sábado, 18 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12598: Os nossos seres, saberes e lazeres (64): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (8) (Tony Borié)

1. Em mensagem do dia 29 de Dezembro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos o 8.º episódio da narrativa da sua viagem/aventura de férias, num percurso de 7000 milhas (sensivelmente 11.265 quilómetros) através dos Estados Unidos da América, na companhia de sua esposa.



7000 MILHAS ATRAVÉS DOS USA - 8

Ainda se lembram? No último dia dormimos no estado de Ilinois, na cidade de Rockford, a umas tantas milhas da cidade de Chicago.

Abandonámos o hotel depois do pequeno almoço, tomámos a normal medicina de prevenção, vendo o tempo que parecia agradável, deixámos o hotel, enchemos o tanque com gasolina, o GPS em direcção algures para leste e eis-nos de novo na estrada número 90, em direcção a Chicago, pois era essa a nosso rota. "Chi...cáaa...go, Illinois”, como dizem na rádio.

Havia tráfico, a estrada estava em reparação, em algumas zonas pagava-se portagem, mais construção e por fim avista-se a cidade ao longe. Começa o tráfico a abrandar, cada vez mais devagar, lá fomos andando com algum progresso, até chegarmos a uma zona onde dizia: “Downtown”.


Aí saímos da estrada número 90, por entre um trânsito onde havia táxis, carros grandes e pequenos, alguns camiões fazendo descargas, pessoas atarefadas, querendo passar com a luz do semáforo ainda encarnada, mas lá fomos progredindo até chegar mesmo ao “Downtown” da cidade de Chicago. 

Estávamos no “Downtown” de Chicago, aquele Chicago cuja cultura popular é encontrada em romances, peças teatrais, filmes, músicas, vários tipos de revistas e meios de comunicação, que lhe chamam a todo o momento de “Chi-town”, “Windy City” e “Second City” e alguns até lhe chamam “a mais americana das grandes cidades”.


Esta cidade foi fundada em 1833, num lugar onde naquela altura se guardavam e reparavam as embarcações que navegavam entre os Grandes Lagos e a bacia do rio Mississipi. Dizem que hoje tem perto de 2,7 milhões de habitantes e é a terceira mais populosa dos Estados Unidos, claro, depois de Nova Iorque e Los Angeles.

Andámos por umas ruas ou avenidas, sempre alguém a buzinar ao nosso lado, ou atrás do jeep, não sabíamos se buzinavam por fazermos alguma manobra menos correcta ou se pelo estado em que se encontrava o jeep, sujo, mesmo muito sujo, com algumas sacas de lona e dois tanques extras de gasolina amarrados na parte de trás, entre outras coisas próprias de quem viaja por lugares quase desertos e anda muitos dias fora de casa, o que lhe dava um aspecto um pouco parecido com aquelas caravanas dos “ciganos amigos”, que me lembra quando jovem, passavam na estrada nacional, próximo da minha aldeia do vale do Ninho d’Águia, em Portugal.
Na nossa opinião, só faltava mesmo aquele “cão rafeiro”, que seguia sempre amarrado com uma corda debaixo do carro, puxado quase sempre por um “burro manhoso e faminto”. Enfim, esta barafunda toda, fazia-nos ter saudades das estradas desertas do estado de Wyoming, onde o pessoal das motos levantava a mão, saudando-nos, quando por nós passava, talvez querendo dizer, “tem calma e desfruta a paisagem”. Estes aqui, empurravam- nos, buzinando, por certo queriam dizer: “anda, que não há tempo a perder”.
Decidimos estacionar, procurámos e por fim vimos o letreiro, “parking”, entrámos, tirámos o bilhete, rodámos por um labirinto de carros, subimos alguns andares e finalmente encontrámos um espaço livre. Parámos e estacionámos.
Fechamos o jeep, levando connosco o telefone, documentos e alguns valores, pois estávamos em Chicago. Saímos à rua, que sorte, estávamos mesmo no “Downtown”.


O comboio passava nuns carris instalados numa grande estrutura, mesmo por cima da rua, portanto por cima de nós, fazendo aquele barulho característico dos comboios de cidade em fraco estado de conservação, como se vê nos filmes, as pessoas andavam depressa na rua, parece que alguém os chamava, nós olhámos e decidimos andar para norte, pois era para onde as pessoas iam, e em boa hora o fizemos, pois para esse lado era a zona mais bonita, o canal, as pontes, um passeio na beira do canal, edifícios altos e com bonita arquitectura, muitos monumentos, nas ruas e na beira do canal, barcos passando com pessoas tirando fotos, enfim era um Chicago lindo, mais lindo que Nova Iorque, dizia um casal ao nosso lado, que parecia oriundo do Japão.


Havia autocarros com dois andares, sem cobertura para fazer o “tour” na cidade, perguntámos o preço, o bilhete podia ser usado por um período de três dias, estava um pouco fora do nosso alcance, decidimos pedir o roteiro, fomos buscar o jeep ao parque de estacionamento, que nos levou uma “fortuna”, por duas horas e meia de estacionamento, e seguimos um dos autocarros sem cobertura, percorrendo a cidade e os seus mais importantes lugares, tirando fotos, (por curiosidade, muitas pessoas também nos tiravam fotos a nós, quando parávamos nos sinais de trânsito), vendo monumentos, canais, edifícios, alguns com uma arquitectura deslumbrante, as docas, parques, alguns limpos e bem cuidados, onde algumas pessoas praticavam exercícios ou simplesmente caminhavam.

Foi bonito e recomendo.

Voltámos à estrada número 90, passámos a fronteira para o estado de Indiana, que é um estado com um terreno pouco acidentado, portanto com grandes planícies, um solo bastante fértil, que fazem deste estado um grande produtor de trigo, o que podemos comprovar pelas enormes áreas cultivadas, próximo da estrada onde seguíamos, na rota em direcção ao Atlantico, passando por South Bend, Elkhart, entrando no estado de Ohio.


O estado do Ohio, que na língua “iroquesa” significa “Algo Grande”, “Grandes Águas”, “Belo Rio”, “Grande Rio” ou “Bom Rio”, pois eram estes os nomes utilizados pelos nativos americanos, para descrever o rio Ohio, antes da chegada dos primeiros exploradores europeus, os franceses.
Também chamam a este estado “Mother of Modern Presidents”, ou seja a Mãe dos Presidentes Modernos, pelo facto de sete dos Presidentes dos Estados Unidos nasceram e cresceram no Ohio, estando em segundo lugar, pois o estado de Virgínia, tem um total de oito presidentes.


Continuando na rota do Atlântico, passámos próximo de Toledo, Elyria e Cleveland, que fazia parte do nosso roteiro, embora já tivéssemos por outra altura estado na cidade, havia alguns lugares a visitar, mas já era ao pôr-do-sol e não havia muito tempo com luz do dia para admirar esses lugares, portanto seguimos e fomos dormir e comer na povoação de Austinburg, no estado de Ohio, onde não havia vagas nos hotéis, mas por especial favor, dormimos num, onde pelo menos nós não vimos computadores. A recepcionista pediu-nos para preenchermos uma folha com o nosso nome e direcção, e uma cópia dessa mesma folha foi a nossa factura. Este hotel tinha o sugestivo nome de “American B.... V.... Inn”, com uma “maravilhosa” vista para a estação de serviço na área e com um som característico dos camiões rolando fora de horas a toda a velocidade, na auto-estrada número 90.

Este foi o resumo do dia 8, e ainda estamos muito longe da nossa casa, na Florida.

Tony Borie
Agosto de 2013
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12541: Os nossos seres, saberes e lazeres (63): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (7) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12597: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (2): Caldas da Rainha, a cidade onde estava sediado o Regimento de Infantaria 5, onde era ministrado o Curso de Sargentos Milicianos (Carlos Vinhal)

1. Dando cumprimento ao desafio do Editor Luís Graça, vou falar, não da cidade que mais amei ou odiei, mas de todas cidades (vilas e/ou lugares) onde estacionei no meu tempo de tropa, antes de embarcar para a Guiné.
Gostei de todas elas porque nenhuma tinha culpa da minha situação, temporária, de militar em trânsito. De todas me ficaram boas e más memórias.



Começarei pela cidade das Caldas da Rainha, onde assentei praça no RI5 como Soldado Instruendo do CSM.

Acho não ficar mal confessar que antes de ir para a tropa, o mais a sul que tinha ido, tendo como referência a minha residência no concelho de Matosinhos, fora Fátima com os meus pais, aos 10 anos de idade, no ido ano de 1958.

Ir para as Caldas, no dia 21 de Abril de 1969, tornou-se portanto uma aventura, minimizada pelo facto de a viagem ser partilhada por largas dezenas, ou centenas, de mancebos que de todo o norte do país convergiram para a Estação de S. Bento a fim de apanharem o comboio-correio da meia-noite. Um grupo bem numeroso, onde eu me incluía, saiu de Leça da Palmeira no autocarro das 22 horas a caminho da cidade Invicta. Assim se iniciou uma longa viagem de quase 12 horas.

Não me perguntem como, mas sabíamos de antemão que tínhamos de fazer dois transbordos, um em Alfarelos para apanhar outra composição de um ramal que nos levaria até à estação de Lares, na Linha do Oeste, onde aguardaríamos por outro comboio que nos levaria finalmente às Caldas.

Tenho em memória que chegámos aos portões do RI5 por volta das 9h30 da manhã de 22, dia que me estava destinado para comparecer no quartel, tendo grande parte do grupo entrado de pronto porque nos disseram que se esperássemos pela tarde, a confusão seria mais que muita.

Vamos saltar as peripécias militares, para aqui não chamadas, e vamos falar da terra propriamente dita.

Ao tempo a cidade era relativamente pacata, destacando-se o velho Hospital Rainha D. Leonor, localizado no frondoso Parque D. Carlos I, o Parque propriamente dito e as várias lojas de artesanato, mais ou menos atrevido, que explorámos nos tempos livres.

Hospital - Foto: http://images.fineartamerica.com/, com a devida vénia

Famoso era também o Café Zaira(*), situado na Praça da República, onde não passávamos muito de perto já que junto ao vidro, do lado de dentro, costumavam sentar-se os oficiais, o que nos obrigava a constantes e arreliadoras paladas.
Diga-se em abono da verdade que no belíssimo Parque acontecia o mesmo, já que era vulgar encontrar muitos oficiais a passear, acompanhados de suas famílias. Como bons recrutas que éramos, o melhor era bater continência a tudo o que tivesse divisas, fosse bombeiro ou porteiro de hotel.
Nesta mesma Praça realizava-se, e julgo que ainda se realiza, o afamado mercado da fruta das Caldas da Rainha, mais um ex-libris desta cidade.

Mercado da Fruta - Praça da República - Foto: EU GOZEI A MINHA ADOLESCÊNCIA NAS CALDAS DA RAINHA NOS ANOS 70 E 80, com a devida vénia

Como bom militar tem de ser bom garfo, lembro o restaurante que frequentávamos quando o rancho não era a contento. Não me lembro do seu nome, também já não existirá, mas da empregada, a Tininha(?), uma jovem que nos atendia com especial carinho, talvez por saber que no quartel se comia muito mal. Que belos bifes com ovo a cavalo, guarnecidos generosamente com batatinhas fritas, arroz e salada. Era o nosso prato favorito. Ainda lhe sinto o cheirinho.

A cidade das Caldas da Rainha tinha já, então, uma actividade cultural e desportiva interessante. Nunca mais esqueci o Museu José Malhoa que revisitei mais recentemente, assim como os torneios de ténis de mesa, uma modalidade ali muito acarinhada, praticada num pavilhão existente dentro do Parque.

Museu de José Malhoa - Foto Wikipédia, com a devida vénia

Já aflorei o artesanato local, que não se limitava só às malandrices que mais aguçava a nossa curiosidade. Eram muitos os estabelecimentos de venda de olaria, verdadeiras montras de obras de arte confeccionadas por gente anónima nas inúmeras fábricas e ateliês que transformavam o barro em peças únicas.

Uma das mais belas recordações que guardo desta magnífica cidade foi o desfile que fizemos no Dia de Juramento de Bandeira(?), ao longo das suas ruas, com as varandas das casas engalanadas com colchas multicolores e as pessoas acenando à nossa passagem. Foi um adeus sentido de parte a parte.

Na tarde do dia 5 de Julho, em que apanhámos o comboio com destino a Lisboa, a caminho de Vendas Novas, já sentia saudades daquela terra e daquela gente.

Do RI5 não guardo boas recordações, pela má comida e porque alguns oficiais e sargentos não distinguiam a disciplina militar da prepotência e do abuso da autoridade que, julgavam, os galões e as divisas lhes conferiam.
Eram um verdadeiro vexame aquelas formaturas de revista, de hora a hora, após o toque de ordem, para podermos sair e ir dar uma volta pela cidade e comer alguma coisa de jeito. Por tudo e por nada nos mandavam para trás, o que acarretava nova tentativa uma hora depois. Estávamos assim à mercê do bom ou mau humor do Oficial de Dia.

Fica desde já aqui registado que em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, a disciplina era mais severa e a instrução militar, de longe, muito mais dura, mas éramos tratados com respeito.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil
CART 2732
Mansabá
1970/72

OBS: - As interrogações são fruto de alguma incerteza, volvidos que são quase 45 anos. Aceitam-se as devidas correcções.

(*) - Nome do café rectificado por indicação do camarada António Ribeiro
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12594: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (1): Espinho, Porto, Tavira e Torres Novas (José Martins)

Guiné 63/74 - P12596: Parabéns a você (678): Luís Rainha, ex-Alf Mil, CMDT do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12578: Parabéns a você (677): Maria Ivone Reis, ex-Capitão Enfermeira Pára-quedista, 85 anos

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12595: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (15): O cinema local e a figura lendária do seu guardião, o Canjajá Mané... E, a propósito, relembre-se o documentário, já em DVD, "Bafatá Filme Clube", do realizador Silas Tiny, com fotografia de Marta Pessoa (Lisboa, Real Ficção, 2012, 78')


Foto nº 1 


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5



Foto nº 6



Foto 7

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > 2010 > O regresso do Fernando Gouveia, 40 anos depois... O nosso blogue e sobretudo o Fernando Gouveia acabaram por estar também na origiem de um filme, estreado em 2013, do realizador português, de origem s


Fotos (e legendas): © Fernando Gouveia (2014).Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do  "roteiro de Bafatá", organizado pelo  Fernando Gouveia [, ex-alf mil rec inf,  Cmd Agr 2957, Bafatá, 1968/70;
autor do romance Na Kontra Ka Kontra, Porto, edição de autor, 2011; arquiteto, residente no Porto]

[Fernando Gouveia, foto atual à direita]

Mensagem do Fernando Gouveia:

 Data: 17 de Janeiro de 2014 às 02:09

Assunto: Cinema de Bafata

 Luís:

Como há dias, a propósito do Cinema de Bafata (*), referiste com uma certa imprecisão a existência de um homem que toma conta do edifício, mando-te algumas fotos que esclarecem melhor esse assunto. Assim, quando fui lá em 2010 estive com o tal homem, chamado Canjajá [Mané] que, sem receber nada, guarda o cinema. Em tempos foi o operador da máquina de projecção. Também lá me disseram que ainda hoje ele limpa regularmente a máquina apesar de já não funcionar. (**)

Legendas das fotos:

1 – Vista do edifício em 2010.
2 – Átrio de entrada.
3 – Corredor lateral.
4 – Sala de espectáculos e palco.
5 – Sala de espectáculos e balcão.
6 – Canjajá.
7 – Canjajá admirando o meu cartão de sócio do Sport Club de Bafata, à porta da sede do PAIGC, edifício que penso ter sido a casa de um tal Camilo que costumava dar umas jantaradas a todos os oficiais.

Ab
Fernando Gouveia
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Notas do editor:

 (*) Vd. poste de 14 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12585: Roteiro de Bafatá, a doce, tranquila e bela princesa do Geba (Fernando Gouveia) (14): Foto aérea, nº 3 (Humberto Reis)


(**) Sobre esta figura, Canjajá Mané e a sua história, há um filme documental, Bafatá Filme Clube, do realizador português, Silas Tiny [Lisboa, Real Ficção, 2012, 78' ( fotografama à direita), reproduzido com a devdia vénia]...  Já aqui foi notícia, há meio ano atrás, em poste do Fernando Gouveia (***)

Também, foi referido pela página do Facebook, de uma jornalista portuguesa que vive na Alemangha, "com um pé em África e outro no Brasil... Tomo a liberdade de reproduzir um poste de 8 de abril passado, com a devida vénia:

 Domadora de Camaleões  > 8 de Abril de 2013 às 11:50 ·


A história do projecionista que tomou conta do cinema de Bafatá, na Guiné-Bissau, mesmo quando já não havia espectadores, foi filmada pelo realizador são-tomense Silas e vai ser exibida hoje, em Lisboa, no cinema São Jorge às 15.30.

Integrado na maratona de documentários do FESTin, festival de cinema da língua portuguesa, que decorre até quarta-feira, no Cinema S. Jorge, "Bafatá Filme Clube" conta a história de Canjajá Mané.

O realizador Silas Tiny, nascido em São Tomé, mas que vive em Portugal desde os cinco anos, contou à agência Lusa que tropeçou por "sorte" e "acaso" na história do antigo projecionista de cinema.

"A pessoa cativou-me", justificou, recordando a beleza de traços coloniais da cidade guineense de Bafatá, apesar das "atuais condições".

Canjajá Mané trabalhava como projecionista em Bafatá "desde a altura dos portugueses" e "ficou tempos a cuidar" do cinema local, quando já nem espectadores havia, até ter "que se ir embora, porque não tinha condições para estar lá, porque ninguém lhe pagava", relatou Silas Tiny.

Não há atualmente nenhum cinema a funcionar na Guiné-Bissau, onde os cortes de eletricidade são recorrentes.

Canjajá Mané - que esteve no cinema de Bafatá "anos e anos sem receber qualquer salário" - ainda não viu o filme, "infelizmente", mas Silas Tiny e a produtora portuguesa Real Ficção estão "a fazer tudo" para que isso aconteça.

Apesar de "as condições na Guiné-Bissau" não serem "muito boas neste momento", estão a avaliar a possibilidade de "fazer uma projeção do filme".

Vd. Também aqui o sítio da produtora Real Ficção > O filme está agora disponível em DVD [, à venda na FNAC, por exemplo].ao,

Sinopse >  "Em Bafatá na Guiné-Bissau, Canjajá Mané, antigo operador de cinema e guarda do clube da cidade, repete os mesmos gestos há cinquenta anos. Mas actualmente o cinema está fechado e não existem espectadores. Dos seus tempos como trabalhador do clube até aos nossos dias, restam apenas recordações. Na cidade, somente as pedras, árvores e o rio resistiram à erosão do tempo. E com eles, algumas pessoas, que ficaram para perpetuar na memória do mundo e dos homens, que ali já viveu gente. São essas pessoas por quem Canjajá procura e espera pacientemente até hoje".

Guiné 63/74 - P12594: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (1): Espinho, Porto, Tavira e Torres Novas (José Martins)

1. O nosso Editor lançou o repto à tertúlia dos ex-combatentes para falarem das cidades por onde passaram antes da mobilização para a Guiné, cidades estas onde tirámos as nossas Recrutas e jurámos Bandeira, onde nos especializámos nas mais variadas artes de guerrear, onde fizemos os "mestrados" e "pós-graduações", onde conhecemos gente com outros usos e costumes, mas tão portugueses como cada um de nós os forasteiros temporários nessas terras.

Aproveitando um comentário do nosso camarada José Martins, damos o pontapé de saída à série, esperando que correspondam ao desafio e desatem a escrever.

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2. Comentário do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70), deixado no poste 12542 em 5 de Janeiro de 2014:


As localidades por onde passei

Olhando para trás, que ficou das localidades por onde penei/passei, os tempos da tropa?
Saudades? Só da juventude.
Raiva? Só da Guerra.


Paramos, Espinho - Recruta, primeiro contacto com a tropa, primeiros contactos com armas, primeiro contacto com milicianos e militaristas, primeiras ilusão e desilusões.

Tive sorte. Consegui desarranchar-me e dispensa de pernoita. Ia e vinha, a partir de Gaia, todos os dias, com a marmita do almoço às costas. Contribuía para a “gasosa” do Mini em que nos transportávamos.

O primeiro amigo militar: O Aspirante Roldão, de Coimbra.
Que será feito dele? Já o tentei encontrar, mas nada consegui.

Da terra nada conheci além do quartel e do caminho que ligava a estação da CP ao quartel.


Porto, Arca de Água - Primeira Especialidade: Teleimpressor.

Pode dizer-se que estava em casa. Utilizava os transportes públicos, desarranchado e com dispensa de pernoita, lá andava com a marmita atrás de mim.

Recordações? Só o cuidado dispensado pelos “prontos” na semana de campo, em que foram incansáveis na procura do meu conforto, quando fiquei com uma gripe dos diabos. Houve quem fizesse a guarda por mim.

A terra já a conhecia mais ou menos, já que estava a trabalhar há uns anos.


Tavira - Segunda especialidade, já no CSM e Transmissões.
Só pedi dispensa de pernoita. Depois da instrução no campo da Atalaia, saía ao toque de ordem direito à casa onde tinha quarto alugado à D. Rosa, uma “mãe” sempre atenta à nossa chegada em dias de instrução nocturna. De vez em quando ainda ouço a sua voz: “Meninos, há leite, café e pão na sala. Comam antes de ir dormir”.
Estes mimos não estavam incluídos na mensalidade, nem nunca foram cobrados.
Havia também a D. Cesaltina, que era uma “irmã mais velha”, sempre a perguntar se necessitávamos alguma coisa que fosse necessário tratar durante o dia, que ela tratava.

Como não tinham água quente em casa, arranjou-nos um local para um banho quente, a dez tostões por banho.
Ao fim de semana íamos ao mercado, os camaradas de quarto, fazer compras para as refeições do fim-de-semana. Claro que convidávamos a comer connosco, já que as refeições eram confeccionadas por elas com os meios de que dispunham.

Da terra, além dos cafés e de um ou outro restaurante, pouco conheci. O afecto pela terra está materializado na memória da D. Rosa e da filha D. Cesaltina.


Torres Novas - Concluída a especialidade a unidade de colocação.
Um serviço de reforço e uma Ronda da Policia da Unidade.

A única visita à cidade, terminando com a “tentativa de aprisionamento” de um refractário a um embarque para o ultramar.
Do período em que lá passei, estive mais tempo em casa do que no quartel: férias da Páscoa e licença de mobilização.
Da terra não me lembro, mas tenho pena. Era a terra dos meus tios paternos, que foram lá professores.



Guiné - Desta terra veio o ódio e depois a saudade.
Mais palavras para quê? É a nossa “Segunda Pátria”.

E siga a “infantaria”.
José Martins

Guiné 63/71 - P12593: Museu Etnográfico de Passos de Silgueiros, em Viseu, onde se podem encontrar objectos relacionados com a guerra na Guiné (Manuel Traquina)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Traquina (ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), com data de 28 de Novembro de 2013:

Visitei um museu na povoação de Silgueiros nos arredores de Viseu, e surpreendido fiquei ao encontrar ali varias coisas relacionadas com a guerra na Guiné, que terão sido oferecidas pelo padre Manuel Antunes Santos Barranha que foi Capelão Militar na região de Aleia Formosa.

Uma das fotos é de um monóculo do General Spínola, que terá sido oferecido por ele, junto também um cartão de visita do mesmo.
Outra foto trata-se de um crucifixo que executado em Aldeia Formosa onde foram soldados vários estilhaços de granada que ele próprio recolheu após ataques aquele aquartelamento no ano de 1971.

Existem ainda naquele museu vários crachás de companhias e pelotões de morteiros.

Um abraço
Traquina


Objectos que se podem ver no Museu Etnográfico de Passos de Silgueiros



Guiné 63/74 - P12592: Notas de leitura (553): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Aqui se continua a procurar sintetizar o que há de mais relevante numa tese de licenciatura em que José Manuel Braga Dias, que esteve na Guiné e muito próximo do Comando-Chefe pôde estudar e entrevistar e ter acesso a documentação restrita onde baseou o seu trabalho “Mudança Sociocultural na Guiné-Portuguesa”.
Permite ficar com uma imagem de atitudes e comportamentos das populações face à luta armada, releva erros crassos da administração colonial na nomeação da régulos e outros chefes que se saldaram em boas oportunidades para a propaganda do PAIGC.
O leitor tem aqui uma boa ocasião para perceber algumas das razões profundas que levaram a que a luta armada tivesse atingido todas as famílias, todas as etnias, tumultuando as sociedades tradicionais e gerando grandes equívocos nas chamadas sociedades modernas ou aculturadas, equívocos que depois o poder constituído pelo PAIGC não soube superar, após a independência.
O nosso olhar sobre a Guiné e a sua história fica bastante afetado depois de se ler este trabalho, estranhamente ignorado pela melhor investigação.

Um abraço do
Mário


Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa (2)

Beja Santos

A dissertação de licenciatura “Mudança Sociocultural na Guiné Portuguesa”, por José Manuel Braga Dias e publicada pelo ISCPU em 1974 introduz um dado bombástico, a subversão afetava toda a sociedade guineense, tanto os estratos mais tradicionalistas como os modernos, constituídos estes por diferentes grupos socioprofissionais agindo nos centros urbanos.

O autor desagrega o comportamento da população face ao movimento subversivo, é aqui sem dúvida alguma que o trabalho é manifestamente interessante. No texto anterior, referiu-se as atitudes dos Fulas e Mandingas. Vejamos agora os Oincas ou Mandingas do Oio. Iniciada a subversão, a população fugiu maciçamente para o Casamansa; os que ficaram, excetuando os que viviam em Olossato, Mansabá e Bissorã, aderiram ou foram obrigados a aderir ao PAIGC. Para o autor, o comportamento futuro dos Oincas dependerá da aceitação no novo régulo do Oio e da resolução das tensões étnicas, sobretudo com os Fulas. Os Jacancas e Saracolés são ramos da etnia Mandinga ligados ao comércio ambulante – gilandade. Foi aqui que as autoridades portuguesas e o PAIGC encontraram bons informadores. Os Padjadincas mostraram-se maioritariamente apoiantes das autoridades portuguesas. Mas o autor recorda os conflitos étnicos existentes entre Fulas e Padjadincas e a questão de reinança surgida pela morte de Sene Sane poderão constituir fatores a explorar pelo PAIGC. Os Felupes-Baiotes não deram nenhuma colaboração ao PAIGC, o mesmo não se passando com os balantas que deram um expressivo apoio ao PAIGC. Banhuns, Cassangas e Caboianas revestem-se de minuta importância, no entanto num destes territórios o PAIGC estabeleceu santuários, caso da região da Caboiana. O autor interpreta este facto devido ao cuidado que houve, por parte do PAIGC em procurar manter uma sociedade homogénea, sem impor uma nova ordem aos seus membros, mas servindo-se de velhos argumentos com a tradicional hostilidade dos Caboianas à presença portuguesa. A subversão dos Manjacos fora fácil em regulados do norte, para Sul a ação de aliciamento foi mais demorada, os chefes legítimos opuseram-se. Para o autor, competia às autoridades portuguesas reconhecer os verdadeiros chefes, conhecer quem decide nas estruturas tradicionais Manjacas havendo que dialogar o posicionamento dos reordenamentos para impedir futuros comprometimentos da população com o PAIGC na região de Cacheu. O “chão Papel” tinha sido invadido por diferentes etnias, os Papéis estavam em desagregação quando chegou a luta armada e na sua maioria os Papéis de Bissau e Cacheu não se mostraram entusiastas em apoiar o PAIGC. No caso dos Brames ou Mancanhas também estavam em fase de perda de coesão e com tensões de diferente ordem (por exemplo, os Brames da região de S. João não eram reconhecidos pelas autoridades portuguesas). E o autor observa: “A vingança pessoal e o ódio étnico ao Fula, ao Mandinga e ao Papel foram os motivos principais da adesão de grande número de Mancanhas à subversão, exercem lugares de chefia no PAIGC e têm posições dominantes na máquina política e administrativa deste. Quanto aos Beafadas, secundaram posições dos Mandingas nas áreas em que com eles convivem". E escreve: “Os Beafadas dividiram-se na atitude tomada face à subversão; se em certas áreas da circunscrição de Fulacunda e nos regulados do Cuor e Xime aderiram e colaboraram com o PAIGC, noutras, como em Gadamael, e nas povoações de Jabadá e Fulacunda tornaram-se fiéis colaboradores das autoridades”. Os Nalus e Sossos concretizaram vinganças ao apoiar o PAIGC, igualmente exteriorizaram o seu ódio aos Fulas. O PAIGC parecia apostado em explorar as tensões existentes entre Fulas e Nalus e as estreitas relações entre os Nalus e os Sossos da República da Guiné. Quanto aos Bijagós, a luta armada nunca se manifestou em qualquer região do arquipélago. Acresce que depois de campanha de Canhabaque (1936) os chefes tradicionais legítimos ou legais manifestaram-se desinteressados pelo que quer que pusesse em risco a sua maneira de viver em paz e sem preocupações. Segundo o autor, os Bijagós que viviam em pequenos núcleos na Guiné continental, teriam aderido ao processo subversivo do PAIGC.

De seguida a investigação centra-se sobre o comportamento das elites tradicionais face à subversão. O autor recorda que o sistema de regulados nem sempre se mostrou eficaz, colocando em confronto dois poderes políticos com interesses divergentes. Nuns casos as autoridades portuguesas manifestavam indiferença nas lutas travadas entre régulos ou apoiavam os régulos em desfavores de outros. E escreve: “É enganador julgar-se que foram somente os povos do litoral, como autoridade centralizadora, como é o caso dos Manjacos, Brames e Papéis, que se opuseram à presença portuguesa. O que se passou foi que a nossa presença fez-se sentir primeiro nas rias, tendo de lutar com as mesmas dificuldades à medida que se estendia para o interior. Poderá talvez dizer-se que houve maior resistência em sermos aceites pelos povos invasores da Guiné, na medida em que, a partir do século XIX, as lutas entre régulos e etnias Mandingas, Fulas e Beafadas, agitaram diretamente ou indiretamente todo o território”. As campanhas de pacificação saldaram-se na perda de prestígio dos régulos e no desmembramento ou extinção de alguns regulados, criaram-se mesmo novos regulados fiéis às autoridades mas que não gozavam de prestígio entre as populações. As consequências foram por vezes manifestamente explosivas: perda de prestígio dos régulos em benefício das autoridades administrativas; existência de regulados fictícios e sem projeção fictícia; importância da etnia Fula em detrimento das outras; fomento de rivalidades étnicas entre os antigos detentores do poder político e os novos senhores; reação da nova geração, parcialmente enculturada em padrões ocidentais à autoridade de um chefe fantoche, entre outras.

O autor seguidamente sistematiza a organização política dos povos da Guiné, refere detalhadamente S. Domingos, Farim, Bigene, Mansabá e Olossato, Cuntima, Cacheu, regulados não dependentes do régulo de Bassarel; depois dirige a sua atenção para o concelho de Bafatá, depois o Gabu (lembra que o território do Boé foi integrado na Guiné Portuguesa depois da Convenção Luso-Francesa de 1886), segue-se Fulacunda, adiante Bolama, depois o concelho de Bissau. É inquestionavelmente o levantamento riquíssimo, temos aqui as estruturas políticas étnicas, vemos como o não reconhecimento dos chefes tradicionais leva quase automaticamente à adesão à subversão, na generalidade dos casos é percetível que a falta de prestígio dos régulos, as tensões étnicas, a manifesta fraqueza da estrutura tradicional, constituíram-se focos explosivos que em muitos casos o PAIGC explorou a seu favor. O autor é minucioso, vê-se que teve meios para estudar, ouvir e consultar informação pertinente, seguramente lhe fora facultada pelos serviços do comando chefe. Tratou-se de uma situação privilegiada que assegurou um levantamento ímpar, daí este riquíssimo mapa que cobre todo o território, e assim pôde anotar fidelidades e traições que agora podem ser compreendidas à luz de um levantamento histórico onde a política colonial portuguesa também se manifestou por um acervo de erros em nomeações de régulos ou chefes que a propaganda do PAIGC, sempre que possível, explorava com sucesso. Só um dado entre os muitos que o autor apresenta no seu mapa, o regulado de Chanha, um campo experimental da chamada “política de independência das raças”, perseguida pelas autoridades, depois de 1927. O regulado foi dividido em três chefados e as respetivas chefias repartidas por um Fula-Forro, um Fula-Preto e um Mandinga. Em breve se verificou que esta política era impraticável e voltou-se a entregar de novo a chefia do regulado ao seu legítimo régulo, Nhala Bobo. Depois da morte deste, as autoridades pretenderam impor o régulo atual que até tinha perdido as eleições. As autoridades tradicionais existentes, quando começou a subversão, não tinham qualquer prestígio, e a perante a evolução da subversão, mostraram a sua incapacidade, criaram mais um problema às autoridades portuguesas.

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12580: Notas de leitura (552): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12591: Em busca de... (234): Subunidade a que pertenceu Hermínio Dias Gaspar, meu tio, recentemente falecido... Sei que esteve em Nhala e pertenceu ao BCAÇ 2892 (1969/71) (Lúcia Alves, a viver e a trabalhar na Guiné-Bissau)


Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala > c. 1973/74 > Aspeto parcial do aquertelamehto e tabanca: cantina à esquerda e enfermaria à direita. Foto do 1º cabo cripto José Carlos Gabriel,  2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513 (Nhala,  1973/741973/74).

Foto: © José Carlos Gabriel  (2011). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem da nossa leitora Lúcia Alves, com data de 22 de dezembro último:


Exmo Sr. Luis Graça


Estou actualmente a viver/trabalhar na Guiné Bissau e gostava de tentar recuperar o percurso de um tio que esteve na guerra do ultramar na Guiné. Como faleceu recentemente,  pouco sabemos do(s) local(ais) por onde passou ou onde esteve e em forma de homenagem póstuma gostava de passar nesses locais.

Pesquisando alguma correspondência e fotos,  a única referência que encontro é uma, a localidde de Nhala, de onde escreveu uma carta e uma foto em que está supostamente um colega, frente a um distico/ brasão (perdoe a minha ignorância nesta matéria) de uma companhia de caçadores 2616.

Segundo a pesquisa que fiz,  pertence ao Batalhão [de Caçadores] 2892. Também encontrei alguma referência a uma lista de ex-combatentes mas não consegui abrir o link.

Será que alguém me poderá ajudar? O seu nome era Hermínio Dias Gaspar.

Votos de festas felizes e o meu muito obrigado

Lúcia Alves

2. Comentário de L.G.:

Lúcia, obrigado pela sua mensagem a que só agora nos é possível responder. Deixe-me louvá-la  pela sua iniciativa de ir, em romagem de saudade, aos locais, da Guiné-Bissau, por onde terá passado, durante a sua comissão de serviço, o seu tio Hermínio Fias Gaspar. Só nos deu duas pistas: (i) leu uma carta dele, endereçada de Nhala, no sul da Guiné; e (ii) ele envou uma foto, em que se pode ver, em plano de fundo, o brasão da CCAÇ 2616, subunidade que pertenceu ao BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71).

Não é fácil, com os elementos de que dispomos, saber ao certo a que subunidade (companhia) pertenceu o o seu tio. O BCAÇ 2892 (, que esteve sediado em Aldeia Formosa,  tinha três subunidades de quadrícula (CCAÇ 2614, CCÇ 2615 e CCAÇ 2616) e um companhia de comandos e serviço (CSS) que estava em Aldeia Formosa. Ao que parece, todas as três passaram por Nhala. O mais seguro era consultar a sua caderneta militar, que deve estar na posse da família.

De qualquer modo, pelos elementos recolhidos pelo nosso colaborador permanente, José Martins, o BCAÇ 2892 e o seu pessoal andou por diversos sítios da Guiné, com destaque para a região de Tombali. Aldeia Formosa hoje é mais conhecida por Quebo.

Lúcia, sinta-se á vontade para nos voltar a contactar. Entretanto, é possível que apareçam camaradas do seu tio, que tenham estado no BCAÇ 2892. Temos alguns membros do nosso blogue, ou amigos do Facebook [Tabanca Grande Luís Graça]. Siga os links:

(i) Amércio Vicente e Francisco Barroqueiro  (CCAÇ 2614,  Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71) [, curiosamente a esta subunidade do BCAÇ 2892, pertenceu o antigo presidente da República da Guiné-Bissau, Henrique Pereira Rosa, falecido em 2013];

(ii)  Manuel AmaroFradique Augusto Morujão (CCAÇ 2615,Nhacra,  Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71):

(ii) Francisco Baptista (CCAÇ 2616Buba, 1970/71).

Se um, dia passar por estes lugares, em homenagem ao seu tio, mande-nos notícias e fotos. Boa estadia pela Guiné-Bissau. Gostaríamos, de resto, que aceitasse o nosso convite para integrar este blogue de "amigos e camaradas da Guiné", em memória do seu tio e dos bravos da sua geração.


3. Ficha de unidade:

[Elementos recolhidos por José Martins]

BATALHÃO DE CAÇADORES Nº 2892 [Aldeia Formosa, 1969/71]


Ostentando como Divisa “Poucos Quanto Fortes”, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 16, em Évora e, acompanhado das suas unidades orgânicas, embarca em Lisboa a 22 de Outubro de 1969, desembarcando em Bissau a 28 de Outubro seguinte.

Teve como Comandantes o Tenente-coronel de Infantaria Carlos Frederico Lopes da Rocha Peixoto, o Tenente-coronel de Infantaria Manuel Agostinho Ferreira e o Major de Infantaria José Moura Sampaio.

O cargo de 2º Comandante foi exercido pelo Major de Infantaria José Moura Sampaio e Major de Infantaria Pedro Júlio Pezarat Correia, que acumulou com o cargo de Oficial de Informações e Operações/Adjunto.

A Companhia de Comando e Serviços esteve sob o comando do Capitão de Infantaria Eduardo Alberto de Veloso e Matos e, posteriormente, pelo Capitão Miliciano de Infantaria Francisco José dos Reis Neves,

O batalhão assume a responsabilidade do Sector S2, instalado em Aldeia Formosa, abrangendo este e os subsectores de Empada, Mampatá, Nhala e Buba.

Desenvolve e coordena acções de contra penetração nos eixos de reabastecimento do IN, diversas acções ofensivas, patrulhamentos e emboscadas, assim como reacções aos ataques aos aquartelamentos. Procurou promover a promoção socioeconómica das populações, tentando garantir a segurança e a defesa das mesmas.

No decorrer das acções que coordenou capturou diverso material, destacando-se 1 metralhadora pesada, 2 pistolas-metralhadoras, 5 espingardas, 303 granadas de armas pesadas, 29.657 cartuchos de armas ligeiras e 63 minas.

Foi rendida no Sector S2 pelo Batalhão de Caçadores nº 3852, regressando a Bissau a 27 de Agosto de 1971.


Companhia de Caçadores nº 2614 [Bissau, Nala e Aldeia Formosa, 1969/71]



Sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria José Manuel Baptista Rosa Pinto, cede dois pelotões para cooperar no dispositivo de segurança e protecção das populações da área de Bissau, na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866.

Segue, a 29 de Outubro e 7 de Novembro de 1969, para Nhala, para substituir a Companhia de Caçadores nº 2464. Em 10 de Novembro de 1969 assume a responsabilidade de subsector e, em cooperação com o subsector de Mampatá, tentar a interdição do corredor de Missirá.

A 21 de Novembro de 1970 troca com a Companhia de Caçadores nº 2615, e assume a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa até 26 de Agosto de 1971, data em que é rendido pela Companhia de Caçadores nº 3399 e regressa a Bissau.

Companhia de Caçadores nº 2615 [Nhacra, Aldeia Formosa, Nhala, 1969/71]

Sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria António Miguel Ramalho Pisco e na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866, substituindo a Companhia de Artilharia nº 2340 e assumindo a responsabilidade do subsector de Nhacra com destacamentos em Dugal, Safim, Ponte Ensalmá, João Landim e Fanha.

Entre 5 e 16 de Dezembro de 1969 segue por escalões para Aldeia Formosa onde, onde substitui a Companhia de Artilharia nº 2614, nas funções de intervenção e reserva do sector. Realizou acções nas zonas de Contabane, Cansembel, Bungofé, entre outras, e escoltas a colunas entre Buba e Aldeia Formosa.

Em 8 de Abril de 1970 a intervenção no sector passa para a Companhia de Artilharia nº 2521, enquanto a Companhia de caçadores nº 2615 assume a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, destacando um pelotão para Nhala, para protecção e segurança dos trabalhos da instalação do aldeamento.

Entre 15 e 21 de Novembro de 1970, as Companhias de Caçadores nºs 2615 e 2616, trocam entre si, ficando a primeira com a responsabilidade do subsector de Nhala e a segunda com a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa.

Em 26 de Agosto de 1971, data em que é rendida pela Companhia de Caçadores nº 3400 e regressa a Bissau.

Companhia de Caçadores nº 2616 [Nhala, Aldeia Formosa, Bissau, Buba, 1969/71]

Embarca sob o comando de um oficial subalterno, o Alferes Miliciano de Infantaria Vítor Manuel Cristina Aleixo, sendo o comandante, o Capitão de Infantaria Artur Bernardino Fontes Monteiro que, mais tarde,  veio também a ser substituído pelo Capitão de Infantaria José João David Freire.

Cedeu, para cooperar no dispositivo de protecção e segurança das instalações e população da área de Bissau, ficando os mesmos na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2866, até 7 de Novembro de 1969

A 29 de Outubro e 9 de Novembro de 1969 segue, em dois escalões, para Buba onde, em 10 de Novembro de 1969, assume a responsabilidade do subsector de Buba, rendendo a Companhia de Caçadores nº 3282.

Foi rendida pela Companhia de Caçadores nº 3398, em 26 de Agosto de 1971, regressando a Bissau.

O Batalhão e as suas unidades orgânicas, iniciam a sua viagem de regresso a 6 de Setembro de 1971.

16 de Janeiro de 2014

José Marcelino Martins

[Imagens dos brasões,  de colecção particular, aqui reproduzidos com a devida vénia: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.]

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Nota do editor:

Último poste da série >  29 de dezembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12520: Em busca de... (233): Pessoal do Destacamento Avançado Móvel de Intendência nº 664 (Moçambique, Tete, 1964/66) (António Ferreira Carneiro, o "brasileiro", ex-1º cabo magarefe, DFA, residente em Custoias, Matosinhos, e membro da Tabanca de Candoz)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12590: Blogoterapia (246): A Op Lança Afiada ou a Impotência da Escrita (Torcato Mendonça, ex-al mil art, CART 2339, Mansambo, 1968/69)



Foto Falanet III > Nº 55



Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O "repouso do guerreiro"... O alf mil Torcato Mendonça numa pausa de uma operação no mato, "matabichando"... Ou mais provavelmente, à espera do IN, numa das emboscadas montadas, algugures, nas encruzilhadas da morte (Foto nº 55, acima). Na foto a seguir (nº 58), percebe-se que está "bem acompanhado": (i) foto de mulher, de uma capa de revista; e (ii) a metralhadora ligeira HK 21... Fotos nº 55 e 58 da série Fotos Falantes III.

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: L.G.]


1. Texto, com data de 14 do corrnte,  do nosso camarada (e colaborador permanente daTabanca Grande) Torcato Mendonça, ex-alf mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69: 


[Foto à esquerda:  Fundão, 27/1/2007. Foto de L.G. ]

O TM é um autor, fecundo, com cerca de 220 referências no nosso blogue, com  diversas séries como: (i) Estórias de Mansambo, (ii) Estórias de Mansambo II, (iii) Pensar em Voz Alta, (iv) Nós da Memória, (v) Fotos Falantes... Disponibilizou-nos também o seu riquíssimo álbum fotográfico. Material mais do que suficiente para publicar vários livros... Um alfabravo caloroso para ele, para estes frios do Fundão... (LG)

Assunto: Tarde Fria

Meus caros,

Aí vai o resultado de uma tarde fria. Finalmente a montanha pariu um rato e o resultado é essa droga. É o que entendi escrever sobre a Lança Afiada. Não me merece mais que isso. Foi mau demais e já muito sobre essa Operação foi escrito. [Temos, no blogue, cerca de 3 dezenas de referências sobre a Op Lança Afiada]

Eventualmente e se um dia me der na bolha poderei escrever alguns "casos" passados naqueles dias.

Com o meu abraço, T.



2. Op Lança Afiada ou a Impotência da Escrita

por Torcato Mendonça


Em meados de Fevereiro de sessenta e nove, o Boeing aterrou na curta pista de Bissalanca.  Com lentidão, sem pressa alguma, desapertei o cinto a preparar a saída…

…o calor e a humidade bateram-me forte no curto percurso até á gare. Aí estava eu de novo na Guiné, terra "vermelha e ardente", para mais um período de cerca de um ano de comissão…

…em Santa Luzia, após o almoço, recebi novas da guerra: a saída de Madina do Boé e o desastre do Cheche, uma ou duas semanas antes, outros acontecimentos mais e uma informação que parecia dizer-me diretamente respeito:
- Na tua zona vão fazer, parece que brevemente, uma operação em grande. 

Pouco mais me disseram e nem era necessário.

Quando fiquei só, perante a facilidade e a ligeireza como proferiram estas informações fui levado a pensar que o IN (Inimigo – PAIGC) sabia, e certamente com pormenores, desta Operação. Tinha boa rede de informadores e descuidos como este pareciam ser frequentes. Guerra de merda,  com estas informações tão permissíveis.

… não compreendia a saída de Madina, depois da saída de Béli. Sabia como era a estrada para Madina e os ataques que este aquartelamento sofria. Só que aquela saída de Madina era o abandono do Boé e a deslocação da fronteira para a margem esquerda do Corubal – praticamente desde a entrada do rio no Território (Marco 49 – zona de Cabuca –ver Carta 1500.000 da Guiné) até, sem precisão, a zona de Contabane (Marcos 20/21).

O IN aproveitaria certamente essa tomada de posição e mais facilmente entraria no território. Preocupante.

Mas quem era eu, um simples Alferes de empréstimo àquela guerra, para me preocupar com o que Oficiais Superiores tinham discutido no conforto de seus gabinetes? Ninguém!

Dias depois, já em Mansambo, vim a saber mais pormenores sobre essa Operação:  o nome de código "Lança Afiada".

Eu, integrado no meu Grupo de Combate e na minha Companhia, participei nela.

Já muito foi escrito, aqui neste Blogue, sobre essa Operação. Pessoalmente creio já ter escrito o suficiente. Tentei, agora, escrever mais e acabei por ficar com dezenas de páginas. Preferi destruir a maioria e outras foram para o arquivo morto. 

Encerro o "Capitulo de A Guerra".

Aquela Operação acabou por me mostrar que assim devia proceder. Falar dela, da maior Operação em que participei, podia ser, em algumas partes, uma crítica injusta e ter, hoje, passados tantos anos uma visão completamente errada do que por lá, naqueles longos dias, se passou.

Um exemplo:  o não terem sido montadas emboscadas na margem direita do Corubal por tropas helitransportadas. Muito mais exemplos podiam ser aqui apresentados.

Quando a Operação terminou, tínhamos a consciência de que toda aquela zona do Leste (Xime ao Xitole pela margem esquerda do Corubal) foi completamente destruída e arrasada e todos os objetivos, previamente planeados, foram conseguidos. Cumpriu-se assim a missão. Mas para quê e com que resultado para as NT? Dizer que o IN não foi aniquilado e devia ter sido, hoje, parece violento. Teria outrora o mesmo significado?

O IN, não digo Turras porque não gosto de certas palavras –Tugas, tropa macaca, Pimbas, Caco e e vocábulos semelhantes.

Com estas limitações, há, isso sim, uma impotência da escrita. Questão subjetiva e passível de todo o contraditório ou mesmo colocar em causa alguns escritos meus. Não ponho um ponto final na escrita ou, melhor, nos escritos sobre a Comissão na Guiné. Se isso acontecer, fá-lo-ei como até aqui, em relato simples de certos acontecimentos. Nunca digas nunca,  mas parar um pouco é o melhor. Já estou nesse "estado" há muito tempo.

Para mim, bem para mim…

…a guerra não se descreve ou não tenho palavras para o fazer. A guerra são sons, gemidos, urros e gritos, cheiros, ódios, sofrimento, dor e a sua descrição se torna uma impossibilidade descritiva. Fica ainda para o fim a amizade, a camaradagem entre os militares e isso como se descreve? Difícil, eu sei.

Aquilo – o combate, o embate entre os contendores – acontece, acontece bruscamente ou com lentidão, num sim ou não que, em comum, tem sempre a brutalidade. Vai subindo de violência, envolvendo tudo e todos com os sons das granadas e tiros, de gritos e gemidos numa envolvência onde os automatismos, o treino, a brutalidade a tudo e a todos se sobrepõem. Vai lentamente parando, aquietando-se e fica o cheiro adocicado da morte, das ervas devastadas, do enxofre das granadas e os sons mudam agora e temos a libertação dos ódios, da constatação da morte e a tristeza aparece. Caso os sons sejam de risos, sim de risos, então tudo, naquele lado, está bem. Mas tudo isto não se descreve, tudo isto se sente, se entranha nos ossos, dentro dos ossos e lá fica. Quando chegam encostam-se ás anteriores memórias e aconchegam-se para darem lugar ás que aparecerão no futuro, ou não. Se não, se não houver memórias a guardar aparece certamente o riso tolo e sarcástico da morte. Essa está sempre presente na contenda e saltita, ri e chama. A morte, essa puta, se vence o momento leva a presa e ri saltitando em busca de algo mais.

Como descrever a morte ou o que há tanto tempo está tão profundamente guardado? Não, não é possível e existe sempre uma lógica retração. Descrever a morte de camaradas? Não.

Para quê então falar disso? Para quê então falar do cheiro da morte, dos sons, dos gritos, dos ódios se eles nos aparecem, felizmente hoje com menor intensidade. Vêm no sonho, num ruído estranho, no cheiro ligado á recordação de outrora. Vêm raramente mas vêm. Não as provoquemos. Que fiquem guardados, aquietados,  pois foram para isso tratados durante anos e anos. Um dia, anos atrás e de repente abriu-se o portão da memória e um novelo prenhe de nós correu veloz a desatar-se, a tentar libertar-se de algo.

Pará-lo é preciso e ele ficará aquietado.

Talvez também por respeito. Sim,  por respeito pelo portador do novelo das recordações já deturpadas, dos camaradas que já partiram, de muitos que hoje pretendem o silêncio. Mas nunca esqueças os teus camaradas, os teus companheiros ou os teus amigos africanos. Muitos andaram contigo no mato e te ajudaram e não eram "tropa macaca" e não te chamavam de "tuga". Mas ouviste chamarem-te assim,  no Galoiel ou no Poindom…apelos ou vómitos nervosos do IN…

Não vais desatar os nós, vais aquietar-te e, de quando em vez, podes, se for caso disso, desatar uma ou outra recordação alegre ou mesmo lamento ou protesto para com algum teu camarada ou o bom Povo das Tabancas…

Sobre a Lança Afiada é tudo. Há ou sinto uma libertação de nela falar (escrever). Foi violenta demais. Um dia, se houver esse dia, recordarei casos que não sejam tormentos aquietados.

Torcato Mendonça

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12589: Memórias de Gabú (José Saúde) (38): Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento.


Um brinde com whisky entre o então 1º Sargento Brito, hoje Major, e claro, eu, José Saúde. As tabancas, ao fundo, retratam realidades num espaço distante onde as fortes e medonhas trovoadas se cruzavam com um cacimbo atroz e um arco ires que se sobrepunha a um horizonte belo, mas sempre carregado de incertezas. O calor sufocante hostilizava, também, as nossas vidas.


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento 

As minhas memórias de Gabu


Revendo uma pequena parte do meu livro GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU

Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento 

Visita a Madina Mandinga

Foi um dia memorável! Uma visita amigável à 1ª Companhia do BART 6523 sediada em Madina Mandiga, apresentou-se como uma viagem tranquila e anteriormente impensável. As estratégias no terreno estavam definidas. O PAIGC e a nossa tropa haviam estabelecido princípios de entendimento e o medo da picada, e a sua imprevisibilidade, antes constatado, oferecia agora uma segurança absoluta.

Foi a um domingo e já em tempo de Paz que um grupo da CCS, em Nova Lamego, e a Companhia destacada em Madina, combinaram um jogo de futebol. Dois Unimog com malta que se entregava às jogatanas pontuais, e eis-nos perante o grupo disposto a desbravar conteúdos de uma picada onde a ondulação do capim se misturava com árvores de grande porte nascidas na exuberância da densidade do mato cerrado.

O resultado final não interessou, tão-pouco ficou registado nas minhas memórias. Não interessa! O único objectivo foi o amplo convívio verificado. O festim decorreu de forma cordial, trocaram-se impressões, comentou-se o último ataque a Madina, apontou-se para o sítio das valas que serviram de proteção aos ilustres soldados e recordou-se os locais onde os foguetões haviam caído. Pelo meio de dois dedos de conversa umas fotos para mais tarde recordar.

Dessa viagem, com o pessoal completamente dispensado das G3, bazuca, ou do morteiro 60, ficaram momentos inolvidáveis passados entre camaradas de armas que contemplavam a Paz agora sentida em toda a largura do terreno. Recordo, que a dita viagem entre as duas populações dista (va) cerca de 20 kms. Todavia, os quilómetros de picada assumiam-se como um osso duro de roer. Lembro que o percurso dividia-se entre o asfalto (alcatrão) e a terra batida.

Revivendo esse já longínquo convívio por terras da Guiné, recordo agora a forma desinteressada como fomos recebidos pelos ilustres anfitriões. Uma receção extraordinária, uns chutos numa bola já defeituosa, um almoço bem regado, uma cavaqueira que se arrastou ao longo da tarde, uma mesa cheia de bebidas e, finalmente, as despedidas aos companheiros de Madina que determinou, como foi evidente, o nosso regresso a casa emprestada.

O Cap. José Luís, sempre simpático, congratulou-se com a visita, mas foi com o 1º Sargento Brito que dissequei os momentos mais ávidos sentidos pela Companhia ao longo da comissão em Madina Mandiga. A talho de foice, e com toda a justiça o digo, que o 1º Sargento Brito era, e é certamente, um homem de se lhe tirar o chapéu. Gostei dele!

Soube, agora, através do ex Alferes Miliciano António Barbosa, um camarada de armas que integrava o nosso BART 6523 e que pertencia à 2ª Companhia sediada em Cabuca, que o então 1º Sargento Brito está, actualmente, aposentada como Major. Confesso que me congratulo por saber tão feliz notícia. Um abraço, e bem grande, meu Major. A vida, por norma, sorri-nos quando dentro de nós existem fatores humanos que suplantam o nosso querer, a nossa enorme vontade e o nosso egocêntrico ego.

Na minha guerra – Operações Especiais/Ranger, Lamego – evocava-se, com vaidade absoluta e estilo próprio, um grito (com a devida vénia e respeito) que arrepiava o mais incrédulo efebo da apelidada tropa “macaca”: “Vossa Excelência, meu Major, dá-me licença que evoque o seu bom nome para o colocar no meu Quadro de Honra?”. Creio, com certeza, que a resposta do meu Major será: SIM!

 
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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