domingo, 12 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4177: Tabanca Grande (133): Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

1. Mensagem de Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69, com data de 11 de Abril de 2009:

Boa tarde aos Comandantes da Tabanca Grande: Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgílio Briote, toda a Família e toda a Família da Tabanca com votos de Santa Páscoa.

Hoje, dia 11 de Abril de 2009, 44 anos festejados do meu Matrimónio, envio as minhas fotografias da praxe de apresentação na Tabanca, ficando para breve o envio de algumas histórias da minha vida.

Um Abraço a TODOS


2. No mesmo dia foi enviada esta mensagem ao nosso camarada Manuel Moreira:

Caro Manuel Moreira
Os parabéns da Tertúlia pelos vossos 44 anos de matrimóno.
Para ti um abraço e para a senhora tua esposa um beijinho, com votos de que estejam juntos por muito mais tempo.

Feitas as contas, já eram casados quando tu foste para a Guiné, logo a tua esposa é nossa camarada, pois fez a guerra em casa, contando os dias um a um até ao teu definitivo regresso.
Abençoadas mães e esposas que suportaram tal martírio.

O teu camarada
Carlos Vinhal


3. Recordemos Manuel Moreira aquando da sua apresentação no P3526 (*):

Olá, Luis Graça.

Sou Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mecânico Auto da CART 1746 que esteve em Bissorã de Julho de 1967 a Janeiro de 1968 e Ponta do Inglês, onde fiz a "Canção da Fome", enviada pelo meu grande amigo e conterrâneo Paulo Santiago (somos ambos de Aguada de Cima) e Xime de Janeiro de 1968 a Junho de 1969.

Teria muito gosto em saber o endereço do nosso amigo Sousa de Castro.

Um Grande Abraço.


CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:

Manuel Vieira Moreira
Xime, Ponta do Inglês,
28/01/1968


4. Caro Manuel Moreira, renovo os parabéns da Tertúlia pelos vossos 44 anos de casamento. Fantástico nos tempos que correm.

Publicadas as tuas fotos da praxe, ficas definitivamente apresentado, faltando agora começares a escrever as tuas memórias para as podermos publicar.

Recebe um abraço dos editores e da tertúlia.
CV
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4163: Tabanca Grande (132): Fernando Gouveia, ex-Alf Mil de Rec e Inf (Bafatá, 1968/70)

Guiné 63/74 - P4176: Convívios (109): Convívio do pessoal da CCAÇ 3 em Quarteira e Vilamoura, nos dias 1 e 2 da Maio de 2009 (J. M. Félix Dias)



O nosso camarada José Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM, CCAV 2539/2540/BCAV 2876 e CCAÇ 3, Guiné, 1869/71, em mensagem de 11 de Abril de 2009, pediu para publicitar o Encontro da CCAÇ 3 que se vai realizar nos dias 1 e 2 de Maio de 2009 em Quarteira e Vilamoura.


OBS: - Para ver o programa mais ampliado, clicar nas gravuras.



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4162: Convívios (106): Almoço convívio do pessoal do BCAÇ 3832 em Monte Real, 9 de Maio de 2009 (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P4175: Os Bu...rakos em que vivemos (5): Guileje bem se podia considerar um hotel de 5***** (Manuel Reis)

1. Mensagem de Manuel Reis (*), ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, 1972/74), com data de 5 de Abril de 2009: Os BURAKOS da Guiné Poste 4115 (**) Amigos Editores: Os nossos caros editores vieram espicaçar-me um pouco, o que acaba por ser positivo, pois obriga-nos a sair da letargia e da indiferença em que por vezes caímos, no que respeita a estas histórias da Guiné. Quase todos nós sofremos, directa ou indirectamente, os horrores da guerra e não faz grande sentido estar a seleccionar os locais em que se viveram os momentos mais difíceis pela subjectividade que encerra. De qualquer modo emitirei a minha opinião, mais adiante. Em primeiro lugar quero esclarecer os nossos editores LG/CV/VB, que me vão permitir ironizar um pouco sobre Guileje, para que o tema não se torne repetitivo e maçador. De facto, Guileje bem se podia considerar um hotel de 5 estrelas cujas infraestruturais e serviços passo a citar: - Havia 20 quartos (bunkarizados), amplos, com ar condicionado e com uma suite para as visitas. Em Maio de 1973 estava a ser melhorado com a ajuda do nosso amigo Nino. (O nosso amigo Amaro está desactualizado)! - Era abundante e variado o fogo de artifício, que para gozação da malta, até à exaustão, não havia direito a folga! - Como se estava a aproximar a época das chuvas era garantido a todos, banhos abundantes de água, bem quentinha! - Estavam garantidas umas refeições, bem recheadas, de que destaco, o prato estilhaços na marmita! - Apesar de todo um apoio promocional, bem publicitado, não nos foi possível atingir os nossos objectivos. - Meus caros amigos, digo-vos com sinceridade. Visitas de cortesia a este lugar paradisíaco, no seu auge, com garantia de uma recepção apoteótica, ZERO. Antes de 18 de Maio de 1973, as únicas visitas, com direito a permanência, eram de alguns camaradas, oriundos de outros bandos, onde haviam sido proscritos. Os ditos corrécios! Ah! Recordo a visita a que fora obrigado o médico de Aldeia Formosa, que só dizia ABRIGO e donde não saiu, durante o tempo de permanência. Caros editores, desculpai-me esta ironia. Quando falam em bunkers, valas, bidões, chapas de zinco estão a falar em algo que eu e a CCAV 8350 conhecemos perfeitamente. Basta analisar o nosso trajecto por Gadamael, Cumbijã e Colibuia. Retomando o tema BURAKOS, ele será maior ou menor consoante a sua localização no tempo e no espaço territorial. A nossa capacidade de reacção à estratégia montada pelo inimigo era também determinante. Aquartelamentos que nunca foram atacados, de um momento para outro transformaram-se num inferno. Do que conheci, Gandembel, teria sido, na sua curta existência, um BURAKÃO. Nos patrulhamentos, em que participei, naquela zona, testemunhei uma grande quantidade de viaturas completamente destruídas. A picada estava cheia de crateras, indicativo da estratégia utilizada pelo inimigo. O aquartelamento estava localizado junto à linha de fronteira e em cima do mítico Corredor de Guileje. Como foi possível que tal sucedesse? Um abraço para o amigo Idálio Reis, cuja fotografia no blogue é bem sugestiva de um determinado tempo vivido na Guiné. Deixo aqui a possibilidade de um possível encontro. A minha aldeia, onde frequentemente vou, dista 12Km de Cantanhede. Um Alfa Bravo Manuel Reis Guiné > Região de Tombali >Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73), Piratas de Guileje > O Alf Mil Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf Lourenço, dos Piratas de Guileje, morto em 5 de Abril de 1973, na explosão de uma armadilha. Foto: © Manuel Reis (2009). Direitos reservados Guiné-Bissau > Região de Tombali > Fotos tiradas em Guileje, no meu regresso a Bissau. Visita a Guileje e ao Cantanhez (1, 2 e 3 de Março de 2008), no âmbito do Seminário Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008). Restos arqueológicos da antiga tabanca e aquartelamento de Guileje, local destinado a um futuro museu. (LG) Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 11 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4172: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (14): Desprestígio e ofensa a quem foi obrigado a combater (Manuel Reis) (**) Vd. poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes) Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4168: Os Bu... rakos em que vivemos (4): Acampamentos de apoio à construção da estrada Mansabá/Farim (César Dias)

sábado, 11 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado (1) Faria, oh Faria, apanharam-me

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 10 de Abril de 2009:

Carlos Vinhal

Há já uns tempos que não dava seguimento à Viagem à volta das minhas memórias.

Um abraço para ti, extensivo a toda a Tabanca e uma Santa Páscoa para todos.
Luís Faria

P.S. Não abusem dos doces, ok ?


Bula – um mês complicado (1)

Fevereiro foi um mês complicado para os três Grupos da Força que ficaram em Bula (o 4.º GComb tinha ido para Teixeira Pinto a 5 de Janeiro) e para mim, pois às operações acumulei a implantação de minas e a inspecção de uma parte do campo já minado, que para além desses engenhos também tinha armadilhas na lateral. Bom susto apanhei!!

Para alem do trabalho usual (emboscadas, colunas etc…) a Força faz 4 Operações tanto a nível de Grupo, como de Bi-grupo e até de Companhia a três Grupos, essencialmente em toda a zona que generalizo de Ponta Matar (Bejintim, Belibar, Braque, Pecuré, Unfote, P.Ponate, P.Matar), zona difícil quer pela morfologia do terreno, quer pela intensidade da presença IN, já que ao que sei, sem bases permanentes, era passagem de Oeste para Leste e para Sul e julgo, zona de recepção de abastecimentos.

Daí que, em três das quatro vezes que lá fomos este mês, tivéssemos recontros violentos, dos quais recordo com clareza, situações/momentos, talvez porque me tenham marcado mais, quer pela dureza, quer pelo insólito, quer até pelo próprio espectáculo.

Uma dessas situações ocorre na segunda operação (Borboleta ?) a nível de três GComb em que felizmente não tivemos feridos.

Como costume, saímos pela calada da noite rumo ao objectivo. Entrados na mata fomos seguindo, como sempre com o máximo dos cuidados, não procurando o confronto mas também não fugindo a ele. Ouvia uns tiros aqui e ali mas, sem problemas, fomos progredindo sem haver contacto e entramos numa mata de arbustos densa, à mistura com laranjeiras e cajueiros cujas copas quase se tocavam.

O meu GComb vai na frente e a dada altura, relativamente perto de uma bolanha, depara-se-me uma pequena zona, em que o chão em terra, pisado e limpo, me deu a entender ser usada pelo IN como local de reunião ou encontro, habituais.

Esta pequena clareira era ladeada pela minha esquerda e frente por vegetação arbustiva densa. Mais ou menos ao centro havia um baga-baga.

Feita a inspecção ao local, a rapaziada começa a avançar em direcção à bolanha, ficando eu e creio que o Castro, no dito espaço a finalizar a inspecção e a controlar o rearranque e passagem do pessoal.

Uma rajada soa e começa uma sinfonia intensa, só de tiros, vindos da zona arbustiva à minha esquerda, obrigando o pessoal que se encontra na zona a proteger-se o melhor que pode e a ripostar. É pedido apoio aéreo. A mata envolvente é densa.

No que me toca, corro para a protecção do baga-baga e agachado tento ver algum turra mas... nada! Ponho-me em pé, parcialmente protegido pelo baga-baga que recebe uns impactos, ouço pela primeira vez um vai no Puto (Metrópole), gritado a poucos metros.

Em simultâneo com um cabrões viro-me na direcção da voz, vejo um ramo a partir-se, continuo a não ver ninguém, disparo três ou quatro tiros (sempre utilizei o tiro a tiro e era bem rápido) nessa direcção e na sequência dos meus disparos partem-se de volta outros ramos na mesma zona e essa voz e esses tiros, deixei de os ouvir (aconteceu-me este tipo de situação três vezes na zona de Bula).

Acabada a refrega arrancamos em direcção à bolanha, a corta-mato com todas as precauções, prevendo a hipótese de novo confronto, o que viria a acontecer.

Estou a dirigir-me para o meu lugar na fila e ouço, vindo da minha frente:

- Faria, oh Faria apanharam-me.

Corri e era o Furriel Almeida que se esforçava por se soltar do turra que era... uns arbustos, que emaranhados no cinturão com cartucheiras e no cantil, não o deixavam progredir e lhe deram a sensação de estar a ser puxado para a mata!

Salvo o meu amigo, continua a progressão em direcção à bolanha, naquela mata fechada que só permitia tiro. Chegados à orla da mata inicia-se o dispositivo de segurança e observação e... começa nova sinfonia, mas desta vez com outros cantares mais pesados. Foi trovoada de pouca dura para a malta, já que esta emboscada coincide praticamente com a chegada do heli-canhão, qual Anjo alado que tinha sido pedido e começo a ouvir o tum-pum do disparo e do embate da bala de ponta explosiva(?), juntamente com gemidos e gritaria vindos da mata.

Ao som dessa melodia, a rapaziada mete–se em bicha de pirilau, sem cerimónias à travessia da bolanha, dando inclusive uns tiraços a aves passantes e espanto meu, vejo alguns dos rapazes, com a arma a tiracolo, trazendo os abafos à guisa de cestas, carregados de laranjas.

Para trás começava a ficar o som do nosso S. Gabriel e do troar da sua espada de fogo contendo e permitindo que ignorássemos nessa hora o Inimigo.

Luís Faria

2.º GComb/CCaç 2791 (FORÇA)

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4020: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (11): Bula, foguetões e confusões no abrigo

Guiné 63/74 - P4173: Humor de caserna (10): Como se caçavam Maçaricos em 1964 (Santos Oliveira)

1. Mensagem de Santos Oliveira (*), ex-2.º Srgt Mil Armas Pesadas, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, com data de 8 de Dezembro de 2008:

Caros Luís e Companhia
Cá vai uma história inocente (dum ingénuo) do que aconteceu no dia da minha apresentação em Tite (20SET64).


COMO SE CAÇAVAM MAÇARICOS EM 1964

A Guerra do Ultramar veio criar a necessidade de, aos Militares para lá deslocados, um fardamento adequado ao clima, de caqui amarelo-torrado.
Os que haviam seguido pelos anos de 1961 ainda sofreram as agruras da regulamentar farda utilizada no Contingente Metropolitano, inadequada, de fazenda cerdosa, grossa, de cor cinzenta (quentíssima cá, como seria por lá???...).

Estes foram os verdadeiros criadores do termo e apelido que nos era atribuído, pela semelhança de cores com a do MAÇARICO, um tipo de ave, muito comum na Guiné.
Com a evolução e renovação do tal fardamento inadequado, todos ficaram amarelos, pelo que somente aos novatos e inexperientes no Ultramar eram apelidados com tal epíteto.

Feito este preâmbulo para se perceber que a minha chegada (a de qualquer Maçarico) era sempre aproveitada para fazer render umas quantas cervejas fresquinhas.

Acabado de me apresentar, tive, de seguida uma calorosa recepção de uma boa dezena de prestáveis rufias, camaradas Furriéis e Sargentos, Milicianos e do Quadro, que, solidariamente, me rodearam (e eu sentia-me como que confortado com tanta atenção); perguntavam coisas de cá, queixavam-se, do calor, do sol que era tanto forte, que até fritava sardinhas dentro dum capacete.

Céptico, ia mantendo aquela conversa e referia que jamais iria colocar o capacete, porque se o usasse perderia toda a mobilidade e destreza. Eles contrapunham outros argumentos sobre regulamentos, segurança, etc.etc.

Voltavam ao calor, ao sol que até fritava sardinhas…

- Queres apostar que se em cinco minutos as sardinhas não fritarem, pagamos cerveja a todo o teu Pelotão que está lá em baixo (no Enxudé). Se fritarem, pagas tu a cada um de nós, diziam.

Lembrava-me da educação da minha Mãe quando dizia:

- Meu filho, quando tiveres certeza de alguma coisa, teima e teima; mas nada de apostas. Aposta é jogo.

Mas a juventude dos meus 23 anos...

Aceitei.
De imediato e em chusma, conduziram-me ao do Parque das viaturas onde havia muitos bidões. Retiraram a protecção interior dum capacete que colocaram em cima de um deles, apareceu, sei lá de onde, uma lata de sardinhas (das que faziam parte da Ração de Combate), lançaram o conteúdo dentro do capacete e marcaram o tempo.

Não é que o azeite borbulhava como quando se frita?

Quantos, como eu, já teriam sido caçados? Seguramente os que por lá aportaram em Rendição Individual e foram imensos.

Claro que me custou largar aqueles escudos da Metrópole para pagar a minha ingenuidade.

E eu, MAÇARICO, me confesso: fui assim caçado pelos velhinhos dos BCaç 237/599.
Santos Oliveira
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4169: O trauma da notícia da mobilização (9): Afinal, sou necessário sem me sentir voluntário (Santos Oliveira)

Vd. último poste da série de 22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4066: Humor de caserna (9): Quando os alentejanos de Jumbembem viram cair-lhes os tomates... a seus pés (Artur Conceição)

Guiné 63/74 - P4172: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (14): Desprestígio e ofensa a quem foi obrigado a combater (Manuel Reis)

1. Mensagem de Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, 1972/74), com data de 29 de Março de 2009:

As declarações do General Almeida Bruno:

Amigo Luís:

Sobre declarações do senhor Almeida Bruno (General) cumpre-me dizer o seguinte:

Subscrevo, na íntegra, as intervenções do Mário Pinto e do Jorge Canhão (*).
Ninguém, até ao momento, desprestigiou e ofendeu de modo tão contundente e desrespeitoso aqueles que, de uma maneira desinteressada, foram obrigados a combater para manter o regime Colonial.

Sendo o Senhor General o braço direito do Comandante-Chefe devia, no mínimo, assumir a sua quota-parte na formação e orientação dos ditos bandos.
Num ponto estou de acordo com o senhor General: Temos de ser francos e a verdade ter de ser dita: Enquanto o Senhor, em Bissau, se confortava no ar condicionado, os bandos sofriam na alma e no corpo a tortura da guerra. Enquanto o senhor permanecia em Bissau, os bandos, gente anónima, foram aguentando no mato, durante 11 anos e o senhor General via a sua promoção militar e social foi-se tornar-se realidade.
Dada a gravidade das afirmações, que são inqualificáveis, e abrangentes da maioria dos ex-combatentes, lamento que as vozes mais críticas e/ou activas deste blogue permaneçam mudas.

Tinha visto no canal 1 da RTP uma pequena reportagem sobre a miséria que se abateu sobre muitos dos ex-combatentes: Sem abrigo, com a família desfeita e muitos deles a viveram de esmolas alheias. A minha preocupação estava direccionada para estes camaradas, quando de repente sou surpreendido por este bombástico depoimento.
Sobre este assunto nada mais direi, por agora.


A retirada de Madina do Boé

Foi um acidente triste e lamentável, que já conhecia há imensos anos, mas sobre o qual não possuo dados que me permitam fazer uma avaliação. Esta reportagem permitiu-me entender determinadas reacções do Ten Cor Aparício em 1972 (então capitão), nos Açores.

Foi meu Comandante de Companhia nos Açores, no destacamento da Castanheira, durante o período de um mês. Estava-se a formar, nos Açores, um Batalhão com destino a Moçambique, que acabei por não integrar, porque a lei da cunha entrou em acção e tive de regressar à Metrópole, enquanto outro me ia substituir.

A relação entre o Capitão Aparício e os Aspirantes era óptima. Era uma pessoa revoltada pela sua situação, tinha efectuado duas comissões em Moçambique e uma na Guiné e continuava sem ser promovido. Era miliciano e a isso atribuía a discriminação de que era alvo.

Falou-nos da comissão da Guiné, da qual nos contou alguns episódios, mas só agora o relaciono com Madina de Boé e melhor entendo a suas reacções intempestivas. Não é fácil passar por isto incólume.

Um abraço amigo.
Manuel Reis
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4171: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Emboscada na Fonte de Mansambo

1. Mensagem de Torcato Mendonça (*), ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 8 de Abril de 2009: Meu Caro Carlos Vinhal: Depois de cortes e aligeirar o texto, aí vai o meu relato da emboscada onde morreu o Humberto Vieira, amigo do nosso Camarada Ribeiro Agostinho (**). É assunto que procurei aligeirar porque foi o pior desastre da minha Companhia. A morte de dois Camaradas, saber que alguns dos feridos ainda hoje sofrem e outras recordações revoltam-me. Agradeço que lhe faças chegar o texto, conforme combinado. Quanto a publicação transcende-me. Um abração e Boa Páscoa Torcato de Mansambo ESTÓRIAS DE MANSAMBO PARTE II – (FORA DE ORDEM) EMBOSCADA NA FONTE DE MANSAMBO – 19 de Setembro de 1968) Regressou, ia Setembro a meio. A chuva caía fraca na tarde cinzenta e baça. Tarde tristonha a não destoar assim do aquartelamento, com os seus charcos de água esverdeada, a lama, o capim a sair da mata, logo ali, e a entrar, atrevido ou consentido, a afagar uma fiada e a encaminhar-se para a outra fiada de arame farpado. Nem tão pouco destoava, dos rostos cansados e tristes e de olhares vazios dos jovens que, indiferentes à chuva, olhavam a coluna acabada de chegar. Não por mera curiosidade pois, certamente, o motivo principal era o correio. Desceu do Unimog, depois de ter olhado à volta. Cumprimentou os camaradas que o olhavam como o sortudo que veio de férias. Um Furriel, do seu Grupo, indicou-lhe um local diferente do de outrora onde ia agora ficar, num outro abrigo de construção acabada depois da saída dele. Ajudaram-no a levar a pouca bagagem. Já haviam arrumado todos os seus haveres, por de baixo e ao lado da cama. Sobre a mesa-de-cabeceira, uma novidade, o telefone de campanha e um ou dois objectos pessoais. Luxo para quem vivia meio enterrado e, apesar das paredes de blocos e da austeridade do lugar, das seteiras a toda a volta, da Breda montada a um canto e do armamento bem arrumado e pronto a usar, gostou e sentiu-se em casa. Não havia, ali, diferença entre oficiais, sargentos e praças, quer no alojamento quer na alimentação. Excepções para o comando, secretaria e cripto. Depois de arrumar tudo deitou-se em cima da cama e quedou-se um pouco a pensar. De facto, encontrara mesmo sem ainda ter falado muito com eles, os militares do grupo a mostrarem quebra física e anímica. Viver naquelas condições era desgastante. Má alimentação, falta de quase tudo – da elementar luz eléctrica, água potável para beber ou tomar banho – um sem fim de carências. Acrescia ainda o esforço de construir aquele aquartelamento no meio de quase nada. Oito casernas abrigo e anexos meio enterradas. Cavar, cortar cibes, abrir bidões, erguer paredes de blocos. Como se não bastasse, ainda a actividade operacional pois eram companhia de intervenção. Assim faziam operações, colunas, montavam e sofriam emboscadas, rebentavam minas a um ou dois contos a peça, sofriam flagelações ou ataques fortes ao aquartelamento. Jovens a perderem a juventude, a normal alegria de viver, a sofrerem os efeitos de uma contenda que pouco ou nada lhes dizia. Assim iam endurecendo e precocemente envelhecendo. Meninos há menos de um ano; homens endurecidos agora. Acendeu mais um cigarro e foi tentar falar com o seu grupo. Até nisso a vida naquele lugar tinha regras diferentes. O seu grupo estava em dois abrigos, como o resto do pessoal da companhia. Por prudência não se juntavam todos. Vivia-se partido ou repartido, cerca de vinte ou vinte e cinco homens por abrigo. Reuniram-se e ouviu mais do que falou. Anotou o que para ele tinha interesse. Homens a merecerem muito, muito mesmo. Assim não e havia volta a dar. Havia. Era grupo unido. Com um pouco de tempo dar-se-ia a volta. Dias depois, após o jantar, recebeu a ordem. - Amanhã vais à Moricanhe. Vê como estão por lá os milícias e a população. De madrugada, com o Sol no seu rápido espreguiçar próprio daquelas Latitudes, ouvia-se o reboliço do pessoal na preparação de mais uma saída. Abandonaram o aquartelamento abrindo a cancela – cavalo de frisa – do lado da fonte, circundaram o arame e foram direitos à estrada. Mil olhos a entrarem mata dentro, os picadores à frente a fazerem o seu trabalho e eles, devagar, propositadamente devagar, a manterem distâncias, a não pôr a arma ao ombro, a tentarem ser eles novamente, caminhavam estrada fora até ao alto, já depois do pontão do Almami, o local das emboscadas. A partir daí foram por um trilho, conhecido dos picadores, directos à tabanca da Moricanhe. Muito perto desta, inesperadamente um ou uns centos de rebentamentos e tiros para os lados de Mansambo. - Liga o rádio. Pede informações que é Mansambo a embrulhar. - Não dá nada. A mata é fechada. Não dá. - Vamos depressa, depressa, ali perto está a Moricanhe e antes há clareiras. Estabeleceram contacto rádio. Era um ataque a Mansambo. Ordem para continuar e esperar. O ataque era forte e durou bastante. Já na Moricanhe receberam nova ordem. - Vão para a estrada e façam segurança à coluna vinda de Bambadinca. Quase em passo de corrida, acompanhados do Sargento Milícia Mádia e de uns quantos milícias, rápido estavam na estrada. De repente sentiram o barulho da aviação e pararam. Vindos dos lados de Bambadinca, seguindo a estrada, passou um e logo mais dois helicópteros. Sentem os T6. Mau, mau, há grossa bronca. - Liga para o quartel. - A resposta foi: esperem a coluna. Esperam e desesperam. Nova ordem. Venham imediato este. O mais rápido possível regressam. Entram agora pela porta principal. Sentia-se o alvoroço e a tragédia no ar. Olhando em redor parecia que um ciclone tinha passado por Mansambo. Tentou saber o que se passava. Contaram-lhe de forma sintética, olhar de desespero, voz embargada pela raiva: - O grupo que foi buscar água à fonte caiu numa emboscada forte. Montaram metralhadoras e varriam tudo de modo a não prestarmos auxílio. Os gajos atiraram nos garrafões de vidro e os estilhaços atingiram alguns da malta. Iam dezasseis homens. Tivemos onze feridos, alguns graves, um morto e um desaparecido. Foi o maior desastre da Companhia. Deu ordem para o pessoal regressar aos abrigos e foi até à saída para a fonte. Horas antes, poucas, tinha por lá passado. A fonte estava a menos de cem metros, menos. Olha em redor e tentou perceber. Passou, nada viu e já lá estavam. Ora isso indiciava que sabiam qual o objectivo, tinham disciplina táctica e de fogo, conheciam bem o local. Tentou tirar conclusões e talvez tenha tirado. Certo é que o que viu e sentiu foi determinante para o resto da comissão. Fez sinal a alguns militares que ainda limpavam o trilho e regressou. Quem antes regressara era o desaparecido. Contou que ao tentar abrigar-se numa árvore, tentaram agarrá-lo e falaram em língua estrangeira. Socou o sujeito que parecia branco e fugiu. Quando lhe disseram disse logo: - cubanos. Por isso o modo como a emboscada foi montada. Cabrões! Teve a confirmação cerca de um ano depois. Ao interrogar um prisioneiro – Malan Mané – este confirmou que viram o grupo dele sair, não atiraram e eram comandados por um ou mais cubanos. NOTA: - A emboscada na fonte de Mansambo foi a 19 de Setembro de 1968. O In causou nas NT um morto (Soldado Trms Humberto P. Vieira), cinco feridos graves e seis ligeiros. Um dos feridos graves (1.º Cabo Condutor João M.J. Figueiras veio a falecer a 25 de Setembro) e outros vieram para o Hospital Militar Principal – Lisboa. Passados meses foi aberto um poço dentro de quartel; construíram-se duches e vieram dois obuses 10.5. Num ataque ao Poidom estava um cubano. Perdeu o boné com a foto de mulher e filhos mas, infelizmente, conseguiu abandonar o local com cabeça… __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 18 de Janeiro de 2009 Guiné 63/74 - P3757: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Férias em Janeiro de 1969... (**) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4098: Tabanca Grande (129): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70

Guiné 63/74 - P4170: Blogoterapia (99): Joaquim Gomes, mais um Comando africano barbaramente assassinado (Magalhães Ribeiro)

1. Mensagem de Magalhães Ribeiro (*), ex-Fur Mil de Operações Especiais da CCS/BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá (1974), com data de 7 de Abril de 2009:

Boa noite Amigos Luís Vinhal e Briote,

Hoje envio-vos uma estória, com pedido de publicação, que me aconteceu vai para 6 anos, na altura comoveu-me bastante e, por outro lado, foi com grande satisfação que verifiquei o que vos conto em anexo, pois jamais pensei que algo parecido fosse acontecer-me na vida.

Um abraço amigo do Pira M.R


Em memória de um COMANDO africano

10 de Setembro de 1974 – Brá (Guiné)


Esta é uma daquelas histórias que só o mero acaso origina, apesar de se contar em poucas palavras, e não deixar de impressionar, quer pelas três décadas que entretanto decorreram, quer pelas estranhas coincidências do destino.

Na Guiné, decorria o ano de 1974 e havia já sido entregue, pela minha Companhia - a CCS do BCAÇ 4612 -, em 9 de Setembro, o aquartelamento de Mansoa, que foi um dos mais importantes e significativos, do dispositivo das nossas forças armadas naquela ex-província ultramarina, através duma cerimónia de que damos conta noutra página deste jornal.

Estávamos, então, no Batalhão de Engenharia, em Brá, a cerca de 3 quilómetros da cidade de Bissau, cujas instalações faziam paredes meias com o Batalhão de COMANDOS.

E foi ali, num belo dia em que eu me encontrava de serviço, mais precisamente de Sargento da Guarda, que veio ter comigo um daqueles que eu considerava, em todo o seu ser, um Herói da Guerra do Ultramar: o COMANDO de nome Joaquim Gomes que, se a memória não me falha, era da 2.ª Companhia de Comandos Africanos.

Trazia nas mãos uma imaculadamente alva, velhíssima e esburacada camisola, e um crachá dos COMANDOS, e para o meu espanto e petrificação disse-me emocionado:

- Meu amigo furriel Magalhães Ribeiro, peço-lhe encarecidamente um favor simples, do fundo do meu coração; que guarde consigo estas duas peças que eu usei como soldado e combatente do exército português com muito orgulho e honra. Foram-me entregues por soldados portugueses, e não quero que, de modo nenhum, caiam em mãos de gente menos digna.

Imaginem a minha estupefacção. Quem era eu para ser fiel depositário daquele espólio que, desde logo me apercebi, era considerado por um dos meus heróis um dos seus maiores tesouros pessoais? Que usara e defendera arriscando a morte em renhidos e mortíferos combates! Quantas vezes? Recordei-me que a última Cmpanhia de COMANDOS, a 38., havia já retirado da Guiné. Olhei para aquele envelhecido e amargurado Homem e, atrapalhado e sem jeito, retorqui:

- Amigo Joaquim, quem sou eu para ficar com estes teus símbolos COMANDO, que tão bem mereceste, prestigiaste e dignificaste em inúmeros combates, e que, como bem vejo nessa tua lágrima, são para ti um naco da tua vida, senão mesmo do teu corpo?

Mas, não havia nada a fazer, o Joaquim estava firme, decidido e inabalável naquela decisão e eu, para não o melindrar e desiludir, sequer mais um segundo, aceitei com uma estranho sentimento de fiel e firme guardião.

Guardei durante cerca de 30 anos, como duas preciosidades, a camisola e o emblema, até que há poucos meses atrás a primeira, que tão velhinha que já estava, quer pela passagem dos anos, quer pelas necessárias lavagens acabou, infelizmente, por se desfazer.


20 de Outubro de 2003 – 29 Anos depois

Até aqui tudo não passaria de uma história normal mas, aconteceu que, no passado dia 20 de Outubro, desloquei-me a Lisboa para assistir à belíssima e sentida celebração do Dia do Combatente, que decorreu junto ao forte do Bom Sucesso, em Belém, num autocarro organizado pela A.P.V.G (Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra), que partiu da cidade do Porto.

Esta celebração decorreu como estava previsto, com a presença do Sr. Secretário de Estado da Defesa e dos Antigos Combatentes, o Sr. General Avelar de Sousa, convidados, entidades religiosas, civis e militares, e milhares de ex-combatentes, e foi já no fim da cerimónia, cerca das 13h00, que eu me perdi do resto do pessoal, que ali se deslocou no autocarro do Porto.

Como era tempo de almoço, procurei caras conhecidas junto do autocarro que nos tinha levado a Lisboa e nada. Fui então até junto dos outros autocarros, que se deslocaram à mesma cerimónia, tentando arranjar companhia para o almoço.

Foi assim que na viatura de Braga encontrei 2 companheiros. Não os conhecia, mas não hesitei, minimamente, em convidá-los a virem almoçar comigo, já que só inevitavelmente é que almoço sozinho.

Depois de me apresentar, soube que os seus nomes eram Carlos Costa e Silva e João Gomes, tendo o primeiro serviu a Pátria em Moçambique e o segundo em Angola.

Estes dois amigos tinham levado farnel e começavam a preparar a mesa existente no autocarro, pelo que pensei: - Nada feito estes já estão desenrascados.

Mesmo assim disse-lhes:

- Desculpem amigos procuro companhia para ir almoçar, já que detesto comer sozinho.

Logo me responderam unanimemente:

- Não senhor, nós temos aqui comida que chega para os três. Sente-se aqui e faça-nos você companhia que é bem-vindo!

Verifiquei que realmente eles iam bem equipados e anui em juntar-me a eles, pelo menos digeria qualquer coisa acompanhado, o que eu considerei óptimo:

- Ok, muito obrigado, sendo assim junto-me a vocês com todo o prazer.

Enquanto debicávamos o faustoso farnel começamos a conversar das nossas vidas no Ultramar. Pensava eu com estive na Guiné e assim cada um de nós tinha estado numa ex-província diferente da do outro, pouco teríamos em comum além de sermos os 3 ex-combatentes.

A certa altura diz o João Gomes:

- Eu combati em Angola mas sou natural da Guiné, mais precisamente de Santa Luzia (localidade à saída de Bissau que se estende quase até Brá). Pertenço à etnia Papel. Olha Magalhães Ribeiro, o meu irmão era COMANDO, chamava-se Joaquim Gomes. Foi assassinado tempos depois, na Guiné, pelo simples facto de ter combatido pela sua nacionalidade: Portugal.

Senti-me a cair das núvens. Seria que eu estava frente ao irmão do Homem que me confiara uma parte da sua vida, desconhecendo, naturalmente, que o seu fim já estava traçado, e que eu guardara religiosamente durante os últimos 30 anos.

Contei-lhe então a minha história com o Joaquim. Descrevi-o fisicamente e fisionomicamente. Tudo coincidia com as características do seu falecido irmão. É claro que o João, espantado foi ligando os factos e comovido perguntou-me:

- Magalhães sabes quantos Joaquim Gomes, africanos, haveria nos COMANDOS.

- Não faço ideia João. Mas se calhar só havia um! Sossega amigo João, que eu vou fazer o seguinte. Dadas as grandes probabilidades de que o Joaquim de que eu falo seja mesmo o teu irmão, vou entregar ao teu cuidado o emblema que tenho na minha posse, pois creio que fica muito bem entregue nas tuas mãos.


12 de Janeiro de 2004 – O regresso à família

Assim aconteceu no princípio do mês de Janeiro, do corrente ano, com a ajuda e o testemunho do Presidente desta nossa Associação - o RANGER Coutinho Bastos, o João tomou posse daquele velhinho e esmurrado crachá COMANDO, que eu mantive imaculadamente guardado na minha vitrina de relíquias da guerra.

Na foto, à esquerda está o então Presidente da A.P.V.G (Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra), - o RANGER Coutinho Bastos e do lado direito o João Gomes.

Foi a todos os Joaquins Gomes (bravos COMANDOS africanos), bárbara, cobarde e traiçoeiramente assassinados na Guiné no pós-guerra, que dediquei os versos que anexo a seguir.


A mais alta de todas as traições

Muitos africanos foram os nossos melhores amigos
Tinham orgulho em envergar uma farda portuguesa
Na instrução eram afincados, cumpridores, e...
No combate davam tudo... até a vida... com nobreza!

Após a revolução dos cravos
Reinava no país a anarquia
Assaltavam-se as Instituições
O povo em partidos se dividia

Gente a falar do que não sabia
Ou que não sabia do que falava
Que ora dizia uma coisa
E passados minutos... negava

No meio de todas as convulsões
O poder político era restaurado
Os governos tomavam decisões
Aos repelões... uns p’ra cada lado

E assim, no meio deste arraial
Foi assinado, se bem me lembro
O acordo p’ra descolonização
Nesse ano, em 9 de Setembro

Só para se ter uma leve ideia
Do resultado deste processo
Olhe-se para o drama de Timor
O grotesco de um insucesso

Mas se Timor é a cara da moeda
A coroa anda envergonhada
Vamos virá-la e falar nela
Iluminar uma traição abafada

Uma ignóbil e cobarde traição
A história qu’aqui se vai contar
Parte do povo ignora... naturalmente
Outra sabe... mas prefere não falar

Assim, começando pelo princípio
Na nossa África colonial
Os africanos eram baptizados, e…
Registados... em nome de Portugal

Portugueses para todos os efeitos
Eram convertidos ao burgo cristão
Eram detidos, julgados e punidos
Por leis e juízes da nossa Nação

Pois era, muitos desses africanos
Nas nossas escolas estudavam
Dignos de respeito e estima, e…
No nosso meio trabalhavam

Eram tratados com igualdade
E cumpriam serviço militar
Prestavam juramento de bandeira
Juravam, também, a Pátria honrar

Na tropa ostentavam com orgulho
As mesmas insígnias e fardas
Tornavam-se aprumados, vaidosos
Seguravam firmes as espingardas

Combatiam fiéis ao nosso lado
Ao nosso lado feridos tombaram
Alguns estropiados p´ra sempre
Outros... a vida sacrificaram

Em Angola, Moçambique e Guiné
Foram louvados e condecorados
Foram graduados do Exército
E, como Heróis foram saudados

Logo após a descolonização
Estes pretos foram abandonados
Portugal deixou de os considerar seus
Os deles acusavam: - São renegados!

Votados ao desprezo e à humilhação
Fria e cruelmente torturados
Apátridas ao seu novo Partido
Foram sumariamente executados!

Odiados por um simples facto
Que nunca lhes foi perdoado
Gostarem e lutarem pelos portugas
Seu único e último... pecado

Perante a velada indiferença
Dos políticos e das Nações
É tempo da História julgar
A MAIS ALTA DE TODAS AS TRAIÇÕES

Haverá porventura... gesto humano mais divinal…
Q’um homem possa fazer para outro auxiliar…
Que disponibilizar o seu mais supremo bem... a vida?
Jamais deixemos a sua memória alguém desonrar!

P.S. - Quando digo " ...cobarde e traiçoeiramente assassinados" sei do que falo, como também o sabem centenas/milhares de outros nossos camaradas, que acompanharam o processo de entrega de poder político na Guiné ao P.A.I.G.C. e viram/ouviram, ALI NA NOSSA FENTE, o que foi prometido aos africanos: ex-Comandos, ex-Fuzileiros Especiais, aos ex-Milícias e a todos os outros (salvo raríssimas excepções que fugiram a tempo), que de algum modo serviram nas Forças Armadas portuguesas o que: - NADA TÊEM A TEMER POR PARTE DO P.A.I.G.C., VAMOS TODOS VIVER EM PAZ... E COLABORARMOS NA RECONSTRUÇÃO DO NOSSO PAÍS!

O resto todos sabemos!

Por: Magalhães Ribeiro
Ex-Fur. Milº Operações Especiais/RANGER
CCS do BCaç 4612/74 - Guiné
Cumeré/Mansoa/Brá
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4151: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (12): As origens dos bandos da Guiné (Magalhães Ribeiro)

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4053: Blogoterapia (98): José Silva, um camarada com muita falta de sorte

Guiné 63/74 - P4169: O trauma da notícia da mobilização (9): Afinal, sou necessário sem me sentir voluntário (Santos Oliveira)

1. Em 7 de Abril, o nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Srgt Mil Armas Pesadas, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, enviou este trabalho para o nosso Blogue, para a série, O trauma da notícia da mobilização.

Caros Camaradas

Jamais revelei o facto da minha Mobilização, por evidenciar um certo narcisismo Militar, que, na verdade não existia, nem nunca existiu e, além disso, ter escrito o pensamento da época (1). É bem verdade que gostava das FA, que o tal sentimento esteve sempre patente nas minhas acções, mas, igualmente nas minhas discordâncias manifestas, acerca do modo como as Chefias procediam relativamente aos Civis Armados de quem dependiam para a prossecução dos objectivos e construção do Edifício que suportava o seu Estatuto. Não aceitei os diversos convites porque, de mim, exigiam uma total entrega e no fim apenas restaria um sentimento de ter sido usado ou recebido o descarte e os restos. Definitivamente, eu não era um deles. Tenho uma vivência Humanista e os homens devem ser tratados como Homens.

Por isso, sabe-se lá porque os meus Registos são ambíguos, omissos, incompletos e, ou, deturpados, porque muito pouco bate certo. Assim, aqui começa a minha revolta e o comprovar dos meus (pré)sentimentos.

Vejamos: a 10AGO64, fui promovido, fiquei orgulhoso e desapontado. Orgulhoso, por ter sido promovido; desapontado porque ia encalhar no GACA3, até ao final do Serviço Militar.

No final desse mesmo mês, abri a correspondência Oficial (2) (abria sempre e em primeiro lugar a das Mobilizações) e deparei com a minha própria Mobilização. Deu-me um baque que não sei definir se de alegria ou tristeza. O filme do que ia suceder a seguir, passou-me pela mente numa velocidade vertiginosa (2).

Assim, O trauma da notícia da mobilização, que já estava interiorizado (cf.: “O STRESS DE GUERRA EXISTE A PARTIR DA POSSIBILIDADE DE SE TER DE ENTRAR NELA E PARA CADA INDIVÍDUO QUE ESTEJA NAS CONDIÇÕES EXIGÍVEIS. NÃO É NECESSÁRIO, OBRIGATÓRIAMENTE, TER-SE PARTICIPADO”) não o foi como tal.
Recordo ter escrito sob a forma poética as duas situações e em datas bem próximas:

(1) - Na Promoção

Agora, assim, Promovido,
eu sei que fui Distinguido…
Tanto treino, tanto saber,
esforço, conhecimento
para, em Reserva de Estado,
o Exército estabelecer
que estou, no GACA, encalhado.
Coerente, mas fiel,
voluntário não serei!
Com isso, eu viverei!
Só me falta entendimento
porque me querem de lado!...
Mafra, Lamego e Tancos
foi mui duro, sem igual.
Queriam-me Oficial
Fiquei-me por Furriel.

AGO64


(2) – MOBILIZAÇÃO

… Afinal, sou necessário
sem me sentir voluntário!
Fui preparado, bem sei!
O medo que me assaltou
foi conhecer o que sou,
temer não estar preparado
para lutar, lado a lado,
com Heróis com provas dadas
em suor e sangue e lama…
… Vai custar, mais, outra guerra
de dizer, á Mãe que eu amo,
que vou deixar esta terra,
ou então muito me engano,
mas é a Pátria que chama
e é com veneração
que lhe dou meu coração.

30AGO64

Abraços
Santos Oliveira

Original dos poemas, escrito em papel vegetal
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4134: O trauma da notícia da mobilização (8): Amado, volta já para o Quartel (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P4168: Os Bu...rakos em que vivemos (4): Acampamentos de apoio à construção da estrada Mansabá/Farim (César Dias)

1. Mensagem de César Dias, ex-Fur Mil Sap da CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71, com data de 6 de Abril de 2004:

Carlos,
Como estás no comando da Tabanca, e porque este bu...rako te é familiar, se vires de interesse, podes publicar.

César Dias


Destacamento do Bironque

Foi neste buraco que vários bandos se esconderam, CART 2732, CCAÇ 2753, Pel Sap do BCAÇ 2885 e outros que nos revezaram, daqui partiam e voltavam dia e noite, para levar a bom termo a estrada Mansabá - (K3)Farim, apesar das minas, das flagelações etc. Mas não me espantaria nada se aparecesse um Sr. General a dizer que como parque de campismo até não estava mal.

Foi mais um desabafo
Um abraço para todos

César Dias
BCAÇ2885

Fotos promocionais do Parque de Campismo de Bironque






Boa estrada de acesso, feito à custa de muito sangue, suor e lágrimas, porque as minas não pouparam civis e militares e as emboscadas eram o pão nosso de cada dia.

Fotos: © César Dias e Carlos Vinhal (2009). Direitos reservados
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4153: Os Bu... rakos em que vivemos (3): Acampamentos de apoio à construção da estrada T.Pinto/Cacheu (Jorge Picado/José Câmara)

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4167: História da CCAÇ 2679 (16): Casais fiéis e solidários (José Manuel Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 6 de Abril de 2009:

Carlos, camarada,
Desculpa a trabalheira em tempo de sobrecarga, mas calhou assim, enviar-te hoje mais um pedaço de estória. Quero também saudar o Jorge Manarte, que me descobriu através do blogue, e espero que brevemente venha à liça, apresentando-se e descortinando episódios da sua lembrança. É um gajo porreiro.
Neste dia de festa, (aniversário do JMA) apresento-te os parabéns pela elevada capacidade e espírito de sacrifício que revelas em prol da Tabanca.
Abraços fraternos


Casais fiéis e solidários

A cara humedecida pela transpiração constante parecia constituir lenitivo para o poisar dos imensos e minúsculos mosquitos, de uma infindável população esvoaçante, que mais pareciam em suspensão, dado o vôo quase parado, em pequenas trajectórias descontroladas, cujos corpinhos alados chocavam frequentemente com os olhos, ou introduziam-se na boca, quando não se dispunham a perscrutar as fossas nazais ou as superfícies das orelhas, provocando comichões incómodas.

Eram milhões, e de cada vez que batia com a mão aberta numa superficie mosquitada, na face por exemplo, trazia, colados, meia-dúzia deles já sem vida. Mas os restantes ignoravam esta actividade predatória, e continuavam naqueles irritantes bailados para massacre, povoando-me a cabeça e os pensamentos com instintos vingativos.
Qual vingança!

A solução era sair daquela infestação, procurar uma área mais tranquila, onde pudessemos beber ou comer sem levar os bichinhos à boca, onde nos sentíssemos aliviados daquelas cargas quase delicadas, mas muitíssimo incómodas. O sol e o calor castigavam sempre, mas os mosquitos eram o tormento da mata. E, de quando em vez, obrigavam algum de nós a ceder à malária. Porque raio teriam os portugueses chegado à Guiné, e os nativos escolhido esta área endémica para fazer uma luta de libertação contra nós? No seu conceito, provavelmente, preferiam os mosquitos. Doideiras! Por mim, bem podíamos regressar ao puto, à amenidade. Que raio de terra. O relevo é uma imensa planície, e as diferenças regionais assentam na diferente cobertura vegetal, na indefinível orografia com os braços dos rios, e nas bolanhas, que adquiriam vida e cor na época das chuvas, ou tornavam-se terreno rígido, seco e irregular na maior parte do ano sêco. Uma séca!

Para se fazer uma ideia do calor húmido que se sente em todo o território, antecipo a experiência que viria a impressionar-me mais tarde, quando cheguei de avião à provincia: naturalmente, a viagem decorria com o ar pressurizado a bordo, garantindo uma frescura que poderíamos regular através de botões ao alcance de cada passageiro, contrastando com a luz exterior de brilho intenso a prenunciar o calor. Depois de deslizar na pista, rasgada no meio da floresta e construída na terra castanho-vivo, quando imobilizado e as portas se abriam, os passageiros, ainda nos seus lugares, sentiam logo a neutralização do ar fresco, e as roupas leves imediatamente colavam aos corpos já peganhentos, em virtude da intensa humidade exterior que logo ali se fazia sentir.

A progressão continuou sem qualquer incidente ou nota a merecer destaque. Andávamos por automatismo, porque o percurso fora desenhado na carta geográfica e era para cumprir, porque tinhamos treino de andar; andávamos à procura de nada, porque ali, nada, era o melhor que podia acontecer.

A patrulha contemplava a pernoita no mato. Chegada a hora do jantar, pimposa designação para a frugalidade racionada, que consistia daquilo que cada um dispunha da ração de combate, escolhemos um local para abancar. Como era meu costume, andei a pedinchar latas de paté da Manutenção Militar, género de alimento nada apreciado pelo pessoal, que eu não regeitava, por isso as angariava com facilidade, o que me permitia dispensar a carga alimentar, e aligeirar a marcha. De entre o grupo, alguém oferecia-me um pedaço de casqueiro e, assim, regalava-me com um jantar, se não extraordinário, aparentemente suficiente para as circunstências.

Para que conste, naquela guerra, a nação ainda não dispunha de nutricionistas em número suficiente, que regulassem capitosas soluções alimentares.

A noite aproximava-se. Deslocá-mo-nos um pouco à procura de um lugar razoável para dormir, já que, sob as árvores, com o chão coberto de arbustos, tornava-se incómodo. Foi numa clareira que nos instalámos. O firmamento era o nosso tecto, sumptuoso de brilhos astrais.

Adormeci com a cabeça apoiada nas cartocheiras e a canhota muito juntinha a mim, corpo com corpo, como os casais fiéis e solidários.

A certa altura do sono, terei sentido alguma pressão sobre o peito, qualquer movimento, qualquer coisa insólita, pelo que, estremunhado e reflexamente, levei a mão a proteger-me do que fosse. Tacteei algo, indefenido, agarrei e notei que se tratava de um lagarto, coisa para vinte e cinco, trinta centímetros, um camaleão, provavelmente, que teria vindo até mim em busca de algum calor que amenizasse a noite fria de cacimbo.

Não pensei, saltei impulsivamente, e lancei o lagarto numa qualquer direcção, mas não para longe, pois numa corrida que lhe garantisse tranquilidade, ainda atropelou alguém que, espantadamente, perguntou: o que é isto?

A fotografia tirada a bordo do Uíge, a caminho de Bissau, retrata, da esquerda para a direita, o irmão gémeo do Mário, com destino a Cabuca, o Faria, o Valentim, o Mário e o Dinis. De pernas flectidas, o Virgílio Fernandes, estes, elementos do Foxtrot. Bem dispostos, pois claro!

O Virgílio Fernandes foi, indubitavelmente, o mais controverso dos Foxtrot. Irreverente, boémio e espalhafatoso, mas também aquele home. São inúmeras as estórias de que foi interprete, ora na provocação de companheiros e elementos da restante tropa; nas artes que usava para que lhe pagassem um copo que, indistintamente, podia ser de bagaço ou cervejinha; nas confrontações verbais com o capitão Trapinhos, com quem mantinha uma relação dialéctica; nos truques que já não pegavam para por os outros a trabalhar por ele, mas que geravam momentos de descontração inovidáveis; nas narrativas que fazia do seu passado no bairro do Lazareto; na maneira descontraída e naif, por vezes atrevida, como insinuava o ascendente Foxtrot onde quer que estivéssemos; ora na generosidade e camaradagem, qualidades avultadas pelo espirito desenrascado com que brindava os amigos, praticamente toda a gente, porque o Virgílio não apontava maldade a ninguém.

Não resisto a contar um episódio que me deixou petrificado. Foi nas vésperas do Natal de 1970, quando o ComChefe visitou a Companhia.

Estávamos já em formatura a prestar atenção às palavras do general, e ouvi o Virgílio, algo distante ainda, a falar alto enquanto se aproximava da parada. Reclamava criticamente:
- O que é que ele vem cá fazer? Se truxesse cervejinha é que era bom!

E parava. Olhava para o céu, como quem espera uma inspiração, lançava o quico ao ar, que caía sem que ele o conseguisse agarrar na viagem descendente, saltava-lhe em cima e resmungava imperceptivelmente.
Ainda repetiu a cena, a reclamar da pouca cervejinha que o estado teria obrigação de fornecer, coisa óbvia e de incontornável justiça. Pelas costas da formatura aproximou-se do Foxtrot, agora como um menino bem comportado, com um chega-para-lá tomou lugar entre os seus, e altivo, elegante e de peito cheio, aguardou pela conversa, que o general prosseguiu após breve pausa.

Fraldisqueiro, sem qualquer preocupação com a imagem, provocava remoques ao capitão que, entre os Foxtrot, encontrava bastas razões de preocupação e afrontamento.

Contou sempre com a amizade dos camaradas e, ainda hoje, recordo-o com saudade.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4054: História da CCAÇ 2679 (15): Nova estadia em Canquelifá (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P4166: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (6): Colaboração do nosso blogue na Conferência sobre a Poesia da Guerra Colonial

1. É com muito gosto que damos a conhecer uma mensagem recebida no nosso Blogue no dia 6 de Abril de 2009, agradecendo a nossa colaboração na divulgação da Conferência sobre poesia da Guerra Colonial, que teve lugar no dia 30 de Março passado, em Coimbra, e a participação activa dos nossos camaradas da tertúlia, Vasco da Gama e Zé Manel nessa mesma conferência.

Ao Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné

Assunto: Confª Poesia da Guerra - agradecimento

Exmos. Senhores
Caros Amigos

Venho agradecer a vossa participação activa na Conferência sobre a Poesia da Guerra Colonial, que aconteceu no passado dia 30 de Março, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

O vosso contributo foi muito rico para a discussão, trazendo na primeira pessoa as memórias daquele tempo. Agradeço o carinho com que presentearam a equipa, quer com a vossa presença, quer com as recordações 'saborosas' que nos ofereceram.

Ficamos também agradecidas pela divulgação ampla do evento e do projecto no vosso blogue. Apesar da demora (bem assinalada no post respectivo do blogue), enviarei muito em breve o meu artigo ao Sr. Vasco da Gama. Não está esquecido!

Os nossos melhores cumprimentos
A equipa de investigação

Margarida Calafate Ribeiro
Roberto Vecchi
Cristina Néry Monteiro


2. Comentário de CV:

Aos nossos camaradas Vasco da Gama e Zé Manel os nossos mais sinceros agradecimentos por tão brilhantemente representarem a nossa Tertúlia na Conferência sobre poesia da Guerra Colonial.
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)
e
5 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4144: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (2): Partiu vivo jovem forte/Voltou bem grave e calado... (Sophia) (Vasco da Gama)

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4161: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (5): Canto lírico na Tabanca de Matosinhos (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)

1. Mensagem de Idálio Reis (*), ex-Alf Mil da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69, com data de 2 de Abril de 2009:

Assunto: O documentário de Joaquim Furtado «A Guerra». As afirmações de Almeida Bruno (**)

Meus caros Luís, Carlos, Virgínio e demais companheiros Tertulianos.

O visionamento do episódio difundido no pretérito dia 25, da importante e valiosa série documental que a RTP1 por via de Joaquim Furtado nos vem presenteando, manteve-me em suspenso até à divulgação do de ontem.

Sobre este último, houve uma criteriosa revelação quanto à figura de Eduardo Mondlane e o seu assassinato.

Quanto ao penúltimo programa, pudemos constatar de forma ampla e elucidativa, o que foi a evacuação do aquartelamento de Madina do Boé, a 6 de Fevereiro de 1969, e a retirada da CÇaç 1790, aí sediada desde Janeiro de 1968.

A mesma, é levada a efeito no contexto da Operação Mabecos Bravios, sob a coordenação do ex-Ten Cor Hélio Felgas, no que significa que houve uma prática cuidada com o intuito de resguardo de eventuais conflitos a desencadear pelo PAIGC, onde parecia actuar com alguma liberdade de movimentação.
E tudo veio a decorrer normalmente até ao rio Corubal, da saída final de Madina e do longo percurso que a imensa coluna de viaturas teria de calcorrear até ao aquartelamento de Che-Che, sito na outra margem.

O derradeiro atravessamento deste rio, causa o horror mais confrangedor e dilacerante, o acontecimento mais funesto de toda a guerra da Guiné, a perdurar como a pesarosa tragédia do Che-Che, com uma brutal perda de 46 homens.

Uma semana antes – a 28 de Janeiro -, a Gandembel/Ponte Balana foi-lhe traçado idêntico destino. E sobre esta retirada, não há qualquer apontamento ou testemunho no documentário referido.

Dada a proximidade temporal destes 2 episódios, que pretendeu Spínola demonstrar? Qual o grau de conexão destes factos?

António de Spínola, ao chegar à Província, vinha aureolado como um valoroso cabo-de-guerra, que efectivamente demonstrou ser. E logo que chega a Bissau, deseja tomar súbito conhecimento da situação político-militar da Província.
E ao tempo, a região do Boé era particularmente visada, pelas piores das razões: inóspita, pobre, sem população civil, fronteiriça com a Guiné-Conacri, com meios militares manifestamente insuficientes e de dificultado apoio logístico.
Também, o local de Gandembel/Ponte Balana, estava apontado a círculo vermelho, por um conjunto de circunstâncias adversas, no que revelava ter sido objecto de uma hedionda manobra militar, leviana e irresponsável, com as tropas aí envolvidas a serem constantemente assoladas pelo PAIGC.

Curiosamente, a 1.ª Directiva do Comandante-Chefe, em Junho de 1968, toma como assunto a remodelação do dispositivo militar da região do Boé, em que aponta a transferência de Madina para localização em área-chave da região do Che-Che e faz abandonar o destacamento de Béli.
Tal manifesto, faz fenecer de forma drástica, qualquer estratégia quanto à região, e toda uma vasta zona entre a fronteira e o Corubal torna-se num dilacerante espinho que se acera inclementemente sobre a isolada Companhia de Madina do Boé, e o PAIGC soube argutamente terçar as suas armas, para vir a reclamar o domínio total sobre esse território.

Em face do ocorrido, julgo que Spínola teve um forte receio na construção do aquartelamento que previra, onde se tornava imprescindível um enorme apoio logístico geral, que a Província não detinha. Optará tão-só pela retirada, com as consequências supra referidas, procurando a melhor época para o fazer.

Quanto a Gandembel/Ponte Balana, aonde se desloca pela 1.ª vez a 28 de Maio, facilmente reconhece que está ante um colossal erro estratégico, mas não quer tomar qualquer decisão, ficando na expectativa de melhores e promissores dias.
Todavia, a situação cada vez é mais gravosa, com o local a continuar a ser um abismal palco de guerra, sempre na lista negra das más notícias.

Os objectivos da Operação que determinaram à construção daquele aquartelamento, foram inteiramente envilecidos. Não se conseguiu travar ou mesmo minimizar as acções que o PAIGC mantinha no interior da Província; e inclusive, contribuiu para acirrar ódios nas zonas envolventes a Aldeia Formosa, levando o PAIGC a agir de forma violenta e brutal, semeando o pavor na densa população indígena que povoava esses vastos chãos.
Para colmatar esta enorme brecha, a fim de tornar estas áreas mais sossegadas, é obrigado a fazer uso de tropa de elite (cerca de 1/3 dos efectivos dos pára-quedistas, em constante permanência, um bem demasiado escasso e tão necessário em outras frentes).
Sem nada referir, aproveita então a circunstância, há muito tempo definida, da evacuação de Madina do Boé, para também resolver arquivar em definitivo o dossier de Gandembel/Ponte Balana.
Foi definido um espaço muito curto para se proceder à retirada, e a Companhia aí sediada – a minha CCaç 2317 -, sai como que a trouxe-mouxe e debanda rumo a Aldeia Formosa. O PAIGC nem deu pela nossa saída, pois que o local de Gandembel viria a ser violentamente flagelado nessa noite.
E assim faria esvanecer o que, logo que chegou à Província, tivera assumido. A região do Boé, que teve forças militares desde 1961 e que foram paulatinamente minguando; Gandembel/Ponte Balana, junto ao corredor de Guileje, com apenas 11 efémeros meses.

Esta última evacuação, realizada de forma muito secreta, aporta consigo o estigma de um agravante esquecimento. Julgo hoje, que o Exército procurou propositadamente intentar branquear este imenso malogro militar, e no seu arbítrio, conseguiu-o de algum modo. Os factos bélicos que atravessaram as vivências desse local, estão praticamente omissos nos arquivos histórico-militares, pelo que acabarão fatalmente por se apagarem.

Mas tais decisões, foram convenientemente acertadas?
Tento entrevê-las, ler-lhes o significado para poder emitir o meu juízo, obviamente muito subjectivo.

Spínola foi, porventura, um dos maiores estrategos da guerra colonial, mas numa vertente meramente militar. Era um homem frontal, denotando alguma obstinação quanto às directrizes que tomava, em que muitas delas, seguramente, o foram de resolução própria. Porém a guerra de guerrilhas, travada na Guiné, era exercida num mosaico labiríntico de díspares contrastes, tantas vezes complexo e perigoso, que o ardil, a sageza e a perfídia de alguns brilhantes guerrilheiros do PAIGC sabiam tão bem urdir.
À medida que vai tomando conhecimento da situação global das suas próprias forças armadas (NT), bem como do poder bélico que o PAIGC detinha, Spínola procura sempre jogar a última cartada que tinha ao seu alcance. Mas nem sempre o fiel da balança pende para o seu lado, e muito mais tarde após o meu regresso (Dezembro de 1969), com o Senegal a permitir a movimentação do PAIGC, julgo que compreende que a situação militar se tumultua, e que ter-se-á de empreender um outro rumo, muito para além do estritamente militar.

Da retirada da região do Boé, a ilação que retiro, é que tal facto não trouxe grandes vicissitudes às zonas envolventes do sector de Nova Lamego, onde a minha Companhia viria findar a sua comissão, numa estada de cerca de 6 meses; o aquartelamento de Nova Lamego era bastante sereno, e os itinerários que se encruzilhavam para oeste (Bafatá) e para norte (Pirada), não ofereciam quaisquer dificuldades, o que leva a depreender que o efectivo bélico do PAIGC, que se acoitava na Guiné-Conacri, não era numeroso.

Já o mesmo não se pode afirmar sobre os efectivos do PAIGC que actuavam sobre Gandembel/Ponte Balana, que ficando livres, se dispersam pela imensa região do Tombali e Forreá, no arco Buba, Aldeia Formosa e Guileje, onde no imediato, uma grande parte vem actuar na obstrução à construção da estrada de Buba – Aldeia Formosa, que se converte numa pungente odisseia. E Guileje, que já assistira à retirada de Mejo, também tem de aumentar a sua vigilância, e está-se a uma distância enorme do ano de 1973.

Spínola, não teve grandes dúvidas em se aperceber da situação de desastre a que a Companhia estava votada, do forte poder bélico que o PAIGC demonstrava. Procurou a sua ocasião, que em seu entendimento, deveria procurar coincidir com a de Madina do Boé.
Teria sido mais ousado na antecipação da retirada, evitando as perdas sofridas de muitos militares. De todo o modo, reconheço que a vinda permanente dos pára-quedistas, quase estancou a hemorragia, pois a estes abnegados homens, a grande generalidade de nós deve-lhes a vida.
Spínola tomava atitudes desconcertantes para o mais humilde dos militares. O que fez pela minha Companhia, merece a maior das considerações.
Mas o abandono não foi da nossa laia. E hoje, ao sabor do premir das teclas alinhavando estas linhas, perpassa um frémito abalo de emoção contida, porquanto os momentos dramáticos foram tantos e tão intensos, quanto as marcas profundas de sofrimento ou as incontornáveis mazelas taciturnas e dolentes. As violências pessoais, só parecem contar para o inventário de nós mesmos.

Quanto a alguns depoimentos expressos, obviamente que não fiquei indiferente à prosápia insolente do ex-capitão Almeida Bruno, que tive o ensejo de conhecer na qualidade de ajudante-de-campo de António de Spínola, e que sempre o acompanhou nas deslocações a Gandembel.
Em meu entendimento, do início das campanhas de África, o Estado Novo não fez surgir unicamente o “Angola é nossa”, como também fez criar muitos heróis, agraciando-os pelas suas raras qualidades de valor, lealdade e mérito. Alguns destes, convenceram-se que tinham sido fadados para sobressaírem como guerreiros de elevado quilate, e Almeida Bruno foi um deles.

Tive a oportunidade de contactar com militares de alta estirpe, caso dos pára-quedistas, ou de Fabião, Corvacho, Azeredo e poucos mais.

Dentre estes, Carlos Fabião foi um referencial que muito prezo. De uma enorme dimensão humana, a um militar de craveira superior, pareciam sobrar-lhes valores de probidade e estatura.

O Almeida Bruno, pela condição que detinha, era um militar onde ressaía uma certa presunção, procurando distinguir-se entre os demais.
E como nunca conheceu o que foi pernoitar noite após noite em abrigos desabrigados; como jamais ouviu a metralha mais ou menos continuada, por vezes de tempo infindo, de um ataque ao local de vivência; como nunca procurou quotidianamente água para beber nos charcos do Balana; como nunca se confrontou com comida quase intragável, onde o arroz se toldava com a marmelada; como nunca necessitou de estar de atalaia permanente para reconhecer nas noites medonhas, os sons estrídulos que entonteciam; como nunca supôs o que foi um trabalho insano de pá e picareta, com a G-3 pousada ao lado; permite-se afirmar que tais acções eram próprias de bandos acoitados dentro do arame farpado.

Má figura para tão nobre gente!

Almeida Bruno, como homem da guerrilha, alcandorava-se entre os primeiros. Porém as suas acções eram devidamente planeadas, intervindo em zonas antecipadamente identificadas por via aérea, e os resultados forçosamente teriam que surgir (os célebres roncos dos comandos africanos).
As afirmações que Almeida Bruno proferiu para o documentário, foram feitas num período em que a guerra colonial tinha acabado há muito, e se já não estava na reserva com a patente mais elevada do Exército, estaria imbuído de um alto cargo militar, e portanto competia-lhe ser bastante mais cuidadoso.
Ousou a forma mais soez, a de vilipendiar milhares de homens, em que teve ocasião de conhecer como muito poucos, as condições em que sobrevivia naqueles aquartelamentos e destacamentos.

Não me esquivo de comentar um caso que se passou em Gandembel, numa das visitas de Spínola.

As casernas-abrigo tinham umas frecheiras frontais de formato rectangular. Em uma delas, pendurava-se a metralhadora MG-42, que permitia a sua utilização em caso de risco de aproximação inimiga. E o local mais adequado para estar, só podia ser aquele.
Almeida Bruno, ao sair de uma das casernas, questiona-me quanto à utilidade daquela mangueira, no que me fiz desentendido, perguntando-lhe a que se referia.
Apontou-me para a metralhadora e disse-me que aquilo não servia para nada. Não podia ficar mudo, e respondi-lhe mais ou menos com as seguintes palavras:
- Desculpe-me meu capitão, o Senhor de guerra de guerrilha deve perceber muito mais do que eu, agora de ataques a um aquartelamento, estamos a uma distância enorme.

Não fez mais qualquer afirmação, porquanto o helicóptero já poisara para levar os 2 homens a outro destino.

Um depoimento para a posterioridade. E o Blogue virou mais uma página à indiferença, ao afirmar o seu direito à indignação, com a Tabanca Grande a não querer pactuar com a insensatez ou o desmando, qualquer que seja o seu remetente.

Um cordial abraço do Idálio Reis, a toda a Tertúlia, com boas mas poucas amêndoas de Páscoa.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3984: Nuvens sobre Bissau (17): Curvo-me à memória do Nino, o homem que nos fez a vida negra em Gandembel/Balana (Idálio Reis)

(**) Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4151: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (12): As origens dos bandos da Guiné (Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P4164: (Ex)citações (22): O Gen A. Bruno gostava de fardas e do que elas representavam em tempo de paz (Santos Oliveira)

1. Comentário de Santos Oliveira, ex-2.º Srgt Mil Armas Pesadas, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, com data de 28 de Março no poste 4089 (*):

Caros Camaradas e ao Povo
O Gen Almeida Bruno. Quando se decidiu inscrever na Escola do Exército deveria ter sido por uma de três razões:

1 ) – Gostava de Fardas e do que elas representavam enquanto havia Paz, logo
2 ) – Pensaria estar preparado para a Guerra (coisa distante e improvável na época), se, teoricamente soubesse os conceitos elementares de tal Arte.
3 ) – Não sentia apetência para fazer um Trabalho Dependente (ou independente), onde teria que o executar.

Na verdade, a Corporação Castrense, sempre humilhou e espezinhou os pobres civis que por via da Lei se tornavam subordinados e profissionais para o Estado de Guerra que um dia, infelizmente, chegou.

Aí, a Corporação funcionava a dois níveis:
- o das Promoções a qualquer custo, mesmo que implicasse ultrapassar os próprios Camaradas de Armas;
- o da coesão absoluta sempre que o tema fossem os Milicianos;
- o de se inventarem todos os meios para a não participação nas Acções. Isto até ao grau de Capitão.

Para graduações superiores, sabe-se bem a luta pelas mordomias e quais os lugares mais ambicionados (carros com motorista às ordens, empregados domésticos, casa, etc.)

Perante o exposto, como o Senhor General afirma, o Governo de então, ter-se-ia defrontado com uma questão grave: os Oficiais do QP não se recusando a ir para o Mato, mas argumentando e inventando esquemas, tudo para o não fazer, decidiram dar acesso e facilidades para que os lugares de Combate pudessem vir a ser preenchidos por GENTE com mais PRÁCTICA e menos TEORIA. Gerou-se uma UNIÃO inesperada na Corporação Castrense. Que não podia ser, etc.

Ora, os BANDOS referidos pelo Senhor General, eram superiormente dirigidos por estes Teóricos que de Mato ou Bolanha, não sabiam nada, como se veio a verificar. A verdade é que eram eles (QP) quem decidia quando e quem saía ou ficava no arame farpado. Eles eram os VERDADEIROS RESPONSÁVEIS pelo planeamento das Acções.

Como as Bases de Fusos e Páras se situavam, sempre, nos lugares estrategicamente mais seguros, só faltava pedir, por favor, ao inimigo que fizesse qualquer coisinha. Mas aí, Senhor General, existia INICIATIVA com ou sem o consentimento das Instâncias em que o Exército se escudava.

Na verdade, só me resta citar e HONRAR as EXCEPÇÕES, (Infelizmente foram imensas) aqueles que trabalharam no, terreno, com os Milicianos, NÃO LHES FOI PERMITIDO ACESSO NA CARREIRA, A POSTOS SUPERIORES: NÃO PASSARAM DE CORONEL!...

Ao fim de tantos anos, Senhor General, entendo e fico-me com a certeza de que as Forças Armadas (QP) ainda não aprenderam com os erros. Perderam, de todo, o rumo.

Quando, há dias, um jornalista levantou uma pequena casca de ferimentos em Combate, começo a crer que tenha visto SANGUE APODRECIDO E PUS. O Senhor General, levantou o cascão e acaba por se verificar que já aparece gangrena. É que com visões desta envergadura e com esta autoridade, o homem não pode deixar de acreditar no que nem vê.

Santos Oliveira
Sarg.Mil.A.Pes./Rânger
do extinto P.Mort. 912
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4148: Comentários que merecem ser Postes (2): Sinto um enorme orgulho em fazer parte desta enorme família (Cátia Félix)

Guiné 63/74 - P4163: Tabanca Grande (132): Fernando Gouveia, ex-Alf Mil de Rec e Inf (Bafatá, 1968/70)

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, nosso novo camarada, com data de 5 de Abril de 2009:

Camarada Luís Graça:

Só agora me é possível mandar os elementos para a inscrição na TG bem com a 1.ª estória.

A somar a todas as peripécias tive o PC avariado com a consequente reinstalação dos programas, etc.

Não vou prometer regularidade no envio das estórias mas vou fazer um esforço para, se não for semanal, será pelo menos quinzenal.

Esta 1ª estória considero-a grande e a 2ª é um pouco maior mas depois serão sempre bastante mais pequenas. Gostava de um feed-back sobre o tamanho (e não só) desta 1.ª.

O CVM vai incluído na 1.ª estória. Não sei se seria mais correcto enviá-lo à parte ou não.

Lamento, mas sobre Contuboel não tenho nada.

Mando em anexo todos os elementos

Um abraço
Fernando Gouveia


2. Comentário de CV:

Caro camarada Fernando Gouveia, bem-vindo à nossa Tabanca, onde te vais sentir bem.

De acordo com as normas de admissão na Tertúlia, pagaste já a jóia, enviando as fotos da praxe e uma história. Considera-te um membro de plenas obrigações, já que direitos não temos. Entre outras, a nossa maior obrigação resulta da responsabilidade que assumimos em contar as nossas experiências enquanto combatentes, para que outros, mais tarde, face aos elementos por nós deixados, possam fazer a história tão verdadeira quanto possível, da guerra da Guiné.

Elementos mais técnicos, comentários mais ou menos avalisados, histórias das Unidades, das Operações e estórias contadas na primeira pessoa, tudo contribuirá para um espólio que queremos deixar para memória futura. Não é por acaso que este Blogue é utilizado por alunos universitários como fonte de informação para os seus trabalhos de investigação.

Deixo-te um abraço colectivo em nome de toda a tertúlia e em especial dos editores que esperam que lhes dês muito trabalho.

CV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4145: Tabanca Grande (131): José Cortes, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito (1972/74)