1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 17 de Julho de 2011:
Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena história sobre as minhas andanças pela Guiné. Tenho a certeza que a sua leitura despertará reacções e emoções desencontradas. Isso é precisamente o meu objectivo ao abrir um livro que é por demais íntimo.
Deste episódio e do seu desenlace último nunca me arrependi. Preparou-me para outras oportunidades bem mais difíceis que esta. Um dia, se possível, lá chegarei.
Ainda hoje, quando lembro deste desencontro sexual da minha vida na Guiné, dá para um sorriso. Afinal já sou um sexa e posso dar-me ao luxo deste tipo de indulgência.
Um abraço muito amigo para ti e para os camaradas que tiram o seu tempo para lerem estas pequenas coisinhas.
José Câmara
Memórias e histórias minhas (26)
A minha primeira vez
Nos anos sessenta, a juventude açoriana, cercada por princípios de ordem moral e religiosa e ainda pela pequenez do meio onde toda a gente sabia tudo, tinha que ter muito resguardo sexual. Nas ilhas, raparigas namoradeiras ficavam quase sempre solteiras e os rapazes sujeitavam-se a nunca serem pais.
Era na tropa que muitos mancebos, saídos do seu ambiente habitual, tinham a sua primeira experiência sexual com elemento do sexo oposto. Para os que o conseguiam era o esvaziar de um sonho tantas vezes recalcado ao longo das suas vidas ainda jovens.
Como açoriano prezado que era dos meus princípios sociais e religiosos também passei por essa sede recalcada durante os anos da minha juventude. Já na tropa nem Tavira, Funchal ou Angra do Heroísmo me proporcionaram as oportunidades de saciar a sede sexual. Confesso que também não as procurei.
Foi na Guiné, mais propriamente em Teixeira Pinto, que surgiu a grande oportunidade. E que oportunidade!
Andava eu pela Mata dos Madeiros quando tive que me deslocar a Bissau para ser vacinado contra a febre-amarela e marcar a minha passagem para ir de férias aos Açores.
Por motivos alheios à minha vontade tive que desistir desta passagem. No ano de 1971 acabei por não gozar as férias a que tinha direito.
A escolta a Bissau para além de ser muito perigosa, sobretudo o troço entre os quartéis do Pelundo e Bula, era extremamente cansativa. Tínhamos que pernoitar em Teixeira Pinto encostados a uma parede qualquer ou no assento do unimog, um luxo para quem estava habituado a dormir na terra todos os dias. No regresso conforme a hora da chegada a Teixeira Pinto podíamos pernoitar ali, mas quase sempre íamos fazê-lo ao quartel do Bachile. Este ficava muito mais perto do acampamento. Isso facilitava a vida daqueles que tinham que avançar para o mato logo à chegada.
Sobre a deslocação a Bissau escrevi um aerograma à minha madrinha de guerra:
“Mata dos Madeiros, 7 de Junho de 1971
Este aerograma será para umas breves notícias. Hoje de manhã vim do mato e daqui a pouco vou para Bissau. Devo regressar depois de amanhã. Vou ao hospital civil levar a vacina contra a febre-amarela; preciso de a ter para quando for de licença. Também irei à Agência de Viagens.”
Chegados que fomos a Teixeira Pinto, enquanto aguardávamos pela hora do recolher para um merecido descanso, eu e o Fur Mil APes Manuel Lopes Daniel fomos dar uma volta pela avenida principal desta vila. Foi durante esse passeio que surgiu a ideia de irmos à procura de mulher que quisesse partir catota.
Se bem pensamos, só haveria que saber onde. Não faltaria quem nos informasse o que de melhor podíamos ter por aquelas paragens.
Beldade manjaca junto a um poilão (Edição da Confeitaria Império - Bissau)
Um dos nossos informadores apontou-nos uma casa que ficava para além de um café muito frequentado pela tropa, que ficava ao fundo da avenida e no enfiamento para Bassarel. Segundo a informação as frutas eram um pouco verdes, lindas, doces. Rematou que eram de gritos, apitos e de se chorar por mais.
Estava lançado o ambiente que nós, quais bezerros cheios de testosterona, desejávamos e precisávamos.
Tratava-se de duas irmãs jovens segundo a nossa informação. Para azar meu apenas estava uma e o Daniel tinha-se adiantado à porta. Desapareceu por ela, enquanto me preparei para aguardar.
Raios! O Daniel já de volta assim como quem entra por uma porta e sai pela outra. Nem à mão, sem menosprezo algum para esta anciã ferramenta, se conseguiria ser tão rápido. Logo compreenderia o porquê de tamanha façanha.
Ao entrar à porta deparei com uma mulher, a mãe da jovem, a cobrar o
capim. Não me lembro quantos pés do dito me pediu. Na escuridão da casa era possível ver-se a um canto uma porca a amamentar bacorinhos; crianças dormiam profundamente numa cama e debaixo desta estavam cachorrinhos às turras com as mamas da mãe cadela.
A jovem, a grande razão de eu estar ali, disse-me que tinha apenas 16 anos; manjaca, negra luzidia, linda, convidativa, disposta ou obrigada à prostituição, num ambiente impressionante.
Rapariga Manjaca lavando roupa (Bassarel)
O peito encheu de ar, latejante o coração falou mais alto.
Meu Deus, eu ainda tinha princípios morais que nada conseguira destruir até então. Bem presentes estavam os conselhos maternos de afectividade e conduta social: nunca esquecer que tinha irmãs, não fazer pouco das filhas de ninguém, que os homens usavam calças por alguma razão.
Foi então que me apercebi que nada do que estava ali a viver tinha a ver com os meus sonhos tantas vezes acalentados. Voltei as costas. Ainda não seria desta vez que me iria prostituir.
Com o Daniel segui em direcção ao quartel. Cada um de nós embrenhado no pensamento da experiência acabada de viver.
No dia seguinte, muito cedo pela manhã, seguimos para Bissau. Nesta cidade fui tratar dos assuntos que ali me levaram. Para além disso, eu tive a oportunidade de visitar o meu grande amigo do Liceu Nacional da Horta, o Alf Mil Art. Eduardo Manuel da Silva Camacho, acabado de chegar à Guiné com a esposa Filomena. Como não podia deixar de ser, este casal, fresquinho da boda, andava, disseram-me eles, apanhadinho pelo clima.
Pudera, eu também andava, só que por uma razão muito diferente: a falta dele. Do clima pois claro!
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 28 de Junho de 2011 >
Guiné 63/74 - P8479: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (25): Abençoada chuva que tanto tardaste