Foto nº 1 A > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967
Foto nº 1 > Madina do Boé: vista aérea, tirada de DO 27, c. 1967. As tão faladas colinas do Boé... "O resto era deserto", diz o fotógrafo...
Foto nº 2A > Coluna logística a Madina (I)
Foto nº 2 > Foto nº 2A > Coluna logística a Madina (II)
Foto nº 3A >Foto nº 2A > Coluna logística a Madina (III)
Foto nº 3B > Foto nº 2A > Coluna logística a Madina (IV)
Foto nº 4A > Foto nº 2A > Coluna logística a Madina (V)
Foto nº 4BFoto nº 2A > Coluna logística a Madina (VI)
Foto nº 5A > Coluna logística a Madina (VII)
Foto nº 6A > > Coluna logística a Madina (VIII)
Foto nº 6 > Coluna logística a Madina (IX)
Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > s/d >
Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mais fotos do álbum do Manuel Coelho, ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), o nosso grande fotógrafo de Madina do Boé (*).
Escreve o nosso editor Luís Graça:
Cheguei a Bissau, pelas 21h00, do dia 29 de maio de 1969, 5ª feira, no T/T Niassa. Tinha partido do Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, no sábado, dia 24. Cinco dias de viagem... Só na manhã do dia seguinte, sexta feira, é que fomos despejados, qual mercadoria indesejada...
Dizem os registos que a a 31, sábado, no Depósito de Adidos, SEXA, o Comandante-Chefe das Forças Armadas, Brigadeiro António de Spínola, passou revista às tropas em parada, com pompa e circunstância, e dirigiu-nos palavras de boas-vindas.
Jã não me lembro dessa "cena", como diriam os putos de hoje... Muito menos me lembro do discurso, pronunciado naquela inconfundível voz de ventrícola do nosso Homem Grande (Essa voz, sim, reconhecê-la-ia até no inferno, voltei a encontrá-lo, mais tarde, no destacamemto do rio Udunduma, foi-me lá desejar boas festas de Ano Novo)...
Lembro-me isso, sim, de deambular pelas ruas de Bissau, eu e outros camaradas, completamente desidratados, sufocados pelo calor e a humidade típicos do início da época das chuvas... Estávamos nos Adidos, apanhámos uma boleia num Unimog 404... Procurávamos, desesperadamente, bebidas frescas, algo que matasse a nossa insaciável sede...que não nos largaria desde o desembarque...
Já não sei o que bebi: talvez a primeira e única Fanta da minha comissão na Guiné... Aprenderia depois a beber uísque com água de Perrier... Do que não me esqueço foi dos boatos que fervilhavam em Bissau: Madina do Boé, Gadambel, Guileje...
Devo ter passado pela 5º Rep, nesse fim de semana. o famigerado Café Bento, ao pé da Amura... Acho que foi aí que começamos a perder, se não a guerra, pelo menos a vontade de a ganhar... Terá sido lá, ou nos Adidos, que ouvi as primeiras "galgas" sobre o que se passava no mato... A"boataria" devia fazer parte da guerra psicológica do PAIGC ou, pelo menos, fazia o seu jogo...
Não fazia a mínima ideia onde ficava Madina do Boé, mas já sabia, através dos jornais da metrópole, da tragédia que ocorrera no rio Corubal, 3 meses e tal antes, em 6 de fevereiro de 1969... Não sabia onde era Madina, Gandembel ou Guileje, era lá para o mato profundo, no sudeste ou no sul... E sobre Madina do Boé viria logo a conhecer pormenores da operação de retirada das NT, através da boca de quem lá terá estado iu era de lá (por exemplo, soldados africanos que estavam no Centro de Instrução Militar de Contuboel, aonde cheguei logo no dia 2 de junho, ao fim do dia. ..
Em Contuboel e depois em Bafatá e em Bambadinca, contavam-se histórias, terríficos, das colunas logísticas que abasteciam Béli e Madina do Boé, das dezenas e dezenas de viaturas que lá ficaram, da tragédia que se abateu sobre os rapazes da CCAÇ 2405 e da CCAÇ 1790... A CCAÇ 2405 pertencia ao BCAÇ 2852, cujo comando e CCS estavam em Bambadinca...
Enfim, massacraram as nossas cabeças de "periquitos" com histórias medonhas: uma ideia, naturalmente distorcida com que fiquei, logo em junho de 1969, era a de Madina do Boé poderia ter sido o nosso Dien Bien Phu, a última e decisiva batalha da guerra da Indochina, onde depois de um longo cerco de várias semanas as tropas da União Francesa capitularam em 7 de Maio de 1954, perante o poderoso exército do general Giap, do Viêt Minh, com perdas brutais de um lado e do outro (mortos, feridos, prisioneiros, desaparecidos).
Disseram-me que o nosso quartel estava situado estupidamente num vale, tal como Dien Bien Phu, rodeado de colinas... Os nossos camaradas eram apanhados à mão, e se levantavam a cabeça, nos abrigos, apanhavam logo com umas canhoadas... Os abrigos de Madina, imaginem, estava ao alcance das granadas de mão dos guerrilheiros do PAIGC... Spínola, o "homem grande", decidiu tirar os nossos rapazes daquele inferno, tal como já tinha mandado retirar Béli... Teria sido uma brilhante página da nossa história militar se não tem acontecido o desastre do Cheche...
Hoje, ver ao foto nº 1 do Manuel Coelho, a vista aérea do quartel e da pequena tabanca de Madina, e as restantes cinco que documentam a chegada de uma coluna logística com apoio aéreo (T 6) (fotos nº 2 a 6), concordo com a decisão, ajuizada, do nosso com-chefe mas reconheço que as histórias que se contavam no "mentidero" do Café Bento também eram um bocado exageradas...
Não sei se Madina era "defensável", estou de acordo, sim, com a opinião generalizada de que não era fácil levar os comes & bebes, mais as munições, aos bravos que defendiam aquele bocado de terra... O fantasma de Dien Bien Phu chegou a pairar por aqui... e pelo café Bento, a famosa 5ª Rep...
Muitos, a começar pelo cor inf Hélio Felgas, desprezaram o valor estratégico e simbólico de Madina do Boé... Amílcar Cabral e os seus diplomatas souberam fazer de Madina do Boé um verdadeiro ícone da "guerra de libertação", levando todo o mundo a crer que a declaração unilateral de independência, em 24 de setembro de 1973, foi lá...
Na realidade, há muitas formas de conquista: Madina do Boé, tal como Béli, Guileje, Gandembel, Ponta do Inglês e outras posições do exército português no TO da Guiné, não foram conquistadas pelo PAIGC, foram retiradas pelas NT. Em
Dien Bien Phu houve uma batalha, e essa batalha foi perdida pelos franceses. Em Madina do Boé poderia a história repetir-se. Spínola aprendeu com os erros dos outros... Mas o rio Corubal, em Cheche, tramou-nos. Para nós, Madina do Boé ficará para sempre associada ao desastre do Cheche. (Se calhar, em parte injustamente, esquecendo o sacrifício dos que a defenderam e a abasteceram durante vários anos, até à retirada, em 6/2/1969.)
O PAIGC fez de Madina do Boé, o que devia (e tinha a) fazer; um instrumento de propaganda, um "ronco", um troféu de guerra... As guerras não se ganham só com as espingardas (a força), ganham-se também pelas palavras (a inteligência)...
PS - Escreveu o nosso fotógrafo, num mail que me enviou, em 26 do corrente: "Sobre as colunas de reabastecimentos a Madina e Béli,
o Poste 13336, de Domingos Gonçalves , é a melhor descrição que se possa fazer. Fabuloso!" (**)...
É inteiramente justo lembrar aqui o nome do nosso camarada Domingos Gonçalves, um dos bravos do Boé, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887 (
Nova Lamego,
Fá Mandinga e
Binta, 1966/68). membro da nossa Tabanca Grande.
____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 26 de julho de 2018 >
Guiné 61/74 - P18871: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte III: A operação rotineira de manobra e montagem da segurança da jangada que fazia a travessia do Rio Corubal, no Cheche: fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)
(**) Vd. poste de 27 de junho de 2014 >
Guiné 63/74 - P13336: Memórias da CCAÇ 1546 (Domingos Gonçalves) (3) - Reportagens da Época (1966): Viagem a Madina do Boé
(...) MEMÓRIAS DA CCAÇ 1546 (1966) - REPORTAGENS DA ÉPOCA - 3. VIAGEM A MADINA
Dia 20
Começaram os preparativos para o transporte de abastecimentos a Madina do Boé. Os géneros começaram a ser transportados para o destacamento do Ché-Che, onde ficam armazenados.
Não devem faltar muitos dias para que a companhia de caçadores n.º 1546 atravesse de novo o rio para escoltar as viaturas que transportarão os géneros e as munições para o abastecimento, durante a época das chuvas, da companhia n.º 1416, aprisionada dentro de um rectângulo de arame farpado, numa terra a que ainda se dá o nome de Madina do Boé. Um nome que apenas faz lembrar, a quem o escuta, o sofrimento de um grupo de homens valorosos que, estoicamente, ali vão permanecendo.
Eles, sim, merecem ser chamados de heróis.
Pelas onze horas e meia o pelotão do Alferes Y, partiu para o Ché-Che, escoltando as primeiras viaturas carregadas de géneros. Não almoçaram porque à hora em que saíram ainda não havia almoço. Não jantaram porque, quando chegaram, era tarde e já não havia jantar... Não receberam ração de combate, porque a companhia precisa de economizar algumas dezenas de rações... Passaram fome! (...)
(...) Dia 22
Pelas onze horas chegou, sob o comando do capitão, o restante pessoal da companhia. O Tenente Coronel X, comandante do meu Batalhão, veio, também, na coluna. Parte do pessoal atravessou, ainda cedo, para a margem Sul do Corubal e ocupou a zona ribeirinha. Entretanto, durante toda a tarde, a jangada foi transportando para a margem Sul as viaturas e os géneros.
Toda a companhia passou a noite na margem Sul. Durante a noite choveu muito. Como não havia local onde nos abrigássemos apanhou-se com a chuva toda. Foi o suficiente para ninguém dormir nada.
Perto da margem do rio rebentou uma armadilha anti-pessoal sob a roda de uma viatura. Fez apenas estragos ligeiros e não feriu ninguém. A mina anti-pessoal rebentou, perto do tronco de uma árvore, onde, normalmente, todos temos tendência para nos encostar. Foi uma sorte a viatura ter passado primeiro. (...)
Dia 23
Continuou a travessia de géneros para a margem Sul, onde nos encontramos. É uma operação lenta e muito perigosa. A jangada está arruinada e não oferece nenhumas condições de segurança.
Hoje, caiu outra viatura ao rio e por lá ficou mergulhada, a tomar banho. Desta vez também não tivemos, ainda, desastres pessoais. Temos andado com muita sorte. Se um dia o raio deste calhambeque perde a estabilidade quando transportar soldados, será uma catástrofe..
De noite, as formigas e os mosquitos não deixaram dormir ninguém. O local onde se pernoitou, devido às chuvas, transformou-se num enorme lamaçal.
Dia 24
Ainda cedo iniciou-se o transporte dos géneros para Madina do Boé. Fiquei todo o dia, com o meu grupo de combate, emboscado na zona da tabanca do Vilongo, uma povoação abandonada, cujo espaço o capim depressa se encarregou de conquistar.
Pelas duas horas da tarde, já perto do cruzamento Béli/Madina, explodiu uma mina anti-carro sob a roda de uma viatura. Uma das secções do meu pelotão, que seguia do Vilongo [Bilonco] para o Ché-Che, a prestar segurança às viaturas, foi toda projectada para o chão.
Todos os soldados dessa secção ficaram feridos. Todos menos o Eusébio que, por simples acaso, não seguia naquele meio de transporte. Reparei que o rapaz trazia um terço pendurado ao pescoço.
Nenhum dos feridos corre perigo, mas foram todos transportados para Bissau de helicóptero.
Ao cair da noite fomos para Madina do Boé, onde se pernoitou. O nosso comandante de batalhão acompanhou-nos sempre durante esta aventura. É dos poucos (ou talvez o único dos) comandantes de batalhão que se metem nestas andanças. (...)
Dia 25
De manhã, partindo de Madina, a companhia foi ao monte (uma pequena elevação) junto ao cruzamento de Béli/Madina, fazer uma pequena operação. Depois, um dos pelotões foi ao Ché-Che buscar mais géneros. De tarde voltou toda a gente para Madina.
O comandante de Nova Lamego veio a Madina. Como não podia deixar de ser, veio de avião.
No regresso ofereceu boleia ao meu comandante de batalhão [tenente-coronel de infantaria Manuel Agostinho Ferreira] , mas ele não aceitou. Prefere regressar, acompanhando-nos, conhecendo o nosso dia a dia, e as dificuldades que em cada encruzilhada estão à nossa espera. (...)
Dia 26
Às sete horas da manhã iniciou-se a viagem de regresso a Nova Lamego. Caminhou-se quase sempre sob uma chuva intensa. Recuperou-se a viatura que accionou a mina anti-carro.
Ao anoitecer as viaturas já estavam todas na margem Norte do rio Corubal. Desta vez a jangada portou-se bem. Não nos pregou nenhuma das partidas do costume. Já merecíamos ter alguma sorte na travessia deste rio.
Cansados e famintos, atingimos Nova Lamego quase à meia noite. Foi quase uma semana de fome, sede, fadiga e trabalho sem fim. Acima de tudo foi uma semana de tensão nervosa contínua, onde a miragem do perigo foi constante, tocando, às vezes, os limites da resistência psíquica de cada um de nós. Mas, estoicamente, todos vão aguentando... Todos vão passando além dos limites da capacidade de aguentar... Regra geral, a nossa capacidade de resistir é sempre maior do que aquilo que nós próprios pensamos. Somos sempre capazes de chegar um pouco mais longe...
Impressionou-me, nesta viagem, a personalidade do capitão da companhia de Madina do Boé [, Ccaç 1416]. É um homem especial. É mesmo um homem invulgar. Dele pode dizer-se que é um guerreiro nato. (...)