segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16479: Convívios (768): XXII Encontro do pessoal da 1.ª CART/BART 6521/72 (Pelundo e Jemberem, 1972/74), a levar a efeito no próximo dia 25 de Setembro de 2016 em Seia (António Faneco, ex-1.º Cabo)

 



1. A pedido do nosso camarada António Faneco (ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, Pelundo e Jemberem, 1972/74), estamos a dar conhecimento do próximo Encontro do pessoal da sua Unidade, a levar a efeito já no dia 25 de Setembro de 2016, na Sertã





"Que Não Somente Ousados"


XXII Almoço/Convívio da 1.ª CART/BART 6521/72 
"OS NÓMADAS - PIONEIROS DE JEMBEREM"

Sertã - Dia 25 de Setembro de 2016

Restaurante Ponte Velha

Inscrições abertas para:

Antunes: 926 395 573 ou 211 371 327
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16454: Convívios (767): XXVII Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, dia 22 de Setembro de 2016, em Carcavelos (Manuel Resende, ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585)

Guiné 63/74 - P16478: Agenda cultural (499): "A Voz ao Longe", título da exposição de pintura com obras da autoria do nosso camarada Adão Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547, a inaugurar no próximo dia 17 de Setembro de 2016, pelas 16 horas, no Museu de Ovar, sito na Rua Heliodoro Salgado, 11.



1. No próximo dia 17 de Setembro de 2016, pelas 16 horas, a convite do Museu de Ovar, o nosso camarada Adão Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68) vai inaugurar ali uma exposição de pintura da sua autoria a que deu o título "A Voz ao Longe".

Já aqui tínhamos falado da faceta do camarada Adão Cruz como pintor, além da de excelente escritor. Aqui fica a oportunidade para os nortenhos de tomarem contacto com as suas obras pictóricas.



C O N V I T E





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Nota do editor

Poste anterior da série de 9 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16469: Agenda cultural (492): Festival Todos 2016, na sua 8ª edição: A não perder, espectáculo de teatro documental, "Portugal não é um país pequeno", Academia Militar, Rua Gomes Freire, amanhã, sábado (17h00) e domingo (19h00): entrada gratuita, limitada à lotação do espaço (140 lugares)...

Guiné 63/74 - P16477: História de vida (11): Augusto Mota: nasceu no Porto, começou a trabalhar aos 10 anos, foi 1º cabo do Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, 1963/66), foi homem dos 7 ofícios em Bissau, como civil, foi para o Brasil em 1974, tem hoje dupla nacionalidade, tendo-se formado em ciências económicas... Trabalhou como gerente de empresas, foi empresário, entrou por concurso para a função pública, está reformado...

1. Mensagem do nosso novo grã-tabanqueiro Augusto Mota, ex-1º cabo Grupo Material e Segurança Cripto (Bissau, QG, CTIG, 1963/66):

Data: 10 de setembro de 2016 às 02:51

Assunto: mais informações

Oi, amigo!

Realmente, a culpa foi minha. Eu que não dei as devidas informações, eu que não segui o "caminho das pedras" que tão bem está visível no blog. Na verdade sou avesso a formalidades e é no que dá,  rsss.

Aqui estou para lhes mandar mais algumas notícias que se perderam aquando da última missiva:


MATERIAL SEGURANÇA CRIPTO

Não me surpreende que desconhecesses a especialidade. (*) Como disse, a regra era ser discreto. Nós produzíamos os vários sistemas de cifra.


BRASIL

Sim, tenho dupla nacionalidade. Saí da Guiné em 74, fui trabalhar como chefe de escritório em uma empresa inglesa (Molyslip), em Lisboa (Campo Grande), mas era pacífico demais para o meu tipo de caráter. Eu me via naquela mesma atividade passados cinquenta anos. Essa perspetiva não era para mim.

A única coisa que trouxe da Guiné foi um carro importado do Japão, que levantei no cais; passados alguns meses, os "trecos" usados em casa (eletrônicos, panelas, etc), que embarcaram em navio militar depois de muito tempo de chuva no cais de Bissau. Tiveram o descaramento de cobrarem despacho com os respectivos impostos. Para tal efeito parece não ter existido uma situação anômala...

Aí... resolvi vir para o Brasil. 

Aqui me formei em Ciências Econômicas, [fiz] outros estudos de pós-graduação, trabalhei muitos anos como Gerente de Indústria (áreas plástico e papel), também tive várias empresas e, finalmente, há cerca de 15 anos atrás entrei, por concurso público, na área pública.

Sou Técnico de Finanças e trabalhei no Setor da Dívida Pública no Estado de Alagoas. A equipe se deu bem e durante o período recuperamos valores pagos à maior e evitamos pagamentos "loucos". Pela nossa ação entraram nos cofres do Estado algo como cerca de meio bilhão de Reais [ou bilião, em Portugal, sendo 1 bilhão no Brasil  igual a mil milhões, enquanto 1 bilião, em Portugal, quer dizer 1 milhão de milhões; à cotação de hoje (1 euro = 3,6780 reais), 500 milhões de reais seriam cerca de 136 milhões de euros].

Foi um bom trabalho.

No Brasil, servidor público só trabalhava até aos 70 anos [saiu uma alteração, no ano passado, que transformou para setenta e cinco; é compulsório; mas aí eu já tinha saído; como comecei a trabalhar aos 10 anos de idade (Fábrica de Produtos Estrela, Senhora da Hora, Porto) resolvi descansar].

Comprei um sítio em um lugar bem desconhecido (Desterro de Entre Rios-MG, Mato Grosso), e lá fomos nós.

O descanso foi ledo engano, hehehehe!

Bom... para outra vez conto mais.

Em Janeiro do presente ano vendi a chácara: ao fim de quatro anos a área não era exatamente um sítio. Eu a transformei em chácara. Era realmente uma pérola.

Presentemente estamos na praia do Janga, grande Recife. 


Brasil, Minas Gerais (MG) > Desterro de Entre Rios > "Represa que construi na chácara. Tem cerca de  400 kg de peixe. A tela, em redor, é para que a lontra não coma os  peixes de noite".

Foto (e legenda): © Augusto Mota (2016). Todos os direitos reservados


FOTOS ANTERIORES (*)-

Nº 2: em Carmópolis, cidade com 20.000  habitantes e a cerca de 100 km de Belo Horizonte, capital de MG [Minas Gerais, não confundir com Mato Grosso];

Nº  3, em Resende Costa, cidade com cerca de 12000 habitante, distando 170 km de Belo Horizonte, MG;

Nº 4 >  Almoço entre amigos. Para mim, "amigos" é a mesma coisa que "empregados" e vice-versa.

Tchau, amigos!

Mota
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PS: a foto de hoje é da represa que construi na chácara. Tem cerca de  400 kg de peixe. A tela, em redor, é para que a Lontra não coma os  peixes de noite.
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2651: História de vida (10): A Luta Incessante de António Teixeira Mota

Guiné 63/74 - P16476: Notas de leitura (879): Os Cus de Judas, por António Lobo Antunes (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Se pretendermos ser sinceros, dentro do rol de obras consagradas que poderão vir a ser lidas como textos indispensáveis da literatura de guerra, atrevia-me a adiantar dois nomes por cada um dos teatros africanos: "Os Cus de Judas", de António Lobo Antunes, e "Autópsia de Um Mar de Ruínas", de João de Melo, quanto a Angola; "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz, e "Olhos de Caçador", de António Brito, quanto a Moçambique; "Estranha noiva de guerra", de Armor Pires Mota e "O Diário do soldado Inácio Maria Góis", quanto à Guiné.
Este livro de Lobo Antunes, de que corre aí uma edição popular a menos de seis euros, é uma obra prodigiosa, preferi citá-lo a comentá-lo, verão como é tumultuosa, inebriante, asfixiante toda esta narrativa inventada entre um bar em ponto indeterminado e uma casa ali perto da Picheleira, com vista para o Tejo e o cemitério do Alto de S. João.

Um abraço do
Mário


Os Cus de Judas (1), por António Lobo Antunes

Beja Santos

As incursões por outras literaturas da guerra colonial, que não a da Guiné, trazem múltiplas vantagens: identificar paralelismos e reconhecer as diferenças advenientes da natureza do território, do poder do inimigo, por exemplo. António Lobo Antunes foi oficial médico em Angola. Estreou-se na literatura em 1979 com “Memória de Elefante” onde aflora algumas das questões suscitadas pela guerra e trava-se diretamente de razões em “Os Cus de Judas” sobre a sua comissão.

Tal como Memória de Elefante, temos aqui mais um livro declaradamente autobiográfico, recordações do meio familiar, a preparação, a viagem, estamos agora em Luanda. Esta narrativa não é linear, trata-se de um pungente monólogo em que a assistência é alguém que ele encontrou num bar, a quem se apresenta e revela a proveniência:  ~

“Entenda-me: sou homem de um país estreito e velho, de uma cidade afogada de casas que se multiplicam e refletem umas às outras nas frontarias de azulejo e nos ovais dos lagos, e a ilusão de espaço que aqui conheço, por que o céu é feito de pombos próximos. Nasci e cresci num acanhado universo de croché, croché da tia-avó e croché manuelino, filigranaram-me a cabeça na infância, habituaram-me à pequenez do bibelô, proibiram-me o Canto IX de Os Lusíadas e ensinaram-me desde sempre a acenar com o lenço em lugar de partir. Policiaram-me o espírito e reduziram-me a geografia aos problemas dos fusos, a cálculos horários de amanuense cuja caravela de aportar às índias se metamorfoseou numa mesa de fórmica com esponja em cima para molhar os selos e a língua”.

E começa uma enorme viagem, com caraterização dos lugares:  

“Gago Coutinho, a trezentos quilómetros do Luso e junto à fronteira com a Zâmbia, era um mamilo de terra vermelha poeirenta entre duas chanas podres, um quartel, quimbos chefiados por sobas que o Governo Português obrigava a fantasias carnavalescas de estrelas e de fitas ridículas, o posto da Pide, a administração, o café do Mete Lenha e a aldeia dos leprosos: "Uma vez por semana eu sacudia o badal do sino de capela pendurado no meio de um círculo de cubatas aparentemente desertas, no silencia carregado de ruído que África tem quando se cala, e dezenas de larvas informes principiavam a surgir, manquejando, arrastando-se, trotando, dos arbustos, das árvores, das palhotas, dos contornos indecisos das sombras, avançando para mim à maneira dos sapos monstruosos dos pesadelos das crianças, a estenderem os cotos ulcerados para os frascos do remédio”.

No bar, a narrativa prossegue com a apresentação de uma nova localidade:  

“Ninda. Os eucaliptos de Ninda nas demasiadamente grandes noites do Leste, formigantes de insetos, o ruído de maxilares sem saliva das folhas secas lá em cima, tão sem saliva como as nossas bocas tensas no escuro: o ataque começou no lado da pista de aviação, no extremo oposto à sanzala, luzes móveis acendiam-se e apagavam-se na chana num morse de sinais. A lua enorme aclarava de viés os pré-fabricados das casernas, os postos de sentinela protegidos por sacos e toros de madeira, o retângulo de zinco do paiol. À porta do posto de socorros, estremunhado e nu, vi os soldados correrem de arma em punho na direção do arame, e depois as vozes, os gritos, os esguichos vermelhos que saíam das espingardas a disparar, tudo aquilo, a tensão, a falta de comida decente, os alojamentos precários, a água que os filtros transformavam numa papa de papel cavalinho indigesta, o gigantesco, inacreditável absurdo da guerra, me fazia sentir na atmosfera irreal, flutuante e insólita, que encontrei mais tarde nos hospitais psiquiátricos”.

O tom do narrador não esconde a ansiedade, quer companhia, uma audiência específica para a rememoração daquela guerra:  

“Escute. Olhe para mim e escute, preciso tanto que me escute, me escute com a mesma atenção ansiosa com que nós ouvíamos os apelos do rádio da coluna debaixo de fogo, a voz do cabo de transmissões que chamava, que pedia, voz perdida de náufrago, escute-me tal como eu me debrucei para o hálito do nosso primeiro morto na desesperada esperança de que respirasse ainda, um morto que embrulhei num cobertor e coloquei no meio quarto, era a seguir ao almoço e um torpor esquisito bambeava-me as pernas, fechei a porta e declarei: Dorme bem a sesta, cá fora os soldados olhavam para mim sem dizer nada. Está a dormir a sesta, expliquei-lhes, está a dormir a sesta e não quer que o acordem porque ele não quer acordar, e depois fui tratar dos feridos que se torciam nos panos de tenda, nunca os eucaliptos de Ninda se me afiguraram como nessa tarde, grandes, negros, altos, verticais, assustadores, o enfermeiro que me ajudava repetia Caralho, caralho, caralho com pronúncia do Norte”.

A rememoração retrocede, é uma ferida aberta que volta à crise académica de 1962, e depois há o mistério daquela guerra colonial de quem ninguém quer falar, deverá ser muito incómoda, muito traumatizante:  

“Começo a pensar que o milhão e quinhentos mil homens que passaram por África não existiram nunca e lhe estou contando uma espécie de romance de mau gosto impossível de acreditar, uma história inventada”.

No entretanto, surgiu um acontecimento extraordinário:

“Como na tarde de 22 de Junho de 71, no Chiúme, em que me chamaram ao rádio para me informar de Gago Coutinho, letra a letra, o nascimento da minha filha, rómio, alfa, papá, alfa, rómio, índia, golf, alfa, paredes forrada de fotografias de mulheres nuas para a masturbação da sesta, mamas enormes que começaram de súbito a avançar e a recuar, segurei com força as costas da cadeira do carro de transmissões e pensei Vai-me dar qualquer merda e estou fodido".

O Chiúme era o último dos cus de Judas do Leste, o mais distante da sede do batalhão e o mais isolado e miserável: 

"Os soldados dormiam em tendas cónicas na areia, partilhando com os ratos a penumbra nauseabunda que a lona segregava como um fruto podre, os sargentos apinhavam-se na casa em ruína de um antigo comércio, quando antes da guerra os caçadores de crocodilos por ali passavam a caminho do rio, e eu dividia com o capitão um quarto do edifício da chefia de posto, através de cujo teto esburacado os morcegos vinham rodopiar por sobre as nossas camas espirais cambaleantes de guarda-chuvas rasgados. Sessenta pessoas encerradas na sanzala alimentavam-se em latas ferrugentas dos restos de comida do quartel, mulheres acocoradas sorriam para a tropa o riso vazio das efígies das canecas de loiça, a que as bocas sem incisivos conferiam uma profundidade inesperada, e o soba, septuagenário em farrapos reinando sobre um povo côncavo de fome, trazia-me à lembrança uma velha amiga aristocrática da minha mãe que vivia com os cães e as filhas num andar desabitado de móveis, de pegadas retangulares dos quadros nas paredes desertas e a falta das terrinas assinalada por uma ausência de pó nas prateleiras dos armários”.

Um romance único, no olhar impiedoso sobre a crueldade dos resultados de todo aquele absurdo, a dor de nada poder esquecer, naquela noite de Valpurgia em que todos os fantasmas acenam e alguém tem que nos ouvir, tão incontinente é a nossa dor.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16467: Notas de leitura (878): Ida à Feira da Ladra, sábado, 27 de Agosto: a Guiné estava à minha espera, antes, durante e depois da guerra (3) (Mário Beja Santos)

domingo, 11 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16475: In Memoriam (263): Duarte dos Santos Pereira, ex-Alf Mil da CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), falecido no passado dia 25 de Agosto de 2016, em Marco de Canaveses (Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350)

Em memória de DUARTE DOS SANTOS PEREIRA, Ex-Alf Mil da CCAÇ 4540, falecido em 25 de Agosto de 2016


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74):

Amigo, camarada.
Partiste.

Caro amigo, fui surpreendido pelo teu desaparecimento do nosso convívio, e é com tristeza imensa e com os olhos marejados de lágrimas que procuro escrever alguma coisa. Quem te conheceu, sabia o homem bom que havia em ti e não é fácil aceitar esta perda. De sorriso fácil, de uma delicadeza rara nos meios militares, fazias amigos em todos os camaradas, que contigo privaram. O teu espírito solidário, a tua piada sempre a propósito, com um ligeiro sotaque abrasileirado, era motivo de boa disposição para os que te acompanhavam.

Dizia-me um amigo comum: "Em 149 camaradas da Companhia tinhas 149 amigos".

Recordo os momentos que partilhei contigo. Uns bons, outros nem tanto, sempre a teu lado, tanto na recruta como na especialidade, no Curso de Cadetes para Oficiais Milicianos. Fomos cúmplices em determinadas situações mais complicadas, durante os seis meses de Mafra. A tua incorporação no serviço militar só acontece por decidires visitar a tua família, após muitos anos de ausência no Brasil, e quando não era previsível a tua chamada.

Perdi-te o rasto durante um mês e foi com grande alegria que voltei a encontrar-te em Lamego, para frequência de um Estágio de Operações Especiais. Eras a alma do grupo, admirado e bem querido por todos. Apesar da dureza da instrução tivemos belos momentos, apenas ofuscados pelo fulminante falecimento de um camarada a quem prestámos rápida assistência, mas infrutífera.

Seguimos para a Guiné em Companhias diferentes, mas colocados em aquartelamentos próximos, onde a vida não era fácil. A guerra, muito agressiva, deixou-te marcas cujas sequelas transportaste contigo o resto da vida e te influenciou negativamente.

Só nos reencontrámos passados muitos anos, quando consegui localizar-te numa aldeia do concelho de Marco de Canaveses, já nas imediações do rio Douro. O nosso reencontro foi efusivo e emocionante e os contactos mensais prolongaram-se durante 4 anos. Recordámos algumas peripécias e revisitámos amigos, mas apercebi-me, de imediato, que algo de errado se passava contigo. Vivias aterrorizado com tudo o que te rodeava e desconfiado de todos. Os problemas monetários não me pareciam prementes, procuravas amealhar, numa perspectiva de resolução de qualquer imprevisto. A ajuda médica era indispensável, mas a tua recusa era peremptória, apesar da insistência da tua mulher. Até os cuidados de saúde mais elementares desprezaste.

Neste primeiro encontro regressei a Aveiro com o coração destroçado e não consegui impedir que as lágrimas me rolassem pela face, no trajecto do Marco ao Porto. As condições de habitabilidade eram impensáveis, apesar da casinha, pequena e humilde, ser habitável. Não queria acreditar! A desordem só era explicada pela tua descompensação emocional e anímica.

Ao fim de quatro ano anos entendeste que o nosso relacionamento necessitava de tréguas. Os contactos telefónicos passaram a efectuar-se esporadicamente, sem perder a ligação. Sei, agora, que começavas a apresentar sintomas graves de saúde e que pretendias esconder.

Partiste sem ter oportunidade de me despedir de ti, tal como muitos dos teus amigos.
Trouxeste do Brasil um termo muito carinhoso com que rotulavas os teus amigos: "BAIXINHO"

Repousa em PAZ, Baixinho.
Manuel Reis
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16421: In Memoriam (262): Mário Campos Marinho, ex-sold trms, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74). O funeral é hoje na Senhora da Hora, Matosinhos, às 14h30 (Sousa de Castro, o grã-tabanqueiro nº 2)

Guiné 63/74 - P16474: Blogpoesia (468): "Magnos mistérios"; "O meu quintal esquadrinhado" e "O não crente", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas de sua autoria, dos quais publicamos estes, ao acaso, com prazer:


Magnos mistérios

Há tanto ainda por descobrir
Nesta caminhada, aparentemente, sem sentido.
As razões verdadeiras de tanta inclemência
Que a natureza tem por nós.

Num repente, nos deixa nús, a arder no fogo do desespero.
Os nossos bens nos rouba atiçando-lhes o fogo do inferno.

O mar insano, avança voraz e destemido
pelas terras dentro, sem poupar viv'alma,
Tudo sepulta na destruição infame.

Chovem dos céus que até eram azuis,
Vagas de chuva desenfreadas,
Enxurrando os vales e as encostas.

Não há promessas nem clamores,
Por mais inflamados,
Que os sustenham.

Que impotência!
Tamanha maldade!
Grande mistério!...

Mafra, 7 de Setembro de 2016
9h52m

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O meu quintal esquadrinhado

Esquadrinhei o meu quintal,
Depois de arado.
Como se fosse uma folha quadriculada.
Não fiz muretes.
Apenas linhas e espaços livres.

Semeei e plantei lá de tudo.
Alhos e cebolas.
Alfaces e rabanetes.
Feijão verde.
Couves galegas.
Até melancias.

No fim, tudo ficou igual.
Nem eu sabia onde ficara tudo.
Ao calor do sol,
Não passou muito,
Do chão surgia,
Como formigas,
Amedrontadas,
Uns pontinhos verdes,
Sem grandes diferenças.

E, mais um pouco,
Surgiram as formas nítidas
Do que cada um era.

Digo-vos:
- Como ficou lindo o meu quintal.
Sem barreiras, em campo livre!...

Mafra, 10 de Setembro de 2016
9h9m

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O não crente

Não consigo imaginar
Que haja alguém
Que não creia
Em Algo, transcendente a nós,
Que tudo comanda.
O princípio e fim de tudo.

Já que nós de nosso,
Nada temos nem podemos.
E tudo queremos.
Até sensação de amar
E ser amado.

Que absurda a vida seria,
Se não tivesse um sentido,
Positivo, único e universal.

Preferível nunca tê-la.
Se com a morte certa,
Fosse o termo final e absoluto.

Para mim é claro e imperativo
Que assim seja...

Mafra, 5 de Setembro de 2016
8h23m
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16445: Blogpoesia (467): "Bom dia, Sol" e "O despertar do dia", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16473: (In)citações (99): Porque continuamos a precisar de comandos e outras tropas especiais... (Garcia Leandro, ten gen ref)

1. Texto do ten gen ref Garcia Leandro,  que vai ser publicado hoje no "Correio da Manhã", e que nos chegou ontem por mão do Virgínio Briote, nosso editor (jubilado), com autorização do autor para publicar no nosso blogue.


[Garcia Leandro, com uma brilhante carreira militar, fez também um comissão de serviço na Guiné (1965/67), Foi comandante da Companhia de Comandos do Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG).   entre 20 de fevereiro e 30 de junho de 1966, data em que foi extnta,]


NECESSIDADE E FORMAÇÃO DE FORÇAS ESPECIAIS

por Garcia Leandro (ten gen ref)

Ninguém que tenha conhecimento dos atuais caminhos da Estratégia, da evolução tecnológica, das novas e imprevistas ameaças que se podem por a qualquer momento, em qualquer lugar, tem dúvidas que Forças Especiais Nacionais e Internacionais são algo de que todas as Nações e Organizações de Segurança e Defesa Internacionais precisam em quantidade e com grande qualidade para poderem atuar nos ambientes climáticos e operacionais mais exigentes; e quando se fala em Forças Internacionais o nível de cada participante nacional tem que ser semelhante para que possam trabalhar em conjunto. Portugal, em todas as suas missões internacionais tem recebido os mais justos louvores pelo modo brilhante como as nossas FA e FS se têm comportado; têm sido mesmo grandes embaixadoras de Portugal.

Dito isto, é sempre de sublinhar que havendo a necessidade dos militares que as constituem poderem ser chamados a atuar nos ambientes mais difíceis e rigorosos (geografia, clima, populações, distâncias, violência generalizada), muitas vezes isolados e com pouco apoio, a sua exigente preparação não pode ter a mínima falha (condições físicas e garantias de saúde, alimentação sólida e líquida, equipamentos adequados, treino individual e coletivo, criação do espírito de corpo entre os seus membros, mútua confiança, apoio médico e psicológico, etc); o Homem é ainda a mais importante peça de qualquer Força Operacional e quando desaparece não há outro igual; cada Soldado de uma Força Especial é, em si, todo o nosso Universo e Alma Coletiva. As Chefias têm essa consciência. Quem está de fora tem, por vezes, dificuldades em perceber!

E, por isso, uma morte ou acidentes em instrução têm de ser rigorosamente raros e com justificação. Tudo deverá ser feito por eles e por nós, para quem eles são treinados a honrar.

Ninguém pode compreender uma morte não justificada, o que é uma tragédia, mesmo para quem viveu situações de combate, sejam camaradas ou Comandantes; pode acontecer, mas não deve acontecer!

A questão recentemente ocorrida será certamente resolvida rapidamente porque precisamos dos Comandos, mas resolvida pela Instituição Militar com todo o rigor, humano e profissional, necessário dando assim contas à Nação através do nosso Poder Político. Este deve dar as condições e aquele é sempre o responsável pela preparação. O Estado tem aqui os seus patamares.

Lisboa, 9 de Setembro de 2016,

GARCIA LEANDRO
TEN-GENERAL (R)

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Nota do editor:

sábado, 10 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16472: Os nossos passatempos de verão (13): "Amarante, princesa do Tâmega" - Parte III: "Não passarão!"... uma lição de história, e de amor pátrios: evocando a heróica defesa da ponte do Rio Tâmega, de 18 de abril a 2 de maio de 1809


Foto nº 1  > A ponte  sobre o Rio Tâmega, em Amarante, com a igreja e o convento de São Gonçalo ao fundo, já na margem direita... 



Foto nº 2 > Lápide comemorativa do 1º centenário da defesa da ponte de Amarante (1809-1909). Reza assim: "As diminutas tropas que sob o comando do general Silveira foram, dispostas em defesa d'esta ponte, resistiram heroicamente durante 14 dias aos sucessivos ataques de fortes colunas francesas, até que, destruído o entrincheiramento principal por um singular estratagema, houveram de retirar-se em 2 de maio de 1808, indo continuar a luta em Trás-os-Montes. Em honra do notável feito e mandada colocar esta lápide comemorativa".


Foto nº 3 > Outra vista da ponte e do centro histórico de Amarante 


Foto nº 4 > Placa a meio da ponte




Foto nº 5 > Marcas dos combates de 18 de abril a 2 de maio de 1809 na parede exterior da igreja do convento de São Gonçalo


Foto nº 6  >  Igreja do convento de São Gonçalo: detalhe exterior


Foto nº 7 > Ponte sobre o Tâmega, visto da margem direita



Foto nº 8 > Relógio da igreja do convento de São Gonçalo


Foto nº 9 > Ponte e igreja do convento de São Gonçalo, vistos da margem esquerda


Foto nº 10 > A ponte vista da margem direita



Foto nº 11 > Rio e ponte, vistos da margem direita (1)


Foto nº 12  Rio e ponte, vistos da margem direita (2)




Foto nº 13 > Rio e árvores seculares


Foto nº 14 > Hotel da Casa da Calçada


Foto nº 15 > Ruínas do solar dos Magalhães, a primeira casa nobre a ser incendiada pelos franceses como retaliação à resistência dos portugueses


Foto nº 16 > Historial do solar dos Magalhães



Amarante > Agosto de 2016 > 


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Terceira (e última parte) dos apontamentos de uma visita,  de um dia de verão, a Amarante... O Rio Tâmega e as suas pontes... Aqui uma pessoa (e não precisa de ser poeta) dá-se conta da importância e da beleza de uma ponte... Física (como a ponte de Amarante) ou simbólica (como o nosso humilde blogue)...

Aqui, em Amarante,  nasceu o convento de São Gonçalo e à sua sombra dele,  desenvolveu-se um  importante local de religiosidade popular e de peregrinação... Aliás, primeiro apareceu o santo, que era minhoto (séc. XIII).

Mas esta bonita terra  (que eu conheci em 1975) só é sede de concelho depois da reforma administrativa de 1855.

O concelho de Amarante tem mais de 300 km2 e a sua população ultrapassa os 56 mil, segundo o último censo (2011). É um território charneira, sendo o  município limitado a norte pelo concelho de  Celorico de Basto, a nordeste por Mondim de Basto, a leste por Vila Real e por Santa Marta de Penaguião... A sul, é ladeado  por Baião, Marco de Canaveses e Penafiel, a oeste por Lousada e a noroeste por Felgueiras.

Pela reforma administrativa de 1855, Amarante agregou   a maioria das  freguesias dos extintos municípios de Gouveia, Gestaçô e Santa Cruz de Ribatâmega, e ainda algumas de Celorico de Basto.

A cidade reclama-se o título de "princesa do Tâmega"... (O nosso poeta e grã-tabanqueiro Luís Jales de Oliveira é capaz de "ranger os dentes" quando ler este poste; mas não... sei que é também um apaixonado por Amarante...).

A célebre ponte de São Gonçalo (que foi reconstruída em finais do séc. XVIII), é uma das mais célebres de Portugal e um verdadeiro ícone da cidade,  por ter sido  palco, durante 14 dias, de 18 de abril a 2 de maio de 1809, de encarniçada e heróica luta das populações e tropas portuguesas contra as tropas napoleónicas em retirada para Trás-os-Montes, na sequência da Segunda Invasão Francesa a Portugal (Guerra Peninsular, 1807-1814).

O gen Silveira (mais tarde nobilitado com o título de "conde de Amarante") e as suas tropas (incluindo milícias e civis mal armados) entrincheiravam-se na margem esquerda (fotos nº 3, 9 e 14), barrando a saída dos franceses em fuga, em direção à fronteira...

A resistência durou 14 dias... O  comando luso-britânico esteve alojado na antiga Casa da Calçada (foto nº 14), entretanto bombardeada e incendiada pelos franceses que acabam por  conseguiram romper as defesas portuguesas, em 2 de maio.

O gen Silveira reconquistou a ponte de Amarante a 12.

Ainda hoje há  marcas da violência dos combates (foto nºs 5, 15, 16). Os portugueses terão perdidos mais de 200 homens e 10 peças de artilharia. Das baixas francesas não rezam as crónicas.

Recorde-se que a II Invasão Francesa, sob o comando do gen Sout, começa com a conquista de Chaves (6 de março de 1809), a que se seguiu Braga (20 de março) e depois Porto (29 de março),.. É nesta ocasião a tragédia da ponte das barcas...

A segunda tentativa de Napoleão conquistar e ocupar o nosso país durou apenas 4 meses... A resistência popular foi heróica...

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Nota do editor;

Vd. Últimos postes da série > 


7 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16460: Os nossos passatempos de verão (12): "Amarante, princesa do Tâmega" - Parte II... Uma terra onde a natureza, a cultura, a história, a religiosidade e a gastronomia se continuam a casar com perfeição...

Guiné 63/74 - P16471: (In)citações (98): "Cartas da guerra" é um filme, não é um documentário... E é um filme de Ivo M. Ferreira, e não de António Lobo Antunes... Mais: é um filme que procura dignificar os ex-combatentes, a quem apelo, como simples espetadora, que o vejam primeiro, antes de pôr um qualquer rótulo no realizador e sua equipa (Marta Léon, produtora O Som e Fúria)

1. Mensagem, de ontem, de Marta Léon, da equipa da produtora O Som e a Fúria,  a propósito dos postes e comentários que surgiram no nosso blogue, referentes ao filme Cartas das Guerra, do realizador Ivo M. Ferreira


Boa tarde Luís,

Desculpe a demora em responder-lhe. Estive a ler os comentários... Nem sei bem o que diga...

CARTAS DA GUERRA é um filme, não é um documentário, mas asseguro-lhe que dignifica os ex-combatentes e que não é um filme panfletário.

Não podemos falar de como as palavras do Ivo são aproveitadas pelos meios de comunicação. Podemos sim desculpar-nos de uma ou outra observação menos feliz.

Não posso falar pelo Ivo, mas penso que o que está implícito nas palavras dele, é que é um assunto que deveria ter sido discutido/falado mais, e não apenas entre os ex-combatentes. A observação refere-se à sociedade que os silenciou, e não aos ex-combatentes. A responsabilidade não é de ninguém, mas sim da situação política que se viveu na época. Ao regresso dos ex-combatentes da Guerra Colonial, deu-se uma Revolução em Portugal, acaba-se com a ditadura e tudo o que a ela dizia respeito fica no passado.

São os que não foram para a frente de combate, que não quiseram ouvir as histórias. E quando se fala da Guerra Colonial, não se fala do impacto que teve na vida de cada um dos soldados.

O filme passa-se na Guerra Colonial, mas não tenta ser um fiel retrato da Guerra. CARTAS DA GUERRA baseia-se nas cartas que o António Lobo Antunes escreveu à mulher, durante o período que esteve em Angola. Este é o foco do filme, as cartas que os soldados trocavam com os seus familiares.

Esta é apenas a minha opinião, Luís.

 Penso apenas que o filme deverá ser visto primeiro e depois então poderá ser feito um debate. Mas não me parece justo, colocar um "rótulo" no Ivo que não o descreve.

Acho também que não podemos evitar que tais comentários surjam. E com certeza haverá sempre quem se identifique com o filme e quem não goste. Mas espero que acredite quando lhe digo que não há qualquer tipo de pretensão da parte do Ivo ou da equipa do filme, em achar que sabemos o que os ex-combatentes viveram.

 Resumindo o filme à sua essência, fala-se de um jovem a quem o seu dia-a-dia é roubado para ir para a frente de combate, servindo de exemplo para falar de toda uma geração e da importância da chegada do correio vindo de um mundo sem Guerra. O filme é também uma história de amor.

Quanto ao aproveitamento de que se fala nos comentários, não consigo compreender. O facto de se falar de um tema da nossa História não creio que isso faça de nós oportunistas. Pelo contrário, acho que demonstra interesse em compreender esse período e que queremos que todo um país se interesse pelo tema.

Foram ouvidas as histórias dos membros da Companhia [de Artilharia] 3313, pois foi nesta companhia que António Lobo Antunes prestou serviço. Mais histórias, seguramente, ficaram por ser contadas, pois que se façam mais filmes, mais documentários, exposições, etc!

Mais uma vez, digo-lhe que, sendo eu um elemento que se juntou à equipa já estando o filme finalizado, como espectadora é para mim um filme que dignifica os ex-combatentes e fez-me refletir, sobretudo, na solidão que um homem sente quando lhe é roubada a vida e quanto isso o modifica. E penso que todos nós deveríamos reflectir sobre esse assunto.
Sei que me alonguei um pouco, mas sou dada ao debate!

Fico à espera do seu feedback.

Bom fim-de-semana,

Marta
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Marta León

O SOM E A FÚRIA
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2. Comentário de L.G.:

Cara Marta;: como lhe disse, lamentavelmente, por razões da minha agenda  pessoal e profissional ainda não consegui ver o filme... Espero poder fazê-lo no início da semana que vem, se ele não sair do circuito comercial tão cedo. Desejo-lhe, de resto,  todo o sucesso, e costumo acarinhar tudo o que é português, feito por portugueses, seja em Portugal ou lá fora,  do cinema à ciência... Só faço uma exceção, para aquilo que é manifestamente estúpido e intrinsecamente mau.

Secundo o seu apelo ao bom senso: veja-se o filme, que é trabalho honesto, de gente jovem e talentosa, desde o  realizador aos atores, dos argumentistas aos técnicos, dos produtores e demais "staff" de apoio...

Veja-se o filme e depois comente-se...Cinquenta e tal anos depois do início da guerra colonial é ainda tão pobre a sua expressão cinematográfica...Contam-se pelos dedos da mão os filmes portugueses que de uma maneira ou de outra abordam o tema da guerra colonial. Mas,  como a Marta diz e bem, este filme é também um filme de amor. Se calhar, um grande filme de amor, muito mais do que um grande filme de guerra.


31 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16433: Agenda cultural (489): Amanhã, dia de 1 setembro, estreia nos cinemas o filme, de Ivo M. Ferreira, "Cartas da Guerra", baseado nas cartas de amor e guerra de António Lobo Antunes, ex-alf mil médico, da CART 3313 (Angola, 1971/73). Descontos especiais para grupos de ex-combatentes e séniores

7 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16281: Agenda cultural (488): O filme "Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira, baseado na obra de António Lobo Antunes, tem estreia comercial em 1 de setembro próximo

Guiné 63/74 - P16470: Parabéns a você (1135): Rui Baptista, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 (Guiné, 1971/74) e Tony Grilo, ex-Soldado Apont Obus 8.8 do BAC 1 (Guiné, 1966/68)


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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16466: Parabéns a você (1134): Filomena Sampaio, Amiga Grã-Tabanqueira de Guimarães e Raul Manuel Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 2.ª Comp/BART 6522 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16469: Agenda cultural (498): Festival Todos 2016, na sua 8ª edição: A não perder, espectáculo de teatro documental, "Portugal não é um país pequeno", Academia Militar, Rua Gomes Freire, amanhã, sábado (17h00) e domingo (19h00): entrada gratuita, limitada à lotação do espaço (140 lugares)...


Lisboa > Festival Todos 2016 > Campo de Santana / Campo dos Mártires da Pátria > Antigo palácio do Patriarcado de Lisboa (séc. XVIII/XIX),  ao lado da embaixada alemã  > É aqui que tudo começa: secretariado do festival, quatro  fabulosas exposições de fotografia, "visita à luz da vela" de mais um futuro hotel de charme de Lisboa... (Uma das exposições é do grande fotógrafo português Luís Pavão,conservador de fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa.   que eu tive o privilégio e a honra de conhecer ontem pessoalmente e de com ele comversar sobre a "nossa" Guiné e o nosso blogue...).

Homens poderosos como o cardeal Cerejeira aqui viveram, trabalharam, rezaram, transpiraram e.... conspiraram. Uma oportunidade única para visitar o palácio (e este e outros, além de hospitais, conventos, quartéis, etc,. na colina de Santana e suas imediações), no âmbito do Festival Todos 2016,

O TODOS -  Caminhada de Culturas foi criado em 2009,  tendo vindo deste então a afirmar Lisboa como uma cidade empenhada no diálogo intercultural, interreligioso, interétnico, intersectorial, intersocial e intergeracional.

O TODOS tem contribuído para a destruição de guetos territoriais associados à imigração,  e marginalidade,  e fortemente estigmatizados, como é o caso por exemplo do Intendente / Anjos / Mouraria ou o Poço dos Negros / Calçada do Combro, ajudando a abrir  toda a cidade a todas as pessoas que nela querem (e gostam de ) viver e trabalhar.



O autor e ator André Amálio., a atuar ontem, na Academia Militar, no 1º dia do festival Todos 2016... UIm espetáculo que vale a pena...


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Teatro Documental >  PORTUGAL NÃO É UM PAÍS PEQUENO
André Amálio | Hotel Europa PORTUGAL


Sábado, 10 Set – 17h00
Domingo, 11 Set – 19h00

Duração 90 min | M/12 | Academia Militar – Rua Gomes Freire 
[Requisitar previamente o ingresso na porta de armas, um hora ou meia hora antes do início do espetáculo]





Cartaz do festival Todos 2016, Lisboa, Colina de Santana, Campo dos Mártires da Pátria, de 8 a 11 de setembro de 2016. Ver aqui o desdobrável com o programa em formato pdf


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Guiné 63/74 - P16468: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (48): O filme das cartas de amor e guerra de António Lobo Antunes, realizado por Ivo M. Ferreira


Fotograma do filme "Cartas da Guerra",  do realizador portuguiês Ivo M. Ferreira, em exibição nos cinemas. Diversos "clips" (vídeos) podem ser vistos aui, no sítio O Som e a Fúria 

Sinopse

"1971. António vê a sua vida brutalmente interrompida quando é incorporado no exército português, para servir como médico numa das piores zonas da guerra colonial – o Leste de Angola. Longe de tudo que ama, escreve cartas à mulher à medida que se afunda num cenário de crescente violência. Enquanto percorre diversos aquartelamentos, apaixona-se por África e amadurece politicamente. A seu lado, uma geração desespera pelo regresso. Na incerteza dos acontecimentos de guerra, apenas as cartas o podem fazer sobreviver."



1. Mensagem do Antº Rosinha


[ Antº Rosinha é um dos nossos 'mais velhos', andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado, fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62, diz que foi 'colon' até 1974... 'Retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho']

Data: 9 de setembro de 2016 às 00:02

Assunto: O Filme das Cartas de Lobo Antunes


Não sei será tão útil a publicação... Mas aqui vão as minhas impressões [, depois de ver o filme, "Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira, baseado nas cartas que o António Lobo Antunes escreveu à mulher durante a guerra colonial].

Foi uma maneira muito interessante de pôr no cinema o espírito de revolta contra a guerra, nas cartas de amor, e dor da separação de um jovem casal.

O suplício da separação conjugal que aquela guerra provocou no médico sente-se permanentemente na voz permanente feminina (falha aí alguma coisa, apetecia que falasse em inglês e termos as legendas em Português) e num major, que desesperado pede ao médico para lhe inventar uma doença que o devolvesse para o ente querido.

Ora quando o major está desesperado, imagina-se que a tropa toda em geral estará no mesmo estado de espírito.

A fotografia dos quartéis retrata bem o espírito claustrofóbico dos 100 x 100 de arame farpado no meu entender e penso que ALA [, António Lobo Antunes,] também sente da mesma maneira a «preto e branco»

Mas embora para ALA aquilo tudo fosse o Cú de Judas nas cartas e no resto, a fotografia faz o gosto ao espírito negativista da guerra e da terra, do autor das cartas, e aquelas paisagens parecem mesmo um fim do mundo a «preto e branco», o que na realidade é a parte totalmente irreal, pois que ao mostrarem alguns elefantes a banharem-se num rio, que possivelmente será na reserva de caça da Cameia, rio Cassai com quedas maior que o Corubal, paraísos na terra, onde algumas anharas se veem secas num tom a preto e branco, são iguais às maiores bolanhas da Guiné mas com rios de grandes caudais de água limpíssima (e com diamantes), a imagem, tirando uma viagem de helicóptero, não dá ideia da beleza da região.

Portanto aqueles espaços abertos do leste de Angola (cús de Judas), muita água, muita caça muito verde, no filme parece mesmo uma terra triste, pobre e de miséria como refere algures, nas cartas ALA.

Fui ouvir novamente a «cumprimentação»,  as «mantenhas» à maneira do leste dos quiocos, o «moio» que ALA já usava na psico-social.

O médico também se viu de G3 na mão em patrulha a pé, e bolsa de primeiros socorros a tiracolo que na minha guerra de 13 anos nunca tinha visto.

Vemos um soldado atingido nas costas e perde a vida e há feridos e mortos numa mina.

Há uma sanzala queimada, também entram flechas, mas houve um fuzilamento, se não interpretei errado, o que pensava eu que nenhum comandante de batalhão permitia (vivia eu, enganado ?).

Todos estes acontecimentos, com a voz feminina permanentemente a ler as cartas e alguma música de fundo.

Li o livro, não me lembro que fale no elemento "lavadeira",  no filme também não se vê nenhum tropa a dar a roupa a nenhuma lavadeira.

O único assédio que se vê foi de um branco (civil, colonialista) num bar levar um nega da garota, «calcinha»,  "nem qui fossis tinenti".

Há uma cena que não interpretei completamente que é um militar completamente despido, fugir de arma na mão para dentro da mata. Vê-se a seguir militares a percorrer a pé e de Jeep campos e rios,
penso que seria à procura desse nu foragido.

Uma coisa que não se vê, foi ninguém ir de férias ou de folga à cidade mais próxima ou à capital, o que era prática frequente na tropa em Angola.

E os 24 meses obrigatórios não eram passados no "mato", pelo menos alguns meses eram as companhias transferidas para as capitais de distrito sendo que em geral era para Luanda e Sul de Angola. Esse pormenor não se vê no filme mas é mencionado no livro das cartas.

O essencial das cartas está lá.

Não se vê uma lerpa na caserna, só se vê uma suecada ou bisca, num descanso da patrulha.

A intensidade da guerra está bastante bem representada para o que se ouvia dizer naquele tempo.

Como repito às vezes, aqueles domínios também foram meus e nunca ouvi lá um tiro.

Não creio que vá ter muitos jovens a ver o filme, é mais gente que andou lá ou senhoras, antigas madrinhas de guerra.

Pena passar desapercebida a qualidade literária.

Cumprimentos
Antº Rosinha

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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16379; Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (47): todas as colonizações são más, até aquelas que os portugueses começaram... e outros, "brancos, amarelos e negros" estão continuando... E vivam os guaranis do Brasil que se recusam a ir aos Jogos Olímpicos do Rio 2016

Guiné 63/74 - P16467: Notas de leitura (878): Ida à Feira da Ladra, sábado, 27 de Agosto: a Guiné estava à minha espera, antes, durante e depois da guerra (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2016:

Queridos amigos,
Assim se põe termo a uma safra variegada de materiais adquiridos na Feira da Ladra: fotografias bem impressivas de uma unidade militar que andou pela Guiné entre 1959 e 1961, parece da maior utilidade comparar o que eles viram com o que experimentamos; um texto literário do início da década de 1980 assinado por Sérgio Matos Ferreira, muita poesia em prosa, trabalho de laboratório que constituiu moda mas que não resultou; e um texto panfletário assinado por uma senhora que hoje tem assento na Academia Brasileira de Letras e o seu marido diplomata, deviam ser ao tempo em que andaram na Guiné-Bissau (1975) dois utópicos que confundiam à vista desarmada os desejos com as realidades. Também assim se faz a vida.
E a seguir vou-vos falar de alguém que foi para a Guiné em 1961, acabou a comissão e ficou como chefe de posto. Há neste relato muito prosaico informações surpreendentes, como irão ver.

Um abraço do
Mário


Ida à Feira da Ladra, sábado, 27 de Agosto: 
a Guiné estava à minha espera, antes, durante e depois da guerra (3)

Beja Santos

“Guiné-Bissau: reinventar a educação”, por Rosiska e Miguel Darcy de Oliveira, Sá da Costa Editora, 1978, é um panfleto político grosseiro, documentalmente incorreto em que os autores se arrogam ao direito de falarem de processos de alfabetização sem oferecerem uma simples proposta à autoridade da Guiné-Bissau que os convidou a visitar o país para contribuir no desenvolvimento de um programa nacional de alfabetização de adultos. Os autores trabalhavam em 1975 no IDAC – Instituo de Ação Cultural, em Genebra onde Rosiska Darcy de Oliveira, cidadã brasileira, se doutorou. Mário Cabral, então ministro da Educação, convidava Paulo Freire, expoente mundial em pedagogia de alfabetização e a equipa do IDAC a visitar a Guiné. Apanhamos de chofre a exaltação da luta do PAIGC, no momento em que esperávamos perceber a missão dos peritos:  
“Um povo, um partido e um homem que souberam enfrentar os bombardeios de napalm, o deslocamento forçado das populações, a tortura e o terror, a agressão indiscriminada à população civil. O dilúvio da violência cega e desesperada de um exército colonial dirigida contra um povo organizado não impediu o surgir, por todo o lado, no campo, nas zonas libertadas do país, de escolas sob as árvores, de postos médicos móveis e de armazéns do povo. Enquanto os portugueses procuravam matar e destruir o povo, os animais e as plantas, o camponês guineense combatia, produzia e educava-se, criando no fogo dos combates as instituições anunciadoras de uma nova sociedade”.

O casal aceita com toda a alegria o convite e partem de Genebra, cidade rica de um Ocidente, pontuam os autores, cheia de mal-estar, onde se procura uma felicidade fugitiva e fugaz, uma civilização que falhou. E é com este menosprezo pela cidade em que estudam que vão aterrar em Bissau e descrevem o país com um grande entusiasmo militante, ali camaradas não quero somente indicar que pertencem a um partido, são camaradas porque se conhecem há muito tempo, lutaram juntos e enfrentam hoje, sempre juntos, novas tarefas. Ainda há marcas de opressão colonial, os portugueses não foram só colonialistas, foram também imperialistas. O PAIGC não é um partido como há tantos no Ocidente, longe de ser uma estrutura rígida, burocrática e inatingível, é verdadeiramente a expressão e o instrumento de realização de uma vontade e de uma consciência comuns.

Chegou o momento de falar de educação e de dois sistemas contraditórios, o da dominação colonial e o das zonas libertadas, houve que encontrar um compromisso, ademais, nos territórios da luta armada havia internatos organizados pelo PAIGC e o estudo estava ligado ao trabalho produtivo e os alunos participavam plenamente da gestão da escola, processo de educação dinâmico e aberto que cria tensões com a sociedade tradicional e com o sistema educativo colonial. No primeiro ano escolar, o PAIGC sentiu-se limitado a assegurar o funcionamento das escolas outrora monitoradas pelas autoridades portuguesas. Inopinadamente, vem nova lengalenga propagandística, as FARP são apresentadas como um caso bem-sucedido de alfabetização, agora, depois da independência encarava-se o papel das FARP num duplo objetivo no trabalho da alfabetização: permitir a redescoberta e a elaboração teórica de toda a experiência política e cultural acumulada pelos combatentes na sua prática de luta; favorecer a sua preparação política e qualificação técnica para novas tarefas, sobretudo a pensar-se na sua reinserção no meio rural. Como é de todos sabido, nada disto aconteceu, os antigos combatentes tiveram que ganhar a vida a lavrar bolanhas e adaptando-se aos mais humildes ofícios.

Teorizando sobre a alfabetização, os autores condenam os métodos conducentes ao individualismo e propugnam uma alfabetização que se torna um instrumento quotidiano de trabalho, há que pensar globalmente na educação, tomando em conta o projeto de sociedade e o modelo de desenvolvimento que se quer construir e para cuja realização a alfabetização e a educação devem contribuir. Como é também sabido, estas preocupações saíram muito cedo da agenda política do PAIGC, antes e depois do corte da Guiné com Cabo Verde.

Retomando a exaltação eufórica do projeto de sociedade guineense, os autores desdobram-se em situações de Amílcar Cabral, no modelo dos armazéns do povo que constituíam uma melhoria concreta da vida quotidiana da população e revelavam aos olhos de todos o fim da exploração do homem pelo homem (sabemos o descalabro em que acabaram os armazéns do povo e os diferentes negócios estatais montados no tempo de Luís Cabral). Chegamos assim à análise concreta do papel que a educação (e dentro dela a alfabetização) pode desempenhar para a realização do desenvolvimento. Há que excluir um sistema educativo que recrie estruturas de classe, que privilegie o sucesso individual, fugir a um sistema educativo de formação de pequenas elites, aproveitem as experiências das zonas libertadas e enraízem a escola no campo e na ligação entre o estudo e o trabalho. Esta reorientação, recordam os autores não é fácil e levanta uma quantidade grande de problemas concretos. Mas eles estão confiantes pois verificaram que na Guiné estão a ser empreendidas as primeiras experiências de união entre estudo e trabalho.

E chegamos assim ao ponto crucial da alfabetização. Aqui a linguagem dos autores modera-se: é preciso proceder por etapas, e justificam:  
“Querer iniciar imediatamente uma campanha massiva de alfabetização seria recair na perspetiva errónea que consiste em reduzir a aquisição da leitura e da escrita a um esforço isolado, como se fosse um fim em si mesmo. Se recusamos esta conceção que conduz apenas ao desperdício de recursos, qual é a alternativa? Como definir as etapas do trabalho a realizar, como identificar as zonas prioritárias por onde começar, como determinar o conteúdo da alfabetização e como encarar os seus prolongamentos?”.

As perguntas são pertinentes mas os autores não têm resposta para qualquer delas, dizem expressamente que têm umas pistas de trabalho. Mas mantêm-se ideologicamente firmes:
“A nossa premissa de base continua a ser a de que a alfabetização só tem sentido lá onde ela se torna um instrumento de trabalho na vida quotidiana da população, instrumento que permite ao grupo que se alfabetiza elaborar o conhecimento da sua realidade, visando aumentar o seu poder de transformação dessa realidade”.

Voltam a invocar o trabalho das FARP (que se demonstrou de importância ínfima), agarram-se a expressões vagas e genéricas do tipo “a alfabetização pode articular-se com o processo que leva a comunidade a assumir a organização e execução de determinados serviços sociais de base. Especialmente no terreno da saúde pública, ela pode associar-se à realização de campanhas de prevenção sanitária e higiénica”.

E alegam não ter respostas porque continuam a fazer análise de um processo em aberto, convidando mesmo os leitores a acompanharem o desenvolvimento desta experiência da escola, da educação e do saber. Desconhecemos se a análise dos autores prosseguiu sobre as novas etapas de alfabetização na Guiné-Bissau. Houve projetos de doadores para a alfabetização, de um modo geral não resultaram por falta de continuidade, por não adesão das próprias autoridades guineenses. Ao longo dos anos foi a cooperação sueca quem pagou aos professores, depois desistiram quando descobriram que o dinheiro era desviado para outras necessidades da administração, ficando os professores mais de meio ano sem receber o seu salário. E a alfabetização tornou-se um epifenómeno, uma quase excrescência do sistema educativo.

De qualquer modo, tem utilidade lermos estes panfletos exaltados e perceber como faltou gente capaz na cooperação internacional para se inserir nos grandes problemas sociais e económicos da Guiné-Bissau e saber abrir portas para o futuro.
Para que conste.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16450: Notas de leitura (877): Ida à Feira da Ladra, sábado, 27 de Agosto: a Guiné estava à minha espera, antes, durante e depois da guerra (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16466: Parabéns a você (1134): Filomena Sampaio, Amiga Grã-Tabanqueira de Guimarães e Raul Manuel Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 2.ª Comp/BART 6522 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 8 de Setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16462: Parabéns a você (1133): Alberto Grácio, ex-Alf Mil Op Esp do BCAÇ 4513/73 (Guiné, 1973/74) e Carlos Alberto Fraga, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74)