sábado, 12 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7934: Notas de leitura (217): Jardim Botânico, de Luís Naves (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Março de 2011:

Queridos amigos,
Não posso esconder o orgulho de vos ter trazido esta obra que merece constar nas vossas estantes. É um belo romance* em torno daqueles acontecimentos fatídicos que ainda hoje afectam o viver de um povo que nesses momentos terríveis voltou a pegar nas armas quando viu chegar tropas estrangeiras. E orgulho de um português que vê um compatriota escrever para dois países, duas culturas num só apelo à paz, denunciando as formas embrutecidas por onde a guerra se manifesta.

Um abraço do
Mário


Jardim Botânico (3):
Um belo romance português sobre o conflito guineense de 1998-1999

Beja Santos

“Acordaram cedo e gastaram algum tempo nos preparativos da última etapa da viagem, sem grande esperança de poderem passar para Bissau”. Mas tiveram uma surpresa quando regressaram à barricada ou posto de controlo montado pelos homens da Junta. Ali, havia sorrisos de triunfo, deixaram-nos passar a caminho do aeroporto. É uma descrição de grande recorte: “O jipe passou por uma estação de serviço, absurda e espatifada, saída de uma cena de filme apocalíptico. Não se vislumbrava vivalma, apena lixo amontoado. Alguns carros sem rodas jaziam nas traseiras, à toa, um deles capotara de pernas para o ar ou fora virado de propósito. E, no chão, havia grotescos objectos inanimados, como se fosse o espólio de um saque: a panela que alguém largara no chão, por não se aguentar mais transportar o seu peso; roupas rasgadas e sujas; e um cobertor a tapar a terra endurecida; um carro de bebés sem rodas; e, afastado, entre ervas altas, um pequeno tapete de pêlo, o cadáver de um cão, que um jagudi inexperiente já rondava, saltitando desajeitado no asfalto quente de acesso à gasolineira”. Os viajantes entraram na guerra ou no seu limiar, pois o aeroporto está altamente defendido, à barreiras móveis de arame farpado e, surpresa das surpresas, ali dentro pairava um espécie de paz adormecida. O jornalista bem tenta meter conversa com os militares, o que parecia impossível resultou numa excitação dos insurrectos que prontamente começaram a contar as peripécias dos últimos dias.

O jornalista procura o comandante mítico, acabou por conversar com o comandante Capacete de Ferro, o general estava na frente. À volta, há soldados a falarem russo, Ana descodificou que alguém estava a gabar-se de ter estrangulado um senegalês com as próprias mãos. Assim que se descobre que há uma médica no grupo, Ana é compelida a avançar para a enfermaria, uma miserável barraca com um cheiro insuportável. A carência de medicamentos é quase total. Ana apela para que os feridos sejam transferidos para o hospital de Canchungo. Nisto, os mísseis começam a silvar. Reaparece o doutor Fonseca, o secretário de Estado é um sério apoiante da Junta, é ele quem responde pelos contactos externos, redige comunicados, está ufano do papel que desempenha. Como num comício, vai descrevendo os seus grandes planos para o futuro da Nação: escolas, tribunais e fábricas, espalhar a felicidade por todos. E leva-os até à rádio Bombolom, a antena que liga os insurrectos a todo o país. Segue-se uma descrição alucinante de um território apocalíptico com material de guerra calcinado, corpos mumificados. A estação de rádio ficava a um quilómetro da frente de combate, perto do Poilão de Brá. Na rádio Bombolom a Junta lia os comunicados militares e exortava os antigos combatentes a juntarem-se à revolta. Os acontecimentos precipitam-se, reaparece Lila, a bajuda pela qual suspira Ferreira Gomes, aderiu à revolta, já nada a prende ao antigo amante. Os viajantes permanecem na base militar, Daniel está impaciente, quer ir ao interior de Bissau, está ali o seu tesouro escondido.

O autor dá-nos um inesquecível retrato do campo de batalha, a linha da frente é alucinante para ambos os contendores. Ferreira Gomes apresenta Daniel a Moreira, um antigo sócio. Numa atmosfera de completa depressão todos sonham à deriva. Os vínculos afectivos (imaginados ou não) vão-se deteriorando, sobretudo entre Daniel e Ana. Daniel afoita-se ao caminho para entrar na cidade cercada. No meio daquele atoleiro todo, fere-se numa queda, começa a arrastar-se com uma extensa ferida na perna direita. É um calvário que se irá agravando, mas consegue chegar a casa, graças à ajuda de João Leonardo, outro ex-combatente português. A tropeçar, febril, Daniel entra em Bissau: “A cidade era uma ruina disparatada. A artilharia não tinha destruído muitos edifícios. Havia um o outro telhado esventrado, uma casa incendiada, tinham tombado duas árvores numa rua, dispostas como se fossem uma barricada. Tudo mudara por causa da falta de gente, era como se Bissau, sem habitantes, fosse um cadáver abandonado numa vala. Um corpo apodrecido, sem danos de mutilações, mas mesmo assim inerte e despreocupado, morto por choque interno. No ar, pairava um cheiro difícil de definir. Os edifícios no centro mantinham-se quase intactos em relação ao que vira no dia da sua saída… E não se via uma alma de ser vivo. Como se na terra tivessem restado fantasmas de emboscada. Vagas de poeiras dançavam entre as esquinas. E as nuvens, em cima, que agoiravam chuva, densas e acasteladas, pareciam preparar-se para lavar de uma vez por todas os múltiplos pecados vagabundos.

A descrição do hospital de Bissau é dantesca, é um verdadeiro campo de morte. Sem possibilidade de se tratar, com a ferida coberta de pus, Daniel ruma até casa de Leonardo. E depois parte à procura do seu tesouro. Surpreendido, é recebido pelo velho Moleza, guarda e amigo. Não partiu, não tem para onde ir e exclama: “Ferida má, patrão!”. Retirado o seu tesouro, procuram, Daniel e Moleza, abandonar a cidade. É um caminhar delirante, Daniel vai perdendo a consciência. Chegaram a um braço do rio. É aí que Daniel, completamente desalentado, desiste dos papéis que o trouxeram até uma cidade abandonada onde as tropas governamentais resistem. Tudo parece perdido para Daniel, há aqui uma descrição que parece um de profundis: “Ficou ali estendido, sentia uma paz tranquila. As margens da clareira formavam um ciclo assimétrico de árvores, uma parede verde, que parecia um pomar abandonado. Havia palmares de dendém e cibe, as copas altivas de cabaceiras e uma arrogante tagarra que olhava a pequenez humana lá do alto, e ainda um poilão com sinais de amuletos. No miolo do descampado, erva alta, capim amarelado, que a brisa penteava. E canaviais e flores. Parecia-lhe flutuar no rio… Seria a febre? Uma orquídea, à distância da mão, um ventre encarnado, fulgurante, e pintas de tons à volta das pétalas vibrantes, como se alguém tivesse experimentado uma paleta infinita. Seria mesmo uma orquídea ou a explosão de uma nebulosa?”. No fantástico da guerra, naquele vórtice de brutalidade e destruição, aquele doente sofre mas contempla a natureza com um intenso lirismo. É nisto que surge Ferreira Gomes e o velho Moleza. A salvação está muito próxima, vieram soldados da Junta, tudo leva a crer que naquele naufrágio a vida renasce à luz de outros valores. Sim, nada há mais importante que poder recomeçar. Mesmo naquele exótico ponto do globo: “A estrada estava vazia. O calor tombava como fogo de morteiro. O céu ameaçava trovoada. E o barulho inesperado do barulho da carrinha, ao elevar-se na quietude da tarde, quebrou a magia e o tranquilo mistério daquele pedaço de jardim botânico”.

Não hesito em reafirmar que se trata de um belo romance, a primeira grande surpresa da literatura luso-guineense deste ano. Todo o absurdo daquela guerra que marcou o povo guineense como um ferrete está, em síntese, nestas pessoas, nestes ambientes, nesta correria vertiginosa, à revelia de um belo jardim botânico que merecia melhor sorte.

Este romance de Luís Naves passa a pertencer à biblioteca do blogue.
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

5 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7902: Notas de leitura (213): Jardim Botânico, de Luís Naves (1) (Mário Beja Santos)
e
10 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7920: Notas de leitura (215): Jardim Botânico, de Luís Naves (2) (Mário Beja Santos)

Vd último poste da série de 11 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7929: Notas de leitura (216): Grande Reportagem, nº de Dezembro de 1993: Desaparecidos em combate, os portugueses que não voltaram da guerra: o caso do Victor Capítulo, da CART 1743, Tite, 3 de Fevereiro de 1968 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7933: Blogpoesia (114): Medalha???, dedicado a um soldado metralhado (Manuel Maia)

1. Mensagem de Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), com data de  10 de Março de 2011:

Caro Carlos,
Para colocares onde entenderes, se acaso considerares publicável.

abraço
manuelmaia


MEDALHA???

Rasgado por estilhaço assassino,
está o ventre dum soldado `inda menino,
há gritos lancinantes na picada...
Por mina, d`entre as armas, mais cobarde,
pisada em dia santo já à tarde,
seguida de emboscada encarniçada...

Auxílio lhe quis dar um camarada,
de pronto estraçalhado por rajada
Kalash corta cerce veleidades...
Em acto inesperado, outro soldado,
de pé, responde ao IN ali deitado,
ceifando duma vez "turras" vontades...

Soldado, medalhado terá sido?
Permitam que vos diga que duvido,
perfil de Rambo o dito não teria...
A bando pertencente, o militar,
p`ra guerra foi empurrado p`ra ganhar
as honras para o dólmen da chefia...

A quem das homenagens tenha o mando
requeiro, para mim e todo o bando,
medalha p`ra exornar fato melhor...
Milhares darão milhões a quem as der
que o povo as pagará, "se Deus quiser",
quinhentas mil ou mais, lucro é maior...

Se eu fosse o decisor nessa matéria,
tomando por verdade e coisa séria
assunto agora aqui epigrafado...
Por certo enjeitaria a comissão
tão usual em tratos da nação,
do submarino ao TGV pensado...
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7627: Blogpoesia (109): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (10) (Manuel Maia)

Vd. último poste de 14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7781: Blogpoesia (113): Mulher, minha irmã (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P7932: Tabanca Grande (269): Manuel Alberto Cunha Bento, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do CAOP Teixeira Pinto (1969/71)

1. Em 5 de Março de 2011, o nosso camarada Manuel Alberto Cunha Bento (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do CAOP Teixeira Pinto - 1969/71), enviou-nos esta mensagem:

Boa tarde colegas
Só ultimamente tenho entrado no blogue, mas sinceramente como não sou nenhum perito em informática é-me muito difícil compreender como isto funciona. Agora que estou reformado e tenho vagar, vou tentar descobrir.


Vi as várias noticias do massacre no CHÃO MANJACO, onde os 3 Majores e Alferes foram assassinados. Eu pertencia ao CAOP, era Cabo Telegrafista e estava sempre em contacto com os referidos oficiais.

Alguém do Agrupamento lhes prestou uma homenagem por escrito e deu-me uma fotocópia que eu guardei nos meus arquivos, e que junto para ser inserida no blogue se acharem conveniente.
Gostava de encontrar os seguintes camaradas, que além dos referidos oficias, também faziam parte do CAOP:

Alf Mil Giesteira, Fur Mil Bento, o Lisboa, o Nunes, o 2.º Cabo Faria, José Carlos e outros que agora não me lembro, pois fomos todos em rendição individual e éramos cerca de uma dúzia.

Por agora é tudo. Aguardo noticias.

Cumprimentos
Manuel Alberto Cunha Bento
manuelben@gmail.com
Telem 969 609 701


2. Esta mensagem que deu origem ao poste 7909, por sua vez originou a que se segue, com data de 10 de Março, também do nosso camarada Manuel Bento, manifestando a sua vontade de ser apresentado à Tertúlia:


Boa tarde camaradas
Cá estou a enviar as fotos solicitadas para poder integrar a nossa tertulia.
Uma fota actual e outra do tempo que estive na tropa.
Mando outra com todo o grupo que estava em apoio aos Comandantes do CAOP, ou seja, Coronel Alcino e os três malogrados Majores, nas diversas especialidades.


Ao centro está o Alferes Giesteira e o Furriel Bento que havia estado numa zona de muita porrada, Guileje ou Gandembel. Quando tínhamos de o acordar, quer fosse de dia ou noite, dava cada salto na cama pensando que era um ataque.

Embarquei em Lisboa em 23 de Fevereiro de 1969, após um ou 2 dias fomos informados do tremor de terra , e desembarquei em Bissau no cais de Pindjiguiti a 01 Março, indo para Teixeira Pinto onde fiz toda a comissão.

Embarquei de regresso a 8 Abril de 1971, chegando a Lisboa a 16.

Sou natural do Marco de Canaveses, mas habito em S. Mamede Infesta, Matosinhos.

Por hoje é tudo
Um abraço
manuelben@gmail.com
telem 969 609 701


3. Comentário de CV:

Caro Manuel Bento, bem-vindo à nossa Tabanca Grande.
Instala-te no melhor lugar para poderes participar contando as tuas experiências enquanto combatente no Chão Manjaco. Tendo tu vivido de perto os trágicos acontecimentos do dia 20 de Abril de 1970, poderás por ventura acrescentar mais pormenores ao nosso dossiê, elaborado com a colaboração de alguns dos nossos camaradas, com especial relevo para o nosso tertuliano Afonso Sousa.

Poderás aceder a este dossiê através destas ligações (clica nas palavras sublinhadas):
Afonso Sousa
e
Três Majores

Poderás se assim o entenderes sugerir correcções e/ou acrescentar elementos.

Posto isto, esperando de ti a melhor participação possível da tua parte, deixo-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7909: O Nosso Livro de Visitas (106): Manuel Alberto Cunha Bento, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista no CAOP 1

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7893: Tabanca Grande (268): Vitor Raposeiro, ex-Fur Mil, Radiotelegrafista, STM (Aldeia Formosa, Bambadinca e Bula, 1970/72)

Guiné 63/74 - P7931: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (5): Os encantos e as armadilhas das ilhas de Bubaque e Rubane (Bijagós), 11/13 de Dezembro de 2009 (Parte I)

















Guiné-Bissau > Arquipélago dos Gijagós > Ilhas de Bubaque e Rubane (a sudoeste da ilha de Bolama) > 12 de Dezembro de 2009 > Encantos e armadilhas... Alguns flagrantes... João Graça e o seu companheiro de ocasião, o cooperante espanhol Victor (a trabalhar numa ONG em Bafatá)...

Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Continuação da publicação das notas do diário de viagem à Guiné, do João Graça, acompanhadas de um selecção de algumas das centenas fotos que ele  fez, nas duas semanas que lá passou (*)... Nos cinco primeiros dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009) fomos encontrá-lo, como médico, voluntário, no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém (*). O fim de semana de 11 a 13 (6ª, sábado e domingo) de Dezembro de 2009, foi passado em Bubaque e Rubane (Arquipélago dos Bijagós). Um fim de semana bem merecido...

Por serem de todo ilegíveis ou fazerem referências muito pessoais a terceiros, optei por assinalar com parênteses rectos e reticências [...] certas partes do diário... Noutros casos, acrescentei, também dentro de parênteses rectos [ ], algumas notas da minha lavra, decorrentes das nossas conversas sobre esta viagem (memorável, para ele)... (LG)


11/12/2009, 6ª feira > Bissau-Bubaque (Bijagós)




7.1.Encontrei o Victor (espanhol, cooperante de uma ONG que trabalha em Bafatá), na rua com Alex e Ana. Viria a tornar-se uma excelente companhia nos Bijagós.


7.2. Encontro a Catarina Meireles [, médica, portuguesa, que já aqui publicou um belíssimo texto ecuménico sobre a tabanca de Tabatô e a cerimónia do Tabaski], deu-me os [seus] contactos, partiria nesse dia.


7.3. Barco, porto [ em Bissau]. Conheci a polícia R.... Agora o Governo está a pagar salários desde há um ano. “Droga no porto?” [, pergunto eu]. “Não, agora isso já não há!” [...].


7.4. Sobrinhos de Nino Vieira foram também [ no barco, para Bubaque]. Conheci-os. Muito simpáticos. Vivem no Barreiro e Seixal [, em Portugal,] mas bem. Patos, galinhas, galos, cordeiros, tudo junto com as pessoas. Música africana (afromandinga), em cima, no convés. Dancei.


7.5. Conheci Sara, médica belga dos Médicos do Mundo. Esteve no Congo alguns anos, está em África há 5 anos. Trabalha na Sida em Bafatá, Bubaque, Bissau. Salvador já fez este papel (Erasmus, 50 anos, Granada, Espanha). Eugénie, mais tímida, francesa, dos M. M. [Médicos do Mundo]. Esteve no Burkina Faso.


7.6. [Conheci também] E…, guineense dos M.M., administrador de formação, de óculos, [...] à intelectual. L…, guineense, enfermeiro dos M.M. […]. Estes falaram […] sobre as histórias do Kumba Ialá [...] e [deram] pormenores sobre a morte do Nino, [que terá sido]  avisado pelo 1º ministro mas não quis fugir [...]


7.7. Noite foi passada na discoteca de Bubaque, do sobrinho do Nino. Não há luz pública na ilha, nem água, mas há uma discoteca!  Fartei-me de dançar. Muito divertido. Africanos têm outro ritmo. [...]

[Continua]

[ Fixação / revisão de texto / selecção e edição de fotos / título: L.G.]

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 19 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7816: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (4): 10/12/2009, último dia de consultas em Iemberém e viagem de regresso (10 horas!) a Bissau

sexta-feira, 11 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7930: Convívios (298): Almoço / Convívio do pessoal da CART 2716 (Xitole, 1970/72), dia 28 de Maio em Penafiel

1. Mensagem do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Enfermeiro da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72), com data de 11 de Março de 2011:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Na tua qualidade de editor da “Tabanca Grande”, envio-te para publicação a informação referente ao XV Almoço Convívio da CART 2716.

Aceita um Cordial Abraço de Amizade.

P, Comissão Organizadora
José Martins Rodrigues
1º cabo Enfº da CART 2716

XV ALMOÇO CONVÍVIO da CART 2716
GUINÉ – XITOLE – 1970/72


José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Enf da CART 2716, informa que o XV Almoço / Convívio da Companhia se vai realizar na cidade de Penafiel no próximo dia 28 de Maio.

A concentração será, a partir das 10 horas, no Campo da Feira junto do Destacamento da GNR, antigo RAL 5.
 

O Almoço será servido a partir das 13 horas no Restaurante Marisqueira Pérola do Vale, que fica na zona Industrial 2, junto do Intermarché.



EMENTA
Entradas – Pão, Azeitonas, Presunto com melão, Salgados variados, Pataniscas de bacalhau, Linguiça grelhada, Rojõezinhos e Moelas

Quentes - Canja de galinha, Bacalhau à Zé do Pipo e Cozido à Portuguesa

Sobremesas – Salada de frutas, Bolo de bolacha, Bolo de chocolate, Pudim caseiro e

Bolo Comemorativo

Bebidas – Vinhos Verdes e Maduros da Casa, Água, Cerveja, Café, Digestivo e Espumante doce e seco.

Preço p/ pessoa: 20 euros
Crianças – Dos 6 aos 10 anos pagam 50%

Faz a tua inscrição através de: 229 517 464 / 967 409 449 ou de jmrodrigues47@gmail.com
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7906: Convívios (213): Almoço/convívio do pessoal da CART 2519, dia 7 de Maio de 2011, no Moita do Ribatejo (Mário Pinto)

Guiné 63/74 - P7929: Notas de leitura (216): Grande Reportagem, nº de Dezembro de 1993: Desaparecidos em combate, os portugueses que não voltaram da guerra: o caso do Victor Capítulo, da CART 1743, Tite, 3 de Fevereiro de 1968 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Março de 2011:


Queridos amigos,

Nas minhas arrumações, encontrei este número da revista Grande Reportagem, tanto quanto me ocorre daquilo que leio diariamente no blogue ainda não se falou desta reportagem e da história do nosso camarada Vitor Capítulo (*), um dos libertados da operação Mar Verde.

Um abraço do  Mário

2. Do lado de cá, julgaram-no morto

por Beja Santos 

A revista Grande Reportagem, no número de Dezembro de 1993 tinha uma capa bem expressiva:
“Desaparecidos em combate, os portugueses que não voltaram da guerra”.

O texto era assinado por Fernanda Pratas, assim apresentado:

“Ficar sem um filho na guerra é uma mágoa que não se pode dizer. Muito menos em números, o mais absurdo dos instrumentos para traduzir a tortura de uma ausência forçada. Mas não é de paixões da alma que tratam as instituições. Para as Forças Armadas portuguesas, há um balanço da guerra colonial: 13 anos de campanhas de África, 8807 mortos, 30 000 deficientes. Os restantes 800 000 voltaram vivos e bem de saúde. Tudo resolvido, portanto. De uns, resta encomendar a alma e oferecer medalhas póstumas às crianças, a lembrar que o pai foi herói ao serviço da Nação. Aos estropiados, ajudas financeiras, a assistência do costume. E os outros? Quais outros? Desaparecidos? Isso não há, garantem. Dos nossos, ninguém ficou sem destino. Muitas famílias nunca viram os seus mortos, não têm mesmo a certeza se morreram. Mas que importa?”.

E sucedem-se algumas histórias. António Dias Neto, primeiro grumete da Armada, da Companhia de Fuzileiros nº 7, desapareceu no Rio Zaire. Não deram com o corpo, nem o dele nem o de dois companheiros. Comunica-se à família enlutada, aliás já em decomposição, os pais vão morrer poucos anos depois. Resta Edite, a irmã. Ainda se lutou pela pensão de sangue, os pais dependiam daquele rapaz de 23 anos. A namorada do desaparecido casou.

Desaparecido é sempre uma situação incómoda: prisioneiros, perdidos, desertores e mais algumas situações exóticas. A lógica militar é bastante linear ou quase: da guerra só resultam sobreviventes e cadáveres. Lidar com a situação de um desaparecido é bastante incómodo, nada comparável com um morto em combate ou um morto por acidente.

O escritor João de Melo, que foi Furriel Enfermeiro entre 1971 e 1973, refere-se a uma missão bem espinhosa que coube à sua Unidade: recuperar o corpo de um homem morto uns sete anos antes, enterrado no mato pelos colegas:

“Havia cartas militares com o lugar assinalado, mas a operação era para durar três dias e durou oito. Andámos perdidos, já sem ração de combate. Depois, lá descobrimos umas marcas em árvores, umas pedras no chão, era como que uma caça ao tesouro. Ao longe, víamos o Zaire e os movimentos da FNLA. Desenterrámos então um monte de ossos, sem botas nem roupas, só os ossos. Trouxemo-los para o nosso aquartelamento em sacos de tenda, lavámo-los e foram metidos dentro de uma urna selada, para a família. Esses casos não eram frequentes, normalmente não se deixavam os cadáveres no mato”.

A reportagem prossegue com o desaparecimento do Capitão Piloto-aviador Hugo Assunção Ventura, desaparecido sobre o rio Rovuma. Houve um patrulhamento no rio Rovuma, o T6 desapareceu, conforme depoimento do Furriel Semedo. Um mês depois do desaparecimento, veio da capital da Tanzânia a notícia de um avião encontrado junto ao rio. Em Fevereiro de 1976, chegou ao aeroporto da Portela uma caixa com o que restaria do cadáver: uma bota, uns ossos indistintos, bocados de tecido da farda e do lenço habitual dos pilotos. Sem crânio, não era possível determinar a identidade.





Victor Capítulo, o desaparecido que voltou

E estamos chegados à história de Victor Manuel de Jesus Capítulo, na altura da reportagem com 48 anos. Cá, foi dado como morto, mas voltou e deslumbrou a família. Antes da tropa era pescador em Sesimbra. Em 1967 viajou no barco Timor até à Guiné. Foi colocado na região de Tite [, na CART 1743]. A sua vida mudou na noite de 3 de Fevereiro de 1968, o seu quartel foi atacado, o Victor não se apercebeu do que estava a acontecer, apareceu-lhe pela frente um guerrilheiro que apontou uma arma aos três militares que estavam junto do aparelho da rádio (ele, o Operador de Cripto e o Comandante do Pelotão) cumprimentou-os e levou-os.

Depois de uma longa viagem foi levado para uma prisão em Kíndia, depois para Conacri, será aqui que Victor Capítulo irá conhecer o então Sargento Piloto-aviador Lobato. Serão todos libertados na Operação Mar Verde. Um oficial foi entregá-lo à família a Sesimbra. A reportagem mostra o Victor Capítulo na Guiné e agora (1993) em Sesimbra. À data da reportagem, o Victor dormia mal e precisava de acompanhamento médico. Não é fácil lidar com uma captura, ser interrogado, não saber o dia de amanhã. O Victor foi aquele desaparecido em combate que voltou e quebrou com uma mágoa que não se podia dizer.

Este número da revista Grande Reportagem passa a pertencer ao blogue. (**)
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Notas de CV:

(*) A captura do Victor e demais camaradas (António Júlio Rosa e  Geraldino Marques Contino)  já aqui foi objecto de "tratamento bloguístico", sob o poste de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2095: PAIGC - Propaganda (3): A guerra dos números (A. Marques Lopes / António Pimentel)

(...) Excerto da notícia da captura do António Júlio Rosa e de mais 2 dos seus camaradas (Jornal Libertação, Fevereiro de 1968, página 3):

(…) Na área de Quínara (Frente Sul), no dia 3 de Fevereiro [de 1968], no decurso de um ataque a uma unidade colonialista que se instalara na tabanca de Bissássema, as nossas forças, comandadas pelos camaradas Fokna Na Santchu e Mamadu Mané, fizeram prisioneiros os seguintes militares portugueses: alferes miliciano de infantaria António Júlio Rosa, 1º cabo nº 093526/66, Geraldino Marques Contino, o soldado nº 034660/66, Victor Manuel de Jesus Capítulo, todos da companhia 1743, estacionada em Tite.

Nesta acção foram ainda postos fora de combate 16 soldados colonialistas. O restante da tropa inimiga fugiu para o campo fortificado de Tite, abandonando no terreno uma importante quantidade de material, entre os quais se contam 6 rádios de campanha de fabricação britânica.

De acordo com as normas do Partido, estes novos prisioneiros portugueses receberão o tratamento humano que lhes é garantido pelas convenções internacionais (...).



(**) Vd. último poste da série de 10 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7920: Notas de leitura (215): Jardim Botânico, de Luís Naves (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7928: VI Encontro da Tabanca Grande, dia 4 de Junho em Monte Real (2): Vamos ter connosco a nossa amiga tertuliana Felismina Costa (A Organização)

VI ENCONTRO DA TABANCA GRANDE

4 DE JUNHO DE 2011

PALACE HOTEL MONTE REAL


Caros camaradas e amigos tertulianos, 
Foi com agradável surpresa que recebemos no dia 9 de Março a inscrição da nossa amiga Felismina Costa.

Julgamos tratar-se da primeira tertuliana não familiar de um ex-combatente que se junta a nós, o que desejamos não venha a constituir caso isolado, pelo contrário, seja um incentivo para que outras amigas nossas participem no Encontro da Tabanca Grande.
Não necessitarão de virem sozinhas, já que poderão fazer-se acompanhar de um ou dois familiares. Na nossa mesa cabe sempre mais um.

Aproveitamos para lembrar que as inscrições, 35 até à data, continuam abertas, não devendo os camaradas que têm intenção de participar deixar para muito tarde o manifestar da sua vontade. A pernoita, para quem precisar, deve ser marcada com antecedência para não correrem o risco de não haver vagas.

O que precisam de saber, no essencial, está no Poste 7840. Não esqueçam de no acto de inscrição dizerem se trazem acompanhante(s), indicando o(s) seu(s) nome(s), e dizerem de onde se deslocam. Caso queiram pernoitar em Monte Real, devem pedir a respectiva reserva.

Continuaremos por aqui à vossa disposição.

Pela Organização
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. Primeiro poste da série de 22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7840: VI Encontro da Tabanca Grande, dia 4 de Junho em Monte Real (1) Marcada a data para 4 de Junho de 2011 (A Organização)

Guiné 63/74 - P7927: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (27): O absurdo do monólogo a dois

1. "O absurdo do monólogo a dois". Texto enviado pelo nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), em mensagem com data de 9 de Março de 2011:


Guiné - Mansambo - CART 2339
Foto: © Torcato Mendonça (2011). Todos os direitos reservados.


ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 27

O Absurdo do Monólogo a Dois.


Sentados num tronco do velho abrigo, Tabanca ao fundo, ali onde, Mansambo/aquartelamento tinha começado, dois jovens, resguardando-se do calor à sombra da frondosa árvore, conversavam.
Jovens de idade incerta, rostos vincados e onde, certamente há muito os sorrisos não apareciam.
Olhavam duro ou vazio o nada e falavam baixo:

- Como está ele?

- Calmo agora. O enfermeiro já o tratou e os medicamentos começam a fazer efeito.

- Está a repetir-se muito. Vezes demais.

-Diga-me lá o que se passa com ele. Já na Metrópole lhe perguntei e nada disse.

-Não. Na Metrópole era outro assunto sem correlação com este. Eram problemas da vida privada dele. Prefiro não falar. Só tínhamos que informar de quando em vez. Lá, e depois aqui, o comportamento dele sempre foi estupendo e disposto a fazer os mais diversos trabalhos. Você sabe e nem vale a pena falar disso. Tanto assim que praticamente deixou de ser operacional. Era mais útil noutros lados.

-Já falou com o médico nisso tudo?

-Falei durante muito tempo. O médico disse-me pouco quanto a uma solução concreta, uma solução que me descansasse. Não me estou a intrometer em questões de saúde. Vejo a situação dele, como a da maioria dos soldados. Nós, graduados, já fomos uma ou duas vezes de férias. Saímos daqui, voltamos a ver casas, automóveis, luzes, ou, o mais importante, fomos até á Metrópole e voltamos a estar com família e amigos. Os soldados, a quase totalidade, não. O desgaste psicológico é bem maior. Mais nuns do que noutros, é certo. Mas a carga de desgaste é bem maior. Sentimos isso facilmente. Passamos muito tempo juntos, quase as vinte e quatro horas. Comemos igual e dormimos nos mesmos abrigos. As diferenças que existem são poucas, nesse aspecto. Lembra-se de termos caído numa emboscada e o morteiro não ter funcionado normalmente. Porquê? Porque ficaram, apesar de ter havido problemas com um joelho, aqueles dois homens assim estáticos? Já tinham, nessa data, tantas horas debaixo de fogo. Não reagiram bem. Aconteceu a eles. É normal. É humanamente normal. Humanamente. Nós, aqui, preocupamo-nos com o humanamente? Temos preparação para isso? Não.

-Falou com o médico nisso?

-Claro que sim. Foi ele que me alertou para esse aspecto humano. Ele tem preparação. Nós, aos poucos, muitos de nós ou a maioria, fomos perdendo a parte humana que tínhamos. Somos unidos, solidários, partilhamos alegrias e tristezas, medos mas, penso eu, cada vez, estamos mais duros e vazios. Olhe as caras e olhares. Você e eu não notamos. O médico, esse sim, nota e vai vendo as transformações operadas. Se não tem a especialidade de psiquiatra irá acabar. Colocou-me diversas questões e eu fui respondendo e colocando outras. Por isso falo assim. Falei deste caso, do outro que temos e até de mim.

- De si porquê?

- Porque ele colocou-me uma questão e eu recordei algo que se passou comigo. Quando apanharam, na fonte, aquele nosso soldado à mão, tínhamos acabado de almoçar com o Comandante do Pel Mi 103 o Alferes Uro Baldé, da Moricanhe. Depois de ser dado o alarme fomos à fonte e iniciaram uma primeira breve perseguição. Entrei, via rádio, em contacto com o Batalhão. De repente sentimos aquele estouro e soubemos ter sido uma mina. Você estava lá e safou-se por pouco. Quando depois fui apanhar o Alf. Uro Baldé para o pano de tenda, ajudado claro, vi restos do esparguete do almoço, as ervas à volta negras e cortadas, o cheiro adocicado do sangue. Tudo isso, aliado ao pouco tempo que tinha de Guiné, à raiva que sentia provocou em mim uma perturbação forte. Durante tempos, certos cheiros perturbavam-me e dormia mal. O Enfermeiro, temos sorte em ter um enfermeiro assim, deu-me comprimidos para dormir. Foi pior. Antes acordava sobressaltado. Depois não acordava e era pior. Parei logo e o uísque foi bem melhor. Passou. Não ligava e aos poucos foi desaparecendo. Mais tarde fui de férias a primeira vez e foi benéfico. Lá, na Metrópole, não sabem o que aqui se passa. Faz calor e há bichos… Por isso, não só, lhe falei da falta de férias dos soldados. Não só, Não só.

- Isto mexe demais connosco.

- Efectivamente. O que está a acontecer a este homem do nosso grupo, passa-se, segundo o que o médico diz e não concorda, com muitos. A receita dada pelo Exército é, segundo ele, comprimidos "LM" de "x+y" e não admitem outra solução mais. Se ele diz ser impotente para resolver o assunto que direi eu? Por isso, às vezes, sinto o regresso da tal humanidade. Pode não ser e já nem sei ao certo. Por quanto tempo mais? Aqui neste viver ou neste sobreviver que há a fazer? Muito pouco. Qualquer descuido, qualquer fraqueza pode ser fatal para muitos.

- Vamos estar mais atentos. Eu estarei e falaremos mais destes casos. Ainda se lembra de Évora, onde nos conhecemos?

-Claro que sim. Essa agora.

- Parece que foi há muito tempo. Mas você mudou muito.

- Mudamos todos…

**********

O militar que aqui falamos, de quando em vez, começou, de modo inesperado e não muitas vezes, a ter atitudes pouco consentâneas com a normalidade. De forma inesperada fugia gritando. Numa dessas vezes foi de encontro aos bidões de duzentos litros, cheios de terra, que protegiam os abrigos. Outra foi de encontro à primeira fiada de arame farpado. Feriu-se na cabeça na primeira vez e no corpo na segunda. Melhorou.
Num dia, que devia ser de festa pois era a entrada de mais um ano, por descuido ou pelo tremer dos geradores Lister ficou ferido, pensando nós ser com alguma gravidade. Evacuado no dia seguinte para o Hospital Militar em Bissau veio, muitos dias depois, a ser evacuado para o Hospital Militar em Lisboa.
Encontrei-o trinta e cinco anos depois. Se falamos do tempo militar não recordo. Falamos, isso sim, da vida actual. Os seus olhos irradiavam um brilho que me diziam estar bem com a vida. Aquele brilho que nós vemos, só nós vemos, sair dos olhos de dois ex-combatentes, dois camaradas.

**********

Hoje, ouço, leio, ou “sonho”, afirmações ditas, descritas, sopradas, ou, em conjunto produzidas e, mesmo sem o tal cheiro incomodam-me. Sinto desagrado. Um ligeiro desagrado. Mas nada digo. Começa a aborrecer.

Deviam ter respeito, mais respeito, por todos os que não voltaram, os que regressaram deficientes, os que só vieram em parte ou por outros que vão calando, falando entre ex camaradas de armas e nada mais exigem do que esse mesmo respeito. Só.

Porque:

- O stresse de guerra existe!
- O sofrimento de muitos deficientes é um facto!
- A guerra dura e violenta existiu!

A não resolução dos problemas, de tantos problemas desses ex militares, por quem de direito, há trinta e muitos anos para cá (1974/2011) ou desde a Índia até os dias de hoje, tem, para a definir uma palavra demasiado “feia”. Ficava mal aqui.
Mas há muito que devia ter sido dito: - BASTA!

O ABSURDO do monólogo a dois é isso mesmo.

A conversa existiu, não textualmente assim talvez, entre um furriel e um alferes sobre o ABSURDO de como certos militares, carentes de ajuda ONTEM e agora HOJE, ERAM e ainda SÃO tratados.

Fnd Mar/2011
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7922: Efemérides (61): Op Lança Afiada, triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, 8 a 19 de Março de 1969 (Torcato Mendonça)

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7889: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (26): Chuva em noite escura

Guiné 63/74 - P7926: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (81): Na Kontra Ka Kontra: 45.º episódio




1. Quadragésimo quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 10 de Março de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


45º EPISÓDIO

Um dia, encontrando-se Magalhães Faria a almoçar com o filho na “D. Berta”, chega o Dionildo e de chofre diz-lhe:

- C… sabe quem está ali em baixo à porta? A sua primeira mulher.

O filho do Magalhães Faria arregalou os olhos e este ficou lívido.

- E sabe quem está com ela? Aquela bajudinha muçulmana que nasceu em Madina Xaquili, quando lá estávamos e a quem puseram o nome de Sextafeira. Agora está uma mulheraça.

Um NA KONTRA inusitado.

Magalhães Faria não teve como fugir à situação criada pelo Dionildo. Tentou explicar ao filho que era uma brincadeira do Dionildo mas teve que descer ao rés do chão e ir ter com a Asmau e a Sextafeira. Conversaram uns minutos, o suficiente para ficar a saber que a Asmau estava casada, que tivera sete filhos dos quais um morreu, e que vivia em Bafata. Tinha vindo visitar a Sextafeira que vivia com os pais em Bissau. Se Sextafeira estava uma mulheraça no dizer do Dionildo, Asmau com os seus 36 anos, bonita como sempre foi, agora bem vestida, com uma pujança física de fazer inveja até a Sextafeira, podia por a cabeça à roda a qualquer mortal. Se a pôs ou não a Magalhães Faria não se ficou a saber. Despediram-se e aparentemente tudo ficou na mesma.

Com o Dionildo é que as coisas não ficaram na mesma. A Sextafeira mexeu com ele. Um autêntico amor à primeira vista. Fizeram promessas de se tornarem a encontrar.

Decorrem alguns dias até que a guerra parece novamente instalada em Bissau. Ouvem-se tiros, rebentamentos e mais tarde, como sempre acontece, os boatos. A pretexto de uma tentativa de golpe terá sido feita uma nova depuração, e, inexplicavelmente, mais uma vez de balantas por balantas. Ambos, pai e filho, começaram a acusar a instabilidade que agora se estava a viver e resolvem regressar a Portugal.

No Porto, tentando refazer a sua vida profissional Magalhães Faria cria uma pequena empresa de transitários, privilegiando os transportes para a Guiné, destino pouco explorado. Parecia que a África, ou melhor a Guiné, ou porventura ainda a Asmau não lhe saía do pensamento.. O Dionildo passa a ser o seu “braço direito”.

Magalhães Faria não se sente bem a viver só, sem uma mulher a seu lado.

Conhece entretanto uma senhora brasileira com quem vem a casar depois de um curto namoro. Logo na viagem de núpcias, passada no Brasil, entusiasma-se com o país e, chegado a Portugal, prepara as coisas no sentido de o Dionildo ficar à frente do negócio. Parte novamente para o Brasil acompanhado da mulher para, com o apoio do sogro brasileiro, iniciar nova vida profissional. Mantém-se lá alguns anos, com vindas regulares a Portugal.

Magalhães Faria vai a Brasília e visita a Catedral.

O Rio de Janeiro foi visita obrigatória para Magalhães Faria.

Magalhães Faria e a terceira mulher
no Cristo Rei.

Estabelecido a setenta quilómetros de S. Paulo, em Santos, cidade muito interessante com praia ao longo de uma avenida que faz lembrar Copacabana, tem oportunidade de conhecer toda a zona sul do Brasil. Visita as Cataratas de Iguaçú, vai à capital, Brasília, percorre a estrada marginal até ao Rio de Janeiro, passando pela maravilhosa cidadezinha de Parati com as suas casas tipicamente coloniais portuguesas.

Magalhães Faria e sua mulher apreciando a Baía de Santos

Porém, talvez um chamamento semelhante ao da negritude africana, agora a negritude brasileira faz com que esteja por períodos muito curtos em Portugal. Esta negritude vai novamente fazer mudar a sua vida. Agora é a sua mulher que se afasta, não aguentando as duplicidades. Magalhães Faria vê-se de novo em situação de KA KONTRA, semelhante à anteriormente vivida em Portugal.

A história repete-se e da mesma forma não quer também ficar dependente do agora ex-sogro. Regressa a Portugal e assume novamente a direcção da sua empresa, que vinha sendo gerida pelo Dionildo.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7919: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (80): Na Kontra Ka Kontra: 44.º episódio

Guiné 63/74 - P7925: Historiografia da presença portuguesa em África (41): A Carta de Chamada (A. Rosinha / A. Branquinho / C. Cordeiro / M. Joaquim / J. Amado / A. Guerreiro)





A escolinha do nosso tempo... Ou melhor, do final dos anos 30, princípios de 40... Ao cima as fotos do Presidente da República, Marechal Gomes Carmona  (1869-1951) e do Presidente do Conselho Prof Doutor António Salazar (1889-1970)... 



 




Por cima do quadro preto (no meu tempo era maior e tinha um estrado), uma cópia do cartaz, da autoria do pintor Martins Barata (1899-1970), "A Lição de Salazar", de 1938 (que se reproduz aqui, a cores), com a seguinte legenda: "Deus, Pátria e Família, a trilogia da Educação Nacional"... Fazia parte de uma série de 7 cartazes de propaganda política, de diferentes artistas plásticos, criados com o objectivo de comemorar os 10 anos de governo de Salazar (1928-1938), e distribuídos por todo o país, e nomeadamente, nas escolas. Era então ministro da Educação Nacional o Prof Doutor Carneiro Pacheco (1887-1957), um dos ideólogos do Estado Novo, fundador da Mocidade Portuguesa.


Ainda alguém se lembra da escolinha ? Do cartaz de Martins Barata já não, mas da sala de aula da minha escola primária, sim (na Lourinhã, era um das das 100 Escolas mandadas erigir na 2ª metade do  Séc. XIX pelo benemérito Conde  Ferreira)... bem como da menina de cinco olhos que não aparece na foto... O mobiliário escolar não mudou muito em vinte anos (as carteiras eram as mesmas), se comparado com o período de 1954-1958 em que andei na escola primária. Já não me lembro se aprendi a tabuada através do ábaco, mas penso que não... 

Sobre a "carta de chamada", convirá dizer que é um instrumento administrativo que continua a ser usado pelos serviços de migração de muitos países (incluindo a catual República Popular de Angola)...  (LG)



Fotos: Luís Graça (2010)... (Com a devida vénia... aos organizadores da Exposição "100 Anos de Património: memória e identidade – Portugal 1910-2010; local: Palácio Nacional da Ajuda, Galeria de Pintura do Rei D. Luís I; Lisboa, 30 de Setembro a 21 de Dezembro de 2010; Comissário Científico: Dr. Jorge Custódio... Uma iniciativa do IGESPAR com o apoio da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República).
 
1. Comentários sobre a "Carta de Chamada" (poste P7917) (*):


(i) António Rosinha


(...) Para evitar a burocracia da Carta de Chamada havia uma solução, era pagar as viagens de ida e volta, com direito a receber a devolução das viagens de regresso, quando passassem seis meses ou um ano, conforme as informações sobre a adaptação à nova terra.

Também era dispensada a Carta de Chamada, a quem casasse por procuração com um residente nas colónias. Foi um meio usado com muita frequência.

Quem era a favor de uma forte ocupação branca das colónias, principalmente Angola, condenava a política de Salazar em que este se contradizia, em que ao mesmo tempo que dizia que era tudo Portugal, e ao mesmo tempo tinha que haver a tal Carta de chamada.

(...) o homem que assinou a minha Carta de Chamada para eu emigrar para Angola, foi assassinado no Norte de Angola nos massacres da UPA. O Norte de Angola, zona cafeeira, podia considerar-se provavelmente que era a única área verdadeiramente colonizada com missões, escolas e uma economia cafeeira importante. (...)


(ii) Alberto Branquinho


(...) Que engraçado vir alguém lembrar a Carta de Chamada (para Angola, mas também, para Moçambique).


Lembro-me perfeitamente de durante os meus tempos de escola primária passados na minha vila, no Alto Douro, haver um colega de turma que esteve durante muito tempo à espera que o pai recebesse a tão aguardada "carta", para poderem zarpar para Lisboa para "apanharem o paquete". Lembro-me que ele já tinha toda a documentação necessária para a transferência de escola, dizer que já tinham as "passagens" e toda a trouxa empacotada para partirem... só o raio da "carta" nunca mais chegava. (...)


(iii) Carlos Cordeiro

(...) Só para lembrar que, até 1970, vigorava o sistema de barreiras alfandegárias entre o continente e os Açores e ENTRE AS PRÓPRIAS ILHAS DOS AÇORES, mesmo às integrantes do mesmo distrito! Só a lei 5/70, depois de mais de um século de lutas contra a a injustiça, veio resolver a injustiça: "É livre a circulação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas entre as ilhas adjacentes e entre estas e o continente, cessando quaisquer direitos, impostos ou encargos de natureza semelhante que actualmente a restringem".  (...)

Só mais esta curiosidade: Em 1946, foi constituído nos Açores o "2.º BII 18", o "Batalhão Açoriano". Era constituído por perto de mil militares, cerca de 800 dos quais dos Açores. Dirigiu-se para Nova Lisboa.
E agora, do Livro de José M. Salgado Martins, Regimento de Guarnição n.º 2 (Ponta Delgada, 2011), uma passagem importante:


"Embora a missão primária do 'Batalhão Açoriano', que curiosamente foi render o ''Batalhão Açoriano', fosse a de garantir a soberania portuguesa em Angola, subjacente a esta tarefa estava a ideia de que estes militares (praças), finda a comissão de serviço militar, permanecessem no território como colonos. Esta ideia, já defendida pelo governador de Angola, general Norton de Matos, e continuada pelo ministro das Colónias (Marcello Caetano) visava estancar a emigração para o estrangeiro, aumentar a escassa população branca (e, se possível, especializada) e "recolonizar" os extensos, férteis e vazios territórios do planalto central angolano (...).


Segundo o testemunho do general Altino Pinto de Magalhães, um dos subalternos do batalhão, a preparação dos militares para a sua futura função de colonos prevaleceu sobre a preparação e actividades militares. Neste sentido, foi atribuída uma pequena porção de terreno a cada um, a fim de praticar as técnicas de agricultura e facilitava-se a prática de ofícios especializados (mecânicos, pedreiros, carpinteiros, etc). Ainda com este objectivo, foram desenvolvidas numerosas actividades de aproximação com as entidades civis e população em geral, intenção altamente facilitada pelo afável e integrador das gentes açorianas (...).


Com a mudança do ministro das Colónias, esta política de povoamento foi abandonada, com a justificação da falta de verbas do fundo do Ultramar que apoiava a estada do batalhão, pelo que o seu regresso foi abruptamente decidido [regressam em Dezembro de 1947] (...)
Regressaram 917 militares, tendo 65 permanecido em Angola...".


(iv) Manuel Joaquim

(...) Meu pai emigrou para Moçambique em Setembro de 1959, um amigo convenceu-o a fazê-lo. À partida, para lá das despesas normais de transporte, teve de fazer um depósito de 6.000$00 (garantia para o "devolverem" a Lisboa se não se cumprissem certas condições, não sei quais).Reparem: era carpinteiro e, na altura, cobrava 40$00 por dia de trabalho. Esse depósito, podemos dizer que equivaleria aos rendimentos de 150 dias de trabalho. Arranjou quem lhos emprestasse e lá foi. 


Tinha de pagar as dívidas pois estava empenhado até ao pescoço (filhos a estudar, "pagantes", no colégio Marquês de Pombal tinham-lhe secado a carteira). (...)  Pombal, um concelho de 1ª classe, no centro litoral do país, na Linha do Norte com estação da CP, só começou a ter ensino público para além da 4ª classe na 2ª metade da década 1950/60!  (...).

Mais, sabem que no meu ano (oficial) de incorporação,1962, de todos os mancebos da minha freguesia só dois tinham mais que a 4ª classe?!!! Pois, era eu (no início da carreira de professor primário) e o F. Raimundo (estudante de medicina). Salazar já governava há 30 anos (ou mais)!

Ainda uma nota: meu pai esteve pouco mais de um ano em Moçambique. Contou-me que ganhava 200$00 por dia mas o(s) seu(s) colega(s) preto(s), também carpinteiro(s)como ele, recebia(m) 80$00(!) e uma ração de farinha (para o almoço?). Achava natural que houvesse diferença no salário mas assim tão grande incomodava-o, disse-mo. Não sei se foi por isso que se passou para a África do Sul. Ao menos aqui eram racistas e assumiam a atitude (isto digo eu). (***)


(v) Juvenal Amado


(...) E se ele [, Salazar,] tem deixado Angola ser colonizada, desenvolver-se, se acima de tudo tem ele próprio acreditado na sua propaganda de uma nação de igualdade racial, talvez a história fosse outra.(...) Talvez a guerra não tivesse chegado a rebentar se o desenvolvimento fosse abrangente.


Bem,  eu nisto não acredito. Ia haver mais tarde ou mais cedo problemas entre os colonos e os nativos, aliás como aconteceu na África do Sul. Mas Angola já seria uma grande potência económica e tudo se haveria de revolver como se resolveu mais a Sul. Talvez não fosse necessária 13 anos de guerra, para depois regredirem com uma guerra civil de mais 30. (...)


(vi) Alberto Guerreiro [, leitor, não membro da Tabanca Grande]


(...) Se "ele" [, Salazar,] e os chefes militares daquela época, tivessem aprendido com o que se passou sete anos antes, com os Franceses na Indochina, o que se passava na Argélia e no Congo Belga mais o sonho do Katanga, ter-se-ia evitado muitas vergonhas... Excesso de confiança? O mundo estava a entrar numa nova era, se havia movimentos de libertação, financiados e acicatados (por quem? todos nós sabemos), para depois irem eles para o poleiro, como não haviam de bater à porta de Portugal? O resultado está à vista. (...) (**)
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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 9 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7917: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (13): Emigração para as Colónias, só com Carta de Chamada

(**) Último poste da série > 19 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7146: Historiografia da presença portuguesa em África (40): António Silva Gouveia, fundador da Casa Gouveia, republicano, representante da colónia na Câmara dos Deputados, na 1ª legislatura (1911-1915) (Parte IV) (Carlos Cordeiro) 

(***) Vd. a entrevista da investigadora Cláudia Castelo, autora do livro Passagens para África. O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole (Porto, Afrontamento, 2007), que resuiltou da sua tese de doutoramento em Ciências Sociais pelo ICS -Instituto de Ciências Sociais, ebtrevista essa publicada no sítio do Observatório da Emigração (OEm), e já aqui citada em tempos no nosso blogue:(...) "só em 1962 é que a emigração para as colónias se tornou completamente livre. A pessoa decidia que ia e, desde que tivesse dinheiro para pagar a passagem, podia ir. Mas isto, só a partir de 1962.

"OEm - Até lá o que é que era preciso?

"Até lá, quem quisesse ir, se que não cumprisse determinados requisitos - e os requisitos eram ter estudos superiores, determinados rendimentos ou propriedades/empresas no destino - não podia ir sem pedir autorização ao Ministério. Como é que as pessoas geralmente faziam? As pessoas que não constavam desse quadro muito restrito? Tinham que ter uma carta de chamada de alguém que vivesse nas colónias e a pessoa que estava no destino tinha de se responsabilizar por dar trabalho ou assegurar a subsistência de quem estava a chamar. Isto fazia-se muito em família, ou pessoas das mesmas aldeias, das mesmas terras. E então o Ministério podia autorizar. O Estado queria prevenir, ou queria impedir, que fossem para as colónias colonos pobres que não tivessem emprego no destino e que, de certa forma, passassem uma má imagem do colonizador; como alguém que fosse para as colónias e depois andasse lá a pedir, que não tivesse eira nem beira, que tivesse de ir para o asilo ou que tivesse de ser remetido outra vez para a metrópole - e isso aconteceu também. E isso depois era a expensas do governo colonial, o que também saía caro.


"Até muito tarde houve a insistência, da parte dos governadores coloniais, para que não se abrisse completamente a emigração para as colónias, para impedir também a chegada de pessoas que não tivessem depois forma de subsistência. Porque pessoas que não tivessem determinadas qualificações escolares, ou formação profissional, acabavam por ir concorrer com os nativos, cuja mão-de-obra era praticamente gratuita.

"Portanto, e voltando às motivações, estas devem ter sido muito diversas. É claro que nas pessoas que foram para os colonatos rurais, a motivação seria mesmo fugir a condições de vida muito difíceis na metrópole. Eram jornaleiros, pessoas que viviam uma vida muito dura e que tinham ali o sonho de virem a ser proprietários de uma pequeníssima parcela de terra porque o que lhes era concedido eram quatro hectares. Mas a esmagadora maioria dos colonos seria, de facto, movida pela possibilidade de ascensão social e, no destino, realmente havia essa capacidade de atracção, sobretudo com a alta cotação dos géneros coloniais e, depois do início das guerras coloniais, com o acelerado desenvolvimento económico que Angola e Moçambique tiveram. Angola, salvo erro, era o segundo exportador mundial de café e isso permitiu um desenvolvimento muito notório da economia.

"No final dos anos 50 e dos anos 60, todos aqueles planos de fomento dirigiram muito dinheiro ao desenvolvimento das infra-estruturas e ao desenvolvimento económico e social daqueles territórios e, então, pessoas com altas qualificações, nomeadamente pessoas licenciadas, ou mesmo pessoas com os estudos liceais, médios, jovens que acabaram os seus cursos, viram ali uma possibilidade de emprego e uma situação económica e social bastante favorável" (...).