terça-feira, 6 de maio de 2014

Guné 63/74 - P13107: (Ex)citações (231): O PAIGC também uma vez, em junho de 1968, "arrasou o campo fortificado de Mansambo" e "matou dezenas de soldados colonialistas", segundo a Maria Turra... Nós éramos apenas... 50 a defender-nos!.. Houve 2 feridos que não figuraram sequer no relatório: o 1º cabo cozinheiro, que se queimou na G3, e eu que me queimei no mort 60... (Torcato Mendonça, ex-alf mil, CART 2339, 1968/69)


Fotos Falantes III, nº 11 [O Torcato Mendonça é o segundo a contar da direita]



Fotos Falantes III, nº 3 [O memorial da CART 2339 no seu início]


Fotos Falantes III, nº 8 [O memorial da CART 2339 depois de completada a sua construção, incluindo o livro com os mortos da companhia]


Fotos Falantes III, nº 13 [ A célebre árvore que servia de mira para os artilheiros do PAIGC, 
e que um, dia teve de ser sacrificada.,..]


Fotos Falantes III, nº 5 [O espaldão do obus 10.5]




Fotos Falantes III, nº 6 [O Torcato Mendonça junto ao obus 10.5]



Fotos Falantes III, nº 12


Fotos Falantes III, nº 14


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339, Os Viriatos (1968/69) > Fotos Falantes III > O "campo fortificado" de Mansambo, segundo a Maria Turra...


Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.[Edição: LG]


1. Excerto de um comentário do Torcato Mendonça, um dos "históricos" do nosso blogue, ao poste P13103 (*)

(...) Eu concordo com estes arquivos e todo o tratamento que lhes é dado, conducente, claro está, a uma análise futura correcta e o mais próxima da verdade. Isto aqui publicado é falso, creio eu. Logo devia ser escrito "Propaganda IN".

Os tipos disseram, na Rádio que creio estava em Conackry, terem arrasado o "campo fortificado" de Mansambo, morto dezenas de soldados colonialistas (estavam lá cerca de 50), destruido máquinas e viaturas (2 Unimogs 404 e 411) e etc. Não fizeram nada disso: dois feriditos - o cabo cozinheiro que se queimou na G3, e eu que me queimei no morteiro  60 (não ficámos a constar do relatório). (**)

Estes trapaceiros mentiam em 1963, 1973, 1983 e continuam a mentir. Não só, não só. Uma das mentiras é: "Nada temos contra o povo português, temos é contra os colonialistas"...Mentira. (...)

A propaganda deve ser tratada como tal. Falsa, mentirosa e perigosa porque sempre algo, dessa falsidade,  fica (, já dizia o Mao Tsé Tung).

O ódio do PAIGC ao "campo fortificado" de Mansambo deve-se a esse arraial de porrada que eles lá levaram e a um "internacionalista" cubano [, em junho de 1968,]  ter levado com um dilagrama no traseiro (deixou lá metade do cinto, o coldre e a Ceska)...

Obrigado, Luís,  por te teres preocupado pela minha saúde. Vai bem mas não se recomenda...são quase 70 e muitas costuras....Eu não tenho estado cá há muito tempo ?...Nem tanto assim. mas o suficiente para ter "isto entupido" e vou lentamente lendo... Oxalá (Insha'Allah) que a tua recuperação esteja óptima, mas tem cuidado, estou sempre presente no Blogue e com estes bons camaradas. (***)

Abraço-te, T.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13103: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (11): Comunicado de Osvaldo Vieira, sobre a atividade operacional do PAIGC, nos dias 30 de junho e 1, 2, 3, 5, 6 e 10 de julho de 1963, na região do Oio, incluindo Bissorã, Dandu, Olosssato e Fajonquito, em que se contabilizariam... 116 mortos entre os soldados portugueses, quase 3 vezes e meia mais do que o total dos nossos mortos em combate nesse ano (n=34)...

(**) Vd. poste de 8 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9582: Nós da memória (Torcato Mendonça) (13): Mansambo - Fotos falantes IV

(...) Meses depois a nossa Companhia, no meio daquele nada, deu inicio à construção de aquartelamento. Um grupo, depois outro e um dia, meses depois, estávamos lá todos.

O IN (inimigo de então), atacou, barafustou, conseguiu fazer alguns estragos e nada conseguiu. Claro que a rádio em Conakry noticiou mortos e feridos, destruições tamanhas que, a serem verdade, davam para aniquilar um Batalhão. Propaganda. Era engraçado ouvir e vê-los a espreitar na orla da mata.

Eles sofreram mortos e feridos e, depois da chegada dos obuses 10.5 nunca mais atacaram de muito perto.

Confirmado por eles através de elementos capturados. Um, parece ter sido um cubano a quem foi apanhado meio cinturão e coldre e pistola Ceska (Jun/68). Outro cubano comandou a emboscada à fonte (Set/68). Sofremos dois mortos e alguns feridos. Baixas a mais, foi mau, demasiado mau.

Um dia, seis anos depois, a última Companhia saiu de lá. O ódio do IN veio ao de cima e a destruição foi total. Restam hoje, segundo fotos de camaradas que por lá passaram, pequenas recordações.

Certo é que se acredite ou não, os espíritos vagueiam por lá. Para eles o meu abraço de respeito a quem, de um lado ou de outro da contenda,  deu o máximo dele – a vida. (...)


Guiné 63/74 - P13106: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte IV : A vida em campanha (cont.), e a alegria do regresso e dos convívios (Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor inf ref)



1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte IV (Cap Inf Silvino R. Silva, hoje cor ref)


Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do livro editado pelo 1º ex-cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp,  inumeradas, de fotografias).  Esta publicação é uma obra coletica, feita com a participação de diversos ex-militares da companhia (oficiais, sargentos e praças). As primeras 25 páginas são do cap Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor ref.

A brochura chegou-nos digitalizada através do Luís Nascimento (que também nos facultou um exemplar em papel e que, até ao momento, é o único representante da CCAÇ 2533, na nossa Tabanca Grande).  Temos autorização do editor e autores para dar a conhecer, a um público mais vasto de amigos e camaradas da Guiné, as andanças do pessoal da CCAÇ 2533, que esteve em  Canjambari e Farim, região do Oio, estando na dependência do BCAÇ 2879, o batalhão dos Cobras, cuja história já aqui foi publicada pelo nosso camarada e amigo Carlos Silva, carinhosamente tratado por "régulo de Farim".

Recordo, por outro lado, que as nossas duas companhias, a minha CCÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12), e a CCAÇ 2533, do Sidónio Ribeiro da Silva, do Joaquim Lessa e do Luís Nascimento, viajaram, juntas no mesmo T/T, o Niassa, em 24 de maio de 1969, e regressaram juntas, a 17 de março de 1971, no T/T Uíge!... Ah! uma fantástica coincidência!...

Publicamos agora a parte correspondente às pp. 17 a 26, onde o ex-cap inf Sidónio R Silva continua a falar de diversos aspetos da "vida em campanha" da sua companhia, a "33": (x) as transferências por motivo disciplinar; (ii) o comando operacional (COP); (iii) as baixas (mortos e feridos); (iv) a transferência para Farim, sede de batalhão, ao fim de 14 meses; (v) a evocação, emocionada, do malogrado alf mil António da Fonseca Ambrósio, morto em combate em 21/12/1970, no famigerado corredor de Lamel...

E por fim, o tão desejado regresso à metrópole e, depois, os convívios anuais da companhia. E termina com um "epílogo", em que se faz o balanço dos dois an os vividos em comum. Deixem-me destacar o último parágrafo do autor: "Para terminar reafirmo o orgulho e o privilégio que tive em comandar tão valorosos cidadãos para um Serviço - leia-se Sacrifício - que os políticos nos indicaram ser necessário para bem da nossa Pátria... Para sempre o vosso Capitão (...)".

Bolas, este homem (e camarada, uma vez que foi um comandante operacional) merece sentar-se à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande. Agora sou eu que insisto em repetir o convite já feito há dias: "caro capitão, aliás, coronel, seria um orgulho e um privilégio tê-lo aqui, plenamente integrado no batalhão da Tabanca Grande!"... (LG)


A VIDA EM CAMPANHA (cont)






















Cortesia de Sidónio Ribeiro da Silva (ex-comandante da CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71), do Joaquim Lessa e do Luís Nascimento

(Continua)
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Nota do editor:

Postes anteriores da série:


18 de abril de 2014> Guiné 63/74 - P13005: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte II: Embarque e as primeiras impressões do aquartelamento e tabanca (Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor inf ref)

16 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12998: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte I: A minha nomeação para comandante da companhia (Sidónio Ribeiro da Silva, hoje cor inf ref)


Guiné 63/74 - P13105: Os Nossos Regressos (31): O meu regresso prematuro por doença (Joaquim Cardoso)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 29 de Abril de 2014:

Caríssimo amigo Carlos Vinhal
Completando-se no próximo mês de maio, 40 anos do meu regresso da Guiné, eis-me aqui a dar-te de novo trabalho, enviando-te este texto, que descreve o que ainda consigo ler no meu arquivo neurológico, relativamente ao referido regresso.
Sem mais, para ti Carlos Vinhal e toda a tertúlia, um grande abraço.
J. Cardoso


O meu regresso prematuro da Guiné

Foi em meados do mês de abril de 1974.
Passados que foram 40 anos, não recordo o exato dia da semana nem a quantos dias do referido mês, porém, tomando como ponto de referência o 25 de abril, em que, quando este acontece, tinha sido hospitalizado há cerca de uma semana, presumo que rondasse o dia 20, somando por isso nessa altura, 20 meses de Gabu - Nova Lamego.

Pelas 14 horas de um desses dias, foi-me diagnosticada uma hepatite e, uma ou duas horas depois, fui evacuado para o Hospital Principal de Bissau num avião Nordatlas que se encontrava ocasionalmente estacionado na pista de Nova Lamego. A hora da descolagem do avião, aligeirou os meus preparativos de partida, seguindo com a farda que na altura envergava e, na mala de viagem, mais algumas peças de roupa militar, alguma roupa civil e, umas pequenas lembranças que havia adquirido na área.

Apesar de me encontrar em estado muito débil, (o meu peso rondava os 48 kg), pensava regressar a Nova Lamego, mas efetivamente não regressei!

Concluída a viagem, dei entrada no Hospital ao anoitecer, tendo sido colocado imediatamente a soro e, posteriormente fiquei a cumprir receituário.
Alguns dias depois de ter sido internado, ouvem-se notícias de um golpe de estado na Metrópole provocado por militares revoltosos que haviam destituído o Governo de Marcelo Caetano, e tomado o poder.
Era a revolução dos cravos, o 25 de abril, a implantação da Democracia em Portugal.

Após cerca de três semanas de internamento, numa consulta de rotina, o médico pergunta-me se estaria interessado em regressar à Metrópole! A esta pergunta fui tentado a responder com outra, perguntando se aquela, era pergunta que se fizesse! Mas, depois de uma breve pausa, inferi qual a razão por que a fez.

O médico informou-me que, devido à nova situação na Metrópole, estavam a facilitar o regresso dos militares hospitalizados com casos mais complicados, por ali haver cada vez menos condições para os tratar. Aceitei de imediato. No dia 18 de maio, embarquei em Bissau num avião 727 dos TAM de regresso a Lisboa, onde cheguei ao fim da tarde.

Tal como havia acontecido na ida, viajei isolado dos meus camaradas. Na ida, viajei mais tarde cerca de um mês, por motivos por mim desconhecidos. Na volta, viajei mais cedo, por doença, ou seja: fui mais tarde e vim mais cedo em relação aos meus camaradas.

Após a chegada a Lisboa, foi servido o jantar aos presentes num refeitório algures nas redondezas. O prato que escolhi tinha como condimento o azeite e, quando me preparava para começar a jantar, uma das senhoras do Movimento Nacional Feminino que acompanhavam e davam apoio, abeirando-se de mim, perguntou qual era o meu problema de saúde, uma vez que estava muito magro e amarelo! Quando respondi que estava com hepatite, a senhora pretendeu retirar-me o prato, dizendo, muito aflita que, com tal doença, não poderia comer gorduras, como era o caso e, que me serviria um prato diferente.

- Não se incomode - disse - Deixe-me comer que este é meu prato preferido e, se isto me faz mal, o que comi na Guiné já me tinha morto há muito tempo!

A senhora insistia com os seus argumentos, e eu contrariava com os meus, acabando ela finalmente por desistir.

Terminada a refeição, fomos transportados em autocarro para os diversos destinos. Durante a viagem vi, claramente visto e não presumo, (como dizia o poeta), o que jamais havia visto, o entusiasmo, para não dizer loucura, de pessoas anónimas que nas diversas ruas por onde ia passando o autocarro militar, batiam palmas, faziam com os dedos o V de vitória etc.
Sentia-se que a revolução estava em marcha, e era notório o sentimento carinhoso do povo para com o MFA!

Fiquei internado no HMDIC (Hospital Militar de Infeto-Contagiosas). Ali, senti a enorme diferença nos tratamentos administrados, em comparação com os do Hospital de Bissau.
Na Guiné não me recordo se alguma vez comi algo à base de dieta. No HMDIC, todas as refeições eram confecionadas nessa base, nada de gorduras e, a tomar soro em permanência.

Ao terceiro dia de internamento aconteceu-me o que na Guiné seria considerado normal, mas que, enquanto lá permaneci, nunca me tinha acontecido, um ataque de paludismo!
Passei cerca de 2 dias como que em estado de emergência. Recomposto deste último susto, ali continuei internado, e ao fim de um mês e meio, aproximadamente, fui transferido para o Hospital da Estrela, onde estive cerca de um mês. Dali, segui para um Quartel de Adidos, na Graça, para convalescença, indo a partir daí ao Anexo fazer as várias análises.

Após uma junta médica realizada no Hospital da Estrela, cito o que consta na minha caderneta militar:
Por despacho de 22 de outubro, foi confirmada a opinião da SHI (?), reunida no HMP em 27 de setembro, tendo sido julgado pronto para todo o serviço! (Fim de citação).

Regressado a casa após tão redutora sentença, alguns dias depois fui fazer o espólio ao RI 15 em Tomar. Ao entregar cerca de metade da roupa que me tinha sido distribuída, o militar do armazém perguntou pelo que faltava. Respirando nessa altura já ares de um país em liberdade, respondi-lhe com ironia que, nada mais tinha para entregar por ter vindo evacuado da Guiné, mas que aguardasse que era provável que um dia chegasse pelo correio!
E para admiração minha, chegou mesmo!
Não pelos Correios, mas pelos Caminhos de Ferro. Mais de 1 ano depois de ter regressado, recebi um postal da CP, avisando-me que na estação de Vila Meã, tinha uma encomenda para levantar.

Embora de nada estivesse à espera, compareci e, foi-me entregue a respectiva encomenda. Tratava-se de um caixote em madeira, com cerca de 70×70 centímetros, remetida pelo Ministério do Exército.

Duvidando que fosse eu o destinatário da dita, ali mesmo e na presença do chefe da estação, se retiraram duas tábuas ao referido caixote, para se verificar o que continha. E o que continha, era roupa militar. Mas nada que se estivesse em boas condições, que eu pudesse usar, dadas as suas dimensões, muito menos em farrapos como era o caso.

No meio de toda aquela miséria, a única peça que se "salvou", foi um quico camuflado, dado a um amigo, a seu pedido que, querendo ser figurante militar por momentos, o colocou na cabeça, batendo a pala ao pessoal presente.
De seguida, solicitei ao chefe da estação o favor de se dignar mandar colocar toda aquela farrapada no lugar correspondente, (caixote do lixo), ficando complementado desta forma o espólio respetivo.

Peluda... Regresso à vida civil.

 Nova Lamego - Eu junto ao obelisco da CCS do BArt 6523

Nova Lamego - Mostrando a nossa musculatura, o camarada Graça à esquerda, ao centro o António Santos e eu à direita.

Nova Lamego - Eu de guarda redes, que não era a minha posição em tempos de bola, e o António Santos, amigo inseparável, a rematar em tribela. Não me recordo se deu golo.

 Nova Lamego - Eu junto ao obelisco do pessoal das Daimlers.

Nova Lamego - Eu à direita com o António Santos, junto à porta do Centro de mensagens e Posto de Rádio onde fazíamos serviço.

Nova Lamego - Parte da equipa de futebol. Na fila de cima, só recordo o nome de dois: o Morim ao centro de camisola encarnada e à direita o António Santos. Em baixo, à esquerda: eu, o Pereira, o Cunha e o Graça. 

Castelões - Penafiel, aos 29 dias do mês de abril de 2014

J. Cardoso
Ex-Soldado TRMS
Nova Lamego - Guiné
1972/74
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12978: Os Nossos Regressos (30): A nossa vinda foi, em Abril, há 40 anos (Jorge Araújo)

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13104: Estórias do Juvenal Amado (51): Amendoins e bajudas, cheiros antigos

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 28 de Abril de 2014:

Carlos e Luís
Cá vai mais uma historieta.
Mando algumas fotos de bajudas de Galomaro mas se alguma delas for a Jarulema será a que vai a na 1ª foto a cores. Parece-me ela mas não tenho a certeza.

Um abraço
Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL

51 - AMENDOINS E BAJUDAS, CHEIROS ANTIGOS

Tem estado um clima pouco amistoso. Com chuva e algum frio, mas fazendo jus ao ditado que diz que Abril tira e põe a velha no covil, só fica admirado quem não compra o Borda D´Água, ou não se lembra dos ditados antigos. Mas não é sempre assim e intercalado nesses dias pouco convidativos, tem aparecido um aqui e outro ali, que nos faz despir o casaco.

Hoje foi um desses dias e é de dele que eu venho falar.
Está um dia claro e solarengo bem apetecível e há muito desejável. Sempre que posso saio de casa no meu passeio, passo pela rotunda Sul sigo pela Alameda do Santuário, ultrapasso-o e finalmente do lado Norte existe uma praça com várias esplanadas agradáveis e bastante convidativas.

Sentei-me na esplanada com vontade de beber uma imperial. Passa-se tempos sem que beba, mas hoje veio-me aquele desejo irresistível de beber uma e vai daí passei da vontade ao acto.
Chamei o empregado, pedi uma imperial e juntamente trouxesse também uns amendoins para fazer peito.

Passado um bocado lá chega ela loira, transbordante e a acompanhá-la, vem a decepção na figura de um pequeno saco onde se lia “amendoins com mel, sal e piri-piri” em vez dos com casca tão simples, tão honestos, tão usuais em qualquer sítio que se preze, pelos menos há algum tempo.
Perguntei se não havia doutros! O empregado num português lá dos lados do Brasil disse-me que não e que se eu quisesse, também havia uns pacotinhos de caju com o mesmo tempero ou parecido. Disse-lhe que deixasse estar, pois teria que ser mesmo com aqueles que eu iria matar o desejo. Mas nestes amendoins processados industrialmente, se não estou em erro por empresas espanholas, não há o encanto de descascá-los, soprar as finas películas que ainda os envolvem e só depois trinca-los, sentir o estaladiço crocante deles bem torrados sem mais temperos.

Parte do prazer de comê-los está aí, faz parte do vício, assim dizia o meu avô Lino, quando parava o que estava a fazer, calmamente tirava a onça de tabaco do bolso com as respectivas mortalhas e fazia o cigarrito, saboreando o momento mesmo antes do acender. Também eu fumei e muitos anos, tentei combater o vício fazendo como ele fazia, mas não me valia de nada pois os hábitos e a vida agitada, ditavam a rapidez com que eu os fumava por vezes acendendo-os uns nos outros. Por graça dizia então que era para poupar nos fósforos. Enfim uma estupidez.

Mas os amendoins e a imperial fizeram-me voltar atrás mais de quarenta anos, quando na Guiné ansiava por uma. Que eu soubesse só havia um local em Bissau que servia cerveja a copo e por isso mesmo ainda hoje, opto sempre por beber uma, em vez da tradicional cerveja em garrafa.
Em Galomaro, todos os dias por volta das cinco horas da tarde, juntamente com as lavadeiras, vinha a Jarulema da “mancarra” com a dita dentro de uma cesta de verga larga e rasa, que era comum as mulheres usarem para vários dos seus afazeres. Era uma bajuda de mama firme, muito sorridente, olhos marotos, mas que era do tipo toca e foge. Quero eu dizer com isto, que ela prometia o Céu mas não se passava da terra. Aquando de alguma aproximação de algum soldado mais assanhado, ela sabiamente lá ia desviando as mãos dos mais afoitos e ia vendendo o amendoim que ela própria torrava.
Enquanto para nós a mancarra era divertimento, para os naturais da população ela era a vida como se poderá assim dizer. Pelo caminho ficavam os soldados, que fazendo uso de um charme rasteiro e de mau gosto, eram pura e simplesmente afastados do seu convívio e mimoseados com uns palavrões ditos nas duas línguas, com o devido encaminhamento para as mães e pais, senão para toda a família.

Binta, a bajuda mais bonita de Galomaro e arredores

Com a devida vénia a José F.S. Ribeiro do BCAÇ 2912

Com a devida vénia a Manuel Madeira Guerreira do BCAÇ 2912

Ainda hoje é melhor cair em graça, do que ser engraçado lá diz o ditado e assim uns com mais jeito e falas mais mansas, podiam aproximar-se dizer-lhe coisas, que a levariam aos arames ditas por outros. Tinha fama de já não ter cabaço. Fama que já vinha das “más línguas” da companhia 2912 aquando da nossa chegada.
Feitas as apresentações às lavadeiras e à Jarulema, a tal fama passou da boca dos desejosos, espalhou-se pelos invejosos do 3872 qual “pústula” passou a bajuda a padecer. Não sei se era verdade ou não, mas ela por vezes ria-se com os nossos avanços, naquele jogo de sedução que nos deixava assim como arrebitados, mas que nunca esclarecia as dúvidas.
Ficávamos com a água na boca e os amendoins para enxugarmos umas Cristais, se os comprássemos, senão nem isso.

Porta de armas de Galomaro - Juvenal Amado, José Manuel e Confraria

Passados alguns meses, correu o boato que ela era a mais que tudo de um graduado, por sinal boa praça, que alinhava com a malta, desde que o comandante não o bispasse. Confraternização entre praças e graduados era coisa proibida em Galomaro.
Inicialmente como bons “machos” latinos, não se quis acreditar que tal fulano tivesse passado a perna à malta e se tivesse chegado à frente no caso da vistosa bajuda. Com preconceito e chauvinismo, entenderam que ela não estava à altura de quem a partir dali desfrutaria os seus favores. Mas lá vem a velha questão sobre as razões do coração, porque há razões que a própria razão desconhece.

Bastou isso para que os assédios à Jarulema abrandassem, porque o respeitinho é muito bonito e recomendava-se. Ela nunca deixou de aparecer à porta de armas com o seu sorriso, os seus panos coloridos e a sua deliciosa mercadoria, por vezes reforçada com castanha de caju.
Toda ela cheirava ao perfume torrado dos seus produtos.

Foi esse cheiro essa imagem que me veio à cabeça quando pedi amendoins ao empregado da esplanada.
Provei o saquinho de amendoins com mel, sal, piri-piri, decididamente fiquei triste e decepcionado.

Um abraço para todos
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12559: Estórias do Juvenal Amado (50): Em Alcobaça, assinaturas do tempo

Guiné 63/74 - P13103: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (11): Comunicado de Osvaldo Vieira, sobre a atividade operacional do PAIGC, nos dias 30 de junho e 1, 2, 3, 5, 6 e 10 de julho de 1963, na região do Oio, incluindo Bissorã, Dandu, Olossato e Fajonquito, em que se contabilizariam... 116 mortos entre os soldados portugueses, quase 3 vezes e meia mais do que o total dos nossos mortos em combate nesse ano (n=34)...

1. Documento disponível na Casa Comum, da autoria de Ambrósio Djassi [nome de guerra do caboverdiano Osvaldo Vieira,  de seu nome completp, Osvaldo Máximo Vieira, 1938-1974]

[Clicar aqui para ampliar o documento]

Instituição:Fundação Mário Soares

Pasta: 04613.065.158

Título: Comunicado [Região 3]

Assunto: Comunicado de Ambrósio Djassi sobre a sabotagem às pontes Mansabá-Mansoa, Mansoa-Bissorã, Mansoa-Bissau, Bissorã-Olossato e Olossato-Farim, a emboscada na estrada Bissorã-Dandu, o bombardeamento da tabanca de Dandu, o ataque ao quartel de Olossato, a emboscada entre Olossato e Fadjonguito, a emboscada na estrada Mansabá-Bissorã e o ataque dos soldados portugueses à base de Matar.

Data: Julho de 1963

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste).

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Fonte: (1963), "Comunicado [Região 3]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40691 (2014-5-5)

2. Transcrição e fixação do texto por L.G.:

Comunicado [, manuscrito, de 2 páginas, contendo  a última apenas  o nome do signatário]

Página 1: 

R[ecebido] em 18/7/1963

Domingo dia 30 [de junho de 1963]
Foram saboetados [sic] as seguintes pontes: Mansabá-Mansoa; Mansoa-Biossorã; Mansoa-Bissau; Bissorã-Olossato: Olossato-Farim.
Neste mesmo dia também a jangada do Burro foi queimada.

Segunda feira, dia 1 [de julho de 1963]. 
Numa emboscada na estrada entre Bissorã e Dandu forma mortos 37 soldados portugueses e [houve] um grande número de feridos. (**)

Terça feira, dia 2. 
A tabanca de Dandu foi bombardeada por dois aviões portugueses [d]onde resultou 2 mortos e um ferido da tabanca [Posteriormente, corrigido, com letra diferente, talvez do Amílcar Cabral: “vários feridos, mulheres e crianças (?)" ].

Quarta feira,dia 3. 
Ataque no [sic] quartel do Olossato, foram mortos 9 soldados portugueses e muitos feridos.

Sexta-feira, dia 5. 
Os soldados portugueses caíam na emboscada entre Olossato e Fadjonquito [sic] [d] onde resultou 25 mortos. (***)

Sábado, dia 6. 
Numa emboscada na estrada Mansabá e Bissorã foram mortos 15 soldados portugueses e um camião queimado; e os outros soldados fugiram a pé.

Quarta-feira, dia 10. 
Os soldados portugueses atacaram a base de Matar à[s] 6 h da manhã. E resultou 21 mortos na parte do inimigo.(***)

Até agora da nossa parte não houve nenhum morto, não [?] 2 feridos [Correção posterior, com outra letra, em francês, possivelmente do punho de Amílcar Cabral:  “9 morts,  [et] autant [de] blessés”, 9 mortos e   e outros tantos feridos]

Pagina 2: De: Ambrósio Djassi [nome de guerra de Osvaldo Vieira]

(**) Não há registos de quaisquer mortos do Exército, em combate, no TO da Guiné,  nesta data (1/7/1963).. CDE qualquert modo, este número (fantasioso) de 116 mortos ultrapassa o total dos nossos mortos no ano de 1963 que foi de 54, por todas as causas, segundo os nossos registos oficiais: 46 da metrópole e 8 do recrutamento local... (Em comabte, foram 34, nesse ano).

Guiné 63/74 - P13102: Os Nossos Cartazes de Propaganda (4): Parte IV (Fernando Hipólito): Na mata (no CTIG dizia-se "no mato"...) só há fome e doenças...




Cartaz nº 12


Cartaz nº 13



Cartaz nº 14



Cartaz nº 15


Cartazes de propaganda das Forças Armadas Portuguesas, s/d, neste caso mais especificamente dirigidos a população que vivia "na mato" (na Guiné, dizia-se "no mato"), acentuando as virtudes da paz, sob o controlo das autoridadees portugueses, contra os males da "vida na mata" (doença, morte, terror imposto pelos "bandidos") ... Foram recolhidos entre 1969 e 1971, pelo nosso camarada Fernando Hipólito e por ele digitalizados. Tudo indica que tenham sido usados no TO de Angola. Na Guiné, aos novos aldeamentos chamavam-se "reordenamentos". E aos cartazes eram escritos em crioulo ou em português e crioulo.

Imagens: © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Estes cartazes pertencem à coleção do Fernando Hipólito [, foto atual à esquerda, ].

O Fernando passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968, antes de ser mobilizado para Angola. Foi fur mil, CCAÇ 2544, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste de Angola, em Lumege. Está reformado da sua atividade de vendedor numa empresa de tintas de impressão.

Estes cartazes foram recolhidos por ele entre 1969 e 1971, têm hoje um real valor documental e historiográfico. São documentos avulsos, que estamos a publicar ao longo de vários postes (*). Estetica e graficamente  eram, em geral, pobres. Não sabemos qual era a eficácia comunicacional destes cartazes: presume-se que fosse baixa. Eram provalmente feitos por gente em Lisboa que pouco ou nada comnhecida da realidade local...  O serviço de propaganda do exército tinha a obgação de fazer muito mais e melhor (*)

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Guiné 63/74 - P13101: De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65). Parte I: Caió, Bula, Olossato, Fajonquito, meados de 1963...





Guiné > Região do Oio > CART 527 (1963/65) > Olossato > Julho de 1963 > Fardas novas, capacete de aço. os graduados equipados com a pistola metralhadora FBP: em primeiro plano, o fur mil António Medina (em cima); a secção do António Medina (em baixo) (montagem de L.G.)

Nota do AM: "Vasculhando os meus arquivos encontrei a foto que faço juntar, que diz respeito à mata em Olossato. Eramos todos maçaricos na altura, com a farda ainda nova. Quem tirou a foto não me lembro."... Está bastante estragada, do lado esquerdo, pelo que teve de ser recortada e editada... (LG).


Foto (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem, com data de 21 de abril último, do nosso camarada da diáspora (, natural de Santo Antão, Cabo Verde, a viver nos EUA) António Medina, ex-fur mil inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65):

Olá, amigo Graça,

Terminei o meu artigo , conforme te informei havia de to enviar logo que possível para ser publicado no blogue. Lamento nao ter fotos da area de Olossato que pudessem sustentar esse meu escrito, mas procurei ser o mais realista possivel. Ficarei aguardando as tuas noticias.


Um abraco camarada e amigo.


2. Resposta de L.G.:

António: Que memórias frescas!... Vou publicar e arranjar fotos... Diz-me se vais dar continuidade, e quantos textos ainda queres escrever sobre a tua vida na tropa e na guerra, e em particular sobre a história da tua CART 527... O que me mandaste podia ser "partido" em dois...Temos que fazer render o peixe... Mas, pelo que sei, tens mais histórias na forja... Vou abrir uma série, "De Lisboa a Bissau, passando por Lamego"... O início da guerra no TO da Guiné, em 1963, precisa de ser melhor documentado no nosso blogue... Vocês faziam coisas impensáveis no meu tempo (1969/71), só com um pelotão!... O que é feito do teu antigo comandante, o ex-alf mil Correia ? Tens notícias dele ?

Outra coisa: vê este documentário, de 1 hora, "Kolá San Jon é Festa di Kau Berdo", com cenas filmadas na Cova da Moura (Amadora), São Vicente e Santo Antão, a tua ilha, pode interesar-te. Foi realizado pelo Rui Simões, com produção da Real Ficção, em 2011... Está à venda em DVD:

Abraço grande. Luis

3. De Lisboa a Bissau, passando por Lamego: CART 527 (1963/65): Parte I: Caió, Bula, Olossato, Fanjonquito, 1963

por António Medina

Cumprindo o serviço militar na Companhia de Caçadores 2, em Mindelo,  São Vicente, Cabo Verde, contando pelos dedos da mão os dias que já me faltavam para passar à peluda, inesperadamente fui mobilizado pelo RAL 1, de Lisboa, com instruções para me apresentar no Centro de Operações Especiais, em Lamego.

Deixei Cabo Verde naquela mesma noite no N/M Alfredo da Silva, revoltado e frustado por ver o meu tempo de serviço aumentar mais dois anos, e o perigo a que me iria sujeitar no teatro da Guerra. Como funcionário publico que era, tinha a garantia de retomar o meu emprego logo assim deixasse a tropa.

Fui então incorporado na CART 527. Se sucederam treinos variados, destacando a resistência física que foi a mais penosa e estafante, em especial quando se subia e se descia em cross a longa escadaria de Nossa Senhora dos Remédios. [vd foto a seguir].


Lamego: as célebres escadarias do Santuário
de N. Sra: Remédios. Foto: Wikipédia
A 29 de Maio deixámos Lamego e no dia seguinte, de Lisboa partimos para a Guiné, chegando a 4 de Junho em Bissau cerca do meio dia.

O sol era abrasador, o calor asfixiante, o suor escorria pelo rosto de todos, alguns sentindo ainda o mal estar do enjoo. Do navio atracado se via a banda militar, um primeiro sargento e seus “cometas” davam-nos as boas vindas à terra que se dizia ser portuguesa e que teríamos de defender com unhas e dentes até à última gota de sangue.

Estivemos duas semanas no Quartel de Amura. Nesse interim foi indicado Comandante da CART 527 o Capitão Antonio A. Varela Pinto que por sua vez dependeria do Tenente-Coronel Hélio Felgas do Batalhao de Bula [, BCAÇ 507]. O comando da companhia, o primeiro e o segundo pelotão ficariam sediados em Teixeira Pinto, o nosso terceiro pelotão em Caió e o quarto em Cacheu.

Em meados de Junho de 1963 deixámos Bissau a caminho de Teixeira Pinto, atravessámos o rio Mansoa pela jangada de João Landim. Foi o nosso primeiro contacto com o mato.

Chegamos à pequena vila de Caió onde se encontrou um pelotão independente que terminara a comissão e aguardava qualquer momento para o embarque de regresso. Como é óbvio, tinham eles alegria no rosto, enquanto mostravamos saudade, medo, preocupação e vontade de também querer partir.

Em principios do mês de Julho o inimigo já infiltrado se mostrava activo nas zonas Norte e Leste. Do Comando de Bula [, BCAÇ 507,] chegara em cripto instruções para o nosso Alferes Correia, que juntos com o quarto pelotão tomássemos o caminho de Bula prontos a entrar em acção (sic). 

Pela estrada fora um dos condutores do quarto pelotão adormeceu ao volante e o Unimog bateu numa árvore, devido a ferimentos graves o nosso Furriel Severino perdeu a vida, lembro-me de ter rezado baixinho para ele, fazendo o sinal da cruz antes do seu passamento.

Bula estava em pé de guerra com tropas chegadas de Mansoa
e outros quartéis, como reforço para a operação Morés.

Antes do Sol nascer,  e sob o comando do Tenente-Coronel Felgas,  partimos em coluna pelas estradas de Binar, Bissorã, Mansabá até chegarmos a Morés onde se dizia existir abrigos subterrâneos do PAIGC. Durante o percurso não houve contacto com o inimigo. Dois aviões Fiat lançaram foguetes para dentro do mato em Morés sem qualquer resposta, regressando à base em Bissau.

À tardinha foi então dada ordem de retirada para Bula, excepto ao nosso terceiro pelotão que. em vez, foi desviado para Olossato, na região do Oio, a reforçar a secção do furriel Campos que pertencia a uma companhia de Cavalaria, aquartelada em S. Domingos ou Farim.

A secção de Cavalaria ocupava um celeiro, porque o espaço não chegava para todos,  eu e o colega Fidalgo ficámos numa parte do edificio da Escola Primária. Coube-nos o chão cimentado que não era de todo mau para se passar a noite, mesmo assim alguns preferiram as carteiras da escola para que mesmo sentados tivessem algum descanso.



Guiné > Mapa da província >1961 > Escala 1/500 mil > No tempo em que um pelotão dava à volta a meio território, ou pelo menos, saía de Bissau, era colocado em Caió, dependente de Bula, ira reforçar o Olossato, participava numa operação no Morés  e ia acudir as gentes de Fajonquito... Estamos de meados de julho de 1963!.. Oficialmente a guerra tinha começado com uns tiros em Tite, no dia 23 de janeiro de 1963... Por sorte, ainda não havia minas... (LG)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


Batismo de fogo em Olossato e Fajonquito: início de uma guerra
Guiné, Região do Oio,
Olossato, 1963. CART 527. Fur mil
António Medina, equipado
de pistola metralhadora FBP



De madrugada fomos flagelados por um bando armado tentando atingir as nossas sentinelas, ao qual respondemos prontamente com o fogo das G-3. Não houve baixas.

De manhã reconhecemos a vila com casas cobertas de colmo,  outras com chapas de bidons e aluminio, formando uma pequena avenida. Deparamos com uma padaria pertencente a um casal libanês e mais abaixo, quase no principio da estrada que seguia para Farim, uma sucursal da Casa Gouveia.
Na quarta noite um guarda noturno da Gouveia nos informou que um grupo armado do PAIGC estava saqueando a empresa. Que alguns posicionaram-se ao longo da pequena avenida de Olossato entre as residências, para emboscar qualquer forçaa que se atrevesse a avancar.

O nosso Alferes determinou que eu saísse a pé com o guia por uma vereda que nos levaria às traseiras da Gouveia. O Furriel de Cavalaria que saisse alguns minutos mais tarde, de Unimog com metralhadora fixa pela avenida abaixo, então foram surpreendidos pelo nosso fogo cruzado

Constatámos no dia seguinte que o inimigo se retirou furtivamente no escuro da noite, deixando mercadorias ao abandono. Entretanto o casal libanês foi raptado e nunca mais se soube deles.

Destacados para Olossato vindos de Morés apenas com armas e munições, o que o Furriel tinha em stock não bastava para alimentar um pelotão por muito tempo. Por isso, o nosso colega Cruz,. desprezando o perigo,  saiu de Olossato a caminho de Mansoa à procura de mantimentos para voltar practicamente de mãos vazias, apenas com um saco de arroz e algumas folhas de bacalhau.



Guiné > Região do Oio > Olossato  > 1958 > O senhor Reis, da Casa Gouveia.  Foto nº 2267,  do nosso camarada   Leopoldo Correia (ex-fur mil, CART 564, NhacraQuinhamel, Binar, Teixeira PintoEncheia e Mansoa, 1963/65).

Foto (e legenda): © Leopoldo Correia (2013) Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Aliás, o colega Cruz durante o seu caminho para Mansoa viu passando em certa érea algo estranho, árvores caidas atravessando a estrada, cratera de minas que explodiram e sangue, mais tarde confirmado que naquela madrugada a tropa de Mansoa caira numa emboscada com muitas baixas.

À tardinha, um dos guardas do Posto Admninistrativo acabara de chegar dando-nos a notícia que um grupo armado do PAICG esteve na tabanca de Fajonquito, aliciando, intimidando e recrutando pessoal, onde decapitaram dois dos habitantes que, para eles,  eram supostos colaboradores da tropa colonial.

O nosso alferes resolveu fazer um reconhecimento à tabanca no dia seguinte de manhã cedo. Connosco levámos alguns batedores com catanas e que iriam à frente em linha, abrindo caminho naquele mato cerrado cheio de espinheiras. Tivemos de atravessar uma bolanha de arroz, com água até aos joelhos,  para que se chegasse a Fajonquito.

A tarefa não foi facil, já  cansados avistámos a tabanca de Fajonquito, em terreno descoberto,  cultivado de mancarra à volta. O inimigo nos surpreendeu,  abrindo fogo do lado direito do terreno onde começava a mata, redireccionámos os nossos homens e contra-atacámos com as G-3, o furriel de cavalaria com a bazuca e o morteiro. O tiroteio durou algum tempo, depois fugiram deixando a minha secção com duas baixas sem gravidade.

Devo realçar o sangue frio do 1º cabo aux enfermagem  que mesmo debaixo de fogo não se poupou a cuidar daqueles feridos que mereciam receber os primeiros socorros, antes de serem evacuados para o Hospital de Bissau.



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Fajonquito > c. 1964/66 > Sérgio Neves e um camarada em cima de uma autometralhadora Daimler > Foto nº 15, do álbum fotográfico de Sérgio Neves (ex-fur mil, CCAÇ 674 (Fajonquito, 1964/66), a falecido, irmão do nosso camarada Constantino (ou Tino) Neves.

Foto (e legenda): © Constantino  Neves (2010) Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


Mas aonde estaria o nosso Alferes Correia, que é feito dele ?

De inicio pensámos o pior, finalmente encontrámo-lo sentado no chão, abrigado em um monte de baga-baga. Como cristão que era, calmamente rezava seu terço. Sempre o trazia com ele, para fazer suas orações nas horas certas.

Em fins de Julho o nosso alferes nos informa que de imediato aprontássemos para o nosso regresso a Caió. É que o pelotão de Caió tinha recebido ordem de marcha e cabia agora a nós segurar aquela zona.

Euforicamente arrumámos o nosso material, tomámos as viaturas e partimos em alta velocidade pela estrada fugindo a qualquer emboscada que se avizinhasse, passando por Mansoa e Bula até chegarmos a Caió,  sãos e salvos. Olossato ficara para trás mas serviu para nos mostrar a determinação do inimigo em querer lutar pela sua ideologia e futura independência.

Doente e dando sinais de um certo desiquilíbrio,  o que na altura bastante lamentámos, o nosso alferes foi levado a se apresentar na junta médica em Bissau, que o desqualificou do serviço e o evacuou para Portugal.