Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 24 de abril de 2010
Guiné 63/74 - P6243: O 6º aniversário do nosso blogue (29): Aqui vamos adquirindo conhecimentos sobre outras culturas e tradições (Filomena Sampaio)
Amigo Carlos,
Motivos não me faltam para deixar uma mensagem de parabéns pelo 6º aniversário do Blogue.
Como leitora do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que leio quase diariamente, quero dar os parabéns ao comandante Luís Graça e aos seus co-editores, pelo sucesso deste distinto espaço de leitura e informação. Para além de ficarmos com uma ideia do que foi a vida dos Nossos Militares em Guerra no Ultramar, também vamos adquirindo conhecimento sobre outras culturas e tradições, algumas que nos levam a reflectir e a querer saber mais.
Frequento o Clube de “Cidadania é Cultura” e decidi levar para discussão do grupo o tema “Mutilação Genital Feminina”. Foi através deste Blogue que tomei conhecimento desta tradição, e com base no que li e pesquisei escrevi um texto e fiz uma apresentação em Power Point.
Foi interessante, levantou muitas questões.
Obrigada a todos.
O livro que li – “Pami Na Dondo, A Guerrilheira” que me foi oferecido pelo autor Mário Fitas, (ex-Furriel Miliciano Operações Especiais, Guiné 1965/1966), um homem de palavra sentida, com uma vivência fortemente marcada pela guerra geradora de brutalidade e simultaneamente de forte amizade entre camaradas.
Esta obra varia entre a ficção e a realidade, somos transportados desde a vivência dos militantes do P.A.I.G.C. (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde) até à acção e forma de viver dos soldados que compõem a companhia, uma Unidade do Exército Português, onde o autor esteve integrado, numa comissão de serviço militar na Guiné.
Nesta obra, o autor retrata a vida duma jovem guerreira que luta pela Independência do seu país, a Guiné.
É uma história interessante, pois relata a vida de Pami em várias fases, fazendo referência entre muitos outros aspectos, ao facto de Pami não ter sido sujeita à mutilação genital feminina, o que na comunidade guineense muçulmana à qual pertencia, era prática tradicional.
Conta a maneira como Pami se transformou numa guerrilheira do P.A.I.G.C. que para ela seguia a prossecução dos objectivos que ela também visava.
Alistada nas hostes da guerrilha, sofre um acidente que lhe incapacita um dos braços e acaba professora do P.A.I.G.C., devido à sua formação escolar, (quarta classe de alfabetização) e pelo facto de falar correctamente o português.
Muito do que sabe, aprendeu sozinha lendo e interpretando um dicionário que um padre lhe ofereceu.
É na escola que ela mentaliza e doutrina os futuros guerrilheiros.
Numa emboscada das N.T. (Nossas Tropas), à tabanca (povoação) Pami e outros guerrilheiros são feitos prisioneiros, são interrogados pelas N.T., uns são mortos outros são libertados, mas Pami, continua prisioneira das N.T. pois não conta a verdade sobre a sua condição, afirma que só responde em balanta, (dialecto da tribo com o mesmo nome, uma etnia muçulmana existentes na Guiné), fazendo-se ignorante a qualquer outra língua.
Pami fica retida no Interior do Aquartelamento, é vigiada e interrogada várias vezes, mas não confessa a sua condição de guerrilheira.
Quando é descoberta, pensa que o comandante das N.T., a vai matar da mesma forma que matou os seus companheiros de luta, mas contrariamente ao que aconteceu com os seus companheiros, foi libertada e deixada livre para seguir o seu caminho.
Não sendo a mutilação genital feminina o tema de maior relevo na história contada neste livro, despertou-me uma certa curiosidade e talvez pelo facto de ser mulher me tenha levado a pesquisar sobre o assunto.
O que li não é de forma alguma agradável, muito pelo contrário.
A mutilação genital feminina praticada em certas partes da África, na Península Arábica e em zonas da Ásia, tem uma origem de ordem cultural.
É rejeitada pela civilização ocidental, considerada um dos grandes horrores do continente africano que pensa que a forma de mudar esta mentalidade é educar as mulheres mais velhas que perpetuam este costume, bem como os homens mostrando os danos físicos e psicológicos causados nas meninas que têm de se sujeitar a esta prática.
Não fundamentada religiosamente, acredita-se que esta prática seja muçulmana e que a mutilação genital feminina está certa. Os pais, mais propriamente a mãe e a avó têm voto na matéria, eles acreditam que se a jovem não for "cortada" nunca irá arranjar um marido, isso é a pior coisa que pode acontecer a uma jovem. Se a jovem se sujeitar à MGF (Mutilação Genital Feminina) é uma condição prévia do casamento. Se uma mulher não for mutilada pensa-se que ela não é pura sendo vista como prostituta e excluída da sua própria sociedade.
Algumas razões apontadas para a realização da MGF são assegurar a castidade da mulher, a preservação da virgindade até ao casamento e a fertilidade da mulher. Por razões de higiene, estéticas ou de saúde, também se pensa que uma mulher não circuncidada não será capaz de dar à luz, ou que o contacto com o clítoris é fatal ao bebe.
A mutilação genital feminina elimina o prazer sexual. A sua prática está cercada de silêncios e é vivida em segredo, acarreta sérios riscos de saúde para a mulher, é muito dolorosa, por vezes de forma permanente, causa danos físicos e psicológicos irreversíveis sendo responsável pela morte de muitas meninas.
A remoção do órgão genital pode ser feito com instrumentos de corte impróprios (faca, caco de vidro ou navalha) não esterilizados e raramente com anestesia.
Um dos motivos para a continuidade deste ritual é a fonte de rendimento para os que a realizam. Mesmo para os médicos que a realizam em algumas clínicas, na tentativa de evitar que as meninas sofram os riscos e traumas resultantes de ablações anti-higiénicas e sem anestesia.
Normalmente é o pai que paga a “cirurgia”, para poder casar as filhas com homens que não aceitam mulheres não circuncidadas.
Têm-se promulgado leis para ilegalizar e criminalizar este costume. Embora muitos códigos penais não mencionem directamente os termos Circuncisão Feminina ou Mutilação Genital Feminina, é perfeitamente enquadrado como uma forma de "abuso grave de criança e de lesão corporal qualificada".
Vários organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), tem envidado esforços para desencorajar a prática da mutilação genital feminina. A ''Convenção sobre os Direitos da Criança'', assinada em Setembro de 1990, considera-a um acto de tortura e abuso sexual.
Em 2003 o Comité Inter-Africano de Práticas Tradicionais que Afectam Mulheres e Crianças, uma rede não-governamental, já levou à adopção de legislação contra as excisões em alguns países, iniciativa patrocinada pela ONU.
Reflexão:
Reconheço que em algumas situações devem ser mantidos os usos, costumes e tradições. Não se deve pôr em causa os valores nem as tradições dos povos. São símbolos de identidade, dentro ou fora do país. No entanto, considero que manter a tradição duma prática que causa um enorme sofrimento, é um atentado à saúde das mulheres e jovens, que as leva frequentemente à morte. É um desrespeito inaceitável pelos direitos humano.
Todos os países deviam adoptar uma legislação contra a mutilação genital.
Bibliografia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mutilação
http://www.acidi.gov.pt
Blogue de: Luís Graça & Camaradas da Guiné (marcadores: Mutilação Genital)
Filomena
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Nota de CV:
Vd. poste de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6242: O 6º aniversário do nosso blogue (28): O meu bem haja com o vozeirão maior que se possa conceber (Manuel Maia)
Guiné 63/74 - P6242: O 6º aniversário do nosso blogue (28): O meu bem haja com o vozeirão maior que se possa conceber (Manuel Maia)
Camaradas
Sendo impossível deixar de cair em lugares comuns quando se pretende expressar o nosso regozijo e especialmente agradecimento, ao comandante e seus "cabos d`ordens", limitar-me-ei a dar o meu bem haja com o vozeirão maior que se possa conceber .
Hoje é também dia de aniversário de um irmão meu e por isso mesmo tenho estado noutras guerras...
Se a capacidade criativa do Luís é por demais conhecida e merecedora dos maiores encómios, a quem saúdo daqui com um abraço forte de parabéns pela ideia e pela máquina tão bem oleada que gerou, os mosqueteiros de que se fez acompanhar, têm, eles também, uma enorme responsabilidade, nesta coisa fantástica de falarmos, tu cá tu lá, evidenciando um espírito de abertura extremamente saudável e sobretudo prenhe de amizade, pese embora o surgimento aqui ou ali de pequenos atritos motivados pela poeira que uma vez por outra se cola à engrenagem...
Esta vivência que já vai no sexto ano de existência, ( "malheureusement" só a descobri o ano passado...) será provavelmente, um "caso sério" a este nível, quer pela quantidade de "atabancados" quer ainda pelos posts e comentários em número verdadeiramente estrondoso...
Estou certo que cimentado que está, já só tem um caminho a seguir... crescer, crescer exponencialmente por forma a transformar as quatro centenas de "escribas" que somos em meio milhar já neste 2010, e ir por aí fora...
Amigo, avisa amigo, amigo traz outro amigo...
Parabéns, uma vez mais, ao Luís, e "sus muchachos", mas também a todos os que com as suas histórias vão enriquecendo e solidificando esta amizade que tem como base de sustentação, a vivência naquela terra que amamos mau grado os sacrificios lá passados...
Abraço a todos os tabanqueiros
Manuel Maia
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 10 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5798: Agenda cultural (57): Apresentação da História de Portugal Em Sextilhas, dia 26 de Fevereiro em Moreira da Maia (Manuel Maia)
Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6240: O 6º aniversário do nosso blogue (27): Parabéns
Guiné 63/74 - P6241: Tabanca Grande (215): Luís F. Camolas, Sold Mec Auto da CCS do BART 733 - Bissau/Farim -, 1964/66
Convidamos então o Camolas a aderir à tertúlia tabanquense, solicitando-lhe as fotos e o texto da praxe. Recebemos de imediato a sua resposta afirmativa, em 19 de Abril de 2010, e assim passamos apresentá-lo:
Camaradas,
Vivo em Setúbal, trabalhei como engenheiro nos EUA, 43 anos, e encontro-me actualmente na situação de reforma.
Seria um grande prazer poder reencontrar alguns camaradas e muito amigos, dos quais somente lembro alguns nomes, como os 1º Cabos 689 - José Fernando Moço, 597 Fernando Rodrigues Duarte, 596 Aníbal Pereira Santos, 518 Carlos Araújo (Setúbal), Fur Mil Fernando Gonçalves Carvalho de Oliveira, José Jorge Macedo e… enfim uma lista imensa.
Vou encontrar alguns camaradas e já sei que vai ser super emocionante.
Já recebi por correio o convite enviado pelo António José, com quem vou entrar em contacto no próximo domingo.
Aproveito para repetir o meu apelo de desejo de encontrar Camaradas e Amigos da minha CCS, que podem contactar-me para:
Um abraco,
Luís Camolas
Sold Mec Auto da CCS do BART 733
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em:
19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6189: Tabanca Grande (214): Sílvio Fagundes de Abrantes, de alcunha o Hoss, CCP 121 / BCP 12, 1970
Guiné 63/74 - P6240: O 6º aniversário do nosso blogue (27): Parabéns
1. Mensagem do Carlos Coutinho:
Então 6 anos - Bué de mata-bicho!
6 anos é mesmo bué de mata-bicho.
CC
2. Mensagem do Mário Fitas:
"OS LASSAS" de CUFAR
3. Mensagem do Pedro Neves:
Caros Editores da Tabanca Grande, Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e Magalhães Ribeiro;
Bom dia, Caros Camaradas e Amigos (Camarigos).
Passa um dia do aniversário do Blogue, mas mesmo assim (e vale mais tarde que nunca), gostaria de vos agradecer, as horas que me proporcionam, com a leitura dos postes e comentários aos mesmos, só possível graças à iniciativa do Luís Graça e "sus muchachos", (com a devida vénia) e sem esquecer o "mecenas" Humberto Reis, que deram origem a este fenómeno de adesão, desde o Soldado ao General (ao tempo, porque no Blogue não existem patentes) e que dá pelo nome de "blogueforanadaevaotres".
Em meu nome e estou convencido que dos restantes Tertulianos, os meus Parabéns pelo Aniversário do Blogue e que para o ano possamos todos, estar a festejar o 7º aniversário.
Com um GRANDE a todos e até ao dia 26-06-10, em Monte Real, sou:
Pedro Neves
Ex-Furriel Mil. Op. Especiais
C.Caç. 4745 - Águias de Binta
Guiné 73/74
4. Mensagem do Amílcar Ventura:
5. Mensagem do Carlos Marques Santos:
CMSantos
Fá Mandinga/ Mansambo 68-69
CART 2339
1º Cabo Mec Elect Centrais do BENG 447
8. Mensagem do Torcato Mendonça:
Caros Editores e Camaradas,
Dizem-me ser o sexto aniversário do Blogue, Luís Graça e Camaradas da Guiné, e eu folgo com isso. Mas questiono-me o que é o blogue? Quem faz anos?
Os de bilege? Também porque só prova a necessidade de nos conhecermos melhor como Povo.
Mas então para quem são os parabéns? Eu escrevi uma ou outra vez, comentei aqui e acolá... e vou dar parabéns a mim? Eu, além disso só para aqui vim em Maio de 2006 e fiquei.
Penso que os parabéns são para o fundador, para os editores, para todos os que pertencem e se identificam e acreditam na validade deste projecto.
Mas, se me o permitem envio os meus PARABÉNS e os meus agradecimentos aos Editores pelo excelente trabalho. São muitas horas roubadas sabe-se lá a quê e a quem...
Meus Camaradas Amigos para vocês o meu bem haja e, através de vós felicito toda esta Tertúlia de homens e mulheres de cá, do nosso País, ou da Guiné e os da Diáspora mundo fora como é sina nossa... partilhando o Mundo... não dando novos... já lá estava...
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Guiné 63/74 - P6239: Banco do Afecto contra a Solidão (8): Victor Tavares internado nos HUC, Coimbra, para uma delicada operação à coluna (Sílvio Abrantes / Paulo Santiago)
Data: 23 de Abril de 2010 20:29
Assunto: Vitor Tavares
Acabei de receber uma mensagem por telemóvel do nosso amigo Victor Tavares quer diz o seguinte:
Dei hoje entrada nos Hospitais da Universidade de Coimbra, serviço de neurocirurgia, para uma operação à coluna. Cama 32. Já estou a fazer os exames necessários. Se tudo correr bem vou ser operado na segunda-feira
dia 26.
Vamos todos torcer para que corra tudo bem ao nosso amigo Victor. Que Deus esteja contigo, amigo Victor neste momento tão difícil e que recuperes rapidamente.
Um abraço, Hoss
Grande Victor: Fiquei triste por saber que estás a passar um mau bocado, nomeadamente na sequência dos teus problemas de coluna que muito provavelmente já vêm da Guiné... Já pagaste a tua dívida à Pátria, é altura de, no Serviço Nacional de Saúde, nos Hospitais da Universidade de Coimbra, te tratarem à altura, como cidadão e grande português que foste e continuas a ser. Ficamos todos a torcer por ti. Acreditamos nas tuas rápidas melhoras. 410 Alfas Bravos para ti (com muito jeitinho, que é para não dar cabo do resto da tua pobre coluna). Luís Graça & Camaradas da Guiné.
Guiné 63/74 – P6238: Efemérides (44): Dia do Combatente. Comemorações do 9 de Abril em Lagoa (Arménio Estorninho)
Dia do Combatente
Comemorações do 9 de Abril em Lagoa
Desta feita trata-se de vos dar notícias do Núcleo de Lagoa/Portimão, da Liga do Combatentes, que assinalou mais uma passagem do 9 de Abril. As cerimónias foram levadas a efeito frente ao Memorial erigido à Memória dos Camaradas falecidos na Guerra do Ultramar e oriundos do Concelho de Lagoa.
Por conseguinte foi dada uma imagem, tanto quanto possível, das comemorações do dia do Combatente e concretizado pelo Núcleo de Lagoa/Portimão:
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Memorial aos Combatentes falecidos na Guerra do Ultramar
A comemoração teve a presença das entidades Civis e Militares, a seguir indicadas:
- Em representação do Presidente da Câmara Municipal de Lagoa esteve o Vereador Senhor Jaime Botelho;
- O Chefe de Gabinete do Presidente da Câmara, Dr. Joaquim José Cabrita;
- Capitão da GNR, (Aposentado) Domingos Garcia;
- Capitão da Força Aérea – TOCC, (Aposentado) Domingos Ramos;
- Capitão do Exército, (Aposentado) Paulo Neto.
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > As Entidades Oficiais nas Comemorações do dia do Combatente.
O Presidente do Núcleo, Cap. Paulo Neto, e perante a assistência dirigiu uma palestra dedicada ao combatente português.
Agradecendo e saudando a presença de todos, lembrando que a origem da data de 9 de Abril, refere-se a La Lys, na Flandres, a Norte de França e que houve a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial.
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Chefe de Gabinete do Presidente da C.M. Lagoa, Dr. Joaquim José Cabrita, Vereador da AML, Senhor Francisco Ramos, Senhores Reis e Luís Tito, Soldados prisioneiros na Índia e Capitão da FA – TOCC Aposentado, Domingos Ramos.
Tendo o exército Alemão com oito divisões, pelas primeiras horas do dia efectuado forte bombardeamento centrado contra as N/T e bem como o lançamento de gases.
Que ao fim de cerca de seis horas lançaram vagas de assalto sobre as tropas aliadas, que não conseguiram resistir e num só dia levando as Tropas Portuguesas a mais de sete mil homens mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros.
Contudo salientou a história do Soldado “O Milhões,”quando apercebeu-se que estava sozinho nas trincheiras, porque os seus Camaradas tinham-se retirado para posições mais recuadas, descarregou por várias vezes a sua metralhadora e enfrentando heroicamente o inimigo.
Sendo a maior Batalha que os Portugueses tiveram envolvidos.
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > o Presidente do Núcleo e Palestrante, Capitão Aposentado, Paulo Neto. Da esq. ex – Fur. José Júlio Nascimento, da Cart. 2520, Xime e Quinhamel, ex- Fur. Silva Nunes, da C.cav 2539, São Domingos, Representante do Presidente da C.M.L, Porta-bandeira Sargento da GNR Deodato Pais (Combatente em Angola) e o Fuzileiro Jacinto Guerreiro (Combatente em Angola e Moçambique), Capitão da GNR Aposentado, Domingues Garcia e o último (não identificado).
Prosseguindo nos seus considerandos disse, que nós estamos na Liga dos Combatentes da Guerra do Ultramar de 61/74, e, aqui reunidos pela nossa memória colectiva, porque ao tempo defendemos o que era considerado nosso e cumprindo o que nos era exigido.
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Luís Tito, Capitão Aposentado Domingos Ramos, eu tomando anotações, ex-Fur Silva Nunes e em zona posterior o Soldado Miguel Silva, da CCS do Bcaç 1894, Ingoré 69/71.
Pelo representante do Presidente da Câmara Municipal de Lagoa, o Vereador Sr. Jaime Botelho e o Presidente do Núcleo, Capitão Paulo Neto, foram colocadas duas coroas de flores no Memorial aos Combatentes.
Por um grupo da Fanfarra do Bombeiros de Portimão foi tocado a sentido, deu-se um minuto de silêncio em memória dos mortos e seguiu-se o toque a finados.
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Colocação de coroas de flores no Memorial, pelo Representante do Presidente da C.M. de Lagoa e do Presidente do Núcleo.
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Placa do Memorial e com nomes de militares falecidos na Guerra do Ultramar.
Lagoa > Algarve > 09ABR2010 > Placa do Memorial, com indicação de nomes dos militares falecidos no Ultramar.
Seguiu-se a romagem ao cemitério de Lagoa, com colocação de flores nas campas dos militares falecidos na Guerra do Ultramar e que eram oriundos desta Paróquia.
Por conseguinte foi dada uma imagem de tanto quanto possível, das comemorações do dia do Combatente e levado a efeito pelo Núcleo de Lagoa/Portimão.
Com os melhores cumprimentos deste Maioral,
Arménio Estorninho
1º Cabo Mec Auto Rodas da CCAÇ 2381
Fotos: © Arménio Estorninho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
4 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5768: Efemérides (43): 4 de Fevereiro de 1961, O princípio da Guerra Colonial (José Marques Ferreira)
Guiné 63/74 - P6237: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (18): Estados de alma, aerograma de 20 de Abril de 1971
Caro e amigo Carlos,
Junto encontrarás mais um pedacinho da minha história por terras da Guiné. Neste caso nem tive que rebuscar na memória; limitei-me a transcrever o aerograma que então mandei à minha madrinha de guerra.
Para este bate-estradas foi a sua última missão, e vai regressar ao baú das recordações de minha esposa.
Muita saúde para ti e para todos os nossos camaradas, com um abraço imenso do
José Câmara
Memórias e histórias minhas (18)
Estados de alma
Caros camaradas
Numa das trocas de correspondência que tive com o Carlos Vinhal, este ofereceu-me a possibilidade de abrir uma página para a correspondência que mantive com a minha madrinha de guerra. Declinei o convite, por me parecer que isso não traria nada de novo. Fui sempre muito comedido na minha correspondência, e nunca esqueci que me dirigia a uma jovem com apenas 16 anos de idade.
Estados de Alma é um exemplo do que escrevia e como escrevia. Caso raro, o aerograma que transcrevo é todo dedicado à Guiné. Para além disso, refiro um acontecimento da CCaç 3327 na Mata dos Madeiros. A primeira Missa que lá tivemos aconteceu no dia 17 de Abril de 1971. Para muitos de nós também era a primeira desde que deixáramos Santa Margarida em Janeiro desse ano. Para a religiosidade do soldado açoriano, e não só, esse acto de fé constituíu um dia de festa.
Aerograma de 20 de Abril de 1971
"Isabel,
Noite cálida e serena; convidativa ao devaneio do espírito e à conversa amena e sadia.
É, sem dúvida, uma excelente noite para escrever, e para me inteirar da tua saúde, o melhor dom que podemos ter, e que espero seja tua assídua companheira.
Isto por aqui vai óptimo, melhor mesmo do que aquilo que esperávamos. Para além do trabalho que é muito, diga-se de passagem, aqui sempre temos outra liberdade; claro que essa liberdade não é em todos os sentidos, mas estamos à vontade para comer, dormir, trabalhar e ainda temos tempo para pensar e sonhar. O que não há são notícias fresquinhas. E, sinceramente, é melhor não haver.
Nesta mata, vil e cruel assasssina, em que cada árvore pode esconder um turra e cada trilho mil e uma minas, quase tudo nos tem corrido da melhor forma. Não sabemos o que são as adversidades do tiroteio. Até já estamos admirados. Imploramos a Deus que possamos continuar admirados por muito tempo.
Por falar em Deus, não sei se algum dia te disse que os soldados da minha companhia tinham comprado uma imagem do Sagrado Coração de Maria... e, no último Sábado, tivemos a nossa primeira missa no mato.
Fizemos uma capelinha com folhas de palmeira; o altar, feito à pressa, era de caixas de cerveja. Os crentes vestiram a fatiota de gala: botas de lona, camuflado e espingarda às costas para o que desse e viesse.
Foi uma missa com um sabor especial... diferente... de muita fé, em todos os sentidos. Foi, por assim dizer, a inauguração da nossa Igreja... a Missa Nova do nosso muito amado Sagrado Coração de Maria
Foi um recordar de outros tempos, mas com a alegria própria de quem é jovem e sabe sê-lo.
Acampamento e localização da capela (seta amarela). Como nota a salientar, a cuidada vedação à volta da capela
E é tudo. Cumprimentos...".
A imagem do Sagrado Coração de Maria acompanhou sempre a CCaç 3327. Sem o poder confirmar, foi-me dito que a imagem está depositada na Igreja de São João Baptista, fazendo companhia a muitas outras imagens que acompanharam as companhias açorianas do BII17.
A majestosa Igreja de São João Baptista está ao centro do castelo que ostenta o mesmo nome, e que ao tempo era a sede do BII17, na cidade de Angra do Heroísmo, Ilha Terceira.
José Câmara
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6127: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (17): Quem marca o destino é Deus
Guiné 63/74 - P6236: História da CCAÇ 2679 (35): De estórias se faz a história de uma Companhia (José Manuel M. Dinis)
Meu Caro Amigo,
Também de estórias se faz a história de uma Companhia. Por isso, hoje, vão duas narrativas, mais uma, que são duas aglutinadas. São só três, mas podiam ser quatro. Isto até parece táctica para confundir o IN, mas não é.
Outra coisa: até recentemente, a exposição dos "posts" era mais duradoura. Provavelmente haverá boas razões para a alteração que se regista. Parece-me, no entanto, que o blogue não fica a ganhar.
Carlos, para ti e para o Tabancal, vai um grande abraço.
JD
HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (35)
De estórias se faz a história de uma Companhia
Estória n.º 1 (incompleta)
Seriam duas da manhã, quando acordei, surpreso, com o grito do Tito a simular alguma aflição: "Zé, acorda!".
Havia luz, uma luz amarelada, sumida, garantida pelo ronronar do gerador que, naquela ocasião, providenciava a iluminação periférica ao arame farpado, limite da aldeia e aquartelamento, não fossem os turras cortar o arame na escuridão da noite, e surpreender-nos. Ora, havendo iluminação no exterior, também havia no interior.
A pálida luz revelou-me o Zé Tito, com o riso suspenso do bigode, à Eroll Flynn, com ar de velhaco, enquanto estendia na minha direcção uma garrafa de qualquer "mustela", argumento suficiente para que eu não me chateasse com o importuno, estremunhar e ordenava: "bebe um bocado, bate-te à hepatite!".
Durante a comissão nós dois fomos sempre clientes dos quartos, nunca dormimos em abrigos, debaixo da terra, lugares onde os odores sudoríferos combinavam com ventosidades expelidas pelos ânus, vulgarmente conhecidas por peidos e bufas, conforme se manifestavam ruidosamente, ou pela calada, e ainda outros cheiros, como restos de comida e o conhecido cheiro da terra, principalmente enquanto húmida, contribuindo no conjunto para ambientes de nausea. Por isso, quais pi-pis da linha, arranjámos sempre pretexto para dormir nos quartos, lugares muito mais arejados, e com um mínimo de densidade populacional.
Nunca fiz concorrência às toupeiras e, uma ocasião, quando o Trapinhos distribuiu os furriéis no comando dos abrigos, contestei e aleguei que não dormia naquelas condições, além de que tinha que garantir o manuseamento do "81" em caso de ataque do IN. O resto da furrielada só às tantas, ou de manhã, regressava aos aposentos.
Molhei o bico. Voltei a adormecer.
Não sei se por estas, se por outras, é que o Zé Tito, aquando do segundo período de férias na Metrópole, foi à consulta externa no Hospital Militar, onde foi diagnosticado como sofrendo de uma qualquer hepatite, porque, como é sabido, há várias espécies de hepatite que não sei como se distinguem entre si, mas, naquele tempo e circunstâncias, tal maleita, a ser confirmada, dava direito a passar à peluda. Os exames complementares de diagnóstico que lhe fizeram, não lhe propiciaram tanto bem, mas renderam-lhe o prolongamento das férias por mais dois ou três meses, quando já pouco faltava para o final da comissão.
Entre nós havia uma cumplicidade que resultava de sermos amigos da juventude, e termo-nos acompanhado sempre ao longo da tropa, desde o primeiro dia, quando nos apresentámos em conjunto. Para onde um era colocado, o outro seguia o mesmo caminho, e à mesma hora. Coisa do acaso!
Durante o Verão de 71, o Zé escreveu-me um aerograma, descrevendo a nova situação militar em que se encontrava, e dava conta das grandes farras em que andava metido com o Carlos Santa, um amigo comum, mais tarde mobilizado para Nova Lamego, gozo esse patrocinado por umas francesas, descritas como muito jeitosas, alegres e dedicadas, que o aliviavam da ausência da saudosa Guiné. Nessa missiva, ainda me pedia para embrulhar os livros e as camisas, e para lhe mandar para casa, pois, imaginava, já não voltaria ao seio dos camaradas em Bajocunda. Tudo descrito com muito bons modos e delicadeza, que o rapaz tinha uma educação refinada.
Por acaso, nem sequer respondi.
Alguns dias mais tarde recebi novo aerograma, letras largas e margens vazias de texto, onde ele considerava que eu não teria lido o anterior, dava uma breve notícia da actividade na Metrópole e, depois, tratando-me de sacana, verberava para que eu lhe enviasse as camisas e os livros, na medida em que, para a Guiné... jamais!
Por razões quaisquer, de que a mais relevante é a minha tendência para a sorna e o deixar-andar, voltei a não responder. Até que...
Recebi um terceiro aerograma, simples e ordinário, onde me dispensava um tratamento de filho da mãe, e ingrato para com o amigo, leal e dedicado, que voltava a pedir para lhe enviar a merda da encomenda, com as camisas e os livros, coisas que eram pessoais, não interessavam a mais ninguém, e não queria deixar na Guiné. Assinado com um miserável rabisco. Nem lembranças para os camaradas.
O resto da estória espero ter ocasião para contar, quando me reportar à época dos acontecimentos, cerca de um ano mais tarde, corria o mês de Outubro, com vinte meses de comissão.
Em tempo, uma intervenção do camarada Zé Tito
Caro Zé Dinis
Ainda bem que te restam algumas memórias dos tempos “trágico marítimos”, no entanto, após leitura atenta da estória n.º 1 (incompleta), apercebi-me de que te esqueceste de contar de que, no último aerograma te disse com letra alterada, de que se não me enviasses os livros e as camisas, os ia buscar pessoalmente a Bajocunda, o que de facto aconteceu.
Também te esqueceste de mencionar de que, quando fui verificar o estado das minhas camisas que tinham ficado à tua guarda, notei um cheiro nauseabundo a merda retardada que verifiquei na altura dever-se à falta de papel higiénico em Bajocunda e, de tu, teres estado na minha ausência a limpar a peida nelas depois de teres limpo o cu aos meus aerogramas, daí nâo mas teres enviado, porque te estavam a fazer geito.
Zé Tito
15ABR2010
Na companhia havia uma grande nódoa. No entanto, a furrielada era uma força considerável. Na imagem distinguem-se quatro feras: mim, Zé Tito, Morais e Marino
Estória n.º 2
Um belo dia vinha com o Marino na direcção da cantina, talvez proveniente do depósito de géneros, à passagem pela arrecadação do material de guerra, quando demos com o seguinte trabalho: dois militares, o Mário, primeiro cabo mecânico de armas ligeiras, e o Matias, soldado básico, esperto que nem um alho, desventravam a pá e pica a rija terra, consolidada por sóis terríveis, em frente à referida arrecadação, num vértice entre aquele ponto, o quarto do capitão e o gabinete, tudo mais ou menos equidistante, enquanto o Trapinhos, de braços cruzados, comandava a operação.
A torreira do sol, e o inesperado da situação, fizeram que desconfiássemos. O Marino atirou logo, interrogativamente, qual a finalidade do buraco que provocava tanto esforço.
O Trapinhos, praticamente sem se movimentar, os ombros amarrecados, e o peito para dentro, que naquele corpo franzino mais se assemelhava a um fugitivo do Caramulo, fez um ligeiro sorrizinho, e respondeu:
- Estamos a fazer um abrigo.
Rimo-nos. O capitão, especado ao sol, falava como se padejasse a terra ao lado dos outros.
Mas a situação era estranha, porquê ali um abrigo? Aquelas praças tinham lugares reservados em abrigos periféricos, embora, recordo, durante uma flagelação a meio do dia, o Matias atirou-se para uma vala junto do depósito de géneros, praticamente no meio da localidade, e dali, bravamente, disparou uma G3 em improvável direcção que atingisse o IN.
O Marino, no entanto, não era de modas, nem se fez rogado:
- Mas então, para que é que se faz aqui um abrigo?, perguntou.
Respondeu o Trapinhos, voltando a evidenciar outro confiante sorrizinho:
- Então? é para nós. Se houver ataque, fica mais perto - disse a gozar a superior capacidade para discernir sobre como defender o coiro em caso de uma investida dos turras. Ainda não se lhe tinha esgotado o ar de Monalisa, e atirou-nos, agora ele, com uma exclamação surpreendente:
- É aquele trio!!.
Interiorizando a intenção do capitão, de se refugiar ali em vez de comandar a tropa a partir das Transmissões, um pouco mais além, o Marino caracterizou em voz alta, divertida, e imediatamente:
- Um trio de merda!.
Voltámos as costas e rimo-nos da ideia extraordinária.
Estória n.º 3 - (compacto de duas)
3.1
O Virgílio Fernandes foi um Foxtrot de comportamento irregular e surpreendente, em conformidade com o nível de sobriedade que apresentava. Felizmente essas oscilações apresentam um saldo positivo, que acentuaram um camarada solidário, bem disposto, bem educado, e orgulhoso do grupo a que pertencia. No entanto, quando bebia excessivamente, tornava-se resingão e chato, inoportuno, provocador, como é norma desses estados comportamentais.
Tive com ele uma única situação dificil, que acabou por se resolver sem deixar marcas de frustração.
Mas trago o Virgílio à colação, para relatar dois episódios em que foram intervenientes, ele e o Trapinhos.
Quando pretendia beber e não tinha dinheiro, o que era frequente, o Virgílio insinuava-se, pedia que lhe oferecessem e, se não dava resultado, fazia trabalhos, "arranjava" géneros alimentares para o petisco, podia tratar de armas, o que fosse preciso.
Um dia, junto à cantina, virada para a parada e ao lado do edíficio do comando, apostou que apalparia o cú ao Trapinhos. Feita a aposta, e porque o "alvo" se encontrava sob o alpendre da secretaria, lá foi o Virgílio naquela direcção, improvisando uma dança a solo, com passos curtos para um lado e outro, até se aproximar o suficiente para lançar uma mão às nádegas que lhe valeriam a cervejinha.
Alcançado o objectivo, o Virgílio desatou numa risada em direcção ao parceiro da aposta, reclamando vitória e o prémio, enquanto à porta da cantina algum pessoal fazia comentários e ria sobre o que acabavam de ver. Nesse dia, ainda houve outra aposta de igual teor, que o Virgílio ganhou, e celebrou no meio de espalhafatosas manifestações.
3.2
O outro episódio aconteceu após a chegada do Trapinhos, que estivera na Matrópole em gozo de férias.
Ainda sob o mesmo alpendre, numa ocasião em que descontraidamente ali permanecia algum pessoal, o Virgílio terá perguntado se as férias tinham corrido bem, ao que o Trapinhos correspondeu a dizer que sim, claro, e ajuntou algumas razões para a sua satisfação. Até que levou a mão ao bolso da camisa, tirou uma fotografia, e mostrou-a ao Virgílio que especava os olhos no retrato.
- Quem é? - perguntou este.
- É a minha mulher! - respondeu o Trapinhos.
Seguiu-se um silêncio que o Trapinhos interrompeu com uma pergunta:
- É boa, não é?.
Isto foi o que se comentou durante alguns dias, e a que o Virgílio juntava algumas propostas de intenção, esclarecendo sobre as virtudes fotográficas evidenciadas, enquanto o pessoal ria despregadamente com as narrativas.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6118: História da CCAÇ 2679 (34): Situação geral em Novembro de 1970 (José Manuel M. Dinis)
Guiné 63/74 - P6235: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (11): Os dias da batalha de Guidaje, 31 de Maio e 1 a 12 de Junho de 1973
e os dias da Batalha de Guidaje
Parte XI
Daniel de Matos
Os Dias da Batalha
31 de Maio
Poucas vezes na vida o nascer do sol nos terá sabido tão bem. Desta vez, acho que todos conseguimos dormir profundamente umas quantas horas seguidas e todos acordámos cedo e nos pusemos de pé num único impulso. Falo sobretudo de Os Marados de Gadamael, pois há camaradas que terão como tarefa regressar a Guidaje e ficar mais uns tempos por estas paragens, designadamente as companhias que chegaram anteontem e sem as quais ainda estaríamos sitiados. A missão dos pelotões da CCaç 3518 acabou, “o sibe chegou ao seu destino”, há soldados que se dizem prontos a festejar a próxima noite no Pilão!...
Ainda não eram oito horas e já tínhamos atravessado o rio para a margem esquerda, o motor da jangada até parecia querer pregar-nos uma partida, mas lá se aguentou. Quando arrancamos grita-se “está na mala”, “prego ao fundo, ó condutor”, “putas vão-se lavando que Os Marados vão a caminho” e outros ditos próprios da época e do estado de espírito, que guerra e soldados são assim mesmo em qualquer tempo, em qualquer lugar!
Troços da estrada Farim/Bironque/Mansabá
Com essa mesma alegria abrandamos a velocidade na passagem pelo destacamento K3 (antiga tabanca de Saliquinhedim) e, recebida a ordem do comando de Farim, apagamos os sorrisos e aí vamos em direcção ao sul, andamento moderado. Agora vamos todos motorizados e é sempre pelo alcatrão, pelo menos não haverá minas sob os pneus (o que não significa que a estrada não possa estar armadilhada num sítio qualquer).
Seremos, porém, os campeões do infortúnio. A pouquíssimos quilómetros do K3, de súbito, estoira nova emboscada. As primeiras roquetadas despoletam-na e limpam as viaturas da frente: o primeiro Unimog é destruído e o seguinte incendiado. Há um homem que acciona uma mina com o peito. Para se abrigar das balas das Kalashnikov que entretanto começaram a cantar à nossa volta, lança-se para trás de um “baga-baga” (rijo, à prova de bala, construído por formigas térmitas, chama-se morro de salalé, em Angola), e os fragmentos do seu corpo são espalhados por um diâmetro incalculável. Durante largos minutos há tiroteio de armas ligeiras na frente da coluna. Os homens das viaturas não atingidas, entre os quais nos incluímos, saltam para as bermas e tentam também reagir com prontidão. Seguimos sensivelmente a meio e não avistamos os atacantes, embora algumas balas vão zunindo muito próximas. O IN retira-se e há pessoal das NT que tenta a perseguição, mas é mandado parar. A artilharia do destacamento K3 bate a zona do lado direito da estrada durante alguns minutos. Um Unimog passa a toda a velocidade em sentido contrário, na direcção de Farim. Leva feridos. Um deles, sentado no banco de espaldar e amparado por dois camaradas, leva o joelho garrotado, perdeu a perna daí para baixo.
Destacamento do K3
A coluna recua até ao destacamento para se reorganizar. A zona de onde os combatentes do PAIGC lançaram o ataque continua a ser bombardeada pela nossa artilharia. Ao longo da estrada, em frente ao K3, esperamos pelo Alouette que vem evacuar os feridos. Depois do helicóptero carregar as macas e levantar voo a coluna/auto põe-se de novo em andamento. Quando passamos pelas viaturas destruídas, ainda estão a fumegar. Atingimos Mansabá, vamos para Mansoa na expectativa de novos contactos com o IN, se nada se passou no enfiamento do Mores é porque talvez nos safemos… Safámo-nos!
Uma coluna na estrada Mansabá-Farim
Com a alegria estampada nos rostos chegamos ao COMBIS, em Brá (não longe do quartel dos comandos e a pouca distância da Base Aérea e Aeroporto de Bissalanca), por volta às 17 horas. Aqui sim, o nosso péssimo aspecto mete dó aos transeuntes, assusta as pessoas com quem nos cruzamos. Olham-nos com ar espantado, como se vissem lobisomem! As próprias caras dos camaradas da nossa companhia se dividem entre a alegria de nos ver e a perplexidade.
O pessoal marado vem ao nosso encontro, sai da caserna, da secretaria e vem-nos abraçar efusivamente, andamos de ombro em ombro, não menos eufóricos. O furriel Quaresma – o vagomestre a cujos manjares devíamos tamanha elegância! – fica admirado por me ver à sua frente:
– Estás vivo? – pergunta-me.
– O que te parece? Não sou nenhum fantasma!
Confessa que no jornal da caserna o meu nome integra o rol dos que tinham sucumbido, já quase me tinham cantado a missa do sétimo dia, quem morreu afinal?, no COMBIS ninguém sabia ao certo. Chica, como se as transmissões não funcionassem! Esclareço-o das baixas e pergunto pelo Alexandre Castro, o nosso mangas-de-alpaca, que afinal está de férias na sua Amadora. Ainda assim, vou direito à secretaria, ao primeiro-sargento António Fagundes Neves, para ver se tenho correio. Diz-me “lá se safaram de mais uma” e passa-me um braçado enorme de cartas, jornais e revistas.
Antes do banho, cubro a manta da cama com a correspondência acumulada, que inclui cassetes recebidas dos meus amigos Acácio, Cipriano e Fernando, que em Lisboa faziam o favor de me gravar as últimas novidades, incluindo os discos que eu recebia regularmente de Londres (através da Tandy’s Records) e cuja audição era uma ajuda preciosa para aguentar a difícil passagem do tempo. Leio em diagonal as cartas mais recentes e apercebo-me do que já esperava: uma grande preocupação familiar pelo meu inabitual silêncio e pelo meu estado de saúde.
À porta do quarto surge um ordenança que me vem convocar para ir ao segundo-comandante do COMBIS (o comandante está ausente, também de férias). Fui assim mesmo, botas sem meias nem atacadores, as pernas das calças transformadas em badanas, totalmente descosidas da braguilha para baixo. Apresento-me no gabinete do nosso Major que me mira de alto a baixo, me pede para lhe contar o que se passou nestes dias e qual o estado do pessoal em termos psicológicos. Faço o meu resumo, mais ou menos cronológico, digo o que penso com algum azedume e entrego-lhe o papelucho que havia rabiscado em Farim, supostamente o croquis dos mortos que tivemos de deixar em Guidaje. Diz-me que por agora posso ir descansar e que no dia seguinte voltará a chamar-me para me pedir um relatório escrito e mais detalhado (o que não virá a acontecer).
Dirijo-me ao banho. Mando as calças para o lixo. Dispo o dólmen. De tão esticado e teso, pego-o pelo colarinho e pouso-o no chão. Fica de pé, como se o enfiasse num cabide de alfaiate! Não há a água quente que me apetecia (como seria bom um longo banho quente, de imersão), porém, a água que escorre do duche é tépida e nem sei quanto tempo fico a desfrutá-la. Enquanto isso, lavo o quico com champô, até desaparecerem as principais manchas de suor e de todos os merdelins. Aproveito para não desfazer a barba e andar assim mais um tempo (desde que começou a crescer-me que a uso crescida, salvo agora, por impedimento do RDM).
Antes do sol se pôr, já eu, o Ângelo e o Cruz tínhamos apanhado boleia para a cidade e estávamos frente ao forte da Amura (perto do cais de Bissau) a tirar fotografias, aguardando pelo furriel famalicense José Lopes Silva, que ficou de se encontrar connosco na 5.ª REP (esplanada do Café Bento, conhecido pela abreviatura de “5.ª Repartição”) e depois irmos à Cervejaria Solmar petiscar uma valente mariscada! Seguiu-se um alguidar de ostras e uma travessa de camarões no Pelicano e, devido à quantidade de líquidos ingeridos, já não me lembro o que foi o resto!
Fatal como o destino, enquanto caminhamos pelas ruas da capital encontramos sempre alguém conhecido, ou por ter estado connosco na recruta ou na especialidade, por ser conterrâneo, etc., e enquanto esclarecemos perguntas sobre Guidaje recebemos péssimas notícias de uma Gadamael cercada e com inusitado número de baixas. De Guileje também se fala, mas pouco ou nada resta para contar, salvo alguém ter garantido que o major Coutinho e Lima, ex-comandante do COP 5 e que ordenou a retirada em tempo útil de Guileje, andaria agora em Brá a jardinar no quartel, por estar detido preventivamente pela cegueira do governador. Outro alguém contra-diz-que-disse que o major estaria mesmo preso por ordem de Spínola, – e não simplesmente com detenção num quartel, – e que tal gesto provocara uma onda de indignação entre unidades do exército, em particular, as de Gadamael, Guileje e Cacine.
1 a 12 de Junho
Para os que ficaram em Guidaje os dias não passaram a ficar fáceis. Depois da Ametista Real e da operação que nos permitiu romper o cerco e regressar às origens, foi notório o abrandamento das flagelações. Só que a ligação ao mundo exterior manteve-se muito arriscada. O pessoal de Binta e Nema/Farim não teve melhor sorte, alinhando em patrulhas a colunas para cima e para baixo. A CCav 3420 permaneceu em Guidaje mais alguns dias e depois ainda ficaria em Binta até final do mês. As operações de patrulhamento aumentaram bastante em toda a região. Binta passou mesmo a ser o núcleo centralizador das mesmas, recebendo bastantes reforços durante o mês de Junho, sobretudo a 3.ª Companhia do BCaç 4514 e, já em Julho, a CCaç 4745.
Agora o IN diversifica os alvos, reforça as linhas de penetração fronteiriças de Lamel e Satitó e flagela aquartelamentos e aldeamentos em redor, dando “água pela barba” às companhias do BCaç 4512. A tenebrosa picada de e para Binta continua problemática, contudo, já não é o que era. Percorrer aquele caminho é navegar num mar de estilhaços, de invólucros de munições de todos os calibres e de viaturas esventradas. E, claro está, de ossos, que em boa parte dos casos ninguém sabe já a quem pertenciam, serão de “soldados desconhecidos” para todo o sempre. A diversidade de percursos rasgados entre Binta e Guidaje para contornar campos de minas era tamanha, que a picada tinha extensões que mais parecia uma auto-estrada de várias faixas, construída, apesar de tudo, com alguma facilidade, graças à constante planície do terreno.
A partir de Janeiro de 1974, após longo trabalho de desminagem, pessoal diverso de Engenharia e o BCaç 4512, com um reforço do BCaç 4516, iniciariam a abertura da estrada (verdadeira) Binta/Guidaje, quase em linha recta. No 25 de Abril de 1974 a obra estava no Cufeu, ao lado da bolanha de más memórias...
Só a 12 de Junho a operação de rompimento ao cerco de Guidaje é dada por concluída. O Tenente-Coronel Correia de Campos, comandante do COP3, participa numa coluna e vem com a sua comitiva para Binta, onde durante este mês se concentram as atenções. Calcula-se que o IN, depois de obrigar ao deslocamento de tantos efectivos das NT para proteger Guidaje, e após ter forçado ao abandono de Guileje, concentra agora o seu potencial atacante à volta de Gadamael, tendo por objectivo tomar a aldeia.
Para nós, em Brá, seguem-se dias tranquilos. Quem mandava quis-nos dar “descanso”, – merecidíssimo, digo eu, embora igual merecimento devesse ser extensivo aos camaradas das outras unidades (sei bem que isso é impossível)! Brinda-nos com um punhado de semanas sem escala para fazer colunas, disso beneficiam também os dois pelotões da Companhia que não “alinharam” em Guidaje. Pessoalmente, creio que só voltei a Farim no início de Julho, antes da Companhia abalar para Bafatá. E recordo-me que pouco antes de alcançar o destacamento K3 ainda jaziam à beira da estrada, no local da emboscada de 31 de Maio, os Unimog completamente queimados. Foi nesses dias que aproveitei para conhecer Bissau mais em pormenor, visitando bairros a pé, o mercado de Bandim, etc..
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6211: In memoriam (40): Pequena Homenagem ao Piu, da CCaç 3520/Cacine (Daniel Matos)
Vd. postes da série já publicados:
16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6000: Os Maradados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?
18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado
20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6027: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (3): Os dias da batalha de Guidaje - Antecedentes à nossa chegada
24 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6041: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (4): Os dias da batalha de Guidaje, 15 a 18 de Maio de 1973
30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6069: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (5): Os dias da batalha de Guidaje, 19 de Maio de 1973
2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6090: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (6): Os dias da batalha de Guidaje, 20 e 21 de Maio de 1973
5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973
14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6154: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (8): Os dias da batalha de Guidaje, 24, 25 e 26 de Maio de 1973
18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6178: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (9): Os dias da batalha de Guidaje, 27 e 28 de Maio de 1973
21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6201: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (10): Os dias da batalha de Guidaje, 29 e 30 de Maio de 1973
Guiné 63/74 - P6234: Parabéns a você (109): David Guimarães, o melhor rapaz da Tabanca do Xitole (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Vistas aéreas da tabanca e aquartelmento do Xitole, em 1970, no tempo seco... Aqui viveu, combateu, sonhou, sofreu, suou, amou, tocou viola e sobreviveu, nestes vastos domínios, o nosso camarada David Guimarães que está há seis anos connosco, na Tabanca Grande... No seu bilhete de identidade, diz-se que é um SEXA. Faz anos hoje, 62 se bem li. O ano passado (e anos anteriores) passou, discreto e incólume, por entre as fiadas de minas & armadilhas da margem direita do Rio Corubal, mas este ano foi apanhado pelo Pel Ref Info do Carlos Vinhal... Em suma, passa a estar cadastrado. E a pagar imposto de palhota. O Parabéns a Você foi bisbilhotar a sua (dele) ficha. Sabe-se, por exemplo, que é casado com uma santa, de seu nome, Lígia. Vive em Espinho, ou dorme lá de vez em quando. Trabalhava no Porto, na Segurança Social, mas deixou-se dessas lides, reformou-se, que o trabalho é bom p'ró mouro... Consegue cometer a proeza de ser filho de um herói da I Grande Guerra!... Gosta de saltar de tabanca e tabanca. E anda sempre acompanhado da sua viola, pronto para o que der e vier. É um dos últimos heróis, românticos mas trôpegos, do Séc.XX. na Tabanca Grande, seguramente, um senador, um grande senhor... Faz parte de várias máfias, do Triângulo Verde & Rubro Bambadinca-Xime-Xitole até à Tabanca de Matosinhos...É fã do fado de Coimbra. E, claro, é também um Grande Dragão. O pior que lhe pdoe acontecer na vida é um dia não poder ir ao Encontro Nacional da Tabanca Grande. Fará tudo, mas tudo, para alterar a data, incluindo remover céus e montanhas, entre Espinho e Monte Real... Este artista é PORTUGUÊS!... e merece uma salva de palmas!!! Parabéns, David, em meu nome, e dos restantes editores e demais camaradas e amigos... Este anmo tens direito a rancho melhorado! Para o ano logo se vê... LG
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados
Em matéria de saias (ou melhor, de panos presos à cintura), o nosso David também tinha opinião abalizada e falava de cátedra. Escreveu ele um dia, ajudando também a quebrar um certo tabu (ou simples pudor dos machos) *):
Lembro-me de um romance de um camarada que comprou a liberdade de uma mulher. Os nativos pensaram que ele se tinha casado com ela... Bem, porreiro para ele! Não é segredo, foi verdade, e a testemunha foi o chefe de posto, isso mesmo, aquele que a mulher - linda ali, no Xitole!!! - morria de amores por um camarada nosso, já falecido...
E o Cardoso (outro furriel que estava lá desde 1966) ... Esse pedia-me para eu fazer guarda mais pela noite... Vinha-me acordar, para eu seguir para a tabanca: vinha sempre de casa da Mariana, com as calças na mão, descomposto... E ria, ria... Lá ia eu, sempre furioso:
- Seu porco! - e ia ter com a Mariana e ela, coitada, queixava-se:
- Guimarás (pronúncia dela), Cardoso manga de tolo, mas Mariana gostar dele (...)
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservado
Em 6 de Abril de 1971 - ai foi há dias ! - , regressava eu das férias que tinha vindo gozar à metrópole… Chamava-se licença disciplinar - alguém me saberá explicará porquê, o Marques Lopes pelo menos saberá, teve tempo de aprender, poça !.... - mas era assim que se chamava...
E Lisboa ficava para trás, víamos as luzes, lindas. Voltávamos ao escuro... O Branquinho e eu... Sim, sim, esse mesmo que estava em Fá Mandinga e era mais Alentejano que eu - pois ele era de lá e eu não... No ar, a ver Lisboa ainda, diz-me o Branquinho:
- Guimarães, dói-me a cabeça...
- Chama a hospedeira, toca nessa campainha! - Que linda bajuda veio até à nossa beira...
- Faz favor...
- Olhe, fazia o favor, dói-me a cabeça...
- Momento - disse a hospedeira, linda (ou ... nós achávamo-la linda).
Daqui a pouco aí vem ela com um copo de água e uma pastilha que entrega delicadamente ao Branquinho, dizendo-lhe:
- Se não passar com isso chame que eu dou-lhe outra coisa... - E lá foi...
Ele vira-se para mim e pergunta:
- Que será? - Eu respondi, a rir, claro:
-Dorme...
Daqui a pouco, ilha do Sal e logo depois Bissalanca... e lá estávamos nós outra vez na Guiné... Caminho para a pensão Chantra - ou Chantre, já não me lembro… Bom, não interessa, era uma residencial onde se dormia. Que não era má e sobretudo não era cara, aliás nada era caro naquela terra ... para quem tinha dinheiro. E isso havia. Uma coisa: os graduados tinham, os outros nem tanto, parecia injusto, mas enfim...
Café Portugal ... que lindo, comprámos uma navalha cada um, três estalos (é que as havia de cinco). Aquela era de três. Mais um ronco... Aproveitei e comprei um relógio Seiko: que maravilha, trabalhava bem, o outro que eu tinha já havia apanhado água do rio Poulom… Mas, curioso, quem mo vendeu ficou com ele.... Esta do relógio nem conto, é mesmo de combatente e ignorante nestas merdas: não tinha rubi nenhum, mas funcionava, que se dane ! E dizia 17 ... Made in Japan. Fui a saber e parece que era made in Canarias....
À noite uma volta... Sim lá para o escuro, para lados de Pilão... Porra, a certa altura uma mulher a gritar por não sei quem... Poça, vamos lá, era o único lugar com luz... De trás da árvore surge uma voz:
- Oh furriel, furriel!?
Furriel ?... Mas nós estávamos à civil !... Bem, lá atendemos às solicitações da mulher, nem sei o que ela queria, e afastámo-nos rapidamente para os lados da luz, os canivetes de 3 estalos abertos no bolso… Correu tudo bem, lá chegámos à residencial... Bem, aconteceu nada, mas como é que nós éramos furriéis, vestidos à civil ? Fiquei a matutar nessa:
- Mistério…
E aí vou eu, passados dois dias. Lá aparece transporte para Bambadinca.... Barco civil, partida às três horas da manhã quando do macaréu… Tive tempo de levar o capitão do barco para o Bento e lhe dar vinho q.b. para ver se ele não ia... Bem, mas foi, levou o barco o ajudante dele... Mais duas garrafas de Casal Garcia para eles, pró caminho....
Passadas 13 horas estava em Bambadinca.... Lembrei-me do Camões, em perigos e guerras esforçados, pois que passei em cada sítio mais estreito do Geba!... Ainda bem que estava num barco a que chamávamos o barco dos turras, senão tinha apanhado um balázio na cabeça... A guerra existia aí, ao lado, Ponta do Inglês, Ponta Varela, do outro lado o Enxalé, mais à frente o Mato Cão… Mais isto e mais aquilo onde tanta porrada havia e eu, ali, num barco pequeno, cheio de géneros, o capitão caído de bêbado e foi o imediato que conseguiu atracar ao cais de Bambadinca...
Segui um cabo da intendência que era o responsável por aquele material.... Não, para o Branquinha tinham arranjado outro transporte, não me lembro agora. Coisas do destino: queriam que eu fosse naquele cruzeiro...
Finalmente, passadas 13 horas, estava eu dentro do Quartel em Bambadinca a fazer a barba para me ir apresentar ao segundo comandante… Merda, parecia a prova de matemática da maioria dos alunos de agora… Estava cansado e derrotado... Vou ter com o Alferes de Serviço, um rapaz do batalhão que me levou ao AC [Anjos de Carvalho]:
- Meu Major, eu venho de tal parte e vou para tal parte… -
Ena, que sermão!
- Vá aprender a apresentar-se!
Lá saí eu do gabinete, envergonhado, porra que o homem era maluco.... O Alferes dizia:
- Guimarães, ele faz sempre isto....
A seguir fui ao Saúl... aquele bom 1º Sargento que bebia muita aguardente e perguntei:
- Meu primeiro, como é que me eu vou me safar deste caralho ?
- Guimarães - dizia ele no seu inconfundível sotaque açoreano - tens que dizer como na recruta: Apresenta-se o Furriel tal, nº tal , que vem de tal parte e se destina-se a tal parte, por motivos de ....
- Vamos lá - disse eu para o lferes -, vamos lá ver se cola agora…
- V. Excia dá-me licença, meu major ?
- Sim, senhor! - responde ele, perfilado. – Apresenta-se a V. Excia o Furriel miliciano nº 17345368 Guimarães, pertencente à CART 2716 que se encontra em trânsito para a Companhia por motivos de ter cessado a sua licença disciplinar...
O Major, agora mais calmo, diz:
- Poça, vocês sabem apresentar-se porque não o fazem de imediato ?!
- Saiba V. Excia que venho de barco civil de Bissau há 13 horas e ainda não me encontro refeito da viagem…Para além disso ando medicado com Valium e a falta de descanso, de um cigarro e de um bom sono teria sido a causa da minha má apresentação.
O homem senta-se e diz:
- Guimarães, calma que nós já nos conhecemos da Pesada 2 [Vila Nova de Gaia] … Tome um cigarro e depois vá descansar… Agora sente-se aí...
Ai, quando saí de lá e contei ao Oficial de Dia, ele ficou espantado:
- O quê, ele fez-te isso?
E lá fui eu para a Tabanca do Brito.... Sim, foi lá que eu fiquei dois ou três dias até ter transporte para o Xitole....
E, pelo fim de tarde, o Machado e o Vacas de Carvalho, este á Viola, cantavam a cantiga com que comecei o texto... Era assim: o Vacas de Carvalho tocava e cantava e o Machado cantava com ele:
Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
etc., etc.
Foi a primeira vez que ouvi esta tão linda cantiga e lembrei-me de mim, pelo meio dia, em frente ao temível Major, aquele Major a quem o Luís chamou uns nomes bem apropriados… Mas era assim... E mais me lembrava daqueles que, no mato, lutavam por aquilo que era deles, e lembrava-me de mim e de nós que ali andávamos... A fazer o quê, afinal ?
E eu que, quando estava com cerveja a mais, só tocava o silêncio por preferência - aquilo que os outros gostavam e pediam… Agora, mesmo sem uma cerveja, tocava esta também, no Xitole:
Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
Porque era linda e fazia mais sentido ....
Um abraço.... David Guimarães
PS - Na altura tinha eu no aquartelamento um livro - Repórter no Vietname.... Porra, se o gajo tivesse ido à Guiné morreria mesmo, não de uma bala na cabeça mas só de susto....
Porto > Tertúlia do Porto > 24 de Maio de 2006 > O David Guimarães e o António Marques Lopes, da nossa... Tertúlia do Porto... O nome acabou por não ir avante, ou melhor, a Tabanca de Matosinhos acabou por vingar, agregando camaradas nossos do Grande Porto... E mais uma vez, o David estava lá, para a posteridade, para a história, para a fotografia.
Nessa noite fazia-se as honras ao famoso Chabéu de Frango, do Braima, um guineense que tinha (espero que ainda tenha) um restaurante no Centro Comercial de Santa Catarina, no coração do Porto...
E na legenda da foto, escrevi: "Pois é, amigos e camaradas, a nossa caserna, porque é virtual, não tem limites físicos, tal como o universo está em permanente expansão...Por isso, é bom saber notícias dos amigos e camaradas que se juntam para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso (como dizem os alentejanos), seja no Porto ou em Bissau... Eles foram dos primeiros a arranjar lugar na nossa caserna virtual, por mão do Sousa de Castro (se a antiguidade fosse um posto, entre nós, o Sousa de Castro hoje era marechal)... Entretanto, vamos continuando a marcar encontro, todos os dias, no Luís Graça & Camaradas da Guiné... Até um dia a gente decidir encontrar-se, mesmo de verdade, olhos nos olhos, para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso, incluindo o Zé Neto que é o veterano dos veteranos mas que, neste momento, anda a travar uma luta danada contra o cigarro: por favor, não lhe falem em tabaquear... coisa nenhuma!"...
Infelizmente, o Zé Neto (1929-2007) já não está cá para nos honrar com a sua companhia, o seu humor sarcástico, a sua experiência: era o patriarca do blogue, a morte privou-nos, cedo, da sua sua presença afectuosa e amiga... Resta-nos a sua lembrança, a sua saudade, os seus escritos...
Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLVIII: Nem santos nem pecadores (David Guimarães)