Largados na latitude do inferno,
Levando a Alma no bornal
Cujo corpo pede o Materno
Porque ainda não era Portugal.
Os pés cheiram o Chão
Mas a Mina é mostrengo,
Vive no solo, sente a Exaustão
Do guerreiro que ainda é Tenro.
Que leu Camões, dançou a chula
E só em Cristo tinha a luz,
Aconchega o Mandinga ou o Fula
Porque o respeito o Bem produz.
Seja no Mamadu, na bajuda ou no Zé
E assim no regresso o navio deixou Esteira
Para não se perder o elo para a Terra vermelha da Guiné
Porque no muito somos Irmãos – no pouco outra bandeira!
Marame (2005)
sábado, 2 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P94: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1) (Afonso Sousa)
1. O Afonso Sousa [exz-furriel miliciano de transmissões da CART 2412, Bigene, Binta, Guidage, Barro, 1968/70) vem trazer para nossa tertúlia o tema dos "nossos rádios na Guiné". Teve, além disso, a gentileza de nos mandar imagens desses equipamentos de cuja existência e importância só dávamos conta em momentos de grande aflição: (i) quando, no mato, debaixo de fogo do IN, chamávamos pela mãezinha e pelo apoio da Força Aérea; ou (ii) quando tínhamos um camarada gravemente ferido, e era preciso uma evacuação Y para o hospital militar de Bissau...
Diz o Afonso Sousa: "Quanto do nosso isolamento foi atenuado e protegido com estes aparelhos de resistência singular, em terreno e flora tão adversos" ! (28 de Junho de 2005).
O Rádio AN_PRC 10 © Afonso Sousa (2005)
Além disso, "quem não se lembra daqueles livrinhos (secretos) de descodificação criptográfica (chaves periódicas de decifração de mensagens - criptografia de substituição de palavras) ? Com que expectativa e alguma sofreguidão, iniciávamos, por vezes, eu e o cabo cripto, a decifração de certas mensagens !
"... E saber que, hoje, tudo é tão simples com a criptografia computacional !... Coisa dos tempos !...
2.O Marques Lopes também se lembra bem "do AN-PRC 10, que o radiotelegrafista do meu grupo de combate levava às costas. Mas usávamos também em Geba um pequeno rádio para comunicação entre as secções do grupo de combate a que chamávamos SHARP. Era uma espécie de walkie-talkie. Conhecem ?"
3. O Humberto Reis diz que se lembra bem desse rádio: "Usei-o enquanto estive em Lamego pois cabia no bolso do dolman camuflado. Na Guiné não me lembro de o ter visto. Julgo que na minha CCAÇ 12 nunca houve desses luxos. Enfim, não se podia ter tudo".
4. O Sousa de Castro (29 de Junho de 2005), esse, também fala de cátedra, acerca das nossas transmissões e dos seus operadores:
"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial).
"Convém dizer que o [Luís] Carvalhido da APVG [Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra] não ficava atrás, antes pelo contrário, era um bom adversário.
"Aproveito para dizer que aquilo a que chamam de Banana é o AVP-1 que era usado no meu tempo nas operações para comunicação entre pelotões e nomeadamente com o Quartel, mas o rádio com mais alcance que os OP (operadores] de TRMS [transmissões] de Infantaria levavam às costas era o conhecido RACAL (TR-28)... Conheceram este? Vou procurar nos meus papéis e digitalizar este rádio para mandar para a tertúlia".
Nota de L.G. - As imagens enviadas pelo Afonso Sousa estão, para já, na página de Barro / Cacheu.
Diz o Afonso Sousa: "Quanto do nosso isolamento foi atenuado e protegido com estes aparelhos de resistência singular, em terreno e flora tão adversos" ! (28 de Junho de 2005).
O Rádio AN_PRC 10 © Afonso Sousa (2005)
Além disso, "quem não se lembra daqueles livrinhos (secretos) de descodificação criptográfica (chaves periódicas de decifração de mensagens - criptografia de substituição de palavras) ? Com que expectativa e alguma sofreguidão, iniciávamos, por vezes, eu e o cabo cripto, a decifração de certas mensagens !
"... E saber que, hoje, tudo é tão simples com a criptografia computacional !... Coisa dos tempos !...
2.O Marques Lopes também se lembra bem "do AN-PRC 10, que o radiotelegrafista do meu grupo de combate levava às costas. Mas usávamos também em Geba um pequeno rádio para comunicação entre as secções do grupo de combate a que chamávamos SHARP. Era uma espécie de walkie-talkie. Conhecem ?"
3. O Humberto Reis diz que se lembra bem desse rádio: "Usei-o enquanto estive em Lamego pois cabia no bolso do dolman camuflado. Na Guiné não me lembro de o ter visto. Julgo que na minha CCAÇ 12 nunca houve desses luxos. Enfim, não se podia ter tudo".
4. O Sousa de Castro (29 de Junho de 2005), esse, também fala de cátedra, acerca das nossas transmissões e dos seus operadores:
"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial).
"Convém dizer que o [Luís] Carvalhido da APVG [Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra] não ficava atrás, antes pelo contrário, era um bom adversário.
"Aproveito para dizer que aquilo a que chamam de Banana é o AVP-1 que era usado no meu tempo nas operações para comunicação entre pelotões e nomeadamente com o Quartel, mas o rádio com mais alcance que os OP (operadores] de TRMS [transmissões] de Infantaria levavam às costas era o conhecido RACAL (TR-28)... Conheceram este? Vou procurar nos meus papéis e digitalizar este rádio para mandar para a tertúlia".
Nota de L.G. - As imagens enviadas pelo Afonso Sousa estão, para já, na página de Barro / Cacheu.
Guiné 63/74 - P93: Barro, trinta anos depois (1968-1998) (Afonso Sousa)
Texto de Afonso M. F. Sousa, ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70), a propósito do post Guiné 69/71 - LIV: Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro (15 de Junho de 2005)
Caro António Marques Lopes:
Recordo-me muito bem dele [o Cacuto Seidi]. As cinco mulheres !... Falávamos nisso. Alternavam a dormir com o Seidi.
Quanto à pequena e rudimentar pista de meios aéreos pequenos, ficava aí a 100m da fachada Norte do edifício do comando e secretaria. Havia um pequeno carreiro descendente, para Leste, que entroncava no caminho Barro-Bigene, próximo da cozinha do aquartelamento. De certeza que conhece.
Neste mesmo edifício ficava também o aquartelamento dos oficiais e o centro cripto.
Uma vez (era meia-noite), eu e o cabo cripto (que estávamos a descodificar umas mensagens) fomos surpreendidos com forte ataque vindo de zona próxima do arame farpado junto à referida pista. Como estávamos em posição frontal e a uns escassos 150/200 metros, a nossa primeira reacção foi atirar-nos para baixo da nossa mesa de trabalho.
Logo ao lado, do abrigo contíguo ao edifício, sentimos a pronta reacção do nosso morteiro, de imediato acompanhada por toda a companhia. Foi quase meia hora de intenso tiroteio, felizmente sem consequências. Apenas a lamentar a perda de uma perna por parte de um nativo, na manhã seguinte, quando se procedia ao reconhecimento da zona imediatamente a Norte da pista. Deixaram minas anti-pessoais e foi uma delas que o vitimou.
Já agora permita perguntar-lhe: e em frente ao edifício de comando/secretaria onde funcionava o depósito de géneros, a área dos mecânicos-auto e o dormitório dos praças, isso já não existia [em 1998, quando lá voltou, trinta anos depois] ?
E aquelas duas altas mangueiras, logo a seguir (para Sul), entre as quais tínhamos instalada a antena horizontal dípolo (elas funcionavam como mastro) ? Ao lado ficava o posto rádio e a enfermaria.
A sua constatação foi a de que aquela terra, tal como quase todas, não sofreu ainda os ventos da libertação, da democracia e do progresso. É assim ?
Um abraço (mais sentido por termos, longe da pátria, calcorreado os mesmos caminhos, algures na Guiné)
Afonso Sousa
Caro António Marques Lopes:
Recordo-me muito bem dele [o Cacuto Seidi]. As cinco mulheres !... Falávamos nisso. Alternavam a dormir com o Seidi.
Quanto à pequena e rudimentar pista de meios aéreos pequenos, ficava aí a 100m da fachada Norte do edifício do comando e secretaria. Havia um pequeno carreiro descendente, para Leste, que entroncava no caminho Barro-Bigene, próximo da cozinha do aquartelamento. De certeza que conhece.
Neste mesmo edifício ficava também o aquartelamento dos oficiais e o centro cripto.
Uma vez (era meia-noite), eu e o cabo cripto (que estávamos a descodificar umas mensagens) fomos surpreendidos com forte ataque vindo de zona próxima do arame farpado junto à referida pista. Como estávamos em posição frontal e a uns escassos 150/200 metros, a nossa primeira reacção foi atirar-nos para baixo da nossa mesa de trabalho.
Logo ao lado, do abrigo contíguo ao edifício, sentimos a pronta reacção do nosso morteiro, de imediato acompanhada por toda a companhia. Foi quase meia hora de intenso tiroteio, felizmente sem consequências. Apenas a lamentar a perda de uma perna por parte de um nativo, na manhã seguinte, quando se procedia ao reconhecimento da zona imediatamente a Norte da pista. Deixaram minas anti-pessoais e foi uma delas que o vitimou.
Já agora permita perguntar-lhe: e em frente ao edifício de comando/secretaria onde funcionava o depósito de géneros, a área dos mecânicos-auto e o dormitório dos praças, isso já não existia [em 1998, quando lá voltou, trinta anos depois] ?
E aquelas duas altas mangueiras, logo a seguir (para Sul), entre as quais tínhamos instalada a antena horizontal dípolo (elas funcionavam como mastro) ? Ao lado ficava o posto rádio e a enfermaria.
A sua constatação foi a de que aquela terra, tal como quase todas, não sofreu ainda os ventos da libertação, da democracia e do progresso. É assim ?
Um abraço (mais sentido por termos, longe da pátria, calcorreado os mesmos caminhos, algures na Guiné)
Afonso Sousa
Subscrever:
Mensagens (Atom)