1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 16 de Dezembro de 2011:
Amigo Carlos Vinhal
Cá vai um apontamento de “Viagem…” mais uma vez vivido na primeira pessoa e que traduz em certas situações o despoletar de comportamentos humanos por vezes potencialmente perigosos.
Como já sabes, publicarás se achares com um mínimo de interesse.
Aproveito para desejar a todos um BOM NATAL
Um Abraço
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (47)
O fugitivo
Se bem me recordo, poucas para não dizer raríssimas, foram as vezes em que estive escalado para serviço do dia, durante a minha passagem pela Guiné. Talvez pela antiguidade ou por a actividade operacional não o permitir. Já não sei!
Uma dessas excepções aconteceu em Bula onde estive de Sargento de Dia ou da Guarda. Creio que de Dia, já também não recordo, o que não tem importância alguma hoje mas poderia ter tido à época, deixando de ser recordação de uma passagem hoje chistosa, para mim e talvez para quem se possa recordar dela.
Nessas funções chega-se a hora do jantar e dirijo-me para o refeitório dos Praças, exercendo uma das minhas atribuições. A noite é escura, o refeitório está cheio com o Pessoal do Batalhão e vou cirandando por lá! A janta decorria com a algazarra normal e em ordem até que de repente se ouve, vindo do exterior próximo mergulhado na noite, algo do género: ”O fdp do turra fugiu…”
O sossego acabou. Havia na verdade um (pelo menos) prisioneiro turra na cadeia e ao que se ouviu tinha tido o desplante e arte de se pirar da “pildra” mesmo ali quase ao lado!
Alguns Rapazes saem a terreno em penumbra e ao avistarem um vulto começam-se a ouvir os incentivos do género “está ali… é ele, vai p´ro arame… agarra que ele foge… apanha o cabrão…”, fazendo com que esses alguns se transforme de imediato numa mole de seguidores que em atropelo abandonam o refeitório para o lado pouco iluminado adjacente, sem dar tempo a nada.
Toda aquela massa humana, incendiada por estes apelos corre no escuro atrás do vulto avistado, que com algum avanço começou a parecer voar.
Saio do refeitório para o lado da parada, talvez para procurar informação do que se estava a passar, também já não recordo. Recordo isso sim, de momentos depois ver o perseguido logo seguido do maralhal a sair das sombras por detrás do dormitório (?) em direcção ao local onde eu estava. Saquei a pistola e grito-lhe ordem de parar, apostado em o deter antes que ele fugisse ou o maralhal lhe deitasse a mão.
O homem ofegante pára à minha beira, a rapaziada também e à luz constata-se o erro que poderia ter trazido consequências graves e irreversíveis. Não era senão um Soldado (?) ou Milícia (?)!!
Alguém tinha avistado uma silhueta na escuridão a sair das imediações da prisão e julgando ser o “turra” gritou o alerta. Por sua vez a silhueta ao ouvir e ao ver o maralhal começar a ir na sua direcção, em vez de parar, assustou-se e deu às de “viladiogo” ganhando asas nos pés e na certa “borrado de medo “(imaginem!), só parando à minha ordem e junto a mim.
Ainda bem que esta passagem pode ser recordada hoje com certa piada, por mim ou por outros que nela tenham sido actores, ou até por quem consiga imaginar a cena e o cagaço que deve ter apanhado o “fujão”. Talvez até, quem sabe, ele venha a ler isto e nos possa contar de viva voz o que sentiu!
Luís Faria
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9147: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (46): A velhice em Bula
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Guiné 63/74 - P9236: Parabéns a você (356): José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CCAV 8350 e CCAÇ 11 (Guiné, 1972/74)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9230: Parabéns a você (355): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Guiné 1969/71 e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351/72, Guiné, 1972/74
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9230: Parabéns a você (355): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Guiné 1969/71 e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351/72, Guiné, 1972/74
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Guiné 63/74 - P9235: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (2): Miniautocarro civil detona mina anticarro em Encheia
1. Em mensagem do dia 16 de Dezembro de 2011 o nosso camarada Carlos Rios (ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66), enviou-nos o segundo fragmento da sua passagem pela tropa.
FRAGMENTOS DA MINHA PASSAGEM PELA TROPA (2)
MINIAUTOCARRO CIVIL DETONA MINA ANTICARRO EM ENCHEIA
Algum tempo após estes graves incidentes, fui confrontado com o reactivar de uma realidade já sublimada pelo tempo e que me reactivou os sentidos de terror, pequenez e impotência ao enfrentar um inimigo invisível e tremendo: as minas.
Encontrando-me com alguns camaradas, de entre os quais estava o meu amigo J.M. Bastos, na esplanada do clube os Balantas, vestido eu à civil, (ainda me lembro da vestimenta - de calções de caqui e uma camisa de seda multicolorida, ao bom estilo africano, e uns mocassins), estava pinoca o saloio, quando ouvimos um grande rebentamento para os lados de Encheia. De imediato corremos ao quartel. Tal como estava, pus o cinturão em que tinha sempre para além das cartucheiras, quatro granadas, pegando na G3, material que sempre mantinha pendurado à cabeceira da cama, pedindo ainda a entrega de um dilagrama, e montados os diversos pelotões em viaturas, dirigimo-nos para a estrada de Encheia.
O quadro com que nos deparámos foi aterrador. Sendo aquela picada, junto da qual haviam diversas tabancas consideradas “controladas”, uma carrinha (mini-autocarro) vinha com alguma frequência de Bissau até junto da cambança para Encheia, transportando população e toda uma parafernalha de utensílios para a localidade e para as já referidas tabancas. Nesta viagem e a pouco menos de 500 metros do local onde habitualmente parava, pisou uma mina, que explodindo desfez literalmente a viatura, espalhando pelas redondezas mortos e feridos, um horror incomensurável, de tal maneira que o Zé Manuel Bastos e o seu Grupo tiveram que recolher para cima de um Unimog, corpos e pedaços dos mesmos chegando em alguns casos a haver membros decepados e esquartejados, de tal modo que não se sabia a quem pertenciam. Uma vez feito este pungente e dramático trabalho, lá seguiu o calmo e sensível J.M. Bastos e o seu Grupo com a macabra carga, sanguinolenta a tal ponto que escorria para o chão, sozinhos no Unimog para Bissau, vindo ainda já dentro da cidade a ser mandado parar pala PM. O desenlace foi um imberbe e sobranceiro alferes ficar tremelicando e sem voz na beira da Avenid , acabando o Bastos a sua missão.
Paradas as viaturas e tendo entretanto o meu Grupo intervindo por ali nas tabancas e arredores, enquanto outro grupo procedia à picagem da estrada, a população fugiu em massa para uma pequena mata pegada com uma bolanha onde cultivavam arroz, sendo que ainda fomos fustigados de longe ao que reagimos de imediato saltando eu para dentro da bolanha e disparando o dilagrama para dentro da mata, o que provocou um absoluto silêncio mantendo-me no mesmo local donde só saí (lá ficaram os meus queridos mocassins) quando a população, creio que se terá julgado entre dois fogos, começou a caminhar no nosso sentido. Na frente um encorpado gentio vestia uma camisola onde no peito era bem visível o emblema da Mocidade Portuguesa. Entretanto o pessoal que procedia à picagem do resto do troço viria a encontrar poucos metros depois de onde tínhamos parado outra mina que desmontaram e levantaram.
O contacto com esta atroz tragédia, demolidora do mais forte controlo de um ser humano, os diversos acontecimentos sub-sequentes incluindo a visão do elemento com a camisola referida fizeram despoletar em mim uma crise de nervos que me fez dizer e praticar todos os desmandos possíveis e que só no dia seguinte, já praticamente recuperado, a guerra continuava e eu era tido como preponderante no meu Grupo, vim a saber.
Mandei com a arma fora… desatando em completa convulsão a gritar “podia ser o meu irmão” maldita guerra, etc, etc..
Valeu-me o perspicaz e desembaraçado Rui, que pegando em mim ordenou a um condutor que me conduzisse de imediato ao Quartel o que ele acatou de bom grado mas clamando eu ainda que queria levar a mina.
E lá foi aquela boa alma sozinho ao volante de um camião Mercedes, com um maluquinho sentado ao seu lado com uma mina de cinco quilos de trotil ao colo. Chegados ao Quartel o meu bom amigo Carolino,(infelizmente já falecido, na sua terra - Marinha Grande), já de seringa em riste injectou-me uma mistela que só me deixou acordar no dia seguinte, tornando-se assunto motivo de conversas dichotes e conselhos assizados que puseram tudo no lugar.
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Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 11 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9179: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (1): Saída para o mato em noite de tempestade
Guiné 63/74 - P9234: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (4): Mensagens dos nossos camaradas Raul Albino, Ricardo Figueiredo, Carlos Rios, Henrique Cerqueira, Manuel Alheira, Rui Silva, Valentim Oliveira e Manuel Maia
MENSAGENS DE NATAL DOS NOSSOS CAMARADAS
1. Mensagem do nosso camarada Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato:
Meus amigos,
Mais um ano está a chegar ao fim. Posso tentar desejar-vos um Bom Natal, mais pobre, mais limitado e dificilmente será mais alegre que os Natais anteriores, mas podemos tentar, mais que não seja pelos mais miúdos. Desejar-vos Boas entradas no Novo Ano, já parece gozação. Ninguém queria entrar nele, mas vamos entrar com ou sem a nossa vontade, porque o tempo não pára.
Mas posso enviar-vos um presente na forma de ficheiro informático. Vai anexo a este e-mail, cheio de beleza rústica, uma forma de paraiso terreno, por onde gostariamos de saltitar conforme a disposição do momento. Eu adorei e não me chocaria trocar toda a arquitectura tecnológica moderna, por esta beleza tão terrena e humana a lembrar tempos passados. Desfrutem a visualização destes lugares, enquanto ainda existem.
Umas Boas Festas para todos, cheias de paz e saúde.
Um abraço de amizade,
Raul Albino
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2. Mensagem do nosso camarada Ricardo Figueiredo, ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74:
Para os Ilustres Editores que nos alimentam a alma e nos convertem a saudade em nostalgia, com um trabalho diário digno de registo, desejo-vos um FELIZ NATAL , na companhia de todos quantos vos são queridos, votos naturalmente extensivos a toda a Tabanca Grande.
Bem Hajam !
Com um grande abraço fraterno do,
Ricardo Figueiredo
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3. Mensagem do nosso camarada Carlos Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66:
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4. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74:
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5. Do nosso camarada Manuel Alheira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 19, Guidaje, 1972/74:
Nesta Quadra Festiva, envio a todos os meus amigos e famíliares os melhores votos de BOAS FESTAS.
Cumprimentos,
Manuel Alheira
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6. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67:
Para todos os camaradas, amigos e camarigos ex-Combatentes da Guiné e, para aqueles que, sem terem sido combatentes, vieram sentar-se, simpaticamente, ao nosso lado sob o Poilão da Tabanca Grande, venho aqui expressar o maior desejo de que passem um NATAL MUITO FELIZ e que o NOVO ANO seja imbuído da maior felicidade, bem-estar e harmonia, desejo que se estende naturalmente aos seus familiares mais queridos.
Bem Hajam!”
Rui Silva
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7. Mensagem de Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490, Região de Farim, 1963/65:
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8. Do nosso camarada Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74:
A todos os camarigos distribuídos pelas diversas tabancas quero expressar, aqui e agora, os votos de um Natal prenhe de saúde, de alegria e enorme satisfação .
Que o Menino Jesus nos ponha no sapatinho o garante de que de futuro os governantes deste país deixarão de ser refractários e desertores e que um de nós se sentará nas cadeiras do poder por forma, a, finalmente, ser reconhecido o nosso esforço em prol duma pátria que nos tem renegado.
Um enorme abraço extensivo às famílias dos combatentes que têm sabido ser o verdadeiro suporte, a necessária âncora a que nos agarramos quando disso temos necessidade.
manuelmaia
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9220: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (3): Mensagens dos nossos camaradas Giselda e Miguel Pessoa, Sousa de Castro, José M. Matos Dinis e José Martins
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Guiné 63/74 - P9233: O meu Natal no mato (37): Canchungo, CAOP1, Natal de 1972, com visita a correr do gen Spínola: “Info Vexa Sexa segue na mexa” (António Graça de Abreu)
1. Caros/as leitores/as do nosso blogue:
Recebemos há dias uma bela prenda de Natal... Ainda dizem que há crise e que este ano vai haver greve às prendas de Natal!... Pois o nosso António Graça de Abreu (AGA) "ofereceu-nos" o seu Diário da Guiné, em formato word...
Vamos ser parcimoniosos, publicando alguns excertos que tiverem interesse documental, até por que o livro continua à venda nos escaparates, sob o título Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp).
A versão original tem como título: Guiné 1972-1974: A Espuma das Lágrimas. Em formato word, tem 153 pp., numeradas. Sem fotos.
Eis a nossa troca de mails, recente:
12/12/2011:
Mando-vos, completo o meu Diário da Guiné. Em qualquer altura, quando acharem oportuno, é só ir buscar um texto e publicar. Guardem na caixa dos pendentes, a longo prazo.
O meu texto sobre os veteranos italianos é que, pelos vistos, não dá para publicar. Tenho uma certa pena. Com tanta ganga que aparece no blogue... E diz o Luís que eu sou "apaparicado" no blogue... Meu eu sou suspeito a emitir opinião. Julgador em causa própria não dá. Não parece, mas no artigo de Civitavecchia está lá a nossa Guiné. E somos todos europeus, com guerras de permeio.
Abraço,
António Graça de Abreu
13/12/2011
Meu querido amigo e camarada António: Obrigado, antes de mais pela tua generosidade e camaradagem, pondo à nossa disposição um documento, ímpar, como o teu Diário da Guiné, de que eu sou leitor assíduo. Prometo fazer bom uso dele...
Quanto ao teu pedido, não está de modo algum esquecido!... Esse material está para saír, não fiques impaciente. Temos é poucos braços e mãos...
Um abraço afetuoso do Luís
2. O meu Natal no mato > Canchungo, 26 de dezembro de 2011Canchungo, 26 de Dezembro de 1972
Excerto de Diário da Guiné, 1972/74, de António Graça de Abreu... No livro, editado pela Guerra & Paz, Lisboa, 2007, corresponde à p. 65. AGA chegou a Bissau a 24/6/1972, vindo de DC-6, de Lisboa. Foi colocado no CAOP1 - Comando de Agrupamento Operacional nº 1, sediado em Canchungo (Teixeira Pinto). É Alferes Miliciano, com a especialidade de Atirador de Infantaria, reclassificado por incapacidade parcial em "Secretariado, Serviço de Pessoal". Chega a Canchungo, de helicóptero, a 26, de manhã. Nunca identifica o seu comandante, coronel paraquedista [ Durão]. Tem um diário, onde escreve quase todos os dias (ou em alternativa, cartas e aerogramas que manda à sua mulher, num total de 347, até ao fim da comissão, 17/4/1974). Teve os seus primeiros "trinta e cinco dias de férias em Portugal" de 7 de Novembro a 17 de Dezembro de 1972 (, período em que não quaisquer notas no seu Diário).
Com a devida vénia, reproduzimos hoje o seu apontamento do dia 26/12/1972, relativo ao seu primeiro Natal passado no mato:
O Natal já lá vai. O jantar de 24 para 25 foi no refeitório dos soldados do Batalhão 3863 [BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73]. Havia bacalhau com batatas, bolos, tortas e pudins. Mas o jantar soou a choco, éramos quase quinhentos homens com as famílias lá longe, perdidas na distância.
No fim do jantar eram visíveis, e audíveis, grandes bebedeiras. Tivemos direito a um espectáculo de variedades improvisado pelos furriéis e soldados do Batalhão. Cantaram-se umas espanholadas e contaram-se anedotas porcas, não muito condizentes com a noite em que o Menino nasceu na gruta de Belém.
Na manhã de 25, veio cá o Spínola. Ele voa de helicóptero para todos os aquartelamentos e quartéis da Guiné, no dia de Natal deve ter visitado uns quinze ou vinte. Reconheço-lhe uma enorme coragem. Aparece de surpresa em todo o lado. A presença do general é sempre anunciada uns minutos antes numa comunicação secreta de precedência “relâmpago” destinada ao comandante do aquartelamento a visitar. Por brincadeira diz-se que o teor da mensagem costuma ser “Info V.Exa S.Exa segue na mexa.”
O general disse umas palavras simpáticas, desejou Bom Ano, falou na Pátria. No fim, com todos os oficiais perfilados, fiz-lhe continência e apertei-lhe a mão. Que honra!
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9232: O meu Natal no mato (36): Conversas com um homem de Deus (Artur Augusto Silva, Quebo, 1962)
Recebemos há dias uma bela prenda de Natal... Ainda dizem que há crise e que este ano vai haver greve às prendas de Natal!... Pois o nosso António Graça de Abreu (AGA) "ofereceu-nos" o seu Diário da Guiné, em formato word...
Vamos ser parcimoniosos, publicando alguns excertos que tiverem interesse documental, até por que o livro continua à venda nos escaparates, sob o título Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp).
A versão original tem como título: Guiné 1972-1974: A Espuma das Lágrimas. Em formato word, tem 153 pp., numeradas. Sem fotos.
Eis a nossa troca de mails, recente:
12/12/2011:
Mando-vos, completo o meu Diário da Guiné. Em qualquer altura, quando acharem oportuno, é só ir buscar um texto e publicar. Guardem na caixa dos pendentes, a longo prazo.
O meu texto sobre os veteranos italianos é que, pelos vistos, não dá para publicar. Tenho uma certa pena. Com tanta ganga que aparece no blogue... E diz o Luís que eu sou "apaparicado" no blogue... Meu eu sou suspeito a emitir opinião. Julgador em causa própria não dá. Não parece, mas no artigo de Civitavecchia está lá a nossa Guiné. E somos todos europeus, com guerras de permeio.
Abraço,
António Graça de Abreu
13/12/2011
Meu querido amigo e camarada António: Obrigado, antes de mais pela tua generosidade e camaradagem, pondo à nossa disposição um documento, ímpar, como o teu Diário da Guiné, de que eu sou leitor assíduo. Prometo fazer bom uso dele...
Quanto ao teu pedido, não está de modo algum esquecido!... Esse material está para saír, não fiques impaciente. Temos é poucos braços e mãos...
Um abraço afetuoso do Luís
2. O meu Natal no mato > Canchungo, 26 de dezembro de 2011Canchungo, 26 de Dezembro de 1972
Excerto de Diário da Guiné, 1972/74, de António Graça de Abreu... No livro, editado pela Guerra & Paz, Lisboa, 2007, corresponde à p. 65. AGA chegou a Bissau a 24/6/1972, vindo de DC-6, de Lisboa. Foi colocado no CAOP1 - Comando de Agrupamento Operacional nº 1, sediado em Canchungo (Teixeira Pinto). É Alferes Miliciano, com a especialidade de Atirador de Infantaria, reclassificado por incapacidade parcial em "Secretariado, Serviço de Pessoal". Chega a Canchungo, de helicóptero, a 26, de manhã. Nunca identifica o seu comandante, coronel paraquedista [ Durão]. Tem um diário, onde escreve quase todos os dias (ou em alternativa, cartas e aerogramas que manda à sua mulher, num total de 347, até ao fim da comissão, 17/4/1974). Teve os seus primeiros "trinta e cinco dias de férias em Portugal" de 7 de Novembro a 17 de Dezembro de 1972 (, período em que não quaisquer notas no seu Diário).
Com a devida vénia, reproduzimos hoje o seu apontamento do dia 26/12/1972, relativo ao seu primeiro Natal passado no mato:
O Natal já lá vai. O jantar de 24 para 25 foi no refeitório dos soldados do Batalhão 3863 [BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1971/73]. Havia bacalhau com batatas, bolos, tortas e pudins. Mas o jantar soou a choco, éramos quase quinhentos homens com as famílias lá longe, perdidas na distância.
No fim do jantar eram visíveis, e audíveis, grandes bebedeiras. Tivemos direito a um espectáculo de variedades improvisado pelos furriéis e soldados do Batalhão. Cantaram-se umas espanholadas e contaram-se anedotas porcas, não muito condizentes com a noite em que o Menino nasceu na gruta de Belém.
Na manhã de 25, veio cá o Spínola. Ele voa de helicóptero para todos os aquartelamentos e quartéis da Guiné, no dia de Natal deve ter visitado uns quinze ou vinte. Reconheço-lhe uma enorme coragem. Aparece de surpresa em todo o lado. A presença do general é sempre anunciada uns minutos antes numa comunicação secreta de precedência “relâmpago” destinada ao comandante do aquartelamento a visitar. Por brincadeira diz-se que o teor da mensagem costuma ser “Info V.Exa S.Exa segue na mexa.”
O general disse umas palavras simpáticas, desejou Bom Ano, falou na Pátria. No fim, com todos os oficiais perfilados, fiz-lhe continência e apertei-lhe a mão. Que honra!
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Nota do editor:
Último poste da série > 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9232: O meu Natal no mato (36): Conversas com um homem de Deus (Artur Augusto Silva, Quebo, 1962)
Guiné 63/74 - P9232: O meu Natal no mato (36): Conversas com um homem de Deus (Artur Augusto Silva, Quebo, 1962)
Guiné-Bissau > Bissau > Capa do livro de contos, de Artur Augusto Silva, O Cativeiro dos Bichos. (Bissau, 2006; edição de autor).
1. Há seis anos atrás, em finais de 2005, o Pepito (nickname do Eng Agr Carlos Schwarz da Silva, que vive e trabalha em Bissau desde 1975, sendo um dos fundadores da AD - Acção para o Desenvolvimento, hoje com 20 anos de existência) entrou para a nossa "tertúlia" (agora conhecida como "Tabanca Grande", a comunidade virtual dos "camaradas e amigos da Guiné"). Vim a conhecê-lo pessoalmente em Lisboa, em fevereiro de 2006. Mas antes disso, em meados de dezembro de 2005, ele tivera a gentileza de me enviar um conto, inédito, da autoria do seu pai, Artur Augusto Silva (1912-1983), a que chamou "um conto de Natal", acompanhado da seguinte mensagem:
Caro Luís,
Envio-te um conto de Natal, escrito por meu pai, Artur Augusto Silva que nasceu na Ilha da Brava, em Cabo Verde, e que foi advogado na Guiné-Bissau desde 1948, tendo defendido os presos políticos do PAIGC, em 61 julgamentos, um dos quais com 23 réus tendo tido apenas duas condenações.
Em 1966, a mando do governador Arnaldo Schulz, foi preso pela Pide, no aeroporto de Lisboa, quando vinha de férias tendo ficado cinco meses na prisão de Caxias. Quando foi libertado, proibiram-no de regressar à Guiné e fixaram-lhe residência em Lisboa.
Em 1976, quando me veio visitar a Bissau, o então Presidente Luís Cabral convidou-o a trabalhar como juiz do Supremo Tribunal de Justiça, tendo também leccionado Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau desde que ela foi criada e até a 1983, quando faleceu.
Trata-se de um conto de que gosto muito (nós, os 3 filhos, pensamos editar em Fevereiro de 2006 um livro com os contos dele) e por isso te envio como postal de Feliz Natal.
abraços
pepito
2. Publicámos este conto, escrito em 1962, na I Série do nosso blogue, em poste de 16 de Dezembro de 2005 (*), ainda antes portanto de sair, em fevereiro de 2006, o livro O Cativeiro dos Bichos (onde vem inserido o conto de Natal), em edição dos três filhos do autor (Henrique, João e Carlos Schwarz). Porque grande parte dos atuais leitores do nosso blogue não o conhece, voltamos a publicá-lo, agora na II Série, e com pequenas revisões. Na antologia de contos de Artur Augusto Silva (ao todo, 25), este ficou com o título, possivelmente original, "Noite luarenta de Dezembro"...
Recorde-se, por outro lado, que o autor, jurista de formação, era também especialista em direito consuetudinário, tendo publicado vários livros sobre os "costumes e usos jurídicos" dos fulas (1958), dos felupes (1960) e dos mandingas (1969). A amizade com o Cherno Rachide e a sua família já vi vinha de muito longe, e tem sido mantida e cultivada pelo Pepito (que é amigo do actual Califa de Quebo-Forreá, o Cherno Aliu Djaló).
3. Noite luarenta de Dezembro (**)
por Artur Augusto Silva [, foto à direita]
Na povoação de Quebo, perdida no sertão da terra dos Fulas, o tubabo conversa com seu velho amigo, Tcherno Rachid, enquanto as pessoas graves da morança, sentadas em volta, ouvem as sábias palavras do Homem de Deus.
Esse Homem de Deus é um Fula, nascido na região, mas cujos antepassados remotos vieram, há talvez três mil anos, das margens do Nilo.
Mestre da Lei Corânica e filósofo, Tcherno Rachid ligou-se de amizade profunda com o tubabo - o branco - vai para quinze anos, quando este chegou à sua povoação e se lhe dirigiu em fula.
O tubabo é também um filósofo que veio procurar em África aquela paz de consciência que o mundo europeu lhe não podia dar. Fora, noutros tempos, um crítico de Arte e um poeta, um paladino das ideias novas, e porque proclamara em concorrida assembleia de jovens que um automóvel lançado a cem quilómetros à hora era mais belo do que a Victória de Samotrácia, firmara seus créditos de «pensador profundo».
Se alguém perguntasse ao branco porque razão se encontrava ali, no coração de África, naquela noite de Natal, talvez obtivesse como resposta um simples encolher de ombros ou, talvez, ouvisse que o seu espírito necessitava daquelas palavras simples que consolam a alma dos justos e acendem uma luz no peito dos homens.
Tcherno Rachid acabara, nesse momento, de repetir as palavras do Profeta: «Nenhum homem é superior a outro senão pela sua piedade».
- Irmão - retorquiu o tubabo - então o crente não é superior ao infiel?
- São ambos filhos de Deus - respondeu o Tcherno - e aos homens não compete julgar a obra do seu Criador. Aquele que só ama os que pensam como ele, não ama os outros, antes se ama a si próprio. Só quem ama os que pensam diversamente, venera Deus, que é pai comum de todos. Assim como tu podes adorar Deus em diversas línguas, assim podes entrar numa igreja, numa mesquita, ou numa sinagoga. Quando vais pelo mato e admiras o grande porte de uma árvore, as penas vistosas de um pássaro, a força do elefante ou a destreza da gazela, tu murmuras uma oração que agrada a Deus, Criador de tudo o que existe, mais do que agradam as orações que só os lábios pronunciam e o coração não sente.
- Irmão Tcherno, e aquele que não acredita em Deus, esse merece a tua estima ?
Rachid semi-cerrou os olhos, alongou a mão descarnada para a lua cheia, então nascente, e disse:
- Ouvirás a muitos que esse não merece o olhar dos homens. Mas eu penso que o descrente merece mais o nosso amor do que o crente. É um companheiro de caminho que se perdeu. Devemos procurá-lo, ajudá-lo, e até levá-lo para nossa casa, a fim de repousar. É um filho de Deus como tu, como eu … como todos nós. A lua, antes de ter em si tanta luz como a que tem hoje, esteve sete dias obscura, sem ser vista de ninguém, se não de Deus. Ouve, irmão: quem julga que não crê em Deus, é porque acredita em si próprio e, crendo em si, já crê em Deus, porque o homem foi iluminado com o sopro Divino e é, assim, uma sua imagem.
A lua ia subindo nos céus, lenta, majestosa, iluminando a povoação e a floresta, os rios e os mares… Os homens graves, de autoridade e conselho, aprovavam as palavras do Tcherno, e o branco, oprimido pela ideia de que lá longe, a muitos milhares de quilómetros, reunidos em volta de uma mesa de consoada, seus avós, pais e irmãos, celebravam uma festa antiquíssima e lembravam, por certo, o «filho pródigo», deixou nascer uma lágrima que se avolumou e correu pela face tisnada pelo ardente sol dos trópicos.
[Artur Augusto Silva, 1962]
In: SILVA, Artur Augusto - O cativeiro dos bichos. Bissau: 2006. pp. 187-189. [
Ed. lit Henrique Schwarz, João Schwarz e Carlos Schwarz; prefácio de Henrique Schwarz; impressão e acabamento, Novagráfica, Bissau, Fevereiro de 2006]
__________
Notas do editor:
(*) Vd. I Série > 16 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)
(**) Ultimo poste da série > 16 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)
Guiné 63/74 - P9231: Notas de leitura (313): Três Tiros da Pide, de Oleg Ygnatiev (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2011:
Queridos amigos,
Dei-me ao trabalho de reler os diferentes livros do jornalista soviético Oleg Ygnatiev em que ele especula sobre o assassinato de Cabral, numa tentativa de procurar responder às dúvidas do nosso camarada Mário Serra de Oliveira com quem o Momo Turé trabalhou no restaurante O Pelicano, mesmo à beira do Pidjiguiti.
Estou cada vez mais convencido que o Momo deu muito jeito à tese do braço longo da PIDE que ninguém até hoje apresentou provas, continua a conspiração de silêncio sobre a documentação do julgamento, não há uma só prova sobre os autores morais, como ainda recentemente recordou José Pedro Castanheira, autor de uma investigação de referência sobre o assassinato.
O Mário Serra de Oliveira e todos nós vamos esperar não sei quanto tempo até se saber a verdade sobre o assassinato de Cabral.
Um abraço do
Mário
Momo Turé nos livros de Oleg Ygnatiev
Beja Santos
O nosso confrade Mário Serra de Oliveira deu importantes esclarecimentos quanto à presença de Momo Turé em Bissau e a trabalhar no restaurante O Pelicano. Momo Turé, tal como Aristides Barbosa, são nomes recorrentes em toda a obra de Oleg Ygnatiev seja na biografia de Amílcar Cabral ou nos trabalhos que dedicou ao assassinato do líder carismático do PAIGC.
"Três Tiros da PIDE, quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral", por Oleg Ygnatiev (Prelo Editora, 1975) foi um livro que teve algum sucesso na época, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau. Numa concepção de Guerra Fria tinha todo o sentido incriminar a PIDE/DGS e forjar uma tese sem nenhum suporte documental. Um assassinato concebido por uma repressiva polícia política fazia esquecer o conjunto de executores, deixava no olvido as provas factuais do chamado julgamento de Conacri, decidido por Sekou Touré, sob a forma de amplo jurado internacional e, como é de todos sabido, não existe hoje um só depoimento ou registo das actas desse julgamento.
Como arquitectou o jornalista Oleg Ygnatiev os planos da conspiração? Deu-lhe um nome: operação “Rafael Barbosa”, pareceu-lhe bastante emblemático incriminar o antigo presidente do PAIGC liberto por Spínola em 1969, além de que Barbosa comprovadamente relacionou-se com Momo Turé e Aristides Barbosa, numa entrevista concedida a Leopoldo Amado, no âmbito da investigação que este historiador procedeu à volta da biografia de Aristides Pereira, Rafael Barbosa diz claramente que preparou a fuga destes antigos prisioneiros do Tarrafal conjuntamente com outros elementos.
Ygnatiev congeminou um diário de viagem em que vai atravessando as chamadas zonas libertadas e onde vão sendo referidos os nomes dos incriminados como Momo, Aristides Barbosa, Bacir Turé e Malã Nanko. Momo teria sido referenciado no final do ano de 1961 por um agente da PIDE/DGS em Bissau, mais concretamente no “Grande Hotel”, onde trabalhava como criado de mesa. Teria começado aí o seu recrutamento. Sem nenhum pejo, Ygnatiev fala no diz-se e no consta, logo a seguir a Momo ter sido colocado no Tarrafal: “A certa altura parece que alguém entregou à mulher de Momo um bilhetinho, que conseguiu por caminhos desconhecidos chegar às suas mãos. Várias pessoas se interessaram pela situação da família e mais uma vez ofereceram a sua ajuda à mulher de Momo, mas ela sempre respondia que ele lhe tinha deixado umas economias e que por enquanto tinham o indispensável para viver”.
Dentro deste relato inequivocamente romanceado, em 1969, o então director da PIDE em Bissau, numa reunião, refere que Momo deverá receber 200 contos para a reconstrução da sua casa, tal como lhe fora prometido. Logo após a sua libertação, em 3 de Agosto de 1969, Momo Turé aparece como chefe da sala do restaurante O Pelicano.
O relato de Ygnatiev mistura abusivamente diferentes situações, tece uma descrição mirabolante sobre o massacre de Jolmete, de 20 de Abril de 1970, diz que os oficiais foram baleados por terem oferecido resistência às forças de André Gomes, o que é uma rotunda mentira. O texto é de novo reconduzido para O Pelicano, alguém dá instruções a Momo, são indicados os nomes dos contactos, competirá a Momo e a Aristides Barbosa transcreverem as reuniões de direcção do PAIGC. Dentro deste plano, a PIDE comprometia-se a entregar dinheiro todos os meses à mulher de Momo, enquanto ele partia para Conacri, disfarçado de patriota. Vão adiante surgindo outros nomes como os de Inocêncio Cani e João Tomás, dirigentes punidos e afastados por graves irregularidades. Sem apresentar provas, como sempre, temos João Tomás nomeado como informador da PIDE através de contactos com comerciantes.
E para dar mais sabor ao relato, sem igualmente nunca ilustrar os nomes dos conspiradores atrás referidos, eles são insinuados como os executores da instrução nº 42/71, da Direcção-Geral de Segurança. Numa reunião partidária, Amílcar Cabral tirou de uma pasta 5 folhas de papel, dizendo tratar-se de um programa detalhado de acções subversivas contra o PAIGC, dizendo inequivocamente que dentro desse plano constava a liquidação do secretário-geral Amílcar Cabral e de todos aqueles que não aceitassem uma direcção política genuína de guineenses, referindo-se o nome de Rafael Barbosa como um dos mais influentes para a futura direcção. No final da reunião, os camaradas M e N ter-se-ão aproximado de Amílcar Cabral dizendo que tinham vistoriado os pertences pessoais de Momo, encontraram notas idênticas à da instrução da DGS. Em Bissau, António Fragoso Allas, o director da PIDE, teria ficado furioso com esta troca de informações.
Oleg Ygnatiev vai fazendo surgir outros nomes como os de Saidu Baldé e Mamadu Indjai que em 20 de Abril de 1973 é o responsável pela segurança de Amílcar Cabral. Em Conacri, ao longo de 1972, colaboradores de Cabral continua a insistir na destituição e ou prisão de pessoas como Momo e Aristides Barbosa, mas Amílcar Cabral ia sempre adiando essa decisão à espera de uma regeneração destes dirigentes subversivos e o livro termina com um conjunto de depoimentos sobre o assassinato de Amílcar Cabral e depois a menção à execução dos chefes do complô. Como é evidente, o autor não explica quem chefiava o complô, limita-se a referir nomes de acordo com a tese de que a PIDE preparara um plano para instalar quadros ressabiados junto de Cabral, a missão seria trazê-lo vivo para Bissau e eleger uma direcção fantoche pronta a executar os planos neocolonialistas de Spínola. Não vale a pena insistir que tudo isto é fantasioso, não há um só documento que abone o relato de Ygnatiev. Rafael Barbosa sempre considerou este plano sugerido tanto pela direcção do PAIGC, a partir do assassinato de Cabral, como pelas conjecturas de Ygnatiev como um puro delírio, disse sempre que Momo era um militante dedicado mas que não escondia a sua discordância com as teses da unidade Guiné/Cabo Verde.
Com esta releitura do livro de Ygnatiev penso ter respondido em voz alta a algumas da dúvidas do camarada Mário Serra de Oliveira que nunca esclareceu o Momo Turé em O Pelicano, ali estiveram juntos.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9207: Notas de leitura (312): Arquitectura Sustentável na Guiné-Bissau (Manual de boas práticas) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Dei-me ao trabalho de reler os diferentes livros do jornalista soviético Oleg Ygnatiev em que ele especula sobre o assassinato de Cabral, numa tentativa de procurar responder às dúvidas do nosso camarada Mário Serra de Oliveira com quem o Momo Turé trabalhou no restaurante O Pelicano, mesmo à beira do Pidjiguiti.
Estou cada vez mais convencido que o Momo deu muito jeito à tese do braço longo da PIDE que ninguém até hoje apresentou provas, continua a conspiração de silêncio sobre a documentação do julgamento, não há uma só prova sobre os autores morais, como ainda recentemente recordou José Pedro Castanheira, autor de uma investigação de referência sobre o assassinato.
O Mário Serra de Oliveira e todos nós vamos esperar não sei quanto tempo até se saber a verdade sobre o assassinato de Cabral.
Um abraço do
Mário
Momo Turé nos livros de Oleg Ygnatiev
Beja Santos
O nosso confrade Mário Serra de Oliveira deu importantes esclarecimentos quanto à presença de Momo Turé em Bissau e a trabalhar no restaurante O Pelicano. Momo Turé, tal como Aristides Barbosa, são nomes recorrentes em toda a obra de Oleg Ygnatiev seja na biografia de Amílcar Cabral ou nos trabalhos que dedicou ao assassinato do líder carismático do PAIGC.
"Três Tiros da PIDE, quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral", por Oleg Ygnatiev (Prelo Editora, 1975) foi um livro que teve algum sucesso na época, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau. Numa concepção de Guerra Fria tinha todo o sentido incriminar a PIDE/DGS e forjar uma tese sem nenhum suporte documental. Um assassinato concebido por uma repressiva polícia política fazia esquecer o conjunto de executores, deixava no olvido as provas factuais do chamado julgamento de Conacri, decidido por Sekou Touré, sob a forma de amplo jurado internacional e, como é de todos sabido, não existe hoje um só depoimento ou registo das actas desse julgamento.
Como arquitectou o jornalista Oleg Ygnatiev os planos da conspiração? Deu-lhe um nome: operação “Rafael Barbosa”, pareceu-lhe bastante emblemático incriminar o antigo presidente do PAIGC liberto por Spínola em 1969, além de que Barbosa comprovadamente relacionou-se com Momo Turé e Aristides Barbosa, numa entrevista concedida a Leopoldo Amado, no âmbito da investigação que este historiador procedeu à volta da biografia de Aristides Pereira, Rafael Barbosa diz claramente que preparou a fuga destes antigos prisioneiros do Tarrafal conjuntamente com outros elementos.
Ygnatiev congeminou um diário de viagem em que vai atravessando as chamadas zonas libertadas e onde vão sendo referidos os nomes dos incriminados como Momo, Aristides Barbosa, Bacir Turé e Malã Nanko. Momo teria sido referenciado no final do ano de 1961 por um agente da PIDE/DGS em Bissau, mais concretamente no “Grande Hotel”, onde trabalhava como criado de mesa. Teria começado aí o seu recrutamento. Sem nenhum pejo, Ygnatiev fala no diz-se e no consta, logo a seguir a Momo ter sido colocado no Tarrafal: “A certa altura parece que alguém entregou à mulher de Momo um bilhetinho, que conseguiu por caminhos desconhecidos chegar às suas mãos. Várias pessoas se interessaram pela situação da família e mais uma vez ofereceram a sua ajuda à mulher de Momo, mas ela sempre respondia que ele lhe tinha deixado umas economias e que por enquanto tinham o indispensável para viver”.
Dentro deste relato inequivocamente romanceado, em 1969, o então director da PIDE em Bissau, numa reunião, refere que Momo deverá receber 200 contos para a reconstrução da sua casa, tal como lhe fora prometido. Logo após a sua libertação, em 3 de Agosto de 1969, Momo Turé aparece como chefe da sala do restaurante O Pelicano.
O relato de Ygnatiev mistura abusivamente diferentes situações, tece uma descrição mirabolante sobre o massacre de Jolmete, de 20 de Abril de 1970, diz que os oficiais foram baleados por terem oferecido resistência às forças de André Gomes, o que é uma rotunda mentira. O texto é de novo reconduzido para O Pelicano, alguém dá instruções a Momo, são indicados os nomes dos contactos, competirá a Momo e a Aristides Barbosa transcreverem as reuniões de direcção do PAIGC. Dentro deste plano, a PIDE comprometia-se a entregar dinheiro todos os meses à mulher de Momo, enquanto ele partia para Conacri, disfarçado de patriota. Vão adiante surgindo outros nomes como os de Inocêncio Cani e João Tomás, dirigentes punidos e afastados por graves irregularidades. Sem apresentar provas, como sempre, temos João Tomás nomeado como informador da PIDE através de contactos com comerciantes.
E para dar mais sabor ao relato, sem igualmente nunca ilustrar os nomes dos conspiradores atrás referidos, eles são insinuados como os executores da instrução nº 42/71, da Direcção-Geral de Segurança. Numa reunião partidária, Amílcar Cabral tirou de uma pasta 5 folhas de papel, dizendo tratar-se de um programa detalhado de acções subversivas contra o PAIGC, dizendo inequivocamente que dentro desse plano constava a liquidação do secretário-geral Amílcar Cabral e de todos aqueles que não aceitassem uma direcção política genuína de guineenses, referindo-se o nome de Rafael Barbosa como um dos mais influentes para a futura direcção. No final da reunião, os camaradas M e N ter-se-ão aproximado de Amílcar Cabral dizendo que tinham vistoriado os pertences pessoais de Momo, encontraram notas idênticas à da instrução da DGS. Em Bissau, António Fragoso Allas, o director da PIDE, teria ficado furioso com esta troca de informações.
Oleg Ygnatiev vai fazendo surgir outros nomes como os de Saidu Baldé e Mamadu Indjai que em 20 de Abril de 1973 é o responsável pela segurança de Amílcar Cabral. Em Conacri, ao longo de 1972, colaboradores de Cabral continua a insistir na destituição e ou prisão de pessoas como Momo e Aristides Barbosa, mas Amílcar Cabral ia sempre adiando essa decisão à espera de uma regeneração destes dirigentes subversivos e o livro termina com um conjunto de depoimentos sobre o assassinato de Amílcar Cabral e depois a menção à execução dos chefes do complô. Como é evidente, o autor não explica quem chefiava o complô, limita-se a referir nomes de acordo com a tese de que a PIDE preparara um plano para instalar quadros ressabiados junto de Cabral, a missão seria trazê-lo vivo para Bissau e eleger uma direcção fantoche pronta a executar os planos neocolonialistas de Spínola. Não vale a pena insistir que tudo isto é fantasioso, não há um só documento que abone o relato de Ygnatiev. Rafael Barbosa sempre considerou este plano sugerido tanto pela direcção do PAIGC, a partir do assassinato de Cabral, como pelas conjecturas de Ygnatiev como um puro delírio, disse sempre que Momo era um militante dedicado mas que não escondia a sua discordância com as teses da unidade Guiné/Cabo Verde.
Com esta releitura do livro de Ygnatiev penso ter respondido em voz alta a algumas da dúvidas do camarada Mário Serra de Oliveira que nunca esclareceu o Momo Turé em O Pelicano, ali estiveram juntos.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9207: Notas de leitura (312): Arquitectura Sustentável na Guiné-Bissau (Manual de boas práticas) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P9230: Parabéns a você (355): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Guiné 1969/71 e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351/72, Guiné, 1972/74
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9211: Parabéns a você (354): Francisco Santos, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, da CCAÇ 557 (1968/70) - Agradecimento
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9211: Parabéns a você (354): Francisco Santos, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, da CCAÇ 557 (1968/70) - Agradecimento
domingo, 18 de dezembro de 2011
Guiné 63/74 - P9229: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (41): Comprei um computador pequeno e lentamente fui aprendendo a navegar na Net (Fernandino Vigário)
1. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário* (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69), dirigida ao nosso Blogue:
Caro amigo Carlos Vinhal, um abraço.
Amigo Carlos, a minha apresentação à Tabanca grande já foi feita com a ajuda do camarada Albino Silva, onde foi publicado um resumo da minha passagem pelo chão Manjaco de Teixeira Pinto: agora vou fazê-lo eu próprio como me pedes, e também tirar possíveis dúvidas sobre o meu nome.
Sou FERNANDINO VIGÁRIO “não confundir com Fernando” sou, e sempre fui conhecido por Vigário, desde os tempos da escola, trabalho, vida militar, e amigos, portanto não há qualquer problema em ser tratado por Vigário, este é o meu nome da guerra.
Como já sabem, fui Soldado Condutor, tenho a quarta classe do ensino primário. Há cerca de nove meses tive oportunidade de começar aprender informática na Junta de Freguesia, vai daí comprei um computador pequeno “tipo Magalhães” e lentamente fui aprendendo umas coisas, entre elas navegar na Net. Há quatro ou cinco meses para espanto meu deparo com o SITE da Tabanca Grande e fiquei contente por tal ter acontecido, e sempre que posso dou lá uma vista de olhos. Fiquei a saber algo que não imaginava que tivesse acontecido, como o caso dos três Majores, e outros mais…
Nos quase vinte e cinco meses de Guiné nunca escrevi nada do dia-a-dia, portanto não tenho registos de nada, do que quer que seja, por tal motivo tenho dificuldade em me lembrar de certas passagens. A memória já está cansada no entanto vou tentar recapitular algumas histórias e depois enviarei.
Estou a escrever no Word, como deves calcular, sou maçarico na informática, demoro algum tempo a escrever, também faz parte da minha aprendizagem, e é natural que eu cometa algum erro. No E-mail vou escrever o mínimo, este texto vai no anexo.
Amigo Carlos, fiquei deveras satisfeito por publicarem com a ajuda do Albino Silva as minhas simples palavras, os camaradas também foram simpáticos nos seus comentários, eu achei por bem responder a um, englobando os outros, tudo isto foi novo para mim e uma surpresa ver o meu comentário em poucos segundos estar no blogue.
Um forte abraço deste novo camarada
Fernandino Vigário
2. Comentário de CV:
Esperamos que esta mensagem do nosso camarada Vigário sirva de incentivo a outros camaradas que julgam que ter a Quarta Classe do antigo Ensino Primário é pouco para comunicar com a Tabanca Grande. Aqui, mais de 500 ex-combatentes da Guiné têm a mesma oportunidade para depositarem as suas memórias de guerra, sem precisarem de qualquer grau de doutoramento e sem disporem de equipamento informático sofisticado. Como diz o Fernandino, um PC tipo "Magalhães" é mais que suficiente.
Caros camaradas, por favor percam a timidez e "apresentem-se" na Tabanca porque todos somos poucos para deixarmos a nossa verdade, o nosso testemunho, antes que outros que nunca por lá passaram se ponham a contar aquilo que não viram, mas ouviram.
Aqui fica o desafio e um abraço para todos os camaradas que ainda não tiveram a "coragem" de se juntar a nós.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9186: Tabanca Grande (309): Fernandino Vigário, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69)
Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9209: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (40): Em Civitavecchia, Itália, com veteranos de guerra (António Graça de Abreu)
Caro amigo Carlos Vinhal, um abraço.
Amigo Carlos, a minha apresentação à Tabanca grande já foi feita com a ajuda do camarada Albino Silva, onde foi publicado um resumo da minha passagem pelo chão Manjaco de Teixeira Pinto: agora vou fazê-lo eu próprio como me pedes, e também tirar possíveis dúvidas sobre o meu nome.
Sou FERNANDINO VIGÁRIO “não confundir com Fernando” sou, e sempre fui conhecido por Vigário, desde os tempos da escola, trabalho, vida militar, e amigos, portanto não há qualquer problema em ser tratado por Vigário, este é o meu nome da guerra.
Como já sabem, fui Soldado Condutor, tenho a quarta classe do ensino primário. Há cerca de nove meses tive oportunidade de começar aprender informática na Junta de Freguesia, vai daí comprei um computador pequeno “tipo Magalhães” e lentamente fui aprendendo umas coisas, entre elas navegar na Net. Há quatro ou cinco meses para espanto meu deparo com o SITE da Tabanca Grande e fiquei contente por tal ter acontecido, e sempre que posso dou lá uma vista de olhos. Fiquei a saber algo que não imaginava que tivesse acontecido, como o caso dos três Majores, e outros mais…
Nos quase vinte e cinco meses de Guiné nunca escrevi nada do dia-a-dia, portanto não tenho registos de nada, do que quer que seja, por tal motivo tenho dificuldade em me lembrar de certas passagens. A memória já está cansada no entanto vou tentar recapitular algumas histórias e depois enviarei.
Estou a escrever no Word, como deves calcular, sou maçarico na informática, demoro algum tempo a escrever, também faz parte da minha aprendizagem, e é natural que eu cometa algum erro. No E-mail vou escrever o mínimo, este texto vai no anexo.
Amigo Carlos, fiquei deveras satisfeito por publicarem com a ajuda do Albino Silva as minhas simples palavras, os camaradas também foram simpáticos nos seus comentários, eu achei por bem responder a um, englobando os outros, tudo isto foi novo para mim e uma surpresa ver o meu comentário em poucos segundos estar no blogue.
Um forte abraço deste novo camarada
Fernandino Vigário
2. Comentário de CV:
Esperamos que esta mensagem do nosso camarada Vigário sirva de incentivo a outros camaradas que julgam que ter a Quarta Classe do antigo Ensino Primário é pouco para comunicar com a Tabanca Grande. Aqui, mais de 500 ex-combatentes da Guiné têm a mesma oportunidade para depositarem as suas memórias de guerra, sem precisarem de qualquer grau de doutoramento e sem disporem de equipamento informático sofisticado. Como diz o Fernandino, um PC tipo "Magalhães" é mais que suficiente.
Caros camaradas, por favor percam a timidez e "apresentem-se" na Tabanca porque todos somos poucos para deixarmos a nossa verdade, o nosso testemunho, antes que outros que nunca por lá passaram se ponham a contar aquilo que não viram, mas ouviram.
Aqui fica o desafio e um abraço para todos os camaradas que ainda não tiveram a "coragem" de se juntar a nós.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9186: Tabanca Grande (309): Fernandino Vigário, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69)
Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9209: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (40): Em Civitavecchia, Itália, com veteranos de guerra (António Graça de Abreu)
Guiné 63/74 - P9228: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (18): Uma mina anticarro e as suas consequências
1. Em mensagem do dia 15 de Dezembro de 2011, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias e memórias, desta feita uma nada agradável, porque relata o acidente que vitimou o nosso camarada António Filipe, Soldado Condutor da CCAÇ 675, a quem enviamos um abraço.
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (18)
A Mina Anticarro
(consequências)
O dia 28 de Dezembro de 1964 ficou profundamente marcado nas nossas mentes de jovens e pouco experientes combatentes (estávamos com poucos meses de mato!) por vários motivos bem ligados entre si.
Por um lado sofremos os efeitos terrivelmente devastadores e assustadores da primeira mina anticarro que deflagrou na nossa zona depois da nossa chegada... ainda não sabemos bem como. Pensou-se de início que se trataria duma mina telecomandada pois explodiu à passagem da segunda viatura e sob a roda de trás do lado direito. Muito provavelmente não terá sido essa a causa do rebentamento, depreendemos nós, hoje, volvidos 47 anos.
A primeira viatura era uma GMC da 2.ª Grande Guerra à qual chamávamos “rebentaminas” mas felizmente nunca accionou nenhuma... talvez porque era conduzida por um soldado sempre muito atento e cuidadoso e, além do mais, chamava-se Padre Eterno – acreditem que é verdade.
Por outro lado, como consequência da monstruosa explosão tivemos um morto, o Fur Mil Vilhena Mesquita, natural de Vila Nova de Famalicão, na realidade era o nosso primeiro morto verdadeiramente em combate; tivemos também três feridos considerados em estado muito grave e alguns feridos ligeiros.
Apesar de ainda não ter havido minas na nossa zona depois da nossa entrada no teatro de operações – tempos antes uma autometralhadora havia sido seriamente danificada pelo rebentamento duma mina a escassos 3Km de Binta – já os nossos condutores auto estavam alertados que tal podia acontecer a qualquer momento; deveriam cumprir escrupulosamente – tanto quanto possível – as regras estabelecidas.
À cabeça da coluna seguia invariavelmente a tal GMC, viatura mais resistente ao efeito de tais armas; as restantes viaturas deviam pisar sempre o rasto da GMC para evitar fazer explodir minas. Circulando à velocidade possível naquela via de terra batida – estrada Binta/Bigne – era um tanto complicado cumprir com o rigor apropriado, aquelas ordens – até porque os soldados partiram de cá com pouquíssimos conhecimentos e quase nula experiência. Aprenderam mais num mês em Bissau do que os parcos ensinamentos que lhes foram transmitidos durante a especialidade. Faziam o que podiam!
Por outro lado ainda, as Mercedes, viaturas mais altas e bastante resistentes, circulavam apenas com dois pneus no eixo de trás – os interiores – para que pisassem maior superficíe de estrada com os quatro pneus (2 em cada eixo) protegendo assim a tarefa dos unimogues que eram mais vulneráveis.
O rebentamento desta mina e suas consequências imediatas foram amplamente tratados pelo companheiro Jero, o nosso insigne cronista, autor de o “Diário” da CCaç 675 e “Golpes de Mãos’s” com arte, engenho e profundo sentimento.
Aqui e agora tratarei apenas do que aconteceu ao soldado 2085, António Filipe de seu nome completo, mais conhecido pelo nome da terra que o viu nascer – Vendas Novas – o que acontecia com frequência na vida militar.
O Filipe foi um dos três feridos em estado muito grave.
Transportado de helicópetero, chegou em coma ao HM 241 em Bissau; avaliado o seu estado, seguiu de urgência para a capital do Imprério.
Permaneceu internado no HMP da Estrela durante mais de 3 anos; foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas para minorar a sua incapacidade física. Por fim foi-lhe atribuido um grau de incapacidade bastante elevado – 77%.
Durante a sua permanência “forçada” no HMP, o nosso homem teve a coragem, a paciência e a pachorra de fazer o 5.ºano do liceu, o que lhe proporcionou um razoável e inesperado (à partida) emprego como escriturário numa grande empresa de metalomecânica (Mague) onde recentemente veio a reformar-se por idade.
Um dia o seu médico assistente ordenou que o Vendas Novas fizesse um determinado tratamento especial ao seu pé danificado, numa dependência do mesmo hospital; houve um “ligeiro” descuido da enfermeira – hoje falaríamos de negligência – e o bom do Filipe voltou com uma série de bolhas de água – vulgo: queimaduras – no pé.
O médico, ao aperceber-se do estado lastimoso em que se encontrava o pé do seu paciente, perguntou escandalizado:
- Que raio é isto?! Como provocaste estas queimaduras tão extensas?
- Foi lá do outro lado! Uma puta duma enfermeira distraiu-se e eu fiquei com o meu pé neste estado miserável!
- Quem foi ela?
O Filipe tentou transmitir os atributos de que se lembrava da tal enfermeira para que o médico conseguisse identificá-la e citou também um nome que ouviu alguém chamar-lhe.
Comentário do galeno:
- Essa a quem tu chamas de puta... é a minha mulher!
Imaginem a cara do Vendas Novas... e o susto que ele terá apanhado... sem vislumbrar um buraco onde pudesse enfiar-se!
Lisboa, 12 de Dezembro de 2011
Belmiro Tavares
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9151: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (17): Quando Paulo VI visitou o Santuário de Fátima
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (18)
A mina não destruiu tudo... o fogo faz a sua parte.
A Mina Anticarro
(consequências)
O dia 28 de Dezembro de 1964 ficou profundamente marcado nas nossas mentes de jovens e pouco experientes combatentes (estávamos com poucos meses de mato!) por vários motivos bem ligados entre si.
Por um lado sofremos os efeitos terrivelmente devastadores e assustadores da primeira mina anticarro que deflagrou na nossa zona depois da nossa chegada... ainda não sabemos bem como. Pensou-se de início que se trataria duma mina telecomandada pois explodiu à passagem da segunda viatura e sob a roda de trás do lado direito. Muito provavelmente não terá sido essa a causa do rebentamento, depreendemos nós, hoje, volvidos 47 anos.
A primeira viatura era uma GMC da 2.ª Grande Guerra à qual chamávamos “rebentaminas” mas felizmente nunca accionou nenhuma... talvez porque era conduzida por um soldado sempre muito atento e cuidadoso e, além do mais, chamava-se Padre Eterno – acreditem que é verdade.
Por outro lado, como consequência da monstruosa explosão tivemos um morto, o Fur Mil Vilhena Mesquita, natural de Vila Nova de Famalicão, na realidade era o nosso primeiro morto verdadeiramente em combate; tivemos também três feridos considerados em estado muito grave e alguns feridos ligeiros.
Apesar de ainda não ter havido minas na nossa zona depois da nossa entrada no teatro de operações – tempos antes uma autometralhadora havia sido seriamente danificada pelo rebentamento duma mina a escassos 3Km de Binta – já os nossos condutores auto estavam alertados que tal podia acontecer a qualquer momento; deveriam cumprir escrupulosamente – tanto quanto possível – as regras estabelecidas.
À cabeça da coluna seguia invariavelmente a tal GMC, viatura mais resistente ao efeito de tais armas; as restantes viaturas deviam pisar sempre o rasto da GMC para evitar fazer explodir minas. Circulando à velocidade possível naquela via de terra batida – estrada Binta/Bigne – era um tanto complicado cumprir com o rigor apropriado, aquelas ordens – até porque os soldados partiram de cá com pouquíssimos conhecimentos e quase nula experiência. Aprenderam mais num mês em Bissau do que os parcos ensinamentos que lhes foram transmitidos durante a especialidade. Faziam o que podiam!
Por outro lado ainda, as Mercedes, viaturas mais altas e bastante resistentes, circulavam apenas com dois pneus no eixo de trás – os interiores – para que pisassem maior superficíe de estrada com os quatro pneus (2 em cada eixo) protegendo assim a tarefa dos unimogues que eram mais vulneráveis.
O rebentamento desta mina e suas consequências imediatas foram amplamente tratados pelo companheiro Jero, o nosso insigne cronista, autor de o “Diário” da CCaç 675 e “Golpes de Mãos’s” com arte, engenho e profundo sentimento.
Aqui e agora tratarei apenas do que aconteceu ao soldado 2085, António Filipe de seu nome completo, mais conhecido pelo nome da terra que o viu nascer – Vendas Novas – o que acontecia com frequência na vida militar.
O Filipe foi um dos três feridos em estado muito grave.
Transportado de helicópetero, chegou em coma ao HM 241 em Bissau; avaliado o seu estado, seguiu de urgência para a capital do Imprério.
Permaneceu internado no HMP da Estrela durante mais de 3 anos; foi submetido a diversas intervenções cirúrgicas para minorar a sua incapacidade física. Por fim foi-lhe atribuido um grau de incapacidade bastante elevado – 77%.
Durante a sua permanência “forçada” no HMP, o nosso homem teve a coragem, a paciência e a pachorra de fazer o 5.ºano do liceu, o que lhe proporcionou um razoável e inesperado (à partida) emprego como escriturário numa grande empresa de metalomecânica (Mague) onde recentemente veio a reformar-se por idade.
Um dia o seu médico assistente ordenou que o Vendas Novas fizesse um determinado tratamento especial ao seu pé danificado, numa dependência do mesmo hospital; houve um “ligeiro” descuido da enfermeira – hoje falaríamos de negligência – e o bom do Filipe voltou com uma série de bolhas de água – vulgo: queimaduras – no pé.
O médico, ao aperceber-se do estado lastimoso em que se encontrava o pé do seu paciente, perguntou escandalizado:
- Que raio é isto?! Como provocaste estas queimaduras tão extensas?
- Foi lá do outro lado! Uma puta duma enfermeira distraiu-se e eu fiquei com o meu pé neste estado miserável!
- Quem foi ela?
O Filipe tentou transmitir os atributos de que se lembrava da tal enfermeira para que o médico conseguisse identificá-la e citou também um nome que ouviu alguém chamar-lhe.
Comentário do galeno:
- Essa a quem tu chamas de puta... é a minha mulher!
Imaginem a cara do Vendas Novas... e o susto que ele terá apanhado... sem vislumbrar um buraco onde pudesse enfiar-se!
Lisboa, 12 de Dezembro de 2011
Belmiro Tavares
O Filipe em posição de combate... para a fotografia.
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9151: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (17): Quando Paulo VI visitou o Santuário de Fátima
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Guiné 63/74 - P9227: Blogoterapia (194): Como é bom não termos dúvidas (Juvenal Amado)
O Unimog do Falé destruído por mina anticarro na picada de Dulombi
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado*, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 15 de Dezembro de 2011:
Carlos e Luís
Os dias vão passando invernosos, mais solitários, pensamos em tudo o que por nós passou e acabamos por descarregar no depósito de memórias que é o blogue.
Bom fim de semana e um abraço
JA
Quantas vezes duvidamos se o caminho que traçamos será o mais correcto? Afastamos as alternativas pois o contrário é nos doloroso, assombra-nos, azeda-nos e faz-nos infelizes.
Como é bom não termos dúvidas
Nunca nos questionarmos
Termos sempre a certeza
Não haver lugar para arrependimentos
Que os nossos actos foram os correctos.
Afastar os pesadelos como fossem moscas
Vangloriarmo-nos sem rebuço
Falar da guerra como se fosse inócua
Sonhar com bravura em tempo de Paz
O heroísmo sem orgulho
Dar com a esquerda sem que a direita veja
Pensar sempre no patriotismo dos que morreram
Acreditar que morreram por algo, que valeu a pena
Pensar mais em honra que em choro e dor
Que o destino tem sempre hora certa
Ter desculpa para o indesculpável
Acreditar que o crime tem sempre castigo
Ter mais piedade do que vontade
Que cada ruga no nosso rosto conta uma estória
Enfim acreditar que Deus está do nosso lado.
LDG e o apoio aéreo
____________Notas de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9148: O meu Natal no mato (33): Um conto natalício (Juvenal Amado)
Vd. último poste da série de 3 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9132: Blogoterapia (193): Porque somos um país de marinheiros, congratulemo-nos com a recuperação dos pescadores das Caxinas (Henrique Cerqueira)
Guiné 63/74 - P9226: Memória dos lugares (167): As nossas lavadeiras da Guiné, a nossa Amélia de Bissorã (Maria Dulcinea)
1. Mensagem da nossa tertuliana Maria Dulcinea (NI)*, esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira) que esteve em Bissorã nos anos de 1973/74, com data de15 de Dezembro de 2011:
Olá Carlos Vinhal
Hoje, motivada pelo despertar de lembranças, e após uma visita ao Hospital de S. João em que conhecemos um menino da Guiné que está internado em Pediatria e que segundo ele a sua Avó é de Bissorã, resolvi escrever sobre as Mulheres da Guiné e muito especialmente as "Lavadeiras dos Militares", mas ainda mais especialmente sobre a "Nossa Lavadeira" de seu nome Amélia). Assim, escrevi um pequeno texto que envio em anexo, e se por acaso o Carlos achar que é publicável, publica, caso contrario há sempre um arquivo à mão...
Resta-me desde já desejar a todos os Tertulianos sem qualquer excepção um Muito Feliz Natal e que o próximo Ano seja muito melhor que este.
Para o Carlos e Dina um abraço especial da tertuliana
Dulcinea
As nossas lavadeiras da Guiné
A nossa Amélia
Hoje resolvi escrever um pequeno texto em homenagem às “Lavadeiras” da Guiné e muito especialmente à “nossa” Lavadeira de seu nome AMÉLIA.
Creio que na generalidade todos os militares na Guiné “tiveram“ ao seu serviço essas valorosas Mulheres que conseguiam um meio de subsistência lavando as roupas dos militares em serviço na Guiné, e como não fugia à regra, o meu marido tinha a “sua” Lavadeira.
Olá Carlos Vinhal
Hoje, motivada pelo despertar de lembranças, e após uma visita ao Hospital de S. João em que conhecemos um menino da Guiné que está internado em Pediatria e que segundo ele a sua Avó é de Bissorã, resolvi escrever sobre as Mulheres da Guiné e muito especialmente as "Lavadeiras dos Militares", mas ainda mais especialmente sobre a "Nossa Lavadeira" de seu nome Amélia). Assim, escrevi um pequeno texto que envio em anexo, e se por acaso o Carlos achar que é publicável, publica, caso contrario há sempre um arquivo à mão...
Resta-me desde já desejar a todos os Tertulianos sem qualquer excepção um Muito Feliz Natal e que o próximo Ano seja muito melhor que este.
Para o Carlos e Dina um abraço especial da tertuliana
Dulcinea
As nossas lavadeiras da Guiné
A nossa Amélia
Hoje resolvi escrever um pequeno texto em homenagem às “Lavadeiras” da Guiné e muito especialmente à “nossa” Lavadeira de seu nome AMÉLIA.
Creio que na generalidade todos os militares na Guiné “tiveram“ ao seu serviço essas valorosas Mulheres que conseguiam um meio de subsistência lavando as roupas dos militares em serviço na Guiné, e como não fugia à regra, o meu marido tinha a “sua” Lavadeira.
Quando cheguei a Bissorã e após a nossa instalação de acomodamento aos usos e costumes da nossa “Tabanca”, o Henrique disse-me que iríamos continuar com a Amélia. De pronto foi-me apresentada a “Famosa“ e desde logo se criou uma grande empatia entre nós, pois que a Amélia era uma senhora muito bem esclarecida, muito divertida e como a foto documenta era muito bonita.
Na realidade o que eu pretendo é fazer uma singela homenagem a todas as “Amélias” que de uma forma ou de outra acabaram por fazer parte da vivência dos militares que permaneciam longe dos seus familiares, sendo muitas vezes as suas Lavadeiras suas confidentes e quiçá terem que aturar os devaneios de jovens “desgarrados” e ausentes do convívio de suas mulheres ou namoradas.
Quero ainda salientar o quanto eram importantes aquelas horinhas certas, no final da tarde, quando as “Lavadeiras” com as suas trouxas de roupa lavada percorriam os locais dos militares a entregar as suas roupas e recolhendo outras. Que giro era vê-las em “bandos”, entrando pelo quartel, falando muito alto e rindo como se aquele momento também fosse de alegria para elas porque sentiam que o seu trabalho era útil e ajudava à sua subsistência .
Jamais esquecerei a Amélia e alguns momentos de cumplicidade que existiram entre nós, assim como jamais esquecerei tudo o que passei e aprendi com as Mulheres da Guiné. Daí o meu sincero reconhecimento a todas elas.
Fui de certo modo despertada para esta lembrança quando esta semana visitei um menino internado no Hospital de S. João, que é da Guiné, de seu nome TIGNÁ e que segundo ele, a sua avó é de Bissorã e assim todas as lembranças despertaram.
Não incomodo mais até porque não tenho muito jeito para a escrita e só escrevi este texto porque fui incentivada pelo Henrique. No entanto se virem que não tem pés nem cabeça podem enviar para o “arquivo”.
Um beijinho para todos os Tertulianos e um especial para as mulheres da Guiné.
NI (Maria Dulcinea Rocha)
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8329: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (11): Como fui parar à Guiné (Maria Dulcinea)
Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9166: Memória dos lugares (166): a paliçada de troncos de palmeira do Cachil (José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)
Na realidade o que eu pretendo é fazer uma singela homenagem a todas as “Amélias” que de uma forma ou de outra acabaram por fazer parte da vivência dos militares que permaneciam longe dos seus familiares, sendo muitas vezes as suas Lavadeiras suas confidentes e quiçá terem que aturar os devaneios de jovens “desgarrados” e ausentes do convívio de suas mulheres ou namoradas.
Quero ainda salientar o quanto eram importantes aquelas horinhas certas, no final da tarde, quando as “Lavadeiras” com as suas trouxas de roupa lavada percorriam os locais dos militares a entregar as suas roupas e recolhendo outras. Que giro era vê-las em “bandos”, entrando pelo quartel, falando muito alto e rindo como se aquele momento também fosse de alegria para elas porque sentiam que o seu trabalho era útil e ajudava à sua subsistência .
Jamais esquecerei a Amélia e alguns momentos de cumplicidade que existiram entre nós, assim como jamais esquecerei tudo o que passei e aprendi com as Mulheres da Guiné. Daí o meu sincero reconhecimento a todas elas.
Fui de certo modo despertada para esta lembrança quando esta semana visitei um menino internado no Hospital de S. João, que é da Guiné, de seu nome TIGNÁ e que segundo ele, a sua avó é de Bissorã e assim todas as lembranças despertaram.
Não incomodo mais até porque não tenho muito jeito para a escrita e só escrevi este texto porque fui incentivada pelo Henrique. No entanto se virem que não tem pés nem cabeça podem enviar para o “arquivo”.
Um beijinho para todos os Tertulianos e um especial para as mulheres da Guiné.
NI (Maria Dulcinea Rocha)
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8329: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (11): Como fui parar à Guiné (Maria Dulcinea)
Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9166: Memória dos lugares (166): a paliçada de troncos de palmeira do Cachil (José Colaço, CCAÇ 557, 1963/65)
Guiné 63/74 - P9225: (Ex)citações (166): Gostei dos que… gostaram e gostei, juro que não menos, dos que não gostaram (José Brás)
1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 17 de Dezembro de 2011:
Acabadinho de chegar do Espírito Santo, Hospital de Évora e não banco ou terceira pessoa da santíssima trindade, busquei no sítio do blogue as reacções que o meu último comentário transformado em poste* tinha conseguido reunir e gostei do que li.
Gostei dos que… gostaram e gostei, juro que não menos, dos que não gostaram.
Isto dito assim, pode parecer aquela história da nossa meninice “o Gustavo gostava da Gustava…”, mas acreditem camaradas que não o boto deste modo por brinquedo mas porque seriamente me preocupa muito mais a falta de ideias e de opiniões ou a descoragem (sic) de as colocar, do que o desacordo em si próprio como sinal humano das diferenças ou como prova de que a verdade não será nunca universal, não decorrendo daí mal ao mundo se todos soubermos dessa certeza e nos respeitarmos nas diferenças que aparentemente nos separam mas na verdade dão sentido, coesão e beleza ao mundo.
Sei que dirão alguns que passaram já tantos dias que não se justifica voltar eu à questão, correndo o risco de reabrir querelas e incómodos. Porque assim não creio e porque tenho o debate entre contrários mais por positivo do que por negativo, contrario tais opiniões e aqui estou.
Começo por assegurar que, a meu ver, do que disse então, não há razão para retirar nem uma vírgula, excepto se quisesse imitar estilo e forma de Saramago, coisa que não quero por não gostar de macaqueações e por claramente me sentir incapaz para tal exercício.
E que disse eu, então?
Primeiro, “que não entrava em comentários acerca de torturas e assassinatos praticados por gente do PAIGC a conterrâneos seus que lutaram do nosso lado, alguns mesmo, a quem nunca chamarei heróis porque o que os animava era mais uma sanha guerreira e algumas vezes mesmo ferozmente assassina, do que esse tal amor a uma bandeira que não poderiam sentir enquanto símbolo de centenas de anos de história de um povo que conheciam apenas nas relações coloniais”.
Disse em segundo que “Sempre achei que o seu engajamento nas nossas fileiras se deveu mais a acidentes na sequência das relações de origem tribal ou mesmo pessoal entre os protagonistas dos acontecimentos, do que a devoções nacionalistas, e que alguns ficaram do outro lado obrigados ou por acidente e outros do nosso lado por conveniências de momento".
Em terceiro lugar disse que “não eram melhores uns que os outros, como seres humanos, senão na diferença de carácter que nos distingue a todos, havendo gente boa e má dos dois lados, se quisermos reduzir o conceito de bom e de mau a esta nota simplificada".
Vejamos uma a uma estas três afirmações para tentarmos descobrir nelas a marca que o António Graça Abreu parece detectar que em sua opinião há-de ser na pele da alma como essas tatuagens mandadas colocar pelos nossos soldados na pele do corpo garantindo amor de mãe ou eterno amor à Maria que, em alguns casos casou com outro Manel.
Primeiro! É ou não verdade que esses heróis negros de caçadores especiais se transformaram em verdadeiras máquinas de matar, neste caso a gente da sua terra, gente que provavelmente teria sido de seu convívio, vizinho ou mesmo amigo?
Segundo! É ou não verdade que uma boa parte dos combatentes do PAIGC ficaram daquele lado por acidente como, por acidente poderiam ter ficado do nosso, e que do nosso lado ficaram outros que pelos mesmos acidentes poderiam ter ficado de lá? Obrigados também, muitos, forçados, “politizados” à força, como aliás a maioria dos brancos que daqui saíram contrariados e apenas porque não puderam escapar, igualmente doutrinados nesta ideia de Pátria multirracial e pluri-continental e na afirmação de que bandidos às ordens de potências estrangeiras nos que riam roubar parte da Pátria.
Terceiro! Bem, este terceiro nem me parece que careça de considerações de tão anti-polémico que é.
Sabemos das façanhas desses soldados negros de forças especiais e do jeito que deram aos nossos objectivos quando realizavam coisas que não éramos capazes de realizar, e frequentemente cantamos tais façanhas como exemplo de portuguesismo genuíno na senda dos nossos heróis antigos. Que entre eles havia gente muito boa, também, é uma verdade que conhecemos pessoalmente e que acolhemos com amizade, mas tais andorinhas não fazem a Primavera.
Sabemos dos outros de menor proeminência, soldados milícias integrado nas Companhias ou em grupos especiais, oficiais de segunda linha com autoridade sobre populações e que por isso haviam ganho galões e uns patacos.
Éramos amigos de tal gente que considerávamos companheiros nas andanças das matas e do combate de tal maneira que a um, Rei local, tenente de segunda linha, emprestei três contos que nunca mais vi.
Mas também sabemos que a nossa ocupação nunca foi pacífica e que nem as suas culturas passaram para a nossa nem a nossa passou para as deles.
A teoria que nos faz crer que aquela boa e sofrida gente era portuguesa como nós e que morria em defesa da sua Pátria, Portugal, não tem ponta por onde se pegue num quadro que temos da nação portuguesa, da sua fundação (também em revolta contra mandos indesejados), da sua evolução histórica, das suas lendas, da língua que se foi formando, dos costumes e da cultura, tudo forjado contra invasores frequentes, a poder de pulo e de ânimo, tornando consciência coesa e unida o que era diferente em cada região do território, dando espaço a um povo a que orgulhosamente pertencemos.
E sabemos que desse caldo civilizacional não fazem parte os costumes, as crenças, as línguas dos povos da Guiné, a esta hora ainda muito dificilmente capazes de chamar Pátria em todo o seu território a esse poder que sai de Bissau.
Disse ainda e volto a dizer que “Se há alguma coisa que diferencia portugueses dos restantes europeus é essa ausência de ódio e essa capacidade de dar as mãos sem grandes preconceitos, que atravessou o nosso processo colonial. Prova disso é que no fim, ao contrário do que aconteceu com outros, fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades.
No entanto, bom é que não exageremos ao ponto de concluir que somos santos e que não cometemos também algumas atrocidades.”
Mas falemos primeiro das que o Poder que se instalou em Bissau após Abril praticou sobre os seus próprios conterrâneos porque haviam ficado do nosso lado. Coisa hedionda, sem qualquer dúvida, impiedosa e assassina a um tempo, e absolutamente estúpida do ponto de vista político, na hora em que o novo País precisava mais de unidade, de concórdia, de lavar feridas e de criar condições para a construção de uma Pátria que abrigasse as diferenças no esforço colectivo para melhorar a vida das gentes, afinal, a única justificação para encetar e manter uma luta como aquela.
Mas mantenho o que disse no poste anterior “Não conheço maus tratos que o PAIGC tivesse infligido a militares portugueses embarcados em Lisboa para os combaterem, ao contrário, sem colocar em dúvida que tivesse havido algum caso fora do quadro dos prisioneiros em Conakri, o que tenho ouvido são relatos de respeito e de bom tratamento na situação precária em que eles próprios viviam.”
A referência ao triste caso dos oficiais chacinados numa alegada missão de paz, é uma excepção que pela sua causalidade e pela trama que os levou àquele lugar para um encontro com uma facção do PAIGC, já qualificada como caso especial de desconfiança pela Direcção Central da luta, dificilmente caberá como responsabilidade do próprio PAIGC, sendo mais própria de bando em rebeldia, descoberto e com necessidades de se “lavar” a fim de evitar julgamento que, como calculamos, haveria de ter consequências funestas.
De resto, é hoje muito claro que tal manobra não passou de mais uma louca aventura de Spínola, igual a tantas outras que acabaram por se voltar contra nós.
Portanto, meu caro António Graça Abreu, sabendo como sabes que gosto muito de ti, nessa figura humana que escreveu aquele Diário da Guiné; que traduz e nos dá a conhecer tantos poetas daquele País longínquo e ainda misterioso; que é capaz de escrever ele próprio uma poesia de rara sensibilidade e lirismo, plena de busca do mistério humano, irás desculpar-me a ingenuidade e a marca de que falas.
De facto, como gente, cresci na revolta contra poderosos e ladrões que agrilhoaram este nosso povo durante séculos ao atraso, à doença, à crença num destino de besta de carga espoliada da sua força criadora para alimentar poderes e luxos de uns poucos e o lado mais negro de uma igreja que haveria de ser de esperança. Nessa forma de pensar e de agir percorri os anos sem necessidades de máscaras, nem de fingimentos, aguentando as consequências e sempre no prejuízo próprio. Isso porém não obsta a que aceite diferenças e que as tente compreender, nem obsta a que alimente amizades fora deste meu quadro de pensar, às vezes mesmo maiores do que dentro desse quadro.
Já te ofereci a minha casa mais do que uma vez e repito-o aqui publicamente, sem medos nem preconceitos.
Em relação ao Cherno Baldé de quem gosto frequentemente no que escreve, creio que o que digo atrás lhe servirá e quanto ao resto lá saberá as linhas como que se coserá.
E tu, meu camarigo grande e maior de alma ao que sei e tenho visto. A ti, acho que nunca ofereci casa mas é como se o fizesse, amigo de Montemor, do fado, da forcadagem, do bem comer e beber, das gentes, e nisso tudo meu irmão.
A ti te direi que colocas o carro à frente dos bois. Quer dizer, achas que ganharíamos a guerra se não tivéssemos perdido a política, com isso subalternizando a política à guerra e esquecendo que primeiro vem a política e só depois a guerra; que a guerra, qualquer guerra, as que se ganham e as que se perdem, são sempre consequência de determinadas políticas.
Esta nossa, já a tínhamos perdido há muito, quando africanistas inteligentes perceberam o caminhar do mundo e a necessidade de alterar o rumo da nossa politica ultramarina. Nota que nem lhe chamo colonial porque acho que de colonialistas tínhamos muito pouco na autêntica noção de colonial.
Quando Salazar gritou “para África em força”, coisa com a qual concordo em absoluto em face do horror do Norte de Angola, era tarde para arrepiar e ganhar a guerra do diálogo, a única saída verdadeiramente vitoriosa para todos.
Nunca, em nenhum dos meus escritos eu disse que havíamos perdido a guerra na Guiné. Que era difícil, sabemos que era, como era também para o PAIGC. Mas aguentaríamos na capacidade de sofrimento que nos caracteriza e que nos deu força para cruzar os mares do mundo, até que o regime em Lisboa dissesse, como já dizia, não há mais meios.
Por outro lado, Joaquim, deixa que te faça um reparo àquela coisa dos livros editados contra o discurso directo. O discurso que aqui se faz, exactamente como nos livros (fora dos relatórios) nunca é o discurso directo e ainda menos o discurso directo de cada um no tempo e no espaço em que vivemos as dores do combate. Eu também lá andei e conheci-me a mim e aos meus camaradas do corredor de Guilege. Sei bem como eram e como reagiam e por isso prefiro calar-me quando nos almoços oiço bravatas. Grande respeito tenho por eles e não alimento preconceitos por quem teve medo.
Abraços
José Brás
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)
Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9178: (Ex)citações (165): Agora já não há contenda, embora às vezes me pareça que para alguns, ela, a contenda, ainda perdure (Francisco Godinho)
Acabadinho de chegar do Espírito Santo, Hospital de Évora e não banco ou terceira pessoa da santíssima trindade, busquei no sítio do blogue as reacções que o meu último comentário transformado em poste* tinha conseguido reunir e gostei do que li.
Gostei dos que… gostaram e gostei, juro que não menos, dos que não gostaram.
Isto dito assim, pode parecer aquela história da nossa meninice “o Gustavo gostava da Gustava…”, mas acreditem camaradas que não o boto deste modo por brinquedo mas porque seriamente me preocupa muito mais a falta de ideias e de opiniões ou a descoragem (sic) de as colocar, do que o desacordo em si próprio como sinal humano das diferenças ou como prova de que a verdade não será nunca universal, não decorrendo daí mal ao mundo se todos soubermos dessa certeza e nos respeitarmos nas diferenças que aparentemente nos separam mas na verdade dão sentido, coesão e beleza ao mundo.
Sei que dirão alguns que passaram já tantos dias que não se justifica voltar eu à questão, correndo o risco de reabrir querelas e incómodos. Porque assim não creio e porque tenho o debate entre contrários mais por positivo do que por negativo, contrario tais opiniões e aqui estou.
Começo por assegurar que, a meu ver, do que disse então, não há razão para retirar nem uma vírgula, excepto se quisesse imitar estilo e forma de Saramago, coisa que não quero por não gostar de macaqueações e por claramente me sentir incapaz para tal exercício.
E que disse eu, então?
Primeiro, “que não entrava em comentários acerca de torturas e assassinatos praticados por gente do PAIGC a conterrâneos seus que lutaram do nosso lado, alguns mesmo, a quem nunca chamarei heróis porque o que os animava era mais uma sanha guerreira e algumas vezes mesmo ferozmente assassina, do que esse tal amor a uma bandeira que não poderiam sentir enquanto símbolo de centenas de anos de história de um povo que conheciam apenas nas relações coloniais”.
Disse em segundo que “Sempre achei que o seu engajamento nas nossas fileiras se deveu mais a acidentes na sequência das relações de origem tribal ou mesmo pessoal entre os protagonistas dos acontecimentos, do que a devoções nacionalistas, e que alguns ficaram do outro lado obrigados ou por acidente e outros do nosso lado por conveniências de momento".
Em terceiro lugar disse que “não eram melhores uns que os outros, como seres humanos, senão na diferença de carácter que nos distingue a todos, havendo gente boa e má dos dois lados, se quisermos reduzir o conceito de bom e de mau a esta nota simplificada".
Vejamos uma a uma estas três afirmações para tentarmos descobrir nelas a marca que o António Graça Abreu parece detectar que em sua opinião há-de ser na pele da alma como essas tatuagens mandadas colocar pelos nossos soldados na pele do corpo garantindo amor de mãe ou eterno amor à Maria que, em alguns casos casou com outro Manel.
Primeiro! É ou não verdade que esses heróis negros de caçadores especiais se transformaram em verdadeiras máquinas de matar, neste caso a gente da sua terra, gente que provavelmente teria sido de seu convívio, vizinho ou mesmo amigo?
Segundo! É ou não verdade que uma boa parte dos combatentes do PAIGC ficaram daquele lado por acidente como, por acidente poderiam ter ficado do nosso, e que do nosso lado ficaram outros que pelos mesmos acidentes poderiam ter ficado de lá? Obrigados também, muitos, forçados, “politizados” à força, como aliás a maioria dos brancos que daqui saíram contrariados e apenas porque não puderam escapar, igualmente doutrinados nesta ideia de Pátria multirracial e pluri-continental e na afirmação de que bandidos às ordens de potências estrangeiras nos que riam roubar parte da Pátria.
Terceiro! Bem, este terceiro nem me parece que careça de considerações de tão anti-polémico que é.
Sabemos das façanhas desses soldados negros de forças especiais e do jeito que deram aos nossos objectivos quando realizavam coisas que não éramos capazes de realizar, e frequentemente cantamos tais façanhas como exemplo de portuguesismo genuíno na senda dos nossos heróis antigos. Que entre eles havia gente muito boa, também, é uma verdade que conhecemos pessoalmente e que acolhemos com amizade, mas tais andorinhas não fazem a Primavera.
Sabemos dos outros de menor proeminência, soldados milícias integrado nas Companhias ou em grupos especiais, oficiais de segunda linha com autoridade sobre populações e que por isso haviam ganho galões e uns patacos.
Éramos amigos de tal gente que considerávamos companheiros nas andanças das matas e do combate de tal maneira que a um, Rei local, tenente de segunda linha, emprestei três contos que nunca mais vi.
Mas também sabemos que a nossa ocupação nunca foi pacífica e que nem as suas culturas passaram para a nossa nem a nossa passou para as deles.
A teoria que nos faz crer que aquela boa e sofrida gente era portuguesa como nós e que morria em defesa da sua Pátria, Portugal, não tem ponta por onde se pegue num quadro que temos da nação portuguesa, da sua fundação (também em revolta contra mandos indesejados), da sua evolução histórica, das suas lendas, da língua que se foi formando, dos costumes e da cultura, tudo forjado contra invasores frequentes, a poder de pulo e de ânimo, tornando consciência coesa e unida o que era diferente em cada região do território, dando espaço a um povo a que orgulhosamente pertencemos.
E sabemos que desse caldo civilizacional não fazem parte os costumes, as crenças, as línguas dos povos da Guiné, a esta hora ainda muito dificilmente capazes de chamar Pátria em todo o seu território a esse poder que sai de Bissau.
Disse ainda e volto a dizer que “Se há alguma coisa que diferencia portugueses dos restantes europeus é essa ausência de ódio e essa capacidade de dar as mãos sem grandes preconceitos, que atravessou o nosso processo colonial. Prova disso é que no fim, ao contrário do que aconteceu com outros, fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades.
No entanto, bom é que não exageremos ao ponto de concluir que somos santos e que não cometemos também algumas atrocidades.”
Mas falemos primeiro das que o Poder que se instalou em Bissau após Abril praticou sobre os seus próprios conterrâneos porque haviam ficado do nosso lado. Coisa hedionda, sem qualquer dúvida, impiedosa e assassina a um tempo, e absolutamente estúpida do ponto de vista político, na hora em que o novo País precisava mais de unidade, de concórdia, de lavar feridas e de criar condições para a construção de uma Pátria que abrigasse as diferenças no esforço colectivo para melhorar a vida das gentes, afinal, a única justificação para encetar e manter uma luta como aquela.
Mas mantenho o que disse no poste anterior “Não conheço maus tratos que o PAIGC tivesse infligido a militares portugueses embarcados em Lisboa para os combaterem, ao contrário, sem colocar em dúvida que tivesse havido algum caso fora do quadro dos prisioneiros em Conakri, o que tenho ouvido são relatos de respeito e de bom tratamento na situação precária em que eles próprios viviam.”
A referência ao triste caso dos oficiais chacinados numa alegada missão de paz, é uma excepção que pela sua causalidade e pela trama que os levou àquele lugar para um encontro com uma facção do PAIGC, já qualificada como caso especial de desconfiança pela Direcção Central da luta, dificilmente caberá como responsabilidade do próprio PAIGC, sendo mais própria de bando em rebeldia, descoberto e com necessidades de se “lavar” a fim de evitar julgamento que, como calculamos, haveria de ter consequências funestas.
De resto, é hoje muito claro que tal manobra não passou de mais uma louca aventura de Spínola, igual a tantas outras que acabaram por se voltar contra nós.
Portanto, meu caro António Graça Abreu, sabendo como sabes que gosto muito de ti, nessa figura humana que escreveu aquele Diário da Guiné; que traduz e nos dá a conhecer tantos poetas daquele País longínquo e ainda misterioso; que é capaz de escrever ele próprio uma poesia de rara sensibilidade e lirismo, plena de busca do mistério humano, irás desculpar-me a ingenuidade e a marca de que falas.
De facto, como gente, cresci na revolta contra poderosos e ladrões que agrilhoaram este nosso povo durante séculos ao atraso, à doença, à crença num destino de besta de carga espoliada da sua força criadora para alimentar poderes e luxos de uns poucos e o lado mais negro de uma igreja que haveria de ser de esperança. Nessa forma de pensar e de agir percorri os anos sem necessidades de máscaras, nem de fingimentos, aguentando as consequências e sempre no prejuízo próprio. Isso porém não obsta a que aceite diferenças e que as tente compreender, nem obsta a que alimente amizades fora deste meu quadro de pensar, às vezes mesmo maiores do que dentro desse quadro.
Já te ofereci a minha casa mais do que uma vez e repito-o aqui publicamente, sem medos nem preconceitos.
Em relação ao Cherno Baldé de quem gosto frequentemente no que escreve, creio que o que digo atrás lhe servirá e quanto ao resto lá saberá as linhas como que se coserá.
E tu, meu camarigo grande e maior de alma ao que sei e tenho visto. A ti, acho que nunca ofereci casa mas é como se o fizesse, amigo de Montemor, do fado, da forcadagem, do bem comer e beber, das gentes, e nisso tudo meu irmão.
A ti te direi que colocas o carro à frente dos bois. Quer dizer, achas que ganharíamos a guerra se não tivéssemos perdido a política, com isso subalternizando a política à guerra e esquecendo que primeiro vem a política e só depois a guerra; que a guerra, qualquer guerra, as que se ganham e as que se perdem, são sempre consequência de determinadas políticas.
Esta nossa, já a tínhamos perdido há muito, quando africanistas inteligentes perceberam o caminhar do mundo e a necessidade de alterar o rumo da nossa politica ultramarina. Nota que nem lhe chamo colonial porque acho que de colonialistas tínhamos muito pouco na autêntica noção de colonial.
Quando Salazar gritou “para África em força”, coisa com a qual concordo em absoluto em face do horror do Norte de Angola, era tarde para arrepiar e ganhar a guerra do diálogo, a única saída verdadeiramente vitoriosa para todos.
Nunca, em nenhum dos meus escritos eu disse que havíamos perdido a guerra na Guiné. Que era difícil, sabemos que era, como era também para o PAIGC. Mas aguentaríamos na capacidade de sofrimento que nos caracteriza e que nos deu força para cruzar os mares do mundo, até que o regime em Lisboa dissesse, como já dizia, não há mais meios.
Por outro lado, Joaquim, deixa que te faça um reparo àquela coisa dos livros editados contra o discurso directo. O discurso que aqui se faz, exactamente como nos livros (fora dos relatórios) nunca é o discurso directo e ainda menos o discurso directo de cada um no tempo e no espaço em que vivemos as dores do combate. Eu também lá andei e conheci-me a mim e aos meus camaradas do corredor de Guilege. Sei bem como eram e como reagiam e por isso prefiro calar-me quando nos almoços oiço bravatas. Grande respeito tenho por eles e não alimento preconceitos por quem teve medo.
Abraços
José Brás
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)
Vd. último poste da série de 11 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9178: (Ex)citações (165): Agora já não há contenda, embora às vezes me pareça que para alguns, ela, a contenda, ainda perdure (Francisco Godinho)
Guiné 63/74 – P9224: Memórias de Gabú (José Saúde) (18): A caminho do campo
1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.
Esta catarse de memórias de Gabu - Guiné 1973/74 - que ultimamente tenho dado à estampa no nosso blogue - Luís Graça & Camaradas da Guiné - foram, de facto, uma alavanca primordial para remexer com o meu passado e, logicamente, deparar-me com a minha comissão militar em solo guineense.
Reconheço, e julgo apresentar-se como verídico, que cada momento relatado ao longo das “MINHAS MEMÓRIAS DE GABU”, nos chama à nostalgia. Todos, em geral, nos revemos em situações partilhadas e constatadas no meio onde coabitámos, não obstante o local da Guiné onde prestamos serviço.
Aliás, a minha intenção foi, e é, partir para o além do conflito armado no terreno. Todos trouxemos outras recordações que jamais esqueceremos. E foi justamente nessa base de um oportuno auto-entendimento, que resolvi deixar escrito a minha (nossa) vivência naquele território, reconhecendo, contudo, que as narrações se enquadram em pleno com o nosso modo de vida como militares na Guiné.
Revejam, por exemplo, os quotidianos percursos das mulheres da tabanca a caminho do campo!
A caminho
do campo
Uma jornada de trabalho
Gabú, ao longe, ainda se vislumbrava. O caminho, de terra batida, era com frequência palmilhado pela população. As mulheres, normalmente descalças, caminhavam em direcção ao campo. Com a trouxa à cabeça lá iam elas para mais uma jornada de trabalho.
O seu labor encorajava-me. Sentia prazer na sua firme determinação. Recordo que a mulher assumia-se como alavanca do modesto lar. Da tabanca. Era ela que cavaca a terra com desusados apetrechos, que semeava e colhia o milho, a mancarra (amendoim), a mandioca e que procurava os meios de subsistência.
O homem, deitado numa esteira descansava e… dormia. Esperava, quiçá, que o mango caísse de maduro que ir ao cimo da árvore colher a respectiva fruta já pronta a comer.
Comecei então a perceber que a mulher, com os seios de fora e um simples pano que prendiam à cintura e calçando um velho par de chinelos, às vezes, assumia-se como a matriarca do clã familiar.
Era comum vê-las no campo. Os estreitos trilhos do mato eram-lhes familiares. Algumas vezes me interroguei se a sua leveza no andar em veredas apertadas não se tornava perigoso? Uma mina anti-pessoal poder-lhes-ia ser fatal. Diziam-me que não. Voltava a interrogar-me: Porquê? Elas lá saberiam a razão que as movia.
Em Gabu existia um campo de minas que servia de protecção ao Quartel. As minas estavam colocadas em pontos estratégicos entre dois arames farpados. Não tive conhecimento de nenhum acidente pessoal. Uma vez entrou uma vaca para aquele espaço proibido, resultado: rebentou uma mina e a vaca, logicamente, morreu.
A população tinha conhecimento do perigo que aquele espaço reservado detinha e recusava, naturalmente, uma aproximação ao campo de minas.
Aquele êxodo constante das mulheres tinha, também, outros contornos: o caminhar para a bolanha. No tempo do arroz eram elas que assumiam o trabalho.
Numa análise feita à mulher guineense, estou convicto, e assumo, que o seu labor e entrega a uma sociedade que conhece no seu contexto um multifacetado número de etnias é e será sempre sobejamente reconhecida.
Esta é a minha singela opinião!
Mulheres na sua deslocação para o
campo
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
9 DE DEZEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 – P9171: Memórias de Gabú (José Saúde) (17): Um povo de costumes
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