Texto e foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados
Dedicatória
Poema para ser lido por velhos,
daqueles que já usam óculos com muitas dioptrias,
ou então essas horríveis lentes de aumentar
que se compram nas Lojas do Avô,
nos novos templos das novas religiões do consumo,
e que só servem para ler os títulos de caixa alta do jornal.
Títulos Pornográficos. Bombásticos. Terroristas.
A todos os velhos combatentes de todas as guerras
em que a minha geração andou metida.
Ao Jorge Cabral, mestre do lirismo do absurdo
e da 'short story'.
Ao meu pai, meu velho, meu camarada,
que conseguiu chegar aos 91.
Ao (e)terno sorriso e à sua alegria de viver,
a sua forma muito pessoal de promover
um envelhecimento ativo.
Dizem-nos que estamos a envelhecer.
Ao Jorge Cabral, mestre do lirismo do absurdo
e da 'short story'.
Ao meu pai, meu velho, meu camarada,
que conseguiu chegar aos 91.
Ao (e)terno sorriso e à sua alegria de viver,
a sua forma muito pessoal de promover
um envelhecimento ativo.
Dizem-nos que estamos a envelhecer.
Luís Graça
Dizem-nos
que estamos a envelhecer.
Dizem os demógrafos,
que correm, eles próprios, o risco
de ver limitado o objecto de estudo da demografia
aos velhos.
Dizem as máscaras do Entrudo
do nosso descontentamento,
muito pouco chocalheiro.
Diz o safado do cangalheiro:
Eu cá não quero que ninguém morra,
só quero que o meu negócio corra.
Dizem os divertidos caretos de Ousilhão.
Dizem os últimos rapazes da Festa dos Rapazes.
Dizem os médicos,sizudos,
que também estão a encanecer.
Diz o senhor Ministro da Indústria da Doença
que mandou encerrar as maternidades.
Por falta de fedelhos.
E por falta de crença.
Teme a velhice porque ela nunca vem só,
Cabelos brancos, flores de cemitério!
PS - Dizem que estamos a envelhecer, Papi!
Porra, meu pai, meu velho, meu camarada,
eu sei o que a vida fez de ti,
mas tive orgulho na maneira como viveste
e como morreste!
LG - jan 2008 / jan 2013
___________
Nota do editor:
Último poste da série > 14 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10942: Blogpoesia (317): Toadas de Inverno (J.L. Mendes Gomes)
que estamos a envelhecer.
Dizem os demógrafos,
que correm, eles próprios, o risco
de ver limitado o objecto de estudo da demografia
aos velhos.
Dizem as máscaras do Entrudo
do nosso descontentamento,
muito pouco chocalheiro.
Diz o safado do cangalheiro:
Eu cá não quero que ninguém morra,
só quero que o meu negócio corra.
Dizem os divertidos caretos de Ousilhão.
Dizem os últimos rapazes da Festa dos Rapazes.
Dizem os médicos,sizudos,
que também estão a encanecer.
Diz o senhor Ministro da Indústria da Doença
que mandou encerrar as maternidades.
Por falta de fedelhos.
E por falta de crença.
Tenham paciência,
minhas senhoras.
Voltemos ao tempo das aparadeiras!
Dizem as abortadeiras.
Dizem os hospiteis,
a abarrotar de gente na fila para morrer.
Em Portugal.
Hospiteis, que os hospitais agora só de campanha!
Dizem os sociólogos,
em crise tamanha
de paradigma existencial.
Dizem os jornais,
de papel,
que já não vendem mais.
Diz o meu geneticista,
que anda à procura do gene da eterna juventude.
Hoje com saúde, amanhã no ataúde.
Dizem os futurólogos
que leem nas entrelinhas das camadas de ozono.
Diz a esteticista, pessimista,
quando o verniz estala.
Vão-se os anéis, ficam os dedos!
Diz a vida, malsã.
Diz a palma da mão
e a linha (torta) da vida.
Muita saúde, pouca vida,
que Deus não dá tudo.
Diz a grega pitonisa de Delfos,
a escarnecer
da cultura judaico-cristã.
Diz o comissário político de Bruxelas,
que não foi eleito,
todos eles e todas elas, os eurocratas,
muito menos eleitos pelos eurovelhos.
Diz a medicina,
que a velhice não tem cura.
Diz o Eurostat,
que representa a sacrossanta ciência
do positivismo do século.
Diz o Golden Sachs Sachs Sachs.
E até a Santa Madre Igreja,
agora sem crianças para baptizar
nem selvagens para evangelizar.
Não sei o que diz Ela,
a Santa,
a Madre,
a Igreja.
Não sei o que é que diz Roma
nem Pavia,
que não se fizeram num dia.
Mas dizem as estatísticas,
que, dizem-nos, não mentem,
que estamos a embranquecer,
a encanecer,
a ensurdecer,
a envelhecer,
a ensandecer.
Diz o Censo de 2011.
A morrer, meus irmãos, a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Diz o espelho meu,
que o tempo faz o seu trabalho de sapa.
Que o tempo, no final, te mata.
Como nos filmes de terror.
Diz o sino da tua aldeia,
quando dobra a finados.
Que te importa, agora,
os teus feitos heróicos de Quinhentos,
ó povo meu ?
Dizem as tuas rugas.
Dizem as tuas brancas,
as primeiras, não sei onde.
Dizem os teus dias cinzentos.
Só o Governo esconde
a bomba biológica
que paira sobre a cabeça
dos que hão-de vir.
Dizem-me que o Governo tropeça, trapaça,
mas não cai
só por mentir,
com as medidas da tendências central.
Os cães ladram e a caravana passa.
A média, a moda e a mediana,
mais o desvio padrão
e o erro amostral.
Eu sei que o Governo está sujeito à erosão
dos ventos e das marés,
mas também à irrisão,
mortal,
das sondagens.
E das pilhagens.
O Governo pode ser sacana.
mas não deve mentir
e muito menos roubar.
O Governo deve dizer a verdade,
deve dizer a verdade, nua e crua,
com um grau de confiança de noventa e cinco por cento.
Mas nem sempre diz toda a verdade,
ou só a verdade,
por causa da coesão social,
por causa do clima económico,
por causa da confiança psicológica
do investidor estrangeiro,
por causa do índice de NASDAQ,
por causa da liberdade,
primordial,
do consumidor.
Dizem que estamos a envelhecer, camarada.
Dizem-te que há muito ultrapassaste
a barreira dos quarenta.
Até aos 40 bem eu passo,
dos 40 em diante, ai a minha perna,
ai o meu braço.
Que aos 45 já eras velho,
para além do limiar da esperança ao nascer
quando nasceste.
Dizem-te que somos todos velhos.
O censo. E a falta de senso.
Um em cada cinco.
Leia-se: velhos, os mais de 65.
Velhos até aos tutanos.
E que agora já começou a caça
aos talentos, aos rebentos,
na perspectiva da rarefacção dos recursos humanos.
Diz o nosso mediático guru.
Diz o feio do jagudi,
diz o mau do urubu.
Diz o provérbio que na era de 31,
poucos moços, velhos nenhum.
Dizes tu, camarada, ex-combatente da guerra colonial,
Antes a morte que tal sorte!
minhas senhoras.
Voltemos ao tempo das aparadeiras!
Dizem as abortadeiras.
Dizem os hospiteis,
a abarrotar de gente na fila para morrer.
Em Portugal.
Hospiteis, que os hospitais agora só de campanha!
Dizem os sociólogos,
em crise tamanha
de paradigma existencial.
Dizem os jornais,
de papel,
que já não vendem mais.
Diz o meu geneticista,
que anda à procura do gene da eterna juventude.
Hoje com saúde, amanhã no ataúde.
Dizem os futurólogos
que leem nas entrelinhas das camadas de ozono.
Diz a esteticista, pessimista,
quando o verniz estala.
Vão-se os anéis, ficam os dedos!
Diz a vida, malsã.
Diz a palma da mão
e a linha (torta) da vida.
Muita saúde, pouca vida,
que Deus não dá tudo.
Diz a grega pitonisa de Delfos,
a escarnecer
da cultura judaico-cristã.
Diz o comissário político de Bruxelas,
que não foi eleito,
todos eles e todas elas, os eurocratas,
muito menos eleitos pelos eurovelhos.
Diz a medicina,
que a velhice não tem cura.
Diz o Eurostat,
que representa a sacrossanta ciência
do positivismo do século.
Diz o Golden Sachs Sachs Sachs.
E até a Santa Madre Igreja,
agora sem crianças para baptizar
nem selvagens para evangelizar.
Não sei o que diz Ela,
a Santa,
a Madre,
a Igreja.
Não sei o que é que diz Roma
nem Pavia,
que não se fizeram num dia.
Mas dizem as estatísticas,
que, dizem-nos, não mentem,
que estamos a embranquecer,
a encanecer,
a ensurdecer,
a envelhecer,
a ensandecer.
Diz o Censo de 2011.
A morrer, meus irmãos, a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Diz o espelho meu,
que o tempo faz o seu trabalho de sapa.
Que o tempo, no final, te mata.
Como nos filmes de terror.
Diz o sino da tua aldeia,
quando dobra a finados.
Que te importa, agora,
os teus feitos heróicos de Quinhentos,
ó povo meu ?
Dizem as tuas rugas.
Dizem as tuas brancas,
as primeiras, não sei onde.
Dizem os teus dias cinzentos.
Só o Governo esconde
a bomba biológica
que paira sobre a cabeça
dos que hão-de vir.
Dizem-me que o Governo tropeça, trapaça,
mas não cai
só por mentir,
com as medidas da tendências central.
Os cães ladram e a caravana passa.
A média, a moda e a mediana,
mais o desvio padrão
e o erro amostral.
Eu sei que o Governo está sujeito à erosão
dos ventos e das marés,
mas também à irrisão,
mortal,
das sondagens.
E das pilhagens.
O Governo pode ser sacana.
mas não deve mentir
e muito menos roubar.
O Governo deve dizer a verdade,
deve dizer a verdade, nua e crua,
com um grau de confiança de noventa e cinco por cento.
Mas nem sempre diz toda a verdade,
ou só a verdade,
por causa da coesão social,
por causa do clima económico,
por causa da confiança psicológica
do investidor estrangeiro,
por causa do índice de NASDAQ,
por causa da liberdade,
primordial,
do consumidor.
Dizem que estamos a envelhecer, camarada.
Dizem-te que há muito ultrapassaste
a barreira dos quarenta.
Até aos 40 bem eu passo,
dos 40 em diante, ai a minha perna,
ai o meu braço.
Que aos 45 já eras velho,
para além do limiar da esperança ao nascer
quando nasceste.
Dizem-te que somos todos velhos.
O censo. E a falta de senso.
Um em cada cinco.
Leia-se: velhos, os mais de 65.
Velhos até aos tutanos.
E que agora já começou a caça
aos talentos, aos rebentos,
na perspectiva da rarefacção dos recursos humanos.
Diz o nosso mediático guru.
Diz o feio do jagudi,
diz o mau do urubu.
Diz o provérbio que na era de 31,
poucos moços, velhos nenhum.
Dizes tu, camarada, ex-combatente da guerra colonial,
Antes a morte que tal sorte!
Mas não é envelhecimento,
é senescência,
diz o meu neurologista.
Degenerescência,
dizem os puristas da língua.
Diz a neurociência:
o mais importante
não é perderes 100 mil neurónios
por dia,
nem a paciência,
é senescência,
diz o meu neurologista.
Degenerescência,
dizem os puristas da língua.
Diz a neurociência:
o mais importante
não é perderes 100 mil neurónios
por dia,
nem a paciência,
nem a compostura,
nem o controlo dos esfíncteres.
Nem a decência.
Nem a cabeça do fémur.
Que a saúde dos velhos é mui remendada.
Deus te livre do Alzheimer e do Parkinson
e das demais doenças crónicas degenerativas.
Que Deus te livre da peste, da fome e da guerra,
E do Estado Mínimo a que hás-de chegar.
O que é grave é perderes
as redes neuronais
e não sei que mais.
Blá, blá, blá.
Mas já diziam os antigos,
Não há cousa tão junta a outra como a morte à vida.
E mais avisado é o conselho do velho para o novo,
à laia de impropério;Nem a decência.
Nem a cabeça do fémur.
Que a saúde dos velhos é mui remendada.
Deus te livre do Alzheimer e do Parkinson
e das demais doenças crónicas degenerativas.
Que Deus te livre da peste, da fome e da guerra,
E do Estado Mínimo a que hás-de chegar.
O que é grave é perderes
as redes neuronais
e não sei que mais.
Blá, blá, blá.
Mas já diziam os antigos,
Não há cousa tão junta a outra como a morte à vida.
E mais avisado é o conselho do velho para o novo,
Teme a velhice porque ela nunca vem só,
Cabelos brancos, flores de cemitério!
PS - Dizem que estamos a envelhecer, Papi!
Porra, meu pai, meu velho, meu camarada,
eu sei o que a vida fez de ti,
mas tive orgulho na maneira como viveste
e como morreste!
LG - jan 2008 / jan 2013
Nota do editor:
Último poste da série > 14 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10942: Blogpoesia (317): Toadas de Inverno (J.L. Mendes Gomes)