1. Uma saborosa história que merece honras de primeira página, escrita pelo nosso camarada Joaquim Sabido, em comentário ao poste P9372 (*)...
Recorde-se que o Joaquim Sabido, hoje advogado em Évora , foto à direita], foi Alf Mil Art, 3ª CArt/BArt 6520/73 e CCaç 4641/73 (Jemberém, Mansoa e Bissau, 1974):
Meus Caros Camarigos, Camarigo Luís Vaz:
No teu (o tu cá tu lá faz parte das NEP do Blogue) anterior poste, no último comentário que lá deixei, disse, na resposta ao camarigo C. Martins, que invariavelmente trajava à civil, mas isto era lá no sul e lá no tal aquartelamento, digo buraco, [Jemberém,] onde ninguém ia, nem o correio, como disse, lá nos iam levar e muito menos os géneros alimentares, os morfes, o que valeu foi que havia trinca de arroz em reserva e muita raçãozita de combate.
Não posso deixar de corrigir o seguinte: no meu anterior comentário ou num teu outro poste, referi que na mata tínhamos detido 2 elementos do IN, mas, recordando melhor a situação, rectifico o que disse, na verdade mantivemos contacto visual com dois, mas de facto só detivemos um deles que depois entreguei em Cacine.
Bom, mas quando de lá regressámos, viemos para a zona de Bissau, para o Cumuré, aconteceu que eu recebi uma carta da então já, e ainda agora minha mulher, comunicando-me que um camarada alferes se encontrava em Évora em gozo das merecidas e que regressaria no dia não sei quantos de Junho, e que ele me levaria uma caixa com uns paios e chouriços caseiros, queijos, mais um bacalhau seco para poder elaborar as tão saborosas punhetas, enfim, uns mimos. De modo que, ficaram o dia e a hora aprazados, no sentido de eu me apresentar pela hora de jantar, na messe de oficiais, em Bissau, a fim de recolher o avio.
Nunca tinha estado na cidade de Bissau, nem sequer sabia onde se localizava a messe de oficiais, como é que haveria então de conhecer os costumes que por lá se praticavam ?
No Cumuré, pedi um jipe e arregimentei um camarada condutor que conhecia o caminho e conhecia Bissau, para lá me levar, eu jantaria e jantei na messe, enquanto ele se desenrascou por outro lado. Confesso que nesse dia utilizei bens públicos em benefício próprio, mas qualquer ilicitude disciplinar ou criminal já se encontrará prescrita.
Apesar de tudo, e de já ter ocorrido o 25 de Abril, acautelámo-nos devidamente e metemos no jipe as nossas G-3, uns carregadores, uma Walter 9 mm e mais umas granadas, para alguma eventualidade, que, digo, não seria de esperar acontecer. Mas à cautela, o melhor foi mesmo não confiar.
Saí do jipe mesmo em frente ao bar anexo à messe, fui procurar o camarada que serviu de correio à encomenda e por lá jantei e estive, até o que o condutor resolveu ir-me buscar. Ainda demos umas voltas por Bissau, com paragem nos pontos obrigatórios e cerca da uma hora da manhã, do dia seguinte, quando nos aprestávamos para sair à porta do arame farpado que rodeava a cidade, um camarada furriel, que se encontrava de sargento da guarda ao COMBIS, não nos permitiu sair porque tinha ordens para me deter.
Levou-me ao gabinete do oficial de dia em serviço ao COMBIS, que se encontrava acompanhado do camarada alferes que estava de prevenção. Ambos estavam tomando uns uísques, para ajudar a passar a noite. O oficial de dia era o Cap de Cavalaria Bicho, alentejano de Ponte-de-Sôr ou de Niza, já não me recordo, que eu conhecia de Estremoz, quando ele estivera no RC3, e da tasquinha do Ti Zé de Alter onde nos encontrámos muitas vezes a petiscos, daí que, quando entrei no gabinete ele me ter, de imediato, reconhecido, pelo que requisitou logo mais um copo para eu também beber daquela garrafa.
Ainda veio pelo menos mais outra garrafa e aí pelas 3 horas da manhã, perguntou-me então o que é que estava ali a fazer...Respondi-lhe que estava com base no Cumuré e, quando ia para sair de Bissau, tal não me tinha sido permitido pela guarda.
Foi aí que ele me questionou:
- Eh, pá, então foste tu que estivestes na messe a jantar fardado com o camuflado ?
- Fui - respondi-lhe e expliquei-lhe ao que tinha ido e se queria já ali provar alguma coisa.
Respondeu-me que àquela hora não, além do mais eu é que estava metido numa grande alhada, porque o nosso Coronel CEM do CTIG Henrique Vaz (creio que ele até me terá dito: "o nosso Cor Afonso Henriques" – seria que alguns oficiais, pelo menos de Cavalaria usariam tratar o Sr. teu Pai pelo nome do nosso Conquistador ?) viu-te na messe com essa fatiota e, como tal não é permitido, não gostou nada, porque ao jantar todos têm que ir ou à civil ou pelo menos com a farda n.º 2, além do mais, estão lá também as Senhoras a jantar e não é permitido o uso de camuflado, isso é só para a guerra. Vais apanhar uma porrada, tás tramado!
Não esmoreci logo e pedi-lhe para ver o que poderia fazer por mim, telefonou para vários locais procurando pelo Sr. teu Pai, mas já deveria estar a descansar, não sendo possível contactá-lo, então lembrou-se de telefonar para o Comandante do COMBIS, ou seja, o Sr. Cor comandante dele, cujo nome não me recordo. Este já se encontraria deitado, mas ainda assim atendeu-lhe o telefone e, após ter ouvido a explicação do caso e que se tratava de um gajo conhecido dele, Capitão, disse-lhe para tomar nota do meu número mecanográfico, a que Companhia eu pertencia, onde me encontrava, matrícula do jipe, e que me mandasse regressar ao Cumuré.
- No entanto, sempre sob a condição de que, se no dia seguinte ou num outro dia que o nosso Cor Henrique Vaz se lembre de perguntar por ele, sabemo-lo informar e vamos lá buscá-lo.
Assim ficou o assunto.
Felizmente para mim, o Sr. teu Pai não mais se lembrou de mim nem daquela situação, seguramente porque tinha muito mais que fazer, pois outras situações de maior gravidade surgiam-lhe diariamente. Depois quando vim mesmo para Bissau, ainda com ele contactei pessoalmente por umas duas ou três vezes, enquanto estive na guarda ao palácio do Governador. Mas sempre que o via, ao sr. Cor. na messe, eu metia o rabinho entre pernas e circulava para longe dele, de imediato. Isto porque nada estava definido e ninguém sabia quando regressaria e eu não queria lá ficar para dar ao interruptor e apagar a luz e muito menos poder vir a ser recambiado para Angola, conforme ainda por lá correram rumores nessa tão atribulada fase.
Foi apenas esta situação, mas com a qual então fiquei bastante apreensivo e muito à rasca. (**)
Abraços do Camarigo
Joaquim Sabido
Évora
2. Comentário do Luís Gonçalves Vaz:
Olá Joaquim Sabido:
Gostei muito da "estória" que partilhou aqui connosco e que envolve o Sr meu pai!Achei-a muito interessante, e típica dele, chamava a atenção... não era importante...era para esquecer e centrava-se então nos problemas mais graves!
No entanto a minha memória, bem como as fotografias da época, lembram-no quase sempre de camuflado... o que era natural, pois se deslocava periodicamente à linha de frente e quando rebentou a bomba no QG em 22 de Fevereiro de 74 e ficou apenas com algumas escoriações, estava de camuflado!..... a não ser quando se sentava à mesa para jantar com a família (quando podia, é claro!), à mesa não devia haver "clima de guerra", sempre me disse que é um lugar sagrado!!!
Que azar, meu caro Joaquim Sabido!!!!!
Forte Abraço:
Luís Gonçalves Vaz
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Notas do editor:
(*) Vd.poste de 19 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9372: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte II)
(**) Último poste da série > 6 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9004: Estórias avulsas (117): Posto avançado ou vala comum? (Carlos Filipe)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 22 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9383: Parabéns a você (371): Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA da CART 1525 (Guiné, 1966/67)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9380: Parabéns a você (370): João Graça, médico, músico e amigo da Guiné-Bissau
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9380: Parabéns a você (370): João Graça, médico, músico e amigo da Guiné-Bissau
sábado, 21 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9382: Blogoterapia (197): Recordações da CCS/BCAÇ 1911 (Mafalda e Armando Ramos)
CCS do BCAÇ 1911 - Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71
1. Mensagem da nossa amiga Mafalda Ramos, filha do nosso camarada Armando Ramos, ex-1.º Cabo TRMS da CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71), com data de 19 de Janeiro de 2012:
Sr. Carlos Vinhal,
Muito obrigada pelo carinho*.
Muitos Parabéns por terem criado um blogue de tremenda importância social! Tal deve ser constantemente reconhecido, deve ser premiado e quiçá ser objecto de estudo académico. Tudo farei por divulgar o vosso projecto!
Tenho duas fotografias que gostaria que colocasse. Uma delas é a foto colectiva da CCS do Batalhão mas tem riscos que nós, crianças fizemos...(é pena mas é o que tenho e que guardei religiosamente). Não disponho para já de informações para identificar os camaradas, o meu pai não está comigo mas mal esteja junto, pedir-lhe-ei para identificar os camaradas e se a foto já estiver online no blogue vou colocando anotações à medida da memoria do pai.
Em anexo envio,
Alguma coisa diga,
Agradeço
Um abraço!
Armando e Mafalda Ramos
2. Mensagem/resposta enviada à nossa amiga Mafalda:
Cara amiga Mafalda
Muito obrigado pelas suas palavras que vão direitas ao verdadeiro fundador do Blogue, o Prof Luís Graça. A ele se deve esta grande obra e sucesso da internete, com mais de 3.000.000 de visitas.
[...]
Claro que vou publicar as fotos que mandou embora tenham muito má qualidade. Ainda dei um toque à individual do seu pai, mas pouco consegui.
Se tiver por aí mais vá mandando. Se o seu pai quiser relembrar alguma coisa, ou a Mafalda saiba e nos queira contar, por favor mande para nós publicarmos. Veja se o seu pai se sente bem ao falar da Guiné, caso contrário não o force.
Depois aviso do que publicar.
Dê um enorme abraço ao meu camarada Ramos e receba as minhas saudações e admiração.
Carlos Vinhal
Co-Editor
3. Nova mensagem da Mafalda ainda de 19 de Janeiro:
Carlos,
O seu abraço já foi hoje entregue, pois li ao telefone o seu email!
Fiz-lhe uma ou outra pergunta e não sei bem se ele se sente à vontade, demonstra felicidade por ter feito isto...
Quando estiver com o pai consigo ver melhor, e alguma informação que consiga vou dando.
Além destas duas fotos tenho uma outra mas também do meu pai, e daí desnecessária para o grupo.
[...]
Obrigada mais uma vez!
Eu gostava de saber duas informações que pode saber:
1 - em tempos vi uma reportagem sobre as dedicatórias de rádio que foram feitas aos combatentes. Uma senhora passados anos, recuperou, e deslocou-se aos ex-combatentes levando um leitor de cassete pondo a própria a ouvir a dedicatória que lhe fora dirigida na época. Um trabalho excepcional. Sabe algo sobre isto?
2 - Sei que a minha mãe foi "Madrinha de guerra" do meu pai. O que era de facto uma madrinha de guerra? existem publicações sobre este tema?
Muito obrigada!
Mafalda Ramos
4. Finalmente, foi enviada esta mensagem à Mafalda:
Cara amiga Mafalda
De novo em contacto
Madrinhas de guerras eram meninas ou senhoras que se disponibilizavam a trocar correspondência com militares na guerra. A maioria até eram desconhecidas deles, vindo o conhecimento das revistas femininas da época onde os militares punham anúncios a pedir madrinhas. Outras vezes eram vizinhas ou amigas descomprometidas. Muitas vezes acabava em casamento.
Neste link vai abrir uns quantos postes sobre madrinhas de guerra, quando chegar ao fim da página, encontra no lado direito a opção "Mensagens antigas". Clica e aparecerão mais postes. Vai repetindo a operação até dizer que não há mais mensagens.
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/madrinhas%20de%20guerra
Tem ainda alguns postes dedicados às nossas mulheres:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/as%20nossas%20mulheres
e às nossas mães:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/as%20nossas%20m%C3%A3es
Quanto à reportagem das mensagens de Natal de que me fala, lembro-me de ver isso, mas onde e quando, não sei dizer.
Encontrei isto na net:
http://videos.sapo.pt/l4oZyJWpvYSp0CJzUc2C
Já agora, a título informativo, o BCAÇ 1911 de seu pai tem ainda um espólio muito "pobre" no nosso Blogue. O pouco que há e as suas publicações vão ficar alojadas neste endereço do nosso blogue:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%87%201911
Esperando ter sido útil
Renovados abraços do amigo ao dispor
Carlos Vinhal
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9359: O Nosso Livro de Visitas (121): Mafalda Ramos, filha do nosso camarada Armando Ramos do BCAÇ 1911
Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9332: Blogoterapia (196): Lembras-te? (Juvenal Amado)
Guiné 63/74 - P9381: Blogues da nossa blogosfera (49): Arquivo de História Social, ICS/UL: Estudos Gerais da Arrábida: A descolonização portuguesa: Painéis dedicados à Guiné
1. Não é um blogue, é um sítio, institucional, do Arquivo de História Social, ligado ao ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Está centrado no processo de descolonização... É ainda pouco conhecido da generalidade dos ex-combatentes da Guiné. Tem grande interesse documental. Merece ser divulgado no nosso blogue.
Nesta página pode-se aceder ao conteúdo de uma série de entrevistas sobre a descolonização portuguesa de 1974/1975.
Trata-se de um projecto do ICS/UL, apoiado pela Fundação Oriente (que é dona do Convento da Arrábida).
Maria de Fátima Patriarca, Carlos Gaspar, Luís Salgado de Matos e Manuel de Lucena "entrevistaram grandes protagonistas do processo de descolonização: por um lado, governantes, chefes militares, dirigentes do MFA e outros que então actuaram na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, Angola e Moçambique; por outro lado, responsáveis metropolitanos ou íntimos colaboradores seus.
Esta equipa de cientistas sociais, sob a coordenaçãod e Manuel Lucena, "[não procura] promover qualquer interpretação, chegar a juízos gerais ou encerrar os eventos abordados numa dada problemática, o grupo entrevistador foi seguindo os relatos e aceitando as visões dos seus interlocutores, embora não deixasse de lhes solicitar esclarecimentos por vezes incómodos" (...).
2. Excertos da página > Introdução
(...) "Prelúdio de um livro cuja trabalhosa edição demorará mais tempo, a faseada publicação na Internet, que agora se inicia, de uma série de entrevistas com grandes protagonistas e com qualificados observadores portugueses da descolonização que o nosso país levou a cabo nos seus domínios africanos em 1974/1975, pede os seguintes esclarecimentos:
"(...) Essas entrevistas integram um projecto do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), apoiado pela Fundação Oriente, que para o efeito disponibilizou as suas instalações e serviços no Convento da Arrábida. Foi aí que a grande maioria dessas entrevistas teve lugar, no decurso de longos encontros, quase todos realizados em dias de Verão ou princípios do Outono de 1995, 1996, 1997 e 1998.
" (...) Entrevistadores foram Maria de Fátima Patriarca, Carlos Gaspar, Luís Salgado de Matos e Manuel de Lucena que coordenou. Em algumas sessões também participaram, como perguntadores, António Duarte Silva, autor de um livro sobre a descolonização da Guiné, e os jornalistas Jorge Almeida Fernandes, Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, bem como a socióloga Maria José Stocker, frequentadores do tema em apreço.
"(...) Entrevistados foram: (..) Por um lado, figuras que, nas ex-colónias foram governantes, chefes militares, dirigentes do MFA ou qualificados participantes, já nos processos de descolonização, já em situações e acontecimentos que os condicionaram. Para cada um dos mencionados territórios considerados (Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique) foram organizados dois painéis, cabendo no primeiro, em regra, os que aí exerciam funções relevantes desde pouco antes do 25 de Abril de 1974 até à definição das regras do jogo descolonizador; e no segundo os que agiram sobretudo (quando não exclusivamente) nas fases de transição para a independência. Angola, onde o processo foi mais longo e complexo, teve direito a três painéis: o dos que lá estavam quando o Estado Novo acabou; o intermédio (correspondente ao alto-comissariado do almirante Rosa Coutinho); e, enfim, o dos que lá estiveram depois do Alvor (Janeiro de 1975), a caminho da independência.
(...) "De longe os mais numerosos, estes painéis e estas entrevistas abrangeram a grande maioria de quem, à partida, constituía a lista dos interlocutores desejados. Com efeito, foram ouvidos os seguintes, sendo as patentes militares aqui indicadas as que tinham na altura das entrevistas" (..)
(...) "Sobre a Guiné-Bissau
(...) "Em 1995, quando as entrevistas começaram, já vinte anos tinham decorrido sobre os factos nelas evocados. Ainda com muitas paixões por arrefecer, os entrevistadores comprometeram-se a nada publicar antes de passarem seis a dez anos. Muito por causa dessa promessa é que só agora se inicia a sua publicação: a última conversa (com o coronel Carlos Fabião) data de 2002 e as penúltimas, de 1998, têm quase doze anos.
(...) "Editada por Rita Almeida de Carvalho, Fátima Patriarca e Amélia Sousa Tavares, esta série de entrevistas começa pelas relativas à Guiné-Bissau, território onde se deu o arranque formal da descolonização que lhe imprimiu carácter. Seguir-se-ão as de Cabo Verde, onde também foi protagonista o PAIGC, ficando para o fim as duas ex-colónias maiores, Angola e Moçambique. " (...)
Estudos Gerais da Arrábida > A DESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA > Painéis dedicados à Guiné (30 de Agosto de 1995; 27 de Agosto de 1996; 29 de julho de 1997; 1 de agosto de 1997; 11 de abril de 2002) > Links
Sessão de 30 de Agosto de 1995 > Intervenientes: general Mateus da Silva (a), coronel Carlos Matos Gomes (b), ex-cap mil José Manuel Barroso (c), coronel Florindo Morais (d)
(a) Eduardo Mateus da Silva:
Engenheiro militar da arma de transmissões. Chega à Guiné em junho de 1972, como tenente-coronel. Membro do MFA desde os primórdios. Encarregado do governo da Guiné, depois do 25 de abril.
(b) Carlos Matos Gomes (n. 1946):
Oficial dos comandos, comandante de Tropas Nativas Especiais. Em Moçambique, participou na operação “Nó Górdio”. Fez a sua missão na Guiné de julho de 1972 a fins de junho de 1974. Pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné. Foi membro da Assembleia do MFA.
(c) José Manuel Barroso:
Jornalista. Cap mil na Guiné de julho de 1972 a maio de 1974. Colaborador direto do general Spínola, na Guiné. Membro do MFA da Guiné.
(d) Florindo Morais:
Vai para a Guiné, como major, nos primeiros dias de junho de 1974, sendo o último comandante do batalhão de Comandos Africanos na Guiné e regressa na véspera da independência.
Sessão de 27 de Agosto de 1996 > Intervenientes: cor António Ramos (e), embaixador João Diogo Nunes Barata (f), gen Hugo dos Santos (g).
(e) António Joaquim Ramos (n. 1942 - m.1997):
Oficial pára-quedista. Ajudante de campo do gen António de Spínola na Guiné.
(f) João Diogo Nunes Barata:
Alf mil na Guiné (1970). Secretário e, posteriormente, chefe de gabinete do Governador da Guiné, gen António de Spínola (a partir de Maio de 1971). Adjunto diplomático da casa civil do presidente da república, António de Spínola (Maio a Setembro de 1974). No desempenho deste cargo, colaborou no processo de descolonização. Delegado do MNE na Junta de Salvação Nacional.
(g) Hugo dos Santos (n. 1933 - m. 2010):
Oficial de infantaria. Fez comissões em Cabo Verde, Angola e Guiné. Membro do MFA, participou na preparação do 25 de Abril e foi responsável pela criação do MFA em Angola. Assessor do gen Costa Gomes. Integrou a delegação portuguesa que negociou a independência da Guiné e de Cabo Verde.
Sessão de 29 de Julho de 1997 > Entrevistado: gen José Manuel Bethencourt Rodrigues (h)
(h) José Manuel Bethencourt Rodrigues (n. 1918- m.2011):
Oficial de infantaria. Ministro do exército (1968-70). Comandante da zona militar leste de Angola (1971-73). Sucedeu a Spínola como governador-geral da Guiné (1973-74).
Sessão de 1 de Agosto de 1997 > Entrevistado: gen Almeida Bruno (i) e José Manuel Barroso (c).
(i) João de Almeida Bruno (n. 1935):
Oficial de cavalaria. Primeiro comandante do Batalhão de Comandos Africanos, criado em 1972 na Guiné. Recebe a Torre e Espada em 1973, pelo seu desempenho neste teatro de operações. Preso no 16 de Março de 1974 («Golpe das Caldas»). Ajudante de campo do gen Spínola.
Sessão de 11 de Abril de 2002 > Cor Carlos Fabião (j)
(j) Carlos Fabião (n. 1930 - m. 2006):
Oficial do exército. Fez diversas comissões em Angola e na Guiné. Membro do Movimento dos Capitães, da Junta de Salvação Nacional e colaborador próximo do general Spínola. Último governador da Guiné.
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Nota do editor:
Último poste da série > 20 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9242: Blogues da nossa blogosfera (48): O sítio do Ministério da Defesa Nacional: Encerramento, pela ADFA, da evocação dos 50 anos do início da guerra colonial...
Guiné 63/74 - P9380: Parabéns a você (370): João Graça, médico, músico e amigo da Guiné-Bissau
Descritor: João Graça
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9371: Parabéns a você (369): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil da CCAÇ 2617 (Guiné, 1969/71) e Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71)
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9379: (Ex)citações (173): Os catchurres de dois e quatro pés, o pensamento mágico, e as saudades dos ganguelas do Rio Cubango... (Cherno Baldé / Antº Rosinha)
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCaç 3518 - os Marados de Gadamael, Gadamael, 1971/74. A mascote da comanhia: nome de guerra, a Marada... Foto nº 83 do álbum fotográfico de Daniel Matos (1950-2011).
Foto: © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados .
Foto: © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados .
1. Comentário, com data de 17 do corrente, da autoria de Cherno Baldé ao Poste P9363 (*):
Caro Rosinha,
Diante da vida como da morte, o africano "tradicionalista" vive habitado pelo (pre)conceito do sagrado e pelo medo do imponderável.
A leitura que eu faço dos monticulos de pedra na estrada a que tu aludes é a seguinte: Uma morte tão brutal e repentina num animal tão lesto e ágil (cão ou gato) como acontece num atropelamento, viola as regras pré-estabelecidas no supremo contrato pelo direito a vida. Assim, qualquer pessoa (ser) que tenha visto ou assistido a este tipo de cena violenta, deve purificar-se, livrar-se da violência das forãas do mal (mufunessa) através do ritual da deposição de um objecto qualquer em cima do animal morto.
Hoje em dia, esta prática esta em franca regressão.
Relativamente ao periodo a que te referes, o Luís [Cabral] e o pessoal do PAIGC no tinham tempo a perder pois, estavam ocupados a tratar da saude de outros "catchurres de dus pé", como costumas dizer, que infestavam o país, abandonados precipitadamente pelos seus amos e que seriam bem mais perigosos.
Caro Rosinha,
Diante da vida como da morte, o africano "tradicionalista" vive habitado pelo (pre)conceito do sagrado e pelo medo do imponderável.
A leitura que eu faço dos monticulos de pedra na estrada a que tu aludes é a seguinte: Uma morte tão brutal e repentina num animal tão lesto e ágil (cão ou gato) como acontece num atropelamento, viola as regras pré-estabelecidas no supremo contrato pelo direito a vida. Assim, qualquer pessoa (ser) que tenha visto ou assistido a este tipo de cena violenta, deve purificar-se, livrar-se da violência das forãas do mal (mufunessa) através do ritual da deposição de um objecto qualquer em cima do animal morto.
Hoje em dia, esta prática esta em franca regressão.
Relativamente ao periodo a que te referes, o Luís [Cabral] e o pessoal do PAIGC no tinham tempo a perder pois, estavam ocupados a tratar da saude de outros "catchurres de dus pé", como costumas dizer, que infestavam o país, abandonados precipitadamente pelos seus amos e que seriam bem mais perigosos.
Um abraço, Cherno Baldé.
2. Comentário do Antº Rosinha, com data de 17 do corrente:
Cherno, obrigado pela explicação. Sabes que os pedreiros e serventes e operadores que trabalhávamos na estrada Bissau-Aeroporto, não tinham o teu vocabulário.
E, como te digo, enquanto não aparecer o tal best-seller de um balanta ou fula, ou ganguela ou bacongo, e forem europeus ou afro-europeus a escrever a vossa história, não saimos, nem brancos nem pretos, do mesmo sítio sobre o que se passou.
E já há luso-falantes ou franco-falantes africanos suficientes que podem escrever para branco entender.
Sobre o abandono dos cães de dois pés, ouvi demais, que até confrange. Eu tambem abandonei uns ganguelas que as últimas palavras que ouvi deles quando me viram fazer as malas, me disseram
- Vamo-nos matar uns aos outros!.
Foi 30 anos de guerra que se seguiu.
Lembro-me sempre desse lugar, se tiveres Google Earth, clica para veres duas fotos sobre o rio Cubango: 17 18.9000 S, 18 21.3727 E; e verás uma obra que ainda não tinha terminado.
Eram ganguelas, eu, "patrão", e um Silva, outro "patrão", da Junta de Estradas, que fazíamos aquela estrada e ponte.
Estávamos muito longe da guerra, porque o MPLA passou procuração ao PAIGC.
Antº Rosinha
_____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9363: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (18): Os cães abandonados de Bissau, no tempo de Luís Cabral
(**) Último poste da série > 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9370: (Ex)citações (172): Que riqueza este nosso blogue! (Hilário Peixoto, ex-Cmdt da CCAÇ 2403, 1968/70)
Guiné 63/74 - P9378: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (3): O stresse pós-traumático de guerra, em estudo da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), em colaboração com a Liga dos Combatentes (Hélder Sousa / João Hipólito)
1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72) com data de 14 de Janeiro de 2012:
Caros amigos Editores
Recebi este mail que vos reenvio, na convicção que podemos encontrar utilidade nos propósitos a que se propõe.
Por vezes são referidas as necessidades de se fazerem estudos para melhor se caracterizar os fenómenos relacionados com o stresse pós-traumático de guerra e melhor se poder relacionar com os elementos que sofrem com ele, no nosso caso particular os ainda viventes das "guerras de África".
O Prof. Dr. João Hipólito é meu amigo e já temos conversado sobre as questões relacionadas com os ex-combatentes, especialmente sobre a Guiné, pelo que sei que se trata de assunto sério e a ser tratado seriamente.
Há a questão dos envelopes a serem enviados para quem tem endereços, o que no nosso caso praticamente não existem, pelo que aqueles que se interessarem pelo assunto e quiserem colaborar nos trabalhos podem entrar em contacto através dos elementos (endereço postal, telefone e mail) indicados no final.
Pelo que está escrito também se espera que dentro de algum, pouco, tempo, o questionário esteja disponível na 'net', podendo ser respondido directamente por essa via.
Caso achem que esta divulgação tem cabimento no nosso Blogue, fica aqui à disposição.
Abraço
Hélder Sousa
2. Mensagem do Prof João Hipólito enviada ao nosso camarada Hélder Sousa:
Caro Hélder
A Universidade Autónoma de Lisboa, em colaboração com a Liga dos Combatentes está a realizar um estudo sobre o Stresse pós-traumático de guerra em particular e o da população em geral.
Estamos também a criar contactos para incluir no nosso estudos contactos de combatentes de Angola, Guiné e Moçambique que combateram quer do lado português quer do lado oposto.
Para que este estudo seja significativo precisamos do maior número possível de respostas. Por isso eu agradecia a colaboração de todas as “boas-vontades” para ajudar neste trabalho.
Neste momento nós estamos a enviar os questionários às pessoas dispostas a colaborar, combatente residindo em qualquer lugar ou não combatentes residindo em Portugal. Se nos disponibilizarem endereços de mail ou moradas nós poderemos enviar com um envelope já de resposta paga. Dentro de 2-3 semanas, deveremos ter o questionário on-line de maneira a poder ser respondido directamente pela internet.
Se os membros do vosso grupo estivessem dispostos a colaborar, seria uma enorme ajuda. Pensamos que este estudo, por um lado ainda nos ajuda agora no trabalho que fazemos com antigos combatentes em sofrimento; por outro lado na prevenção dos que actualmente estão em missões ditas de paz, e na sua integração no retorno à sociedade civil.
Muito grato pela atenção, ajuda e eventuais outros contactos que nos possam passar, apresento os meus mais cordiais cumprimentos e votos de um rico 2012 apesar da crise que no assola.
João Hipólito, MD. PhD.
Professor Catedrático
Director
Departamento de Psicologia e Sociologia
R. Sta. Marta 47 - 3º Andar
1169-023 Lisboa
Tel.: 21 317 76 00
Fax.: 21 353 37 02
joao.hipolito@ual.pt
http://www.blogger.com/www.universidade-autonoma.pt
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6791: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (2): Tina Kramer, etnóloga, Universidade de Frankfurt, em trabalho de campo, em Lisboa
Caros amigos Editores
Recebi este mail que vos reenvio, na convicção que podemos encontrar utilidade nos propósitos a que se propõe.
Por vezes são referidas as necessidades de se fazerem estudos para melhor se caracterizar os fenómenos relacionados com o stresse pós-traumático de guerra e melhor se poder relacionar com os elementos que sofrem com ele, no nosso caso particular os ainda viventes das "guerras de África".
O Prof. Dr. João Hipólito é meu amigo e já temos conversado sobre as questões relacionadas com os ex-combatentes, especialmente sobre a Guiné, pelo que sei que se trata de assunto sério e a ser tratado seriamente.
Há a questão dos envelopes a serem enviados para quem tem endereços, o que no nosso caso praticamente não existem, pelo que aqueles que se interessarem pelo assunto e quiserem colaborar nos trabalhos podem entrar em contacto através dos elementos (endereço postal, telefone e mail) indicados no final.
Pelo que está escrito também se espera que dentro de algum, pouco, tempo, o questionário esteja disponível na 'net', podendo ser respondido directamente por essa via.
Caso achem que esta divulgação tem cabimento no nosso Blogue, fica aqui à disposição.
Abraço
Hélder Sousa
2. Mensagem do Prof João Hipólito enviada ao nosso camarada Hélder Sousa:
Caro Hélder
A Universidade Autónoma de Lisboa, em colaboração com a Liga dos Combatentes está a realizar um estudo sobre o Stresse pós-traumático de guerra em particular e o da população em geral.
Estamos também a criar contactos para incluir no nosso estudos contactos de combatentes de Angola, Guiné e Moçambique que combateram quer do lado português quer do lado oposto.
Para que este estudo seja significativo precisamos do maior número possível de respostas. Por isso eu agradecia a colaboração de todas as “boas-vontades” para ajudar neste trabalho.
Neste momento nós estamos a enviar os questionários às pessoas dispostas a colaborar, combatente residindo em qualquer lugar ou não combatentes residindo em Portugal. Se nos disponibilizarem endereços de mail ou moradas nós poderemos enviar com um envelope já de resposta paga. Dentro de 2-3 semanas, deveremos ter o questionário on-line de maneira a poder ser respondido directamente pela internet.
Se os membros do vosso grupo estivessem dispostos a colaborar, seria uma enorme ajuda. Pensamos que este estudo, por um lado ainda nos ajuda agora no trabalho que fazemos com antigos combatentes em sofrimento; por outro lado na prevenção dos que actualmente estão em missões ditas de paz, e na sua integração no retorno à sociedade civil.
Muito grato pela atenção, ajuda e eventuais outros contactos que nos possam passar, apresento os meus mais cordiais cumprimentos e votos de um rico 2012 apesar da crise que no assola.
João Hipólito, MD. PhD.
Professor Catedrático
Director
Departamento de Psicologia e Sociologia
R. Sta. Marta 47 - 3º Andar
1169-023 Lisboa
Tel.: 21 317 76 00
Fax.: 21 353 37 02
joao.hipolito@ual.pt
http://www.blogger.com/www.universidade-autonoma.pt
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6791: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (2): Tina Kramer, etnóloga, Universidade de Frankfurt, em trabalho de campo, em Lisboa
Guiné 63/74 - P9377: Agenda cultural (183): Lançamento do livro Recordações de África - Estórias da Guerra Colonial, de António Bacelar Antunes, ex-Alf Mil Médico, dia 28 de Janeiro de 2012 pelas 16h30 na Fundação Eng. António de Almeida, Porto
CONVITE
Lançamento do Livro Recordações de África – Estórias da Guerra Colonial de A. Bacelar Antunes
Data: Sábado, 28 de Janeiro de 2012, 16h30
Local: Fundação Eng. António de Almeida (Rua Tenente Valadim, 231 – Porto)
Convidamos V. Exa. para o Lançamento do Livro Recordações de África – Estórias da Guerra Colonial de A. Bacelar Antunes que se realiza no dia 28 de Janeiro de 2012 às 16h30 na Fundação Eng. António de Almeida.
Recordações de África – Estórias da Guerra Colonial narra episódios, acontecimentos, pessoas e experiências vividas em Angola no período de 1969 a 1971, onde o autor foi médico militar.
Cumprimentos,
Helda Miranda
Vivacidade – Espaço Criativo
geral@vivacidade.pt ·
Blog: www.vivacidadeespacocriativo.wordpress.com
António Bacelar Antunes nasceu em Pedralva, concelho e distrito de Braga a 19/01/1939. Em 1958 começa a frequentar a Faculdade de Medicina do Porto, onde acaba por se licenciar em Medicina e Cirurgia em Janeiro de 1967. Fez serviço militar, tendo em Abril de 1969 sido mobilizado para Angola, onde esteve durante dois anos. É ginecologista e obstetra. Fonte: Coisas da Vida.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9364: Agenda cultural (182): Lançamento do livro Guerra Colonial e Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: o caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado, dia 24 de Janeiro de 2012, pelas 18h30 no Centro de Informação Urbana de Lisboa, Picoas Plaza
Guiné 63/74 - P9376: Notas de leitura (324): Passadas, recordações de um aluno do Liceu Honório Barreto, de António Estácio (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Dezembro de 2011:
Queridos amigos,
Tomei a iniciativa de pedir ao António Estácio que me deixasse consultar estas memórias em torno da sua vida liceal, fiquei varado pela reconstrução, a carpintaria da escrita apropriada, o registo de histórias que, mesmo por diferentes itinerários, cada um de nós viveu. Acho uma tremenda injustiça esta colectânea de lembranças ficar no olvido. Injustiça até para a cultura guineense. Injustiça porque é prosa muito boa. É muito raro voltarmos à adolescência com tantos pensamentos positivos e lembranças tão sadias como o faz o António Estácio.
Um abraço do
Mário
Traquinices da mocidade no Liceu Honório Barreto, entre 1958 e 1964
Beja Santos
Guardamos, todos nós, recordações das brejeirices e dos actos azougados que praticámos e ajudámos a praticar nos bancos da escola. Os comentários em voz alta nas cadeiras de trás, o professor enfurecido a perguntar quem foi, os tempos das bombinhas de mau cheiro, a malta a ser apanhada a ler revistas…
Nenhum de nós escapou à zomba e à mofa, às faltas colectivas e às barracas durante a imprevista prova oral. E havia as praxes, recordo como se fosse hoje no meu 3º ano em que me coube, logo no início da aula, pedir ao senhor capitão Figueiredo, o professor de Físico-Química, no dia 9 de Abril, ele que era um dos últimos veteranos da batalha de La Lys, que fizesse o favor de explicar à turma, resumidamente, o que tinha sido a batalha, estávamos mortinhos por saber. O senhor capitão Figueiredo fechou o livro dos sumários, ganhou balanço e deu-nos cerca de 45 minutos de ofensiva alemã e tudo fez para justificar o comportamento do Corpo Expedicionário Português. No final, em voz pausada, disse à turma: percebi muito bem que não queriam que eu desse aula; pois bem, vão levar uma lista de 15 exercícios que me entregam no próximo dia.
“Passadas, recordações de um aluno do Liceu Honório Barreto”, por António Estácio, edição do autor, Macau, 1992, é um livro espantoso, não merecia ficar confinado a umas centenas de exemplares, o nosso confrade vazou com melancolia e prodígios de memória um conjunto de passadas (em crioulo da Guiné, estórias, algo que aconteceu e se recorda) e gozos (também em crioulo, brincadeiras, partidas ou piadas). Mesmo admitindo que recebeu muitos contributos, o produto final é uma viagem pela mocidade num estabelecimento de ensino, no pré-anúncio e nos primeiros anos da guerra.
Descreve o liceu instalado em dois pavilhões, o Pavilhão de Baixo e o Pavilhão de Cima. Elenca os nomes dos reitores e dos professores, mostra-nos a salas de aulas e depois entramos no primeiro ano, quase nos sentamos ao lado do Conduinho ou Xandinho, do Lapin, do Tátá, do Carlitos, do Tchengo, do Gui, do Jack Alex, entre algumas dezenas. Os professores também tinham alcunhas: o Dr. António Penedos era conhecido pelo Garú Garú; a professora de Francês era a Dr.ª Clara Shwartz da Silva, mãe do Pepito. Havia alcunhas cruéis, pois claro. A professora de Matemática era a Sr.ª D. Fernanda Barroso (Nha Cassequé) pessoa extremamente magra cuja alcunha provinha da sua semelhança com o peixe seco. O Dr. Aguinaldo Veiga, professor de Ciências Naturais, tinha a alcunha de Aguinaldo Boca, por ser homónimo do personagem cantado numa coladeira muito em voga na altura. Cada professor tem direito às suas histórias e às facécias dos alunos. O Dr. Aguinaldo chamou o Erasmo Serra e perguntou-lhe o que era um rio. O Erasmo pôs-se um tempo a pensar, a malta já gargalhava à espera de o ver disparatar, eis que lhe sai uma soberba definição: rio é uma corrente de água permanente sempre em repouso.
A turma era levada da breca, os professores perderam a paciência, entrou por ali o reitor que anunciou a trinta alunos atemorizados que fora decidido cair sobre aqueles prevaricadores a espada de Dâmocles para os punir exemplarmente. António Estácio escreve e desatei às gargalhadas: “Eramos todos muito novos, uns começaram logo a chorar. Senti um aperto no coração”. Havia relatos de futebol na turma, cachações e lambadas, punham-se migalhas nos livros de ponto. Os anos passam, continua o alvoroço e a balburdia em muitas aulas, o sumário da disciplina de Educação Física e Lavores dizia invariavelmente: “Corridas e saltos”. Os professores vociferam, chamam palerminha e invertebrado aos alunos torcidos nas carteiras. O Dr. Brandão mostra a um aluno o discóbolo e pergunta-lhe o que é e ele responde que é o homem do disco, o professor corrige, e o aluno retorque: é isso mesmo Sr. Dr., eu é que já não me lembrava do nome dele… Nas salas de aulas circulam cães, há claques furiosas de benfiquistas contra sportinguistas, no 4º ano o António Estácio chumba, nessa altura o Tita que escutava na rádio umas lições da BBC dizia a hora I don´t know, o capitão Freire era conhecido pelo Dr. Tell me. Temos depois o segundo 4º ano, estão lá o Gil Bundas, o Toni Porquinho, o Zé Grilo, o Pepito, a Chécha, a Mimela e o Corrente Eléctrica. A guerra já está no horizonte, o professor de matemática era o major Rebelo de Carvalho, dava Canto Coral uma senhora cujo marido era sargento dos fuzileiros especiais. Na aula de História o Armandinho Salvaterra ouve falar numa convenção, tratado ou acordo de Salvaterra de Magos, estava distraído e levantou-se meio atrapalhado dizendo: Pronto! Presente! A professora pede um microscópio, o servente, o Sr. Saná, que não sabia falar português, ficou às aranhas e os velhacos disseram-lhe para ele ir buscar um balde com água, a professora mandou-o pôr o microscópio em cima da secretária, a Dr.ª Palmira Lopes enfureceu-se, houve para ali um pandemónio dos diabos. Inevitavelmente, vem à baila uma história com grilos nas suas invasões periódicas. A malta apanhava dois ou três, metia-os nas caixas das carteiras, as alunas ao levantar a tampa da carteira davam gritinhos. Tínhamos baderna na aula.
António Estácio frequenta o seu último ano no liceu em 1963-1964: ia separar-me de colegas e amigos que tiveram ao longo de anos, era o caminhar para uma meta que ambicionava e ao mesmo tempo temia, ia a caminho da Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra, na Bencanta. Exara o nome da malta toda e os professores, a Dr.ª Maria de Lourdes Franqueira Castro e Sousa, a Dr.ª Clara Schwartz da Silva, Dr. Caldeira Firmino e o Dr. Costa Brandão. Para dar geografia chegou um sargento do exército que possuía a licenciatura. Como era careca era conhecido pelo descapotável. O António Estácio também fala dos seus fiascos. A Dr.ª Cecília Quelhas era professora de Ciências Naturais, estava em Bissau a acompanhar o marido, mobilizado como militar. Na prova oral, a professora perguntou-lhe quantas cinturas conhecia e ele respondeu lampeiro: duas, a pélvica e a escapular. A professora prosseguiu querendo saber como era constituída a cintura escapular, ele aí estendeu-se: é constituída pelos ossos das coxas.
Lê-se estas “Passadas” como se vê o Cinema Paraíso ou de qualquer forma se regressa aos tempos de inocência, do espevitar para a vida. É o enunciado em torno de uma família que irá deixar lembranças. Até eu encontrei ali nas turmas do António Estácio o João Cardoso que depois da independência será secretário de Estado e com quem trabalharei alguns meses, em 1991. É um liceu que cresce e onde chegam militares como aquele capitão da administração militar que dava aulas de contabilidade na Escola Comercial e Industrial de Bissau, os filhos do governador Vasco Rodrigues partem em pleno terceiro período de 1964, quando o pai deixa de ser governador para ser substituído pelo general Arnaldo Schulz. Estácio também presta homenagem aos diferentes serventes e contínuos, o Cowboy não se fazia rogado, dava luta e respondia a quem o tratava pela alcunha Obo di bó papé (os tomates do teu pai).
Este livro não é só uma agradável surpresa, naquele mundo que se transfigurava o António Estácio recolheu o ar do tempo, guardou religiosamente a linguagem das pantominices e brindou-nos e aos colegas com um texto cheio de candura adolescente.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9361: Notas de leitura (323): Malhas que os Impérios Tecem (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Tomei a iniciativa de pedir ao António Estácio que me deixasse consultar estas memórias em torno da sua vida liceal, fiquei varado pela reconstrução, a carpintaria da escrita apropriada, o registo de histórias que, mesmo por diferentes itinerários, cada um de nós viveu. Acho uma tremenda injustiça esta colectânea de lembranças ficar no olvido. Injustiça até para a cultura guineense. Injustiça porque é prosa muito boa. É muito raro voltarmos à adolescência com tantos pensamentos positivos e lembranças tão sadias como o faz o António Estácio.
Um abraço do
Mário
Traquinices da mocidade no Liceu Honório Barreto, entre 1958 e 1964
Beja Santos
Guardamos, todos nós, recordações das brejeirices e dos actos azougados que praticámos e ajudámos a praticar nos bancos da escola. Os comentários em voz alta nas cadeiras de trás, o professor enfurecido a perguntar quem foi, os tempos das bombinhas de mau cheiro, a malta a ser apanhada a ler revistas…
Nenhum de nós escapou à zomba e à mofa, às faltas colectivas e às barracas durante a imprevista prova oral. E havia as praxes, recordo como se fosse hoje no meu 3º ano em que me coube, logo no início da aula, pedir ao senhor capitão Figueiredo, o professor de Físico-Química, no dia 9 de Abril, ele que era um dos últimos veteranos da batalha de La Lys, que fizesse o favor de explicar à turma, resumidamente, o que tinha sido a batalha, estávamos mortinhos por saber. O senhor capitão Figueiredo fechou o livro dos sumários, ganhou balanço e deu-nos cerca de 45 minutos de ofensiva alemã e tudo fez para justificar o comportamento do Corpo Expedicionário Português. No final, em voz pausada, disse à turma: percebi muito bem que não queriam que eu desse aula; pois bem, vão levar uma lista de 15 exercícios que me entregam no próximo dia.
“Passadas, recordações de um aluno do Liceu Honório Barreto”, por António Estácio, edição do autor, Macau, 1992, é um livro espantoso, não merecia ficar confinado a umas centenas de exemplares, o nosso confrade vazou com melancolia e prodígios de memória um conjunto de passadas (em crioulo da Guiné, estórias, algo que aconteceu e se recorda) e gozos (também em crioulo, brincadeiras, partidas ou piadas). Mesmo admitindo que recebeu muitos contributos, o produto final é uma viagem pela mocidade num estabelecimento de ensino, no pré-anúncio e nos primeiros anos da guerra.
Descreve o liceu instalado em dois pavilhões, o Pavilhão de Baixo e o Pavilhão de Cima. Elenca os nomes dos reitores e dos professores, mostra-nos a salas de aulas e depois entramos no primeiro ano, quase nos sentamos ao lado do Conduinho ou Xandinho, do Lapin, do Tátá, do Carlitos, do Tchengo, do Gui, do Jack Alex, entre algumas dezenas. Os professores também tinham alcunhas: o Dr. António Penedos era conhecido pelo Garú Garú; a professora de Francês era a Dr.ª Clara Shwartz da Silva, mãe do Pepito. Havia alcunhas cruéis, pois claro. A professora de Matemática era a Sr.ª D. Fernanda Barroso (Nha Cassequé) pessoa extremamente magra cuja alcunha provinha da sua semelhança com o peixe seco. O Dr. Aguinaldo Veiga, professor de Ciências Naturais, tinha a alcunha de Aguinaldo Boca, por ser homónimo do personagem cantado numa coladeira muito em voga na altura. Cada professor tem direito às suas histórias e às facécias dos alunos. O Dr. Aguinaldo chamou o Erasmo Serra e perguntou-lhe o que era um rio. O Erasmo pôs-se um tempo a pensar, a malta já gargalhava à espera de o ver disparatar, eis que lhe sai uma soberba definição: rio é uma corrente de água permanente sempre em repouso.
A turma era levada da breca, os professores perderam a paciência, entrou por ali o reitor que anunciou a trinta alunos atemorizados que fora decidido cair sobre aqueles prevaricadores a espada de Dâmocles para os punir exemplarmente. António Estácio escreve e desatei às gargalhadas: “Eramos todos muito novos, uns começaram logo a chorar. Senti um aperto no coração”. Havia relatos de futebol na turma, cachações e lambadas, punham-se migalhas nos livros de ponto. Os anos passam, continua o alvoroço e a balburdia em muitas aulas, o sumário da disciplina de Educação Física e Lavores dizia invariavelmente: “Corridas e saltos”. Os professores vociferam, chamam palerminha e invertebrado aos alunos torcidos nas carteiras. O Dr. Brandão mostra a um aluno o discóbolo e pergunta-lhe o que é e ele responde que é o homem do disco, o professor corrige, e o aluno retorque: é isso mesmo Sr. Dr., eu é que já não me lembrava do nome dele… Nas salas de aulas circulam cães, há claques furiosas de benfiquistas contra sportinguistas, no 4º ano o António Estácio chumba, nessa altura o Tita que escutava na rádio umas lições da BBC dizia a hora I don´t know, o capitão Freire era conhecido pelo Dr. Tell me. Temos depois o segundo 4º ano, estão lá o Gil Bundas, o Toni Porquinho, o Zé Grilo, o Pepito, a Chécha, a Mimela e o Corrente Eléctrica. A guerra já está no horizonte, o professor de matemática era o major Rebelo de Carvalho, dava Canto Coral uma senhora cujo marido era sargento dos fuzileiros especiais. Na aula de História o Armandinho Salvaterra ouve falar numa convenção, tratado ou acordo de Salvaterra de Magos, estava distraído e levantou-se meio atrapalhado dizendo: Pronto! Presente! A professora pede um microscópio, o servente, o Sr. Saná, que não sabia falar português, ficou às aranhas e os velhacos disseram-lhe para ele ir buscar um balde com água, a professora mandou-o pôr o microscópio em cima da secretária, a Dr.ª Palmira Lopes enfureceu-se, houve para ali um pandemónio dos diabos. Inevitavelmente, vem à baila uma história com grilos nas suas invasões periódicas. A malta apanhava dois ou três, metia-os nas caixas das carteiras, as alunas ao levantar a tampa da carteira davam gritinhos. Tínhamos baderna na aula.
António Estácio frequenta o seu último ano no liceu em 1963-1964: ia separar-me de colegas e amigos que tiveram ao longo de anos, era o caminhar para uma meta que ambicionava e ao mesmo tempo temia, ia a caminho da Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra, na Bencanta. Exara o nome da malta toda e os professores, a Dr.ª Maria de Lourdes Franqueira Castro e Sousa, a Dr.ª Clara Schwartz da Silva, Dr. Caldeira Firmino e o Dr. Costa Brandão. Para dar geografia chegou um sargento do exército que possuía a licenciatura. Como era careca era conhecido pelo descapotável. O António Estácio também fala dos seus fiascos. A Dr.ª Cecília Quelhas era professora de Ciências Naturais, estava em Bissau a acompanhar o marido, mobilizado como militar. Na prova oral, a professora perguntou-lhe quantas cinturas conhecia e ele respondeu lampeiro: duas, a pélvica e a escapular. A professora prosseguiu querendo saber como era constituída a cintura escapular, ele aí estendeu-se: é constituída pelos ossos das coxas.
Lê-se estas “Passadas” como se vê o Cinema Paraíso ou de qualquer forma se regressa aos tempos de inocência, do espevitar para a vida. É o enunciado em torno de uma família que irá deixar lembranças. Até eu encontrei ali nas turmas do António Estácio o João Cardoso que depois da independência será secretário de Estado e com quem trabalharei alguns meses, em 1991. É um liceu que cresce e onde chegam militares como aquele capitão da administração militar que dava aulas de contabilidade na Escola Comercial e Industrial de Bissau, os filhos do governador Vasco Rodrigues partem em pleno terceiro período de 1964, quando o pai deixa de ser governador para ser substituído pelo general Arnaldo Schulz. Estácio também presta homenagem aos diferentes serventes e contínuos, o Cowboy não se fazia rogado, dava luta e respondia a quem o tratava pela alcunha Obo di bó papé (os tomates do teu pai).
Este livro não é só uma agradável surpresa, naquele mundo que se transfigurava o António Estácio recolheu o ar do tempo, guardou religiosamente a linguagem das pantominices e brindou-nos e aos colegas com um texto cheio de candura adolescente.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9361: Notas de leitura (323): Malhas que os Impérios Tecem (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): ): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...
Não admira por isso que haja, pelo menos, uma referência aos "blindados" do PAIGC (leia-se: dos seus "amigos soviéticos")(*), que terão sido utilizados, sem grande efeito prático (a não ser eventualmente psicológico) num ataque ou flagelação a Bedanda,
em 31 de março de 1974...
Eis aqui esse excerto do seu Diário da Guiné, 1972/74, de que temos, por gentileza e generosidade suas, um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp). (**)
Sobre os famosos blindados do PAIGC (que, na prática, não jogaram nenhum papel efetivo nesta guerra, pelo menos a ponto de desequilibrar os pratos da balança...), escreveu-me há tempos [ 13 de janeiro de 2010,] o Nuno Rubim o seguinte:
(...) "Luís, junto te envio cópia de um documento emanado pela 2ª Rep / Com-Chefe Guiné sobre os BRDM 2. Também existem no AHM [, Arquivo Histórico Militar,] referências ao modelo 1.
"Há uma carta do A. Cabral para o Pedro Pires (Dez 72 ) a 'sugerir' a utilização dos blindados nos ataques a alguns dos nossos aquartelamentos fronteiriços no Sul. Na Net encontrarás farta documentação sobre essas viaturas [...].
O nosso camarada António Rodrigues, em comentário ao blogue do Sousa de Castro, CART 3494 & Camaradas da Guiné, poste P136, de 9 do corrente, diz que estas viaturas blindadas já tinha usado antes, em Copá, no nordeste da Guiné (Aliás, já o tinha escrito, antes no nosso blogue, em poste de 23 de novembro de 2010):
(...) "Eu e os meus camaradas, enfrentamos essas mesmas viaturas [ duas,] durante o forte ataque desencadeado pelo PAICG a Copá, na noite de 7 para 8 de Janeiro de 1974, tendo uma delas derrubado o arame farpado e penetrado dentro de Copá cerca de 10 metros. António Rodrigues 1ª. CCAV / BCAV 8323 Copá 73/74" (...).
Diz-se neste Poste que o PAIGC a 31 de Março de 1974 apareceu com viaturas blindadas no ataque a Bedanda (Cubucaré).
Na realidade, ainda não se sabe com rigor que tipo de viaturas se tratava... É mais provável que se tratasse de veículos de reconhecimento, anfíbios (tipo BRDM), ou de viaturas de reeconhecimento para transporte de tropas (tipo BTR)... De qualquer a sua utilização na Guiné de viaturas blindadas, por parte do PAIGC (mas também pelas NT), estava muito condicionada por diversos fatores adversos: geografia, hidrografia, clima... Os especialistas da guerra colonial Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes escreveram o seguinte sobre as "viaturas de combate" do PAIGC:
(...)" Em fevereiro de 1974, foram referenciadas viaturas pesadas paraa rebocar morteiros de 120 mm no Norte da Guiné, zona de Canquelifá, junto à fronteira com o Senegal. Dias mais tarde foram detectadas, em ataque à guarnição portuguesa de Bedanda, no Interior-Sul do território, viaturas blindadas provavelmente BRDM, BTR, PT-76 ou PT-34, todas de origem soviética". (In: Afonso, A.; Gomes, C. M. - Guerra colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d, p. 259).
2. Aqui vai o excerto do Diário do AGA (com a devida vénia):
(...) Cufar, 3 de Abril de 1974
A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC.
Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPG, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar.
Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém.
Bedanda é uma povoação grande, a maior do sul da Guiné depois de Catió. Terá uns cinco mil habitantes e ontem já se falava em abandonar o aquartelamento. A população africana saiu da vila, ficando por próximo.
Bedanda levou com mais de sessenta foguetões e centenas e centenas de granadas de RPG, morteiro e canhão sem recuo. Foi medonho, há muita coisa destruída, mas tiveram sorte, contam-se apenas dois feridos, um furriel e um negro que levou um tiro nas costas. A tropa passou mais de doze horas metida nas valas.
Espera-se novo ataque a Bedanda. As NT já foram remuniciadas e há promessa de se enviarem mais militares para defender a terra. Os guerrilheiros também devem ter ido descansar e reabastecer-se.
Todas estas flagelações, apesar de serem destinadas aos vizinhos do lado, deixam marcas em todos nós. São horas, dias, meses a ouvir continuamente o atroar dos canhões da guerra. Eu ando um bocado desconexo, excitado, “apanhado”. Quase não tenho dormido, são as sensações finais, o cansaço, o desamor à mistura com o alvoroço do regresso a casa. (...)
______________
Notas do editor:
(*) Vd.poste de 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)
(**) Último poste da série > 14 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9352: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (4): Os foguetões 122 mm que vi, ouvi e contei ao longo de quase dois anos...
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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9374: Memórias de Manuel Joaquim (4): Que parvo que eu fui, e uma mãe que apanhou um grande susto
1. Mensagem de Manuel Joaquim* (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 6 de Janeiro de 2012:
Meus queridos camaradas,
Aqui vai mais um "textito" que talvez tenha algum interesse, "Que parvo que eu fui!". Pois é, fui parvo naquela altura mas não me serviu de aviso para evitar outras parvoíces ao longo da vida.
Abraço grande
Manuel Joaquim
Memórias de Manuel Joaquim (4)
Que parvo que eu fui!
Julho/1965. No Campo Militar de Sta. Margarida o BCaç 1857 preparava a sua ida para a Guiné, marcada para o fim do mês. No início das manhãs respirava-se um ar seco, com alguma frescura . Naquela manhã também mas, para nós, adivinhava-se um dia ainda mais tórrido que os anteriores, a dar-nos cabo do físico nos terrenos do Campo.
Não me lembro de quase nada no que se refere aos exercícios militares a não ser que, desta vez e a dada altura, coube à minha Secção fazer qualquer coisa do género patrulhamento. Desta missão guardo na memória coisa pouca, algumas imagens e sensações. Lembro-me de uma paisagem agreste pouco arborizada, de sofrer um calor intenso envolto em aromas fortes vindos do pisoteio de plantas secas que cobriam um solo também seco, e por vezes pedregoso, nada “amigo” como também o não era um mato cheio de estevas cujas folhas pareciam expelir um óleo irritante que se nos agarrava às mãos e à cara.
Neste ambiente, a água dos cantis “voou” rapidamente e a sede apareceu. Não se esperou muito para ouvir vozes a suspirar por água. Demos por um ribeiro seco e vimos no seu leito, a alguma distância, uns tufos de verdura, sinal de água. A missão de patrulhamento (?) passou para segundo plano em relação à busca de água, seguimos o ribeiro em direção ao tufo de plantas verdes e viçosas mas água foi coisa que se não viu. Vi sim algo inesperado, uma aldeia ali perto. Mandei um soldado ler a placa que vislumbrei numa estrada, umas dezenas de metros abaixo, de modo a confirmar-me a nossa posição e a deixar-me mais descansado.
Carregueira, gritou-se da estrada.
Ao ouvir tal nome lembrei-me logo do meu amigo Formigo, na altura furriel miliciano vagomestre na Guiné e meu colega professor primário. É a sua aldeia natal!
A sede exasperava alguns. (Sede? Aquilo era sede? A Guiné irá mostrar-nos o que é ter sede!). O cansaço era muito, a jornada longa e a Carregueira ali tão perto! Que tal uma saidinha rápida para matar a sede e saber como estava o meu amigo? Há uns tempos já largos tinha-me escrito do Ingoré. Falei nisto à malta e, claro, este “convite à dança” foi logo aceite, efusivamente. Resolvi fazer uma pausa na “guerra”, saindo da área militar. Apanha-se a estrada e ala, a caminho da aldeia. Perguntei à primeira pessoa que encontrámos se sabia onde morava um militar que estava na guerra da Guiné, chamado Formigo.
- Olhem, é mesmo ali, aquela casa com um café (ou disse taberna?) na parte de baixo. A mãe dele deve lá estar a aviar.
E lá fomos todos contentes, não havia melhor lugar para matar a sede!
- Oh nosso cabo miliciano, se tiverem pena de nós talvez nos dêem de beber e apareça qualquer coisinha para trincar ...
- Sei lá, água darão mas comida... deve ser difícil. Não querias mais nada?!
Chegados à dita casa lá vou pela porta adentro, a Secção inteira atrás de mim toda “artilhada” de espingarda ao ombro mas com um ar abatido de cansaço, um cansaço real mas nitidamente exagerado. Deviam querer impressionar a senhora que até tinha um filho na tropa!
Ao entrar, enquanto os olhos se adaptavam à luz interior, vi um vulto a deslocar-se rapidamente à minha frente. Ao melhorar a visão reparei numa senhora a olhar para nós com ar interrogativo, por detrás do balcão.
- Bom dia, minha senhora!
- Bom dia, o que desejam?
- A senhora é a mãe do Joaquim Formigo Caetano? Sou um amigo...
Fui interrompido por algo que ela disse mas que não entendi e vi-a cambalear como se fosse desmaiar. Um pouco depois perguntou, muito aflita e ansiosa:
- Aconteceu-lhe alguma coisa? O que é que foi? Ai o meu filho!
- Não, não! Não aconteceu nada! É que eu sou amigo dele, queria saber como é que ele está! Vimos aqui para beber alguma coisa, estamos com muita sede, estamos em Sta. Margarida. Ao ver o nome de Carregueira lembrei-me do meu amigo Formigo, sabe, vivemos na mesma pensão em Leiria durante três anos e fomos colegas de curso. Ele está bem? ...
Enquanto durou a explicação a senhora lá se foi acalmando lentamente até que perguntou, num tom de voz seco e impessoal:
- O que querem beber?
Bebi água mas não fui acompanhado por aí além. A maior parte do grupo preferiu outras bebidas mais “finas”. Não esperavam pagar, pelos vistos! Enquanto bebíamos fui falando com a senhora acerca da minha convivência com o filho, da nossa amizade, da minha próxima ida para a Guiné, ela falou-me do pouco que dizia saber da vida do filho na guerra, etc. Passaram-se assim uns bons minutos de agradável conversa.
- Bem, muito obrigado pela sua atenção mas temos de ir embora. Quanto é a conta?
- São ... ( esqueci o valor)
Olhei para o grupo. Com que então queriam borla?! Vasculhei os bolsos sabendo que de lá não saía nada mas a ver se alguém se adiantava com uma moedita ou dizia alguma coisa. “Nicles”, tudo calado! Lá tive que ir a um bolso mais recolhido e puxar por uma nota guardada para outros gastos que não aqueles ali! Mas tudo bem, a culpa era toda minha, não tinha que me queixar de nada.
Despedidas feitas, abastecemo-nos de água numa fonte ali perto e lá regressámos ao Campo com um sério aviso a todos: “Espero que ninguém dê com a língua nos dentes! Não me lixem!
Tínhamos que completar a missão e uns bons quilómetros para andar até ao quartel.
Voltaram aqueles aromas fortes (agora rarefeitos por causa do calor), vindos do mato e de alguns pinheiros e eucaliptos dispersos e voltámos a ser fustigados pelas folhas pegajosas das estevas mais altas que, ainda hoje, me vêm à memória de vez em quando...
Foi só então, no regresso a Sta. Margarida e ao recordar a aflição daquela mãe, que tomei consciência da asneira que tinha praticado (“devíamos ter bebido primeiro e só depois eu falar do Formigo, que estúpido!”).
******
O silêncio sobre esta “fuga” não foi, na altura, quebrado por ninguém. Quanto ao melindre da situação havida na mercearia acho que só eu dei por ele (e isto só depois!). Nunca esqueci este episódio. Não pela infração militar cometida mas pelo pânico causado àquela senhora, a quem apareci abruptamente como um possível mensageiro da desgraça, trazendo notícias sobre o seu filho combatente na Guiné. Logo que o reencontrei, pedi-lhe que apresentasse as minhas desculpas à sua mãe. Mas estas desculpas não apagaram a asneira que pratiquei. Apetece-me dizer, parafraseando o título de uma canção recentemente na berra,
- Que parvo que eu fui!
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9341: Memórias de Manuel Joaquim (3): Est-il un ennemi?
Meus queridos camaradas,
Aqui vai mais um "textito" que talvez tenha algum interesse, "Que parvo que eu fui!". Pois é, fui parvo naquela altura mas não me serviu de aviso para evitar outras parvoíces ao longo da vida.
Abraço grande
Manuel Joaquim
Memórias de Manuel Joaquim (4)
Que parvo que eu fui!
Julho/1965. No Campo Militar de Sta. Margarida o BCaç 1857 preparava a sua ida para a Guiné, marcada para o fim do mês. No início das manhãs respirava-se um ar seco, com alguma frescura . Naquela manhã também mas, para nós, adivinhava-se um dia ainda mais tórrido que os anteriores, a dar-nos cabo do físico nos terrenos do Campo.
Não me lembro de quase nada no que se refere aos exercícios militares a não ser que, desta vez e a dada altura, coube à minha Secção fazer qualquer coisa do género patrulhamento. Desta missão guardo na memória coisa pouca, algumas imagens e sensações. Lembro-me de uma paisagem agreste pouco arborizada, de sofrer um calor intenso envolto em aromas fortes vindos do pisoteio de plantas secas que cobriam um solo também seco, e por vezes pedregoso, nada “amigo” como também o não era um mato cheio de estevas cujas folhas pareciam expelir um óleo irritante que se nos agarrava às mãos e à cara.
Neste ambiente, a água dos cantis “voou” rapidamente e a sede apareceu. Não se esperou muito para ouvir vozes a suspirar por água. Demos por um ribeiro seco e vimos no seu leito, a alguma distância, uns tufos de verdura, sinal de água. A missão de patrulhamento (?) passou para segundo plano em relação à busca de água, seguimos o ribeiro em direção ao tufo de plantas verdes e viçosas mas água foi coisa que se não viu. Vi sim algo inesperado, uma aldeia ali perto. Mandei um soldado ler a placa que vislumbrei numa estrada, umas dezenas de metros abaixo, de modo a confirmar-me a nossa posição e a deixar-me mais descansado.
Carregueira, gritou-se da estrada.
Ao ouvir tal nome lembrei-me logo do meu amigo Formigo, na altura furriel miliciano vagomestre na Guiné e meu colega professor primário. É a sua aldeia natal!
A sede exasperava alguns. (Sede? Aquilo era sede? A Guiné irá mostrar-nos o que é ter sede!). O cansaço era muito, a jornada longa e a Carregueira ali tão perto! Que tal uma saidinha rápida para matar a sede e saber como estava o meu amigo? Há uns tempos já largos tinha-me escrito do Ingoré. Falei nisto à malta e, claro, este “convite à dança” foi logo aceite, efusivamente. Resolvi fazer uma pausa na “guerra”, saindo da área militar. Apanha-se a estrada e ala, a caminho da aldeia. Perguntei à primeira pessoa que encontrámos se sabia onde morava um militar que estava na guerra da Guiné, chamado Formigo.
- Olhem, é mesmo ali, aquela casa com um café (ou disse taberna?) na parte de baixo. A mãe dele deve lá estar a aviar.
E lá fomos todos contentes, não havia melhor lugar para matar a sede!
- Oh nosso cabo miliciano, se tiverem pena de nós talvez nos dêem de beber e apareça qualquer coisinha para trincar ...
- Sei lá, água darão mas comida... deve ser difícil. Não querias mais nada?!
Chegados à dita casa lá vou pela porta adentro, a Secção inteira atrás de mim toda “artilhada” de espingarda ao ombro mas com um ar abatido de cansaço, um cansaço real mas nitidamente exagerado. Deviam querer impressionar a senhora que até tinha um filho na tropa!
Ao entrar, enquanto os olhos se adaptavam à luz interior, vi um vulto a deslocar-se rapidamente à minha frente. Ao melhorar a visão reparei numa senhora a olhar para nós com ar interrogativo, por detrás do balcão.
- Bom dia, minha senhora!
- Bom dia, o que desejam?
- A senhora é a mãe do Joaquim Formigo Caetano? Sou um amigo...
Fui interrompido por algo que ela disse mas que não entendi e vi-a cambalear como se fosse desmaiar. Um pouco depois perguntou, muito aflita e ansiosa:
- Aconteceu-lhe alguma coisa? O que é que foi? Ai o meu filho!
- Não, não! Não aconteceu nada! É que eu sou amigo dele, queria saber como é que ele está! Vimos aqui para beber alguma coisa, estamos com muita sede, estamos em Sta. Margarida. Ao ver o nome de Carregueira lembrei-me do meu amigo Formigo, sabe, vivemos na mesma pensão em Leiria durante três anos e fomos colegas de curso. Ele está bem? ...
Enquanto durou a explicação a senhora lá se foi acalmando lentamente até que perguntou, num tom de voz seco e impessoal:
- O que querem beber?
Bebi água mas não fui acompanhado por aí além. A maior parte do grupo preferiu outras bebidas mais “finas”. Não esperavam pagar, pelos vistos! Enquanto bebíamos fui falando com a senhora acerca da minha convivência com o filho, da nossa amizade, da minha próxima ida para a Guiné, ela falou-me do pouco que dizia saber da vida do filho na guerra, etc. Passaram-se assim uns bons minutos de agradável conversa.
- Bem, muito obrigado pela sua atenção mas temos de ir embora. Quanto é a conta?
- São ... ( esqueci o valor)
Olhei para o grupo. Com que então queriam borla?! Vasculhei os bolsos sabendo que de lá não saía nada mas a ver se alguém se adiantava com uma moedita ou dizia alguma coisa. “Nicles”, tudo calado! Lá tive que ir a um bolso mais recolhido e puxar por uma nota guardada para outros gastos que não aqueles ali! Mas tudo bem, a culpa era toda minha, não tinha que me queixar de nada.
Despedidas feitas, abastecemo-nos de água numa fonte ali perto e lá regressámos ao Campo com um sério aviso a todos: “Espero que ninguém dê com a língua nos dentes! Não me lixem!
Tínhamos que completar a missão e uns bons quilómetros para andar até ao quartel.
Voltaram aqueles aromas fortes (agora rarefeitos por causa do calor), vindos do mato e de alguns pinheiros e eucaliptos dispersos e voltámos a ser fustigados pelas folhas pegajosas das estevas mais altas que, ainda hoje, me vêm à memória de vez em quando...
Foi só então, no regresso a Sta. Margarida e ao recordar a aflição daquela mãe, que tomei consciência da asneira que tinha praticado (“devíamos ter bebido primeiro e só depois eu falar do Formigo, que estúpido!”).
******
O silêncio sobre esta “fuga” não foi, na altura, quebrado por ninguém. Quanto ao melindre da situação havida na mercearia acho que só eu dei por ele (e isto só depois!). Nunca esqueci este episódio. Não pela infração militar cometida mas pelo pânico causado àquela senhora, a quem apareci abruptamente como um possível mensageiro da desgraça, trazendo notícias sobre o seu filho combatente na Guiné. Logo que o reencontrei, pedi-lhe que apresentasse as minhas desculpas à sua mãe. Mas estas desculpas não apagaram a asneira que pratiquei. Apetece-me dizer, parafraseando o título de uma canção recentemente na berra,
- Que parvo que eu fui!
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9341: Memórias de Manuel Joaquim (3): Est-il un ennemi?
Guiné 63/74 – P9373: In Memoriam (105): António da Costa e Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905 (Guiné, 1970/71)
IN MEMORIAM
António da Costa e Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905
1. Mensagem do nossos camarada Júlio César (ex-1º Cabo, CCAÇ 2659/BCAÇ 2905, Cacheu, 1970/71), com data de hoje:
É sempre com muita saudade que recordamos os amigos e de tempos a tempos as más notícias entram na nossa casa como intrusos indesejaveis.
Assim aconteceu ontem, pela voz do camarigo Albuquerque.
Faleceu o Costa e Silva, dizia-me ele com voz sofrida.
António da Costa e Silva, natural de Vila do Conde, sempre muito amigo do “seu” Rio Ave, foi Furriel Miliciano na Companhia de Caçadores 2659, que esteve no Cacheu nos anos de 1970 e 1971, integrada no Batalhão de Caçadores 2905, no sector de Teixeira Pinto.
O seu funeral realiza-se amanhã, pelas 14,30 na Igreja de Nossa Senhora do Desterro, em Vila do Conde
Descansa em Paz, meu bom amigo
Júlio César Ferreira
Ex-1º Cabo da CCaç 2659
2. Os editores e a tertúlia deste Blogue endereçam à enlutada família do nosso camarada Costa e Silva as mais sentidas condolências pela morte do seu ente querido.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 11 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 – P9343: In Memoriam (104): Carlos Adrião Geraldes (1941-2012), ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66
Guiné 63/74 - P9372: Documentos (14): Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte II)
Capa do relatório da 2ª Rep / CTIG
Nota dizendo que "o relatório que se segue abrange o período de 1JAN73 a 15Ou74"...
1ª parte do índice do relatório (pág. 1)
2ª parte do índice do relatório (pág. 1)
3ª parte do índice do relatório (pág. 2)
[Leitura: Nos 4 primeiros meses de 1974 - em relação ao mesmo período do ano anterior - houve (i) um aumento de cerca de 30% das ações de fogo do IN sobre os nossos destacamentos, e das emboscadas ofensivas; (ii) triplicaram os ataques a embarcações; (iii) houve 2,3 vezes mais minas e armadilhas e outras ações de interdição de itinerários; (iv) houve um aumento de 60% das ações de terrorismo].
1. Em cima: Algumas das páginas, digitalizadas, do relatório da 2ª rep/CTIG, que nos foram foi gentilmente enviadas pelo Luís Gonçalves Vaz, a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz, último chefe do estado-maior do CTIG (1973/74), entretanto falecido em 2001 (*).
Recorde-se que o nosso amigo Luís Gonçalvez Vaz, hoje professor do ensino básico, no distrito de Braga, vivia em Bissau e frequentava o Liceu Honório Barreto quando se deu o 25 de abril de 1974.
O Luís também nos enviou, para publicação, uma resenha biográfica do seu pai, profusamente ilustrada, incluindo fotos das suas comissões de serviço em Angola (1963/65) e na Guiné (1973/74). No CTIG, o cor cav Henrique Gonçalves Vaz serviu como chefe do estado maior, sob as ordens do gen Spínola, do gen Bettencourt Rodrigues e, a seguir ao 25 de Abril, do comodoro Almeida Brandão (, com-chefe interino, sendo governador o brigadeiro graduado Carlos Fabião). Não pertenceu ao MFA, como nos esclareceu o filho.
(...) "Envio-vos algumas imagens do Relatório da 2ª Rep/CTIG, conforme o Luís [Graça] me pediu.
"O Relatório tem 74 páginas, é datado de 28 de Fevereiro de 1975 (data da sua publicação), não está numerado (exemplar para o CEM?), mas é um original pelo aspecto, e está assinado pelo Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela. E como podem ver, o carimbo de 'SECRETO', está a vermelho, logo deve ser um exemplar original". (...).
O nome do chefe da 2ª Rep /CTIG já aqui tinha sido citado em poste anterior, de 11 de novembro último, referente à troca dos últimos prisioneiros do PAIGG e das NT, ocorrida em 14 de setembro de 1974, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo):
(...) "Estiveram presentes nesse ato, pelas nossas tropas, o Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela (Chefe da 2ª Rep. do QG), o Major de Artilharia Aragão, o Capitão-tenente Patrício, o capitão de Infantaria Manarte e o Furriel miliciano Elias (da 2ª Rep./QG/CTIG)". (...)
De acordo com as normas editoriais do nosso blogue, a publicação destes documentos (oficiais ou oficiosos, quer das NT, quer do PAIGC, ou de outra origem), não implica qualquer tomada de posição dos editores a favor ou contra o seu conteúdo, importância documental, relevância historiográfica ou outros critérios. O propósito da sua publicação é, pois, meramente informativo. Compete aos nossos leitores fazer a sua avalição crítica.
Imagens: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados.
______________
Nota do editor:
(*) Vd. poste anterior da série > 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)
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