Ficamos a saber que ele conheceu o nosso blogue em circunstâncias infelizes: no "estaleiro", em recuperação das sequelas de um acidente automóvel.
Daqui de Angola, e com alguns problemas de comunicação com a nossa Tabanca Grande Global, aqui vai um afetuoso abraço para ele, desejando-lhe completa recuperação, e para os demais amigos e camaradas da Guiné, incluindo o Rosinha que está ansioso que eu lhe mande umas fotos da rua e da casa onde ele morou em Luanda... Infelizmente, regresso já na 5ª feira, sem tempo para sair da "ilha" de Luanda, onde estou "prisioneiro" das 9 às 18h... (LG):
A CAMINHO DE GADAMAEL... Ou como a acção de meu pai e a reação do "Paizinho" me levaram lá.)
Caros Luis Graça/ Carlos Vinhal,
Estas mal traçadas linhas são a minha modesta homenagem à vossa coragem e determinação, para trazer à luz do dia, e administrar, tantas emoções de uma geração, guardadas lá no fundo do subconsciente (Valha- nos "São" Lacan!!!), moderando magistralmente tantas visões de uma realidade multifacetada.
É também uma oportunidade para eu agradecer a todos que me ajudaram a chegar de volta ao Aeroporto da Portela. Não poderia deixar de agradecer também a Maria Helena, que me acompanhou nos anos "pós-Guerra", e criou meus filhos.
Saí de Portugal, ainda no mesmo ano de 72, em que voltei da Guiné, e por aí vou andando até esta data, sou um desses milhões da multissecular diáspora Lusitana, que deve ter começado lá pelo século XV, quando as caravelas jogavam em terra os "lançados", que tinham pegado nas ruas ou tirado das prisões, para na volta servirem de "linguas".
A Artilharia da Guiné era de rendição individual, para oficiais, sargentos e alguns especialistas, sendo soldados e cabos da guarnição local, inexistindo posteriormente essas reuniões que vão alimentando o espírito de corpo, das Companhias e Batalhões. Dificultado o contacto com os camaradas,esses três anos de serviço militar vão ficando no fundo do "baú de recordações".
Após um acidente de automóvel recente, que me obrigou à recuperação em casa , conheci o blog. Então, como a história é mais benevolente com quem a escreve, ousei rabiscar este meu, "A CAMINHO DE GADAMAEL".
Eu venho lá da Bairrada pofunda, que na década de 50 era mais conhecida como terra da batata, ao invés de terra do vinho, o vinho ainda se vendia a granel. Apesar de haver registro de vinhas na região no século XII, a região sofreu por muitos anos da determinaçao do Marquês de Pombal de as arrancar.
O meu pai vinha de um grupo familiar, que se poderia enquadrar no que Gramsci apelida de "intelectuais rurais"; a escola de Samel no fim do século XIX começo do XX, era na casa do meu avô, sendo ele professor, como o foram meu pai e meus tios.
Meu avô materno era filho de comerciante e, como seus irmãos, emigrou para o Brasil, e ao contrário deles voltou a Portugal, no fim da primeira década do século XX, casou com uma professora, que era duma família profundamente ultramontana, originária da Madeira.
A minha infância e adolescência foi passada em escolas da região, seguida de uma passagem de cinco anos pela efervescente cena Coimbrã da segunda metade da década de 60.
Em 69, saí desse "borbulhar" de novas ideias e atitudes, para a disciplina EPI na "Máfrica" de tantos de nós. Logo começou a minha boa sorte, de ter camaradas, subordinados e superiores que me ajudaram nesta caminhada de três anos pelos quartéis de Portugal e África.
Nesta caminhada de soldado-cadete, apareceu o Raul, que era da Mealhada, professor, com família constituida, e lá rumávamos todo Domingo para Mafra. O Raul era um gordo bem humorado, que fazia todos os exercícios como qualquer atleta, mas comer do rancho já era pedir muito, logo tratou de desarranchar e alugar apartamento, e lá fui eu "no vácuo". E assim foi-se amortecendo o choque da irreverência da Academia Coimbrã, com a disciplina do quartel.
Onde quer que estejas Raul, o meu muito obrigado!
Depois de uma recruta sem grandes altos e baixos, anúncio das especialidades. IOL, mas que raios será isso? e fui ouvindo as mais disparatadas interpretações dessa sigla enigmática. Até que uma alma caridosa explicou que IOL era a sigla de Informação, Observação e Ligação, teoricamente o Oficial que faria a ligação da Artilharia Divisionária com o Comando. Na prática tal como o PCT, Posto de Comando e Tiro, um puxador de cordão de obus.
E lá fomos nós, eu e o Raul , para Vendas Novas, lembro que num Domingó à noite, parámos no caminho, para ver a descida do homem na Lua.
Na EPA, havia dois pelotões, um de PCT e outro de IOL, e se não me falha a memória com entre 30 e 40 alunos somados os dois. O "Jornal da Caserna" informou que quem ficasse nos primeiros lugares duma lista conjunta não iria para África, como era costume. Menos gente, tratamento um pouco melhor, lembro o Tenente Carita, que penso hoje é Coronel Reformado de Artilharia e Professor na Universidade da Madeira. E lá fomos todos, fazendo o nosso melhor, para ficar por lá mesmo (Portugal). Na EPA encontrei o Vinagre de Almeida que tinha sido aluno do meu pai.
Fim de curso e começo do estágio de um mês na própria EPA, já Aspirantes, pelo menos não seríamos praxeados como soldados-cadetes nos quartéis de destino.
Resultados conhecidos, quarto lugar no curso, RAP 3 , Figueira da Foz, comecei a antegozar umas prolongadas férias à beira mar. Chegado ao RAP 3, vários Alferes de cursos anteriores, estava confirmado, minha "Guerra" seria nas areias do Atlântico, mas, do Atlântico Norte. Figueira da Foz, fora de temporada, fácil de alugar apartamento, quando perguntado qual a previsão, falei com segurança: dois anos.
Aí começaram as notícias, Fulano foi para a Guiné, Cicrano para Angola, até aí tudo normal, os últimos colocados sempre eram mobilizados. E a fila continuou andando, até que chegou no décimo colocado, e acendeu a luz amarela, mas ainda tinha seis na frente. Quando o Aspirante Conceição quinto colocado foi chamado, acendeu a luz vermelha, provável dar Atlantico Sul!
Deu Guiné, e lá fomos nós, eu e o Vinagre de Almeida, de barco rumo a Bissau. GA 7, e logo o "Jornal da Caserna", informou em "Primeira Página": Cuidado, o "Homem" é louco, desafiou até o General. O Homem em questão era o famoso "Paizinho", controverso Oficial Superior de Artilharia, com relacionamento díficil com subordinados, bem como com superiores (o General Spínola, tinha-o punido com pena de prisão e tinham um relacionamento tumultuado). Abordava a todos com um "Oh meu filho...", daí a alcunha, era também conhecido como "o Homem da voz meiga", contudo não era nada meigo na hora da punição.
Na semana seguinte à minha chegada, recebi uma ordem através de um oficial, para me apresentar em tal data no Palácio do Governo, sem mais explicações. Nada sabia, e nada pude responder às perguntas, que deviam ter sido feitas por ordem do "Paizinho".
Apresentei-me, na data marcada (não era louco!), por acaso encontrei um conhecido de Coimbra que era Chefe de Gabinete, só disse que o General ia falar comigo. Acalmei, somente quando soube que o General e meu pai tinham amigos comuns, e que ele tinha-me chamado para me dar as boas vindas, e mais não disse. Sim Senhor, Meu General!
Ora o Homem não gostou nada, que o General, com tinha péssimas relações, tivesse chamado um Oficial do seu Comando, sem nada saber. Penso eu, como "prémio", escolheu o pior buraco disponível, que no momento era Gadamael Porto, e lá fui, trocando as "férias" da Figueira da Foz, por aquelas outras à beira do Rio Sapo.
De novo a sorte me acompanhou com relação aos superiores, a quem o comando do 23° Pelart estava subordinado: (Repetindo o que já disse anteriormente),
"Cheguei a Gadamael Porto, lá por meados de 70 para assumir o comando do 23° Pelart, encontrei uma Companhia em fim de comissão, comandada pelo experiente, então Capitão de Artilharia Rodrigues Videira, que me muito me ajudou nos primeiros tempos em zona de guerra.
A CAMINHO DE GADAMAEL... Ou como a acção de meu pai e a reação do "Paizinho" me levaram lá.)
Caros Luis Graça/ Carlos Vinhal,
Estas mal traçadas linhas são a minha modesta homenagem à vossa coragem e determinação, para trazer à luz do dia, e administrar, tantas emoções de uma geração, guardadas lá no fundo do subconsciente (Valha- nos "São" Lacan!!!), moderando magistralmente tantas visões de uma realidade multifacetada.
É também uma oportunidade para eu agradecer a todos que me ajudaram a chegar de volta ao Aeroporto da Portela. Não poderia deixar de agradecer também a Maria Helena, que me acompanhou nos anos "pós-Guerra", e criou meus filhos.
Saí de Portugal, ainda no mesmo ano de 72, em que voltei da Guiné, e por aí vou andando até esta data, sou um desses milhões da multissecular diáspora Lusitana, que deve ter começado lá pelo século XV, quando as caravelas jogavam em terra os "lançados", que tinham pegado nas ruas ou tirado das prisões, para na volta servirem de "linguas".
A Artilharia da Guiné era de rendição individual, para oficiais, sargentos e alguns especialistas, sendo soldados e cabos da guarnição local, inexistindo posteriormente essas reuniões que vão alimentando o espírito de corpo, das Companhias e Batalhões. Dificultado o contacto com os camaradas,esses três anos de serviço militar vão ficando no fundo do "baú de recordações".
Após um acidente de automóvel recente, que me obrigou à recuperação em casa , conheci o blog. Então, como a história é mais benevolente com quem a escreve, ousei rabiscar este meu, "A CAMINHO DE GADAMAEL".
Eu venho lá da Bairrada pofunda, que na década de 50 era mais conhecida como terra da batata, ao invés de terra do vinho, o vinho ainda se vendia a granel. Apesar de haver registro de vinhas na região no século XII, a região sofreu por muitos anos da determinaçao do Marquês de Pombal de as arrancar.
O meu pai vinha de um grupo familiar, que se poderia enquadrar no que Gramsci apelida de "intelectuais rurais"; a escola de Samel no fim do século XIX começo do XX, era na casa do meu avô, sendo ele professor, como o foram meu pai e meus tios.
Meu avô materno era filho de comerciante e, como seus irmãos, emigrou para o Brasil, e ao contrário deles voltou a Portugal, no fim da primeira década do século XX, casou com uma professora, que era duma família profundamente ultramontana, originária da Madeira.
A minha infância e adolescência foi passada em escolas da região, seguida de uma passagem de cinco anos pela efervescente cena Coimbrã da segunda metade da década de 60.
Em 69, saí desse "borbulhar" de novas ideias e atitudes, para a disciplina EPI na "Máfrica" de tantos de nós. Logo começou a minha boa sorte, de ter camaradas, subordinados e superiores que me ajudaram nesta caminhada de três anos pelos quartéis de Portugal e África.
Nesta caminhada de soldado-cadete, apareceu o Raul, que era da Mealhada, professor, com família constituida, e lá rumávamos todo Domingo para Mafra. O Raul era um gordo bem humorado, que fazia todos os exercícios como qualquer atleta, mas comer do rancho já era pedir muito, logo tratou de desarranchar e alugar apartamento, e lá fui eu "no vácuo". E assim foi-se amortecendo o choque da irreverência da Academia Coimbrã, com a disciplina do quartel.
Onde quer que estejas Raul, o meu muito obrigado!
Depois de uma recruta sem grandes altos e baixos, anúncio das especialidades. IOL, mas que raios será isso? e fui ouvindo as mais disparatadas interpretações dessa sigla enigmática. Até que uma alma caridosa explicou que IOL era a sigla de Informação, Observação e Ligação, teoricamente o Oficial que faria a ligação da Artilharia Divisionária com o Comando. Na prática tal como o PCT, Posto de Comando e Tiro, um puxador de cordão de obus.
E lá fomos nós, eu e o Raul , para Vendas Novas, lembro que num Domingó à noite, parámos no caminho, para ver a descida do homem na Lua.
Na EPA, havia dois pelotões, um de PCT e outro de IOL, e se não me falha a memória com entre 30 e 40 alunos somados os dois. O "Jornal da Caserna" informou que quem ficasse nos primeiros lugares duma lista conjunta não iria para África, como era costume. Menos gente, tratamento um pouco melhor, lembro o Tenente Carita, que penso hoje é Coronel Reformado de Artilharia e Professor na Universidade da Madeira. E lá fomos todos, fazendo o nosso melhor, para ficar por lá mesmo (Portugal). Na EPA encontrei o Vinagre de Almeida que tinha sido aluno do meu pai.
Fim de curso e começo do estágio de um mês na própria EPA, já Aspirantes, pelo menos não seríamos praxeados como soldados-cadetes nos quartéis de destino.
Resultados conhecidos, quarto lugar no curso, RAP 3 , Figueira da Foz, comecei a antegozar umas prolongadas férias à beira mar. Chegado ao RAP 3, vários Alferes de cursos anteriores, estava confirmado, minha "Guerra" seria nas areias do Atlântico, mas, do Atlântico Norte. Figueira da Foz, fora de temporada, fácil de alugar apartamento, quando perguntado qual a previsão, falei com segurança: dois anos.
Aí começaram as notícias, Fulano foi para a Guiné, Cicrano para Angola, até aí tudo normal, os últimos colocados sempre eram mobilizados. E a fila continuou andando, até que chegou no décimo colocado, e acendeu a luz amarela, mas ainda tinha seis na frente. Quando o Aspirante Conceição quinto colocado foi chamado, acendeu a luz vermelha, provável dar Atlantico Sul!
Deu Guiné, e lá fomos nós, eu e o Vinagre de Almeida, de barco rumo a Bissau. GA 7, e logo o "Jornal da Caserna", informou em "Primeira Página": Cuidado, o "Homem" é louco, desafiou até o General. O Homem em questão era o famoso "Paizinho", controverso Oficial Superior de Artilharia, com relacionamento díficil com subordinados, bem como com superiores (o General Spínola, tinha-o punido com pena de prisão e tinham um relacionamento tumultuado). Abordava a todos com um "Oh meu filho...", daí a alcunha, era também conhecido como "o Homem da voz meiga", contudo não era nada meigo na hora da punição.
Na semana seguinte à minha chegada, recebi uma ordem através de um oficial, para me apresentar em tal data no Palácio do Governo, sem mais explicações. Nada sabia, e nada pude responder às perguntas, que deviam ter sido feitas por ordem do "Paizinho".
Apresentei-me, na data marcada (não era louco!), por acaso encontrei um conhecido de Coimbra que era Chefe de Gabinete, só disse que o General ia falar comigo. Acalmei, somente quando soube que o General e meu pai tinham amigos comuns, e que ele tinha-me chamado para me dar as boas vindas, e mais não disse. Sim Senhor, Meu General!
Ora o Homem não gostou nada, que o General, com tinha péssimas relações, tivesse chamado um Oficial do seu Comando, sem nada saber. Penso eu, como "prémio", escolheu o pior buraco disponível, que no momento era Gadamael Porto, e lá fui, trocando as "férias" da Figueira da Foz, por aquelas outras à beira do Rio Sapo.
De novo a sorte me acompanhou com relação aos superiores, a quem o comando do 23° Pelart estava subordinado: (Repetindo o que já disse anteriormente),
"Cheguei a Gadamael Porto, lá por meados de 70 para assumir o comando do 23° Pelart, encontrei uma Companhia em fim de comissão, comandada pelo experiente, então Capitão de Artilharia Rodrigues Videira, que me muito me ajudou nos primeiros tempos em zona de guerra.
"Logo em seguida veio uma Companhia de Infantaria, comandada pelo saudoso Capitão de Infantaria Assunção Silva, morto em combate, generoso e intrépido oficial , que foi substituído pelo então capitão de Artilharia António Carlos Morais Silva, sobre o qual já falei neste blog, como um dos mais brilhantes Oficiais do Exército Português que conheci, nos meus três anos de serviço".
O mesmo devo dizer dos Sargentos, dedicados e leais:
"O Furriel Miliciano de Artilharia, Lopes de Oliveira, foi professor dos soldados, e além de ser um esforçado cozinheiro, montou uma sofisticada logística, para garantir o abastecimento de carne e peixe com o pessoal da tabanca, e o Furriel Miliciano de Artilharia Krus coordenava com eficiência a atividade operacional do Pelotão".
Assim, pois, a conjugação da acção do meu pai, com a reação do "Paizinho", me levou até Gadamael Porto.
Cordiais saudações, VP
_____________________
Nota do editor:
Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10525: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (1): Uma história do artilheiro de Gadamael, à beira da peluda, no 'bem-bom' de São Domingos...
O mesmo devo dizer dos Sargentos, dedicados e leais:
"O Furriel Miliciano de Artilharia, Lopes de Oliveira, foi professor dos soldados, e além de ser um esforçado cozinheiro, montou uma sofisticada logística, para garantir o abastecimento de carne e peixe com o pessoal da tabanca, e o Furriel Miliciano de Artilharia Krus coordenava com eficiência a atividade operacional do Pelotão".
Assim, pois, a conjugação da acção do meu pai, com a reação do "Paizinho", me levou até Gadamael Porto.
Cordiais saudações, VP
_____________________
Nota do editor:
Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10525: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (1): Uma história do artilheiro de Gadamael, à beira da peluda, no 'bem-bom' de São Domingos...