Data: 13 de Fevereiro de 2014 às 22:27
Assunto: A Morte dos Majores
Assunto: A Morte dos Majores
Boa noite, Camarada
Peço desculpa, mas acho que o louvor permanente do PAIGC, dos seu líder e suas actuações não tem razão de ser.
Como se dizia no nosso tempo:
É tempo de pôr alguns pontos nos ii e traços nos tt.
Um Ab.
(**) Último poste da série 21 de março de 2013 Guiné 63/74 - P11288: (De) caras (13): Guerra Ribeiro, natural de Bragança: de administrador colonial no tempo do Schulz a intendente no tempo de Spínola (Paulo Santiago / Cherno Baldé / António Rosinha)
Aqui vai um texto que me ocorreu na sequência da acta que o [Jorge] Picado divulgou.(*)
Peço desculpa, mas acho que o louvor permanente do PAIGC, dos seu líder e suas actuações não tem razão de ser.
Como se dizia no nosso tempo:
- Quem muito sabaicha, a lingerie lhe aparece.
É tempo de pôr alguns pontos nos ii e traços nos tt.
Um Ab.
António J. P. Costa
2. Conselho de Guerra do PAIGC: reuniões de 11-05-1970 a 13-05-1970
A Morte dos Três Majores
2. Conselho de Guerra do PAIGC: reuniões de 11-05-1970 a 13-05-1970
A Morte dos Três Majores
por António J. Pereira da Costa
Começaria por assinalar que esta Acta, embora “informal”, é uma fonte histórica de grande valor e autenticidade. É um “documento de trabalho” da organização do partido que, supostamente, seria depois passado a limpo e arquivado. Não é, portanto, um documento para influenciar o futuro investigador.
Começaria por assinalar que esta Acta, embora “informal”, é uma fonte histórica de grande valor e autenticidade. É um “documento de trabalho” da organização do partido que, supostamente, seria depois passado a limpo e arquivado. Não é, portanto, um documento para influenciar o futuro investigador.
O estilo da escrita e o vocabulário estão muito dentro da linha dos revolucionários do tempo. Era o tempo da Guerra Fria e do conflito sino-soviético. Contudo, chamo a atenção para a pobreza dos textos, que podemos admitir seja expressão de uma aplicação “cega” do marxismo que se supunha teria de dar resultados automaticamente.
É provável que a realidade não se conformasse com os métodos aplicados. Nesse caso, o problema era da [realidade], pois os “mestres” (não os teóricos) e o Partido é que tinham razão.
E as “massas”? Bem, as massas só tinham que se conformar e seguir o apelo e as directivas do glorioso...
É sabido que, em todas as guerras – especialmente nas subversivas – qualquer das partes pretende sempre desequilibrar psicologicamente uma parte dos elementos da outra que, uma vez recebidos, por deserção ou captura, poderão ser apresentados como materializando uma vitória e que, se colaborarem, serão uma fonte muito considerável de informações.
E as “massas”? Bem, as massas só tinham que se conformar e seguir o apelo e as directivas do glorioso...
É sabido que, em todas as guerras – especialmente nas subversivas – qualquer das partes pretende sempre desequilibrar psicologicamente uma parte dos elementos da outra que, uma vez recebidos, por deserção ou captura, poderão ser apresentados como materializando uma vitória e que, se colaborarem, serão uma fonte muito considerável de informações.
Será, portanto, abusivo partirmos da ideia de que se tratava de uma “missão de paz” aquela que os majores foram autorizados a levar a cabo. O risco era enorme e o inimigo, como vemos, desde os primeiros contactos, se apercebeu do que estava em marcha, simulou até onde entendeu conveniente e foi recolhendo informações e, quando julgou o momento oportuno, agiu… com grande violência.
Saliento que, no texto, não há a menor ponta de respeito pelos inimigos capturados nem se lamenta minimamente o fim que lhes foi dado. Não tenho mesmo grande dificuldade em ver, na morte que foi dada aos capturados, uma forte componente de racismo. Mas sou eu que sou adepto da teoria da conspiração… Era necessário dar uma lição aos “tugas” e mostrar a superioridade dos combatentes do partido.
Com este texto cai por terra a ideia de que os negociantes foram mortos porque não era possível transportá-los para outros locais. Com efeito, não estando sequer aflorada esta hipótese, pelo menos no documento escrito, podemos concluir que o assassinato foi friamente planeado. Havia a possibilidade de os negociantes serem capturados e transportados nas próprias viaturas até onde o trânsito automóvel fosse possível e o PAIGC sabia que a actividade das NT era reduzida ou nula pelo que poderia em poucas horas colocá-los no Senegal e, daí na Guiné-Conacry, cujas autoridades lhe eram claramente mais favoráveis.
Reparem na barbaridade do assassinato! Poderiam ter sido simplesmente liquidados a tiro, mas o recurso a catanas confirma a ideia de que se pretendia “dar uma lição”… aos “tugas”
Neste ponto do comentário à acta, gostaria de salientar a forma “carinhosa” como os dirigentes do PAIGC nos tratavam: TUGAS! Claro que estavam no seu direito. Na guerra – mesmo fenómeno sociológico – é assim. Por isso mesmo, acho que não devemos considerar esta forma de tratamento de que os portugueses são alvo, ainda hoje, como algo de que possamos orgulhar-nos ou achar divertido ou até curioso.
Amílcar Cabral é manhoso na maneira como se dirige aos seus, enaltecendo a vitória que acabavam de obter e os louros que o movimento pretendia tirar dela, a nível local e até internacional. Não creio que assim fosse. Os “aliados” suecos do PAIGC não ficariam muito agradados se soubessem do sucedido, e os soviéticos não teriam muitos problemas com isso e não lhe dariam importância especial. Não era uma questão importante para a obtenção dos objectivos que perseguiam. Basta ter em conta os diferentes tipos de apoio que cada um prestava.
Amílcar enaltece a superioridade moral e a clarividência dos seus. Por isso, os tugas não “conseguiam comprar a n[ossa] gente”. Era necessário manter a liderança de forma incontestada e o melhor era alimentar o ego dos subordinados.
Saliento que, no texto, não há a menor ponta de respeito pelos inimigos capturados nem se lamenta minimamente o fim que lhes foi dado. Não tenho mesmo grande dificuldade em ver, na morte que foi dada aos capturados, uma forte componente de racismo. Mas sou eu que sou adepto da teoria da conspiração… Era necessário dar uma lição aos “tugas” e mostrar a superioridade dos combatentes do partido.
Com este texto cai por terra a ideia de que os negociantes foram mortos porque não era possível transportá-los para outros locais. Com efeito, não estando sequer aflorada esta hipótese, pelo menos no documento escrito, podemos concluir que o assassinato foi friamente planeado. Havia a possibilidade de os negociantes serem capturados e transportados nas próprias viaturas até onde o trânsito automóvel fosse possível e o PAIGC sabia que a actividade das NT era reduzida ou nula pelo que poderia em poucas horas colocá-los no Senegal e, daí na Guiné-Conacry, cujas autoridades lhe eram claramente mais favoráveis.
Reparem na barbaridade do assassinato! Poderiam ter sido simplesmente liquidados a tiro, mas o recurso a catanas confirma a ideia de que se pretendia “dar uma lição”… aos “tugas”
Neste ponto do comentário à acta, gostaria de salientar a forma “carinhosa” como os dirigentes do PAIGC nos tratavam: TUGAS! Claro que estavam no seu direito. Na guerra – mesmo fenómeno sociológico – é assim. Por isso mesmo, acho que não devemos considerar esta forma de tratamento de que os portugueses são alvo, ainda hoje, como algo de que possamos orgulhar-nos ou achar divertido ou até curioso.
Amílcar Cabral é manhoso na maneira como se dirige aos seus, enaltecendo a vitória que acabavam de obter e os louros que o movimento pretendia tirar dela, a nível local e até internacional. Não creio que assim fosse. Os “aliados” suecos do PAIGC não ficariam muito agradados se soubessem do sucedido, e os soviéticos não teriam muitos problemas com isso e não lhe dariam importância especial. Não era uma questão importante para a obtenção dos objectivos que perseguiam. Basta ter em conta os diferentes tipos de apoio que cada um prestava.
Amílcar enaltece a superioridade moral e a clarividência dos seus. Por isso, os tugas não “conseguiam comprar a n[ossa] gente”. Era necessário manter a liderança de forma incontestada e o melhor era alimentar o ego dos subordinados.
Como é óbvio, não é esta a “1.ª vez que numa luta de libertação nacional se mata[m] assim 3 majores, 3 oficiais superiores” mas o secretário-geral di-lo para enaltecer a acção dos seus subordinados, chegando ao ponto de falar “nas condições da n[ossa] luta”, (neste ponto teve um rebate e reduziu-se à sua insignificância) fazendo equivaler o “facto à morte de generais…“.
Chamo também a atenção para a complexa organização do PAIGC, enunciada no discurso do secretário-geral, o que certamente é indício de uma malha de organização que visava não tanto uma melhor acção na luta, mas antes um controlo dos responsáveis pelos diferentes organismos do partido (embora todos fidelíssimos e muito atentos, como ficou demonstrado). O futuro confirmou que não era bem assim…
E que dizer da leitura das cartas escritas aos responsáveis do partido? Estamos perante um simples acto político ou até administrativo? Não sei até ponto é que o Amílcar não estaria a pretender tirar dividendos dentro do partido para aumentar a sua força e o controlo dentro dele. Por mim creio que estamos perante um acto de vingança, senão de sadismo ou, pior do que isso, de um “padrinho” que amedronta os outros elementos da “família”..
Chamo também a atenção para a complexa organização do PAIGC, enunciada no discurso do secretário-geral, o que certamente é indício de uma malha de organização que visava não tanto uma melhor acção na luta, mas antes um controlo dos responsáveis pelos diferentes organismos do partido (embora todos fidelíssimos e muito atentos, como ficou demonstrado). O futuro confirmou que não era bem assim…
E que dizer da leitura das cartas escritas aos responsáveis do partido? Estamos perante um simples acto político ou até administrativo? Não sei até ponto é que o Amílcar não estaria a pretender tirar dividendos dentro do partido para aumentar a sua força e o controlo dentro dele. Por mim creio que estamos perante um acto de vingança, senão de sadismo ou, pior do que isso, de um “padrinho” que amedronta os outros elementos da “família”..
Foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... Aprimeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB. |
Creio que ficam agora provadas duas coisas.
Primeiro: O PAIGC era um partido guerrilheiro, igual a tantos outros, e que fazia a guerrilha com os mesmos escrúpulos de todos os outros. Não se vislumbra aqui nada que o torne melhor ou mais respeitável do que os outros.
Segundo: Amílcar Cabral, como chefe guerrilheiro, não tem nada que o distinga de tantos outros líderes africanos do seu tempo. E não adianta recorrer à velha máxima de que “a sua luta era contra o colonialismo português e não contra o povo português”.
Por último, quero referir que, durante a guerra na Guiné, não tenho conhecimento de que algum guerrilheiro capturado tenha sido morto à catanada, quer fosse soldado, major ou mesmo general. Sabemos hoje que Cabral era um paisano, manobrando os combatentes, independentemente dos postos militares que o PAIGC talvez não tivesse, recorrendo sistematicamente à atribuição de responsabilidade aos “camaradas”, segundo a fidelidade ao partido e resultados obtidos.
Uma coisa é certa: podemos aceitá-lo, mas, por este procedimento está inviabilizada a possibilidade de o considerarmos um humanista. (**)
Primeiro: O PAIGC era um partido guerrilheiro, igual a tantos outros, e que fazia a guerrilha com os mesmos escrúpulos de todos os outros. Não se vislumbra aqui nada que o torne melhor ou mais respeitável do que os outros.
Segundo: Amílcar Cabral, como chefe guerrilheiro, não tem nada que o distinga de tantos outros líderes africanos do seu tempo. E não adianta recorrer à velha máxima de que “a sua luta era contra o colonialismo português e não contra o povo português”.
Por último, quero referir que, durante a guerra na Guiné, não tenho conhecimento de que algum guerrilheiro capturado tenha sido morto à catanada, quer fosse soldado, major ou mesmo general. Sabemos hoje que Cabral era um paisano, manobrando os combatentes, independentemente dos postos militares que o PAIGC talvez não tivesse, recorrendo sistematicamente à atribuição de responsabilidade aos “camaradas”, segundo a fidelidade ao partido e resultados obtidos.
Uma coisa é certa: podemos aceitá-lo, mas, por este procedimento está inviabilizada a possibilidade de o considerarmos um humanista. (**)
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Notas do editor:
(*) Vd.poste de 10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12704: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (10): O massacre do chão manjaco: acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry, de 11 a 13/5/1970: Transcrição, fixação de texto e notas de Jorge Picado
(**) Último poste da série 21 de março de 2013 Guiné 63/74 - P11288: (De) caras (13): Guerra Ribeiro, natural de Bragança: de administrador colonial no tempo do Schulz a intendente no tempo de Spínola (Paulo Santiago / Cherno Baldé / António Rosinha)