Sinopse
"1971. António vê a sua vida brutalmente interrompida quando é incorporado no exército português, para servir como médico numa das piores zonas da guerra colonial – o Leste de Angola. Longe de tudo que ama, escreve cartas à mulher à medida que se afunda num cenário de crescente violência. Enquanto percorre diversos aquartelamentos, apaixona-se por África e amadurece politicamente. A seu lado, uma geração desespera pelo regresso. Na incerteza dos acontecimentos de guerra, apenas as cartas o podem fazer sobreviver."
1. Mensagem do Antº Rosinha
[ Antº Rosinha é um dos nossos 'mais velhos', andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado, fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62, diz que foi 'colon' até 1974... 'Retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho']
Data: 9 de setembro de 2016 às 00:02
Assunto: O Filme das Cartas de Lobo Antunes
Não sei será tão útil a publicação... Mas aqui vão as minhas impressões [, depois de ver o filme, "Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira, baseado nas cartas que o António Lobo Antunes escreveu à mulher durante a guerra colonial].
Foi uma maneira muito interessante de pôr no cinema o espírito de revolta contra a guerra, nas cartas de amor, e dor da separação de um jovem casal.
O suplício da separação conjugal que aquela guerra provocou no médico sente-se permanentemente na voz permanente feminina (falha aí alguma coisa, apetecia que falasse em inglês e termos as legendas em Português) e num major, que desesperado pede ao médico para lhe inventar uma doença que o devolvesse para o ente querido.
Ora quando o major está desesperado, imagina-se que a tropa toda em geral estará no mesmo estado de espírito.
A fotografia dos quartéis retrata bem o espírito claustrofóbico dos 100 x 100 de arame farpado no meu entender e penso que ALA [, António Lobo Antunes,] também sente da mesma maneira a «preto e branco»
Mas embora para ALA aquilo tudo fosse o Cú de Judas nas cartas e no resto, a fotografia faz o gosto ao espírito negativista da guerra e da terra, do autor das cartas, e aquelas paisagens parecem mesmo um fim do mundo a «preto e branco», o que na realidade é a parte totalmente irreal, pois que ao mostrarem alguns elefantes a banharem-se num rio, que possivelmente será na reserva de caça da Cameia, rio Cassai com quedas maior que o Corubal, paraísos na terra, onde algumas anharas se veem secas num tom a preto e branco, são iguais às maiores bolanhas da Guiné mas com rios de grandes caudais de água limpíssima (e com diamantes), a imagem, tirando uma viagem de helicóptero, não dá ideia da beleza da região.
Portanto aqueles espaços abertos do leste de Angola (cús de Judas), muita água, muita caça muito verde, no filme parece mesmo uma terra triste, pobre e de miséria como refere algures, nas cartas ALA.
Fui ouvir novamente a «cumprimentação», as «mantenhas» à maneira do leste dos quiocos, o «moio» que ALA já usava na psico-social.
O médico também se viu de G3 na mão em patrulha a pé, e bolsa de primeiros socorros a tiracolo que na minha guerra de 13 anos nunca tinha visto.
Vemos um soldado atingido nas costas e perde a vida e há feridos e mortos numa mina.
Há uma sanzala queimada, também entram flechas, mas houve um fuzilamento, se não interpretei errado, o que pensava eu que nenhum comandante de batalhão permitia (vivia eu, enganado ?).
Todos estes acontecimentos, com a voz feminina permanentemente a ler as cartas e alguma música de fundo.
Li o livro, não me lembro que fale no elemento "lavadeira", no filme também não se vê nenhum tropa a dar a roupa a nenhuma lavadeira.
O único assédio que se vê foi de um branco (civil, colonialista) num bar levar um nega da garota, «calcinha», "nem qui fossis tinenti".
Há uma cena que não interpretei completamente que é um militar completamente despido, fugir de arma na mão para dentro da mata. Vê-se a seguir militares a percorrer a pé e de Jeep campos e rios,
penso que seria à procura desse nu foragido.
Uma coisa que não se vê, foi ninguém ir de férias ou de folga à cidade mais próxima ou à capital, o que era prática frequente na tropa em Angola.
E os 24 meses obrigatórios não eram passados no "mato", pelo menos alguns meses eram as companhias transferidas para as capitais de distrito sendo que em geral era para Luanda e Sul de Angola. Esse pormenor não se vê no filme mas é mencionado no livro das cartas.
O essencial das cartas está lá.
Não se vê uma lerpa na caserna, só se vê uma suecada ou bisca, num descanso da patrulha.
A intensidade da guerra está bastante bem representada para o que se ouvia dizer naquele tempo.
Como repito às vezes, aqueles domínios também foram meus e nunca ouvi lá um tiro.
Não creio que vá ter muitos jovens a ver o filme, é mais gente que andou lá ou senhoras, antigas madrinhas de guerra.
Pena passar desapercebida a qualidade literária.
Cumprimentos
Antº Rosinha
______________
Nota do editor:
Último poste da série > 10 de agosto de 2016 >
Guiné 63/74 - P16379; Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (47): todas as colonizações são más, até aquelas que os portugueses começaram... e outros, "brancos, amarelos e negros" estão continuando... E vivam os guaranis do Brasil que se recusam a ir aos Jogos Olímpicos do Rio 2016