1. Texto do David J. Guimarães, dirigido ao Carlos Fortunato e restantes camaradas da tertúlia:
Nesta operação não foi libertado ninguém, falharam os objectivos. Aliás isso consta escrito aí, na Net, nas grandes Batalhas da Marinha Portuguesa. Isso foi em fins de 70 ou já em 1971, segundo tenho em memória e quem comandou foi sim o CMDT Alpoim Calvão... Mas essa data consta no documento a que aludi...
Pelo que leio até alguém mais ficou por lá - foi o grupo de assalto ao aeroporto de Conakri.
Também essa operação não era de conquista mas sim para provar a nossa força e confundir os Guineenses: o armamento usado não foi o nosso e inclusive houve grande confusão no momento (...).
2. Resposta do Carlos Fortunato (8 de Julho de 2005):
Guimarães: O documento que referes, pode ser encontrado em Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa. É muito interessante
Confirma-se nele a libertação dos prisioneiros e a intenção da tomada do poder na Giuiné Conacri.
A informação que possuo e a deste documento são, na generalidade, semelhantes.
Apesar do detalhe em alguns promenores, existem pontos por esclarecer sobre o que aconteceu no terreno, nomeadamente em relação ao pelotão que ficou lá.
A história que me foi contada na altura, tem algumas diferenças do texto, mas não posso garantir que a minha seja verdade porque não estive em Conacri. Na minha versão o grupo que desapareceu e depois foi morto, foi o grupo que devia tomar a rádio, que aliás é referido neste documento como não tendo atingido esse objectivo porque se perdeu, e não parte do grupo de assalto ao aeroporto.
Também a afirmação que os Migs não eram uma ameaça, por falta de preparação dos pilotos, não é bem assim, porque dois dias depois da invasão um MIG sobrevoou Bissau e picou sobre o Palácio do Governador, e foi-se embora.
A segunda questão é como é que um tenente deserta e leva consigo 20 homens... As versões eram várias na altura, uns diziam que se tinha perdido, outros que tinha desertado... Depois de capturado ele disse na rádio que pertencia ao exército português e que tinha desertado, mas o que poderia ele dizer, se o Governo Português os tinha abandonado... A sorte dele e dos restantes soldados foi serem enforcados... A outra versão que diz que foi apenas o oficial a desertar e o resto do pelotão não, também não é, pois, correcta...
Eu tive que assinar um documento, sobre a minha saída do exercito português, e se fosse apanhado com o fardamento do exército cubano e de Kalachnikov, provavelemente diria o mesmo, porque era um mercenário...
Existem demasiadas coincidências, nesta operação, como os dirigentes do PAIGC não estarem lá, o Presidente Sekou Touré não estar lá, os Migs não estarem lá ... Será que os serviços de segurança russos ou cubanos sabiam e deixaram-nos ir, porque isso lhe interessava ?
Penso que a totalidade da história ainda está por contar.
Carlos Fortunato
(Ex-furriel miliciano da CCAÇ 13 - Os Leões Negros)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 10 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P99: Estórias do Xitole: Com minas e armadilhas, só te enganas um vez (David Guimarães)
Texto do David J. Guimarães, ex-furriel miliciano da CART 2716 (Xitole, 1970/1972):
O RAP 2 (Gaia) fez parte da minha família
Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.
Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá...
Foi assim que eu senti e vivi a guerra. Lembro-me um dia, quando alguém me disse:
- Guimarães, este batalhão vai para a Guiné (ainda estávamos no RAP 2 em Gaia). E eu exclamei:
- Ainda bem, é a província mais próxima de Portugal para vir de férias...
Não será aqui o sítio certo para falar do RAP 2. Mas na minha vida pessoal foi um marco importante. Foi de lá que foi mobilizado o meu pai, militar de carreira, para ir servir em França… na 1ª Grande Guerra (Ele nasceu em 1893 e eu nasci quando ele tinha 54). É de lá mobilizado o meu irmão que parte, com o BART 525, para Angola e sou eu mobilizado, no BART 2917, para servir na Guiné...
Ironias do destino ou coincidências de graus de parentesco... É que, entre o meu irmão e o meu pai, também é mobilizado para África um primo meu, em 1º grau. Não há dúvida, aquele Regimento entrou na nossa casa, muito antes de eu ter nascido... Se fosse isto um romance serviria para dizer que a minha existência como que começou ali. Mas isto é outra história que, não sendo menos curiosa, não vem agora a propósito...
O soldado Almeida: a nossa primeira baixa
Uma noite, no início da comissão no Xitole, ainda estava eu de serviço, de sargento de dia... O Leones, furriel miliciano, meu camarada, informa-me:
- Guimarães, um teu soldado está mal… - E estava mesmo: quando lá cheguei vi a equipa de enfermagem em volta dele mas já nada havia a fazer... O soldado Almeida tinha morrido no seu posto de sentinela, fulminado por um ataque... de coração!
Foi a nossa primeira baixa. No dia a seguir chega um médico à Companhia e lá vai autopsiar o Almeida... Confirma o óbito: enfarte do miocárdio. Assina: Alferes miliciano médico Horta e Vale. Curioso, este médico (quem o conheceu teve sorte, contava cada história!), hoje é um distinto médico dentista da Clínica da Circunvalação, aqui junto à cidade do Porto.
Bem, nada como pegar no pessoal mais chegado, eu era um deles, pois o Almeida era meu soldado (meu, e aí surge o termo militar de posse, meu). Mas como dizia, aquando da evacuação - e tudo foi rápido, mesmo! - aí fomos nós fazer patrulhamento para as zonas próximas de Seco Braima [vd. mapa do Sector L1, Zona Leste]. Nos céus do Xitole levantava um helicóptero e lá levava o Almeida: tinha adormecido no seu posto… Para sempre.... Deus o guarde!
A vida lá volta à rotina, os patrulhamentos, as acções psico e a ida à Ponte dos Fulas... Ui, aqueles 3 a 4 Km que todos os dias eram picados e onde se ia sempre levar os géneros!... A Ponte dos Fulas, onde fiz o primeiro mês da minha comissão, a Ponte dos Fulas!...
Era o local onde efectivamente o repouso era enorme, mas cansativo. Ali é que não havia ninguém a não ser o pelotão de serviço... Comia-se, bebia-se e mais nada, além da missão de vigilância permanente, que consistia em guardar aquela ponte de origem militar sobre o Rio Pulon...
Era uma vez um granada instantânea com fio de tropeçar
O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas anti-pessoais 966...
Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole [vd. foto da antiga casa do Jamil, no álbum de fotografias do Xitole]... Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.
Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei [vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas ]
E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!
Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…
O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado, o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!! - Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida...
David J. Guimarães
Post scriptum:
1. Não pensem que há algum anacronismo quando eu refiro que o meu pai foi mobilizado, pelo RAP 2, para servir a Pátria, em França, em 1917... O meu pai nasceu em 1893 e eu em 1947, o que quer dizer que nos separam 54 anos... 2º Sargento de Artilharia de Campanha, segue para França integrado no Corpo expedicionário, comandado pelo General Gomes da Costa. Como mera curiosidade, sou eu que tenho a caderneta militar e as condecorações de meu pai: guardo com toda a estima sete medalhas sendo uma delas a da Vitória... Por outro lado, e como sabem, nós estivemos na 1ª Guerra Mundial e não na 2ª.
2. Não sei se sabiam, aqueles que não eram de artilharia, mas uma CART como a 2716 tinha três Furriéis de Minas e Armadilhas e um Alferes. Todos levantámos uma PMD-6 do IN em diversos locais: o Alferes Sampaio, O Furriel Quaresma, O Furriel Ferreira e eu. A PMD-6 é exactamente aquela mina que se encontra já documentada em fotografia. De fabrico russo com espoleta MUV. Esta espoleta tinha uma particularidade curiosa: poderia funcionar por pressão ou tracção...
Amigos, este caso que aqui relato foi, e ainda é, bastante doloroso para mim. Confesso que, ao evocá-lo trinta e tal anos depois, não consegui conter uma lágrima...
As grandes batalhas eram travadas nestas pequenas guerras surdas, que quase não se davam por elas. Muitos diziam que eram acidentes e não contabilizavam estas baixas como mortes em combate. Sempre tive opinião diversa, porque o combate estava exactamente sempre que havia necessidade de manusear uma arma de fogo, preparando-a para a defesa ou ataque...
Centenas, talvez milhares de indivíduos morreram a armadilhar… mas não morreram em combate, segundo as estatísticas. Dá-me vontade de perguntar:
- Terá sido a brincar ? E será que armadilhávamos os terrenos para apanhar gazelas, cabritos e cabras? – Pois, não era para caçar e muito menos para nos matarmo-nos a nós próprios....
Tive um amigo, alferes (antes andava embarcado, a tropa foi lá buscá-lo com 30 anos)... Isso é pouco interessante. O que eu quero referir, em concrteo, é que, já no nosso tempo, na estrada de Mansoa - Mansabá ele levantou uma mina PMD-6 e… morreu a olhar para ela. Rebentou-lhe na mão!!!
- Como é que isso aconteceu ? ... Ele já não está cá, entre nós, para contar o que aconteceu... Chamava-se Couto... Talvez haja alguém que um dia apareça na nossa tertúlia e saiba contar melhor esta estória…
3. O Leones ainda hoje é vivo, está cego e trabalha na Previdência em Lisboa. O Rebelo, furriel sapador do BART 2917, escolhido para degado do Batalhão em Bissau, era quem tomou conta do espólio do Quaresma. Quandp estava doente com paludismo, assaltaram-lhe o espólio de Quaresma. Bem, acontece que eu, como estava de férias, lá fui a Algés (onde morava os pais do Quaresma) tentar negociar...
Sabem o que a mãe me perguntava? Se o filho estava interinho... E eu lá tive que mentir dizendo que sim... Como é que eu podia contar-lhe a verdade, dizendo de chofre que ele ficara sem a cabeça no local onde armadilhava com uma granada instantânea, aquela maldita granada vermelha com espiras de aço !?... É claro que não podia contar essa história a uma mãe. Mais me perguntava ela pelo fio de ouro que ele usava...Eu tive que lhe dizer que possivelmente alguém tinha guardado, não se sabia aonde...
Mais tarde, o pai tentou negociar o espólio, tentando sei lá o quê (ganhar algum junto da tropa no Quartel General, extorquir o desgraçado do Rebelo...). Não conseguiu, mas o Rebelo passou uns maus bocados.
O RAP 2 (Gaia) fez parte da minha família
Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.
Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá...
Foi assim que eu senti e vivi a guerra. Lembro-me um dia, quando alguém me disse:
- Guimarães, este batalhão vai para a Guiné (ainda estávamos no RAP 2 em Gaia). E eu exclamei:
- Ainda bem, é a província mais próxima de Portugal para vir de férias...
Não será aqui o sítio certo para falar do RAP 2. Mas na minha vida pessoal foi um marco importante. Foi de lá que foi mobilizado o meu pai, militar de carreira, para ir servir em França… na 1ª Grande Guerra (Ele nasceu em 1893 e eu nasci quando ele tinha 54). É de lá mobilizado o meu irmão que parte, com o BART 525, para Angola e sou eu mobilizado, no BART 2917, para servir na Guiné...
Ironias do destino ou coincidências de graus de parentesco... É que, entre o meu irmão e o meu pai, também é mobilizado para África um primo meu, em 1º grau. Não há dúvida, aquele Regimento entrou na nossa casa, muito antes de eu ter nascido... Se fosse isto um romance serviria para dizer que a minha existência como que começou ali. Mas isto é outra história que, não sendo menos curiosa, não vem agora a propósito...
O soldado Almeida: a nossa primeira baixa
Uma noite, no início da comissão no Xitole, ainda estava eu de serviço, de sargento de dia... O Leones, furriel miliciano, meu camarada, informa-me:
- Guimarães, um teu soldado está mal… - E estava mesmo: quando lá cheguei vi a equipa de enfermagem em volta dele mas já nada havia a fazer... O soldado Almeida tinha morrido no seu posto de sentinela, fulminado por um ataque... de coração!
Foi a nossa primeira baixa. No dia a seguir chega um médico à Companhia e lá vai autopsiar o Almeida... Confirma o óbito: enfarte do miocárdio. Assina: Alferes miliciano médico Horta e Vale. Curioso, este médico (quem o conheceu teve sorte, contava cada história!), hoje é um distinto médico dentista da Clínica da Circunvalação, aqui junto à cidade do Porto.
Bem, nada como pegar no pessoal mais chegado, eu era um deles, pois o Almeida era meu soldado (meu, e aí surge o termo militar de posse, meu). Mas como dizia, aquando da evacuação - e tudo foi rápido, mesmo! - aí fomos nós fazer patrulhamento para as zonas próximas de Seco Braima [vd. mapa do Sector L1, Zona Leste]. Nos céus do Xitole levantava um helicóptero e lá levava o Almeida: tinha adormecido no seu posto… Para sempre.... Deus o guarde!
A vida lá volta à rotina, os patrulhamentos, as acções psico e a ida à Ponte dos Fulas... Ui, aqueles 3 a 4 Km que todos os dias eram picados e onde se ia sempre levar os géneros!... A Ponte dos Fulas, onde fiz o primeiro mês da minha comissão, a Ponte dos Fulas!...
Era o local onde efectivamente o repouso era enorme, mas cansativo. Ali é que não havia ninguém a não ser o pelotão de serviço... Comia-se, bebia-se e mais nada, além da missão de vigilância permanente, que consistia em guardar aquela ponte de origem militar sobre o Rio Pulon...
Era uma vez um granada instantânea com fio de tropeçar
O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas anti-pessoais 966...
Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole [vd. foto da antiga casa do Jamil, no álbum de fotografias do Xitole]... Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.
Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei [vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXV: Minas e armadilhas ]
E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!
Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…
O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado, o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!! - Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida...
David J. Guimarães
Post scriptum:
1. Não pensem que há algum anacronismo quando eu refiro que o meu pai foi mobilizado, pelo RAP 2, para servir a Pátria, em França, em 1917... O meu pai nasceu em 1893 e eu em 1947, o que quer dizer que nos separam 54 anos... 2º Sargento de Artilharia de Campanha, segue para França integrado no Corpo expedicionário, comandado pelo General Gomes da Costa. Como mera curiosidade, sou eu que tenho a caderneta militar e as condecorações de meu pai: guardo com toda a estima sete medalhas sendo uma delas a da Vitória... Por outro lado, e como sabem, nós estivemos na 1ª Guerra Mundial e não na 2ª.
2. Não sei se sabiam, aqueles que não eram de artilharia, mas uma CART como a 2716 tinha três Furriéis de Minas e Armadilhas e um Alferes. Todos levantámos uma PMD-6 do IN em diversos locais: o Alferes Sampaio, O Furriel Quaresma, O Furriel Ferreira e eu. A PMD-6 é exactamente aquela mina que se encontra já documentada em fotografia. De fabrico russo com espoleta MUV. Esta espoleta tinha uma particularidade curiosa: poderia funcionar por pressão ou tracção...
Amigos, este caso que aqui relato foi, e ainda é, bastante doloroso para mim. Confesso que, ao evocá-lo trinta e tal anos depois, não consegui conter uma lágrima...
As grandes batalhas eram travadas nestas pequenas guerras surdas, que quase não se davam por elas. Muitos diziam que eram acidentes e não contabilizavam estas baixas como mortes em combate. Sempre tive opinião diversa, porque o combate estava exactamente sempre que havia necessidade de manusear uma arma de fogo, preparando-a para a defesa ou ataque...
Centenas, talvez milhares de indivíduos morreram a armadilhar… mas não morreram em combate, segundo as estatísticas. Dá-me vontade de perguntar:
- Terá sido a brincar ? E será que armadilhávamos os terrenos para apanhar gazelas, cabritos e cabras? – Pois, não era para caçar e muito menos para nos matarmo-nos a nós próprios....
Tive um amigo, alferes (antes andava embarcado, a tropa foi lá buscá-lo com 30 anos)... Isso é pouco interessante. O que eu quero referir, em concrteo, é que, já no nosso tempo, na estrada de Mansoa - Mansabá ele levantou uma mina PMD-6 e… morreu a olhar para ela. Rebentou-lhe na mão!!!
- Como é que isso aconteceu ? ... Ele já não está cá, entre nós, para contar o que aconteceu... Chamava-se Couto... Talvez haja alguém que um dia apareça na nossa tertúlia e saiba contar melhor esta estória…
3. O Leones ainda hoje é vivo, está cego e trabalha na Previdência em Lisboa. O Rebelo, furriel sapador do BART 2917, escolhido para degado do Batalhão em Bissau, era quem tomou conta do espólio do Quaresma. Quandp estava doente com paludismo, assaltaram-lhe o espólio de Quaresma. Bem, acontece que eu, como estava de férias, lá fui a Algés (onde morava os pais do Quaresma) tentar negociar...
Sabem o que a mãe me perguntava? Se o filho estava interinho... E eu lá tive que mentir dizendo que sim... Como é que eu podia contar-lhe a verdade, dizendo de chofre que ele ficara sem a cabeça no local onde armadilhava com uma granada instantânea, aquela maldita granada vermelha com espiras de aço !?... É claro que não podia contar essa história a uma mãe. Mais me perguntava ela pelo fio de ouro que ele usava...Eu tive que lhe dizer que possivelmente alguém tinha guardado, não se sabia aonde...
Mais tarde, o pai tentou negociar o espólio, tentando sei lá o quê (ganhar algum junto da tropa no Quartel General, extorquir o desgraçado do Rebelo...). Não conseguiu, mas o Rebelo passou uns maus bocados.
sábado, 9 de julho de 2005
Guiné 63/74 - P98: Um Alfa Bravo para os nossos Op TRMS (2) (Sousa de Castro)
1. Há dias (30 de Junho de 2005) tinha feito um desafio aos nossos homens das transmissões (Op TRMS):
"Castro, Afonso Sousa, Luís Carvalhido: Gostava de saber mais sobre o vosso trabalho que eu hoje valorizo mais do que na época… Nós, operacionais, só dávamos valor aos pessoal de transmissões em três situações: (i) quando o rádio não funcionava e entrava tudo em pânico; (ii) quando era preciso pedir apoio aéreo; (iii) quando havia uma evacuação Y… Quanto ao resto, achávamos que o furriel de transmissões , o gajo da ferrugem, o ladrão do vagomestre e o pastilhas não passavam de uns turistas em férias... Nada mais injusto. Todos eram precisos, todos fazíamos parte de uma equipa…
"Vocês devem ter estórias, mais dramáticas ou mais engraçadas, a respeito do vosso trabalho, da sorte e do azar com as transmissões… Se se lembrarem, escrevam. Um abraço, Luís.
2. Respondeu-me de imediato o Sousa de Castro:
É verdade... Éramos considerados uns gajos que não faziamos nada, não alinhávamos para o mato e que só sabiamos causar interferências na telefonia. Só se lembravam dos TRMS quando iam para operações, aí perguntavam sempre ao Castro:
- Qual é a Bateria que está em melhores condições ? - Neste aspecto confiavam só em mim. Curiosamente a especialidade de radiotelegrafista foi um trabalho que me dava muito gozo.
Quanto a estórias, lembro-me de assistir pela rádio quando Guidage sofreu um violento ataque, creio que foi em Maio 1973. Consegui sintonizar o AN-GRC9 e através do indicativo ficámos a saber onde era o ataque.
Lembro-me de o OP TRMS de Guidage a chorar, pedir apoio aéreo a Bissau e de um momento para outro ficar sem comunicações, supostamente as antenas terão sido destruídas. Mais tarde constou-se que os guerrilheiros do PAIGC levavam as nossas viaturas e nossos homens para o Senegal e por ordens do COM-CHEFE a nossa aviação, para libertar o quartel de Guidage e evitar a deslocalização para o Senegal das nossas viaturas, bombardeou a torto e a direito. Dos vinte e tal mortos que a nossa tropa sofreu não sabemos se muitos deles não teriam sido provocados pelas nossas forças.
Para além disto recordo ter detectado uma mistificação na rede que originou a mudança imediata de todos indicativos na Guiné.
Um Abraço.
Sousa de Castro.
"Castro, Afonso Sousa, Luís Carvalhido: Gostava de saber mais sobre o vosso trabalho que eu hoje valorizo mais do que na época… Nós, operacionais, só dávamos valor aos pessoal de transmissões em três situações: (i) quando o rádio não funcionava e entrava tudo em pânico; (ii) quando era preciso pedir apoio aéreo; (iii) quando havia uma evacuação Y… Quanto ao resto, achávamos que o furriel de transmissões , o gajo da ferrugem, o ladrão do vagomestre e o pastilhas não passavam de uns turistas em férias... Nada mais injusto. Todos eram precisos, todos fazíamos parte de uma equipa…
"Vocês devem ter estórias, mais dramáticas ou mais engraçadas, a respeito do vosso trabalho, da sorte e do azar com as transmissões… Se se lembrarem, escrevam. Um abraço, Luís.
2. Respondeu-me de imediato o Sousa de Castro:
É verdade... Éramos considerados uns gajos que não faziamos nada, não alinhávamos para o mato e que só sabiamos causar interferências na telefonia. Só se lembravam dos TRMS quando iam para operações, aí perguntavam sempre ao Castro:
- Qual é a Bateria que está em melhores condições ? - Neste aspecto confiavam só em mim. Curiosamente a especialidade de radiotelegrafista foi um trabalho que me dava muito gozo.
Quanto a estórias, lembro-me de assistir pela rádio quando Guidage sofreu um violento ataque, creio que foi em Maio 1973. Consegui sintonizar o AN-GRC9 e através do indicativo ficámos a saber onde era o ataque.
Lembro-me de o OP TRMS de Guidage a chorar, pedir apoio aéreo a Bissau e de um momento para outro ficar sem comunicações, supostamente as antenas terão sido destruídas. Mais tarde constou-se que os guerrilheiros do PAIGC levavam as nossas viaturas e nossos homens para o Senegal e por ordens do COM-CHEFE a nossa aviação, para libertar o quartel de Guidage e evitar a deslocalização para o Senegal das nossas viaturas, bombardeou a torto e a direito. Dos vinte e tal mortos que a nossa tropa sofreu não sabemos se muitos deles não teriam sido provocados pelas nossas forças.
Para além disto recordo ter detectado uma mistificação na rede que originou a mudança imediata de todos indicativos na Guiné.
Um Abraço.
Sousa de Castro.
sexta-feira, 8 de julho de 2005
Guiné 6374 - P97: Op Mar Verde (invasão de Conacri) (1) (Afonso Sousa)
1. Pergunta o Afonso Sousa (CART 2412, Bigene, Binta, Guidage, Barro, 1968/70) ao Carlos Fortunato (CCAÇ 13, Bolama, Bissorã, Encheia, Biambi, Binar, 1969/71) (que recentemente nos disse ter participado na Op Mar Verde, mas que não chegou a desembarcar em Conacri porque entretanto a operação fora abortada):
A Op Mar Verde foi abortada? Então não foi com esta operação que se conseguiu a libertação dos prisioneiros portugueses que estavam em Conacri? Até comentámos aquela foto [do álbum de fotografias do Amílcar Cabral, que foi oferecido à Fundação Mário Soares] onde são vistos alguns a jogar futebol e alguém terá lembrado que foram posteriormente libertados na Op Mar Verde.
Aliás, sobre isto, o Marque Lopes esclareceu-nos: "Sobre a fotografia de prisioneiros a jogar à bola em Conacri, é natural que algum seja da CART 1690 [Geba, 1967/69], pois eram os que estavam lá em maior número. No entanto, é difícil distingui-los nessa fotografia. Para saberem o que foi a vida deles em cativeiro leiam o livro Memórias de Um Prisioneiro de Guerra, publicado pela editora Campo das Letras em Outubro de 2003 (...). O seu autor é o ex-alferes miliciano António Júlio Rosa (agora professor de Educação Física), que foi aprisionado pelo PAIGC na zona de Tite, no dia 1 de Fevereiro de 1968. Lá esteve até ao dia da libertação da Op Mar Verde. É um relato simples, sem literatura. Vale a pena ler, sobretudo nós que compreendemos tudo aquilo".
Desculpem a ignorância, mas o Carlos Fortunato poderia deixar algum esclarecimento sobre isto. Afonso Sousa
2. Resposta do Carlos Fortunato:
A Operação Mar Verde foi uma invasão de um país [Guiné-Conacri]com o objectivo de tomar o poder, que não foi levada até ao fim. A primeira fase da invasão não foi bem sucedida, apesar de se terem atingido alguns dos objectivos, como a libertação de prisioneiros.
O que eu referi é que a minha companhia [CCAÇ 13 - Os Leões Negros] fazia parte da segunda onda de assalto, que não chegou a avançar, e que esta história ainda tem muito para contar, e eu não a conheço totalmente, mas gostaria de conhecer, pois penso que foi a missão mais espetacular realizada.
O pouco que sei sobre itso está sucintamente descrito no site da companhia, que foi elaborado por mim, e que fala do assunto, quando se refere à nossa permanência em Bissau.
Se quiserem dar uma vista de olhos, cliquem:
CCAÇ 13 - Os Leões Negros
Carlos Fortunato
3. Se quiserem saber mais sobre a Op Mar Verde, há aqui uma sugestão do Jorge Santos:
Associação Nacional de Cruzeiros (ANC) > Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa > Conakry, 22 de Novembro de 1970
A Op Mar Verde foi abortada? Então não foi com esta operação que se conseguiu a libertação dos prisioneiros portugueses que estavam em Conacri? Até comentámos aquela foto [do álbum de fotografias do Amílcar Cabral, que foi oferecido à Fundação Mário Soares] onde são vistos alguns a jogar futebol e alguém terá lembrado que foram posteriormente libertados na Op Mar Verde.
Aliás, sobre isto, o Marque Lopes esclareceu-nos: "Sobre a fotografia de prisioneiros a jogar à bola em Conacri, é natural que algum seja da CART 1690 [Geba, 1967/69], pois eram os que estavam lá em maior número. No entanto, é difícil distingui-los nessa fotografia. Para saberem o que foi a vida deles em cativeiro leiam o livro Memórias de Um Prisioneiro de Guerra, publicado pela editora Campo das Letras em Outubro de 2003 (...). O seu autor é o ex-alferes miliciano António Júlio Rosa (agora professor de Educação Física), que foi aprisionado pelo PAIGC na zona de Tite, no dia 1 de Fevereiro de 1968. Lá esteve até ao dia da libertação da Op Mar Verde. É um relato simples, sem literatura. Vale a pena ler, sobretudo nós que compreendemos tudo aquilo".
Desculpem a ignorância, mas o Carlos Fortunato poderia deixar algum esclarecimento sobre isto. Afonso Sousa
2. Resposta do Carlos Fortunato:
A Operação Mar Verde foi uma invasão de um país [Guiné-Conacri]com o objectivo de tomar o poder, que não foi levada até ao fim. A primeira fase da invasão não foi bem sucedida, apesar de se terem atingido alguns dos objectivos, como a libertação de prisioneiros.
O que eu referi é que a minha companhia [CCAÇ 13 - Os Leões Negros] fazia parte da segunda onda de assalto, que não chegou a avançar, e que esta história ainda tem muito para contar, e eu não a conheço totalmente, mas gostaria de conhecer, pois penso que foi a missão mais espetacular realizada.
O pouco que sei sobre itso está sucintamente descrito no site da companhia, que foi elaborado por mim, e que fala do assunto, quando se refere à nossa permanência em Bissau.
Se quiserem dar uma vista de olhos, cliquem:
CCAÇ 13 - Os Leões Negros
Carlos Fortunato
3. Se quiserem saber mais sobre a Op Mar Verde, há aqui uma sugestão do Jorge Santos:
Associação Nacional de Cruzeiros (ANC) > Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa > Conakry, 22 de Novembro de 1970
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