Terceiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).
Nunca é tarde - Capítulo 3
Hoje, vimos e falámos com o nosso interlocutor, é uma
autêntica “picareta falante”, nunca está calado e, repete
tudo, para ver se entendemos, não sei se estão
recordados, o Nico encontrou uma nova rapariga de nome
Diane, cá vai a continuação da história.
Passado um tempo, já se viam aos fins de semana, nas
festas que se realizavam no clube dos Açores e, numa
dessas festas, um dos presentes, homem já de uma certa
idade, oriundo dos Açores, com responsabilidades numa
quinta, propriedade do pai da Diane, pergunta-lhe:
- Ó companheiro, de que ilha é o senhor, lá nos
Açores?
O Nico, muito admirado com a pergunta, responde:
- Eu não sou dos Açores, eu sou do continente.
E logo lhe responde, o outro:
- Então não é dos Açores, e anda a dançar com a filha
do patrão!
O Nico ficou embaraçado, não soube o que responder,
no entanto tomou alguma coragem e, quando teve
oportunidade, perguntou à Diane:
- Tu és filha do meu patrão?
Ao que ela respondeu, sorrindo:
- Eu tentei manter esse pormenor em segredo, com
receio que isso afectasse a nossa boa relação, todavia,
não é só o meu pai que é dono. O meu pai, na altura,
tinha dois barcos de pesca, associou-se à empresa, mas
há mais sócios, mas isso não impede que sejas meu
amigo, ou impede?
Ele, de novo embaraçado, responde:
- Não, não, só que uma rapariga bonita como tu,
andares na companhia de um empregado...
Ela, não o deixou acabar de falar, e disse-lhe:
- Achas que sou bonita? Então por que
esperas?
Ele, ainda mais embaraçado, responde-lhe:
- Espero, porquê?
E ela, desinibida, alegre, responde-lhe:
- Para me dares um beijo e, começares a namorar
comigo.
O Nico ficou como uma criança, de cinco anos, a quem
dão um brinquedo e não sabe para que serve.
Primeiro, o seu pensamento parou, depois pensou na
Dina, depois olhou para a Diane, mirou-lhe o corpo, de
alto a baixo, fixou-lhe os olhos, viu ternura, carinho, talvez
amor, paixão, um desejo percorreu-lhe o corpo, sentiu
mesmo vontade de a beijar, como ela lhe pediu, não
resistiu mais, quase sem querer, beijou-a na face.
Ela, nesse momento, fechou os olhos, e pensou: "Ele é mesmo bonito. Vai ser o meu marido, custe a
quem custar".
A Diane era uma mulher desinibida, sem preconceitos,
sabia o que queria, não deixou mais o Nico, que aos
poucos foi rareando as cartas para Portugal, acabando
mesmo o namoro com a Dina e, claro, passado algum
tempo, o clube dos Açores, na cidade de São Diego,
estado da California, num domingo de primavera, fechou
para o público, pois iria receber uma grande festa privada,
que era a cerimónia do casamento da Diane com o Nico. Este, quando deu um beijo na Diane, após o padre,
perante as pessoas presentes que enchiam a igreja, os
ter pronunciado marido e mulher, pensou por instantes: "Como foi possível ter vindo tão longe, encontrar um
amor numa mulher que eu não conhecia, que agora é
minha esposa, que eu adoro. Como Deus é grande, sou
tão feliz".
E a Diane, nesse preciso momento, pensava: "Eu sabia que este homem iria ser meu. Que feliz que
me sinto".
A Diane, passado uns tempos, fica grávida, nasce um
rapaz, o clube dos Açores volta a fechar para o público,
pois realizou-se o baptizado do filho da Diane e do Nico,
que ficou com o nome Michael, mas que todos chamavam
Mike. A Diane era filha única, o Mike cresce com toda
atenção que é possível dar a uma criança, em que toda a
família põe os olhos, pensando que no futuro será um
líder.
Os pais da Diane também tinham outras propriedades,
onde pastavam grandes manadas de vacas, com grandes
pomares de árvores de fruto. O Mike frequentou escolas
privadas, sempre com bom aproveitamento, nos tempos
livres andava pelos jardins da casa e nas propriedades
dos avós, descalço, a correr, atrás dos pássaros, para ver
onde faziam os ninhos. Já mais crescido ingressa numa
universidade, para continuar a estudar, com a intenção de
se graduar em finanças, pois era essa a disciplina que a
família queria, mas o Mike tinha outras ideias.
Certo dia pela manhã, o Nico, ao levantar-se diz à
Diane:
- Vou para a escola de novo, vou tirar as licenças de
capitão de barco, para mim é fácil, pois já sei toda a
técnica, embora não vá exercer, quero ter as licenças de
capitão.
Ela, como sempre, sorridente, responde-lhe:
- Se é esse o teu sonho, realiza-o, mas creio que é
mais útil se começares a tomar conta de alguma
administração das propriedades dos meus pais, até
mesmo lá na empresa marítima.
O Nico ficou a pensar. Os pais da Diane já não eram
novos, e diziam-lhe:
- Vocês deviam ir morar por uns tempos, lá no campo,
naquela propriedade ao norte, ver como é bom cheirar as
flores das árvores, agora sozinhos, com o Mike na
universidade, até vos fazia bem, e claro, começavam a
olhar por aquilo, pois nós já não somos crianças.
A Diane, quando ficou grávida, e depois quando do
nascimento do Mike, teve alguns problemas, teve mesmo
que ir para o hospital um mês antes de a criança nascer,
os doutores na altura recomendaram que não tivesse mais filhos,
pois já a mãe tinha tido o mesmo problema, quando do
nascimento da Diane. Agora andava com
algumas dores em toda a região da barriga, só ela sabia
como se sentia, algumas vezes tentava esquecer, mas as
dores estavam lá, por todo o tempo e um dia pela manhã,
diz ao Nico:
- De algum tempo para cá, tenho uma dor aqui, não é
bem aqui, parece que é em toda esta zona.
Quando dizia isto, apalpava, toda a zona do estômago,
em baixo...
O Nico não a deixou acabar de falar. Imediatamente lhe
disse:
- Vamos já ver o nosso doutor, já me devias ter dito isso.
És uma pessoa que toma tantas atitudes e esta não. Por
Deus, veste-te, arranja-te, vou já telefonar a marcar consulta para esta manhã.
Foram ver o doutor, que depois de a analisar, a manda
internar no hospital para exames. A Diane foi internada, e nos exames foi-lhe detectada uma doença nova,
a que nos dias de hoje, chamam câncer. Não resistiu,
morreu uns meses depois, com dores de sofrimento, mas
sorrindo, sempre que olhava para o Nico, o grande amor
da sua vida.
O clube dos Açores voltou a fechar para o público, pois
realizou-se um beberete, depois das exéquias do enterro
da Diane.
(continua)
Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)