quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2095: PAIGC - Propaganda (3): A guerra dos números (A. Marques Lopes / António Pimentel)


Guiné > PAIGC > Cabeçalho do jornal do PAIGC Libertação - Unidade e Luta, edição nº 85, Dezembro de 1967. Exemplar na posse do nosso camarada António Pimentel, ex- Alf Mil Rec Info, CCS do BCAÇ 2851, Mansabá em Galomaro (1968/70), que vive actualmente no Porto. Recentemente ainda, o Pimentel facultou-nos, para consulta, um exemplar do Livro da Primeira Classe, usado nas escolas de ensino primário do PAIGC (1).

Fotos: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.


1. Texto enviado em 29 de Agosto de 2007, pelo A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf (hoje Cor DFA, reformado, residente em Matosinhos), CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro)

A propaganda sempre teve importante papel em todos os conflitos, de um e de outro lado dos contendores (2):

No jornal Libertação (cujo cabeçalho acima se reproduz), na sua edição nº 85, de Dezembro de 1967, pode ler-se a seguinte notícia:

Mais um prisioneiro

No decurso de uma emboscada no Sector de Geba, que teve lugar no dia 18 deste mês, uma unidade do nosso Exército Popular infligiu ao Inimigo uma perda de 14 mortos e um grande número de feridos. Forçando o inimigo à debandada, os nossos camaradas conseguiram apoderar-se de um morteiro e grande quantidade de munições.

Nesta acção foi ferido e feito prisioneiro o soldado português nº 659, da Companhia 1690, aquartelada em Geba, Manuel Francisco Fragata.




Referiam-se à operação feita pela CART 1690 em Sinchã Jobel, a Op Invisível, em 18 de Dezembro de 1967. Disse-se no relatório dessa operação (3):

(...) mais submetido ao fogo IN, veio o 2º Gr Comb, comandado pelo Alferes Miliciano Fernandes em auxílio do primeiro, mas o mesmo foi atacado pela rectaguarda e, portanto, não pode proteger a retirada do primeiro. Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes; verifiquei que nessa altura já o Dest B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º. Cabo Sousa da CART 1742 e que estava a fazer fogo com a ML MG-42, soldado Metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos. Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda e quando o puxava pelos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos (...).

Também ficou lá o soldado Vito da Silva Gonçalves e foi ferido e aprisionado o Manuel Fragata Francisco (nº 01547966... não sei onde foram buscar o nº 659). Também apanharam armamento e munições, é verdade, mas nada de 14 mortos...

No mesmo jornal, na sua edição de Fevereiro de 1968 (de acordo com um exemplar também emprestado pelo nosso camarada António Pimentel, para consulta) vem a notícia (coma respectiva foto) da captura de mais quatro militares portugueses, incluindo um oficial.




No capítulo Bissássema, a páginas 60 do seu livro Memórias de Um Prisioneiro de Guerra, diz o António Júlio Rosa (4):

Dentro do posto encontrava-me eu, o Maciel, o Cardoso, o Gomes e os três operadores das transmissões. De repente, apareceu, transtornado, o comandante da milícia de Tite. Só teve tempo de nos dizer que os turras estavam dentro do perímetro e se dirigiam para o local onde nos encontrávamos. Mal acabou de falar fomos atacados. Não deu sequer tempo
para se tentar encontrar uma solução!...

Rapidamente procurámos sair para o exterior. O Maciel, o Cardoso, o Djaló e o Gomes conseguiram sair. Quando cheguei à porta, seguido pelo Geraldino e pelo Capítulo, rebentou uma granada ofensiva mesmo na nossa frente. Eu levava a arma na mão, mas de nada me serviu. Com o sopro da explosão fui empurrado para trás e não via nada pois tinha os olhos cheios de terra. Com o estrondo, fiquei surdo!...

Foi uma sensação horrível!... Pensei que ia morrer!...Foi impressão instantânea que passou em segundos. Entretanto, tive outra sensação!... Tive o pressentimento que ia ser abatido!... Sinceramente, fiquei preparado para morrer!... Foi o que senti e afirmo que, naquele momento, se tivesse acontecido, não me teria custado nada. Reconheci que estava impotente e nada podia fazer para contrariar aquela acção. Afinal, não tinha chegado ainda a minha hora e, agora, espero bem que não esteja para chegar em breve. Naquele dia foi mesmo Deus que não permitiu o fim do meu viver; e a protecção divina ir-se-ia manter no futuro, pois forma muitas as vezes em que a minha vida esteve presa só por um fio muito ténue.

Senti-me agarrado, ao mesmo tempo que alguém me socava, violentamente, mas não sentia qualquer dor. Recordo-me que o meu quico saltou da cabeça e nunca mais o vi. Estava prisioneiro!... O Dino e o Capítulo tiveram a mesma sorte!...

O Ramalho, um dos telefonistas, recuou escondendo-se debaixo duma cama, assistindo a toda aquela cena. Foi mais bafejado pela sorte!... Nunca mais o vi nem falei com ele. Depois de nos terem levado para longe dali, fugiu para Tite.



Excerto da notícia da captura do António Júlio Rosa e de mais 3 dos seus camaradas (Jornal Libertação, Fevereiro de 1968, página 3):

(…) Na área de Quínara (Frente Sul), no dia 3 de Fevereiro [de 1968], no decurso de um ataque a uma unidade colonialista que se instalara na tabanca de Bissássema, as nossas forças, comandadas pelos camaradas Fokna Na Santchu e Mamadu Mané, fizeram prisioneiros os seguintes militares portugueses: alferes miliciano de infantaria António Júlio Rosa, 1º cabo nº 093526/66, Geraldino Marques Contino, o soldado nº 034660/66, Victor Manuel de Jesus Capítulo, todos da companhia 1743, estacionada em Tite.

Nesta acção foram ainda postos fora de combate 16 soldados colonialistas. O restante da tropa inimiga fugiu para o campo fortificado de Tite, abandonando no terreno uma importante quantidade de material, entre os quais se contam 6 rádios de campanha de fabricação britânica.

De acordo com as normas do Partido, estes novos prisioneiros portugueses receberão o tratamento humano que lhes é garantido pelas convenções internacionais (...).


O António Júlio Rosa não fala em baixas, mortos ou feridos... Poderia não ter tido conhecimento na altura, mas é natural que falasse deles quando escreveu o livro.

É só uma constatação, não uma admiração ou crítica, pois a propaganda era uma arma de um lado e do outro, também. A 24 de Junho de 1967 também disseram que em Sinchã Jobel tínhamos morto três guerrilheiros, mas eu sei que não foi verdade (5).

A. Marques Lopes
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd posts de:

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação

1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

4 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1920: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (3): O mítico Morés

9 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1938: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (4): Catunco

(2) Vd. posts anteriores desta série:

7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1346: PAIGC - Propaganda (1): morte aos colonialistas portugueses e seus cachorros de dois pés (Carlos Vinhal / Mário Dias / Luís Graça)

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1496: PAIGC - Propaganda (2): Notícia da deserção de três fuzileiros navais (Fernando Barata)

(3) Vd. post de 5 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII (A. Marques Lopes)

(4) Já anteriormente referido pelo A. Marques Lopes: vd post de 8 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCVII: Op Mar Verde (invasão de Conacri) (1)

(...) "Sobre a fotografia de prisioneiros a jogar à bola em Conacri, é natural que algum seja da CART 1690 [Geba, 1967/69], pois eram os que estavam lá em maior número. No entanto, é difícil distingui-los nessa fotografia. Para saberem o que foi a vida deles em cativeiro leiam o livro Memórias de Um Prisioneiro de Guerra, publicado pela editora Campo das Letras em Outubro de 2003 (...).

"O seu autor é o ex-alferes miliciano António Júlio Rosa (agora professor de Educação Física), que foi aprisionado pelo PAIGC na zona de Tite, no dia 1 de Fevereiro de 1968. Lá esteve até ao dia da libertação da Op Mar Verde. É um relato simples, sem literatura. Vale a pena ler, sobretudo nós que compreendemos tudo aquilo".

Vd. também recensão bibliográfdica do Jorge Santos: vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CVI: Bibliografia de uma guerra (2)

(5) Vd. post de 30 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXV: Uma estória de Sinchã Jobel ou a noite em que o Alferes Lopes dormiu na bolanha (1967) (A. Marques Lopes)

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