quarta-feira, 3 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25709: Tabanca Grande (561): Aurélio Manuel Trindade, ten gen ref, ex-cap 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), militar de Abril, e autor do livro de memórias "Panteras à solta": senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 891



O então cor inf Aurélio Manuel Trindade. 
Foto da Academia Militar, s/d, 
gentilmente cedida pelo seu camarada e 
amigo cor art ref Morais da Silva,
beirão de Lamego

1. Não somos um blogue de generais, nem os generais precisam deste blogue.  Somos um blogue de "amigos e camaradas da Guiné", antigos combatentes.  Mas sentimo-nos honrados por termos também alguns generais entre nós. Fomos arraia-miúda da guerra da Guiné: infantes, artilheiros, cavaleiros, marinheiros, fuzileiros,  "rangers", paraquedistas, enfermeiros, enfermeiras paraquedistas, médicos, capelães, vaguemestres, sapadores, condutores, cozinheiros, mecânicos, bate-chapas, escriturários, quarteleiros,  básicos, homens as transmissões, pilotos, especialistas da FAP, e por aí fora. 

Temos comandantes operacionais, capitães de várias armas, que combateram na Guiné e fizeram as suas carreiras, chegando a oficiais superiores  (coronéis, capitães de mar e guerra) a a oficiais generais (majores e tenentes 
generais). E alguns estiveram no 25 de Abril de 1974.  

Só não temos nemhum marechal: Spínola (tal Costa Gomes) morreu muito antes da criação da Tabanca Grande. Mas o Costa Gomes nunca nunca bebeu a água do Geba, do Corubal, do Cacheu, do Buba, do Cacine, do Cumbijã... 

O Aurélio Manuel Trindade foi nosso camarada (conceito que,  entre os infantes,  abarca todos os combatentes até ao nível de comandante operacional, ou seja, o que "alinha no mato" com a "canhota"). 

Foi combatente na Guiné e militar de Abril.   Faleceu no passado dia 12 de junho (*). Era tenente general, oriundo da arma de infantaria. Estava reformado. Tinha acabado  de fazer 91 anos.  Viúvo, deixa três filhos e não sei quantos netos. Na comunicação social a sua morte passou praticamente despercebida. Ele não er um figura mediática, vivia muito discretamente e era raro aparecer nos nossos convívios.  Convidei-o, através do seu amigo e cmarada cor inf ref Arada Pinheiro, a ir um dia à Tabanca da Linha. Declinou amavelmnete o convite. Mas sabia que estávamos a publicar notas de leitura e excertos do seu livro "Panteras à solta" (**)...

Recorde.se que, sob o pseudónimo literário Manuel Andrezo, escreveu um livro notável de memórias, de cariz autobiográfico, "Panteras à Solta" (edição de autor, 2010). 

Sabemos que  à frente da 4ª CCAÇ / CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67), o cap inf Trindade revelou-se um excecional comandante operacional, e um grande líder:  percebeu, muito cedo, que naquela "guerra subversiva" o mais importante era conquistar as populações...

No CTIG, foi o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6. Fez a sua comissão sempre em Bedanda, entre julho de 1965 e julho de 1967

Com mais três comissões, primeiro na Índia, depois em Moçambique, como capitão (1962/64) e outra em Angola, já como major (1971/73), era um militar condecorado com Medalha de Prata de Valor Militar com Palma, Cruz de Guerra, colectiva, de 1.ª classe, Cruz de Guerra de 2.ª Classe, Ordem Militar de Avis, Grau Cavaleiro, Medalha de Mérito Militar de 3.ª Classe e ainda Prémio Governador da Guiné. Participou no 25 de Abril, como major, tinha então 41 anos e estava colocado na EPI, Mafra.



Foto da capa  do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010 / 2020] , 445 pp. , il. [ Manuel Andrezo era o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/ jul 67]

Na foto acima, da capa, o "capitão Cristo, sentado ao centro, na casa do Zé Saldanha [encarregado da Casa Ultramarina, em Bedanda, e onde se comia lindamente, graças aos dotes culinários da esposa, a balanta Inácia] . Por trás, em pé, os alferes Carvalho e Ribeiro e ainda o Zé Saldanha" (legenda, pág. 440).  O cap Cristo era nem mais nem menos do que o "alter ego" do cap Aurélio Manuel Trindade, o 10º (e último) comandante da 4ª CCAÇ, desde 1jan61, e o primeiro comandante (de dez!), a partir de 1bril de 1967, da CCAÇ 6 (Bedanda, 1967/74).



Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Brasão da CCAÇ no bolo da festa...


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Foto de grupo.


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Foto de grupo (metade esquerda)

«

Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Foto de grupo (metade direita: o ten gen Aurélio Manuel Trindade, em mangas de camisa, é o segunda  a contar da direita, na primeira fila)


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das 
Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Da esqura para a direita, Gualdino, Luz e Coronel Renato Vieira de Sousa (este oficial foi quem comandou a CCAÇ 6,  em 1967/69, logo seguir ao Aurélio Trindade, que terminou a comissão em meados de 1967)


Mealhada > Pedrulha > Restaurante "A Portagem" > 2º Encontro Nacional das Onças Negras de Bedanda, 1967/74) > Da esquerda para a direita, o ex-cap Trindade, o primeiro cmdt da CCAÇ 6, Lassano Djaló, Rui Santos (nosso grão-tabanqueiro da primeira hora) e o Amará Camará.

Fotos (e legendas): © António Teixeira (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Brasões das 4º CCAÇ e CCAÇ 6


2. O Aurélio Manuel Trindade, um beirão de Viseu, vai agora sentar-se, à sombra do nosso poilão,  no lugar nº 891 (***).  

É uma entrada, mais que merecida, embora infelizmente a título póstumo. É "apadrinhada" pelo seu amigo e camarada cor inf ref Mário Arada Pinheiro, um ano mais velho do que ele na Escola do Exército (1951/52).

Temos poucas fotos do novo grão-tabanqueiro. Uma delas é do 2º encontro do pessoal da CCAÇ 6, na Mealhada, em 6 de fevereiro de 2012, organizado pelo saudoso António Teixeira, "Tony" (1948-20123), ex-alf mil da CCAÇ 6 (Bedanda, 1972/73)  (****)

Como eu próprio escrevi na altura, foi um  êxito este 2º  encontro dos bedandenses, por uma razões que eu especifiquei:

(i)  por um lado, as qualidades de comandante do António Teixeira (Tony, para os amigos), à sua capacidade de liderança motivacional e de organização, qualidades que eu topei logo quando o conheci, no verão de 2011, na Lourinhã, por intermédio de um amigo e camarada comum, o Pinto Carvalho (infelizmente, morreria pouco tempo depois,  em 25/11/2013; era professor de educação física, reformado, natural de Espinho);

(ii) uma segunda razão,  tem a ver com  “bom irã” de Bedanda, essa terra mágica, as palavras eram do próprio Tony Teixeira:  (,,,) “muitos dos presentes neste encontro não se conheciam, visto terem pisado naquele chão em alturas muito diferentes. Mas aquele chão, aquela terra, é mágica, e exerce sobre nós um poder fantástico, poder esse que nos move e nos transcende"; e acrescentava o Tony:  "já depois do grande êxito que foi o nosso primeiro encontro, este ultrapassou todas as expectativas, conseguindo juntar 48 convivas, que por lá passaram entre 1963 e 1974, e  nem o dia cinzento, com uma chuva miudinha à mistura, arrefeceu o nosso entusiasmo: logo ao primeiro abraço era como se sempre nos tivéssemos conhecido”. (…)

 Entre esses convivas estava o ex-cap inf Aurélio Manuel Trindade, que não disse a ninguém que era tenente general.E era o mais antigo dos "Onças Negras" (antes  "Panteras Negras"), a a seguir ao Rui Santos (que foi alf mil, 4ª CCAÇ, 1963/65)...

Há homens que não precisam de se pôr em bicos de pés para mostrar que são grandes. O Aurélio Trindade era um desses, um português dos melhores. Vamos continuar a honrar a sua memória e a memória das "Panteras Negras" e  das "Onças Negras".

(***) Último poste da série > 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BCAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

terça-feira, 2 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25708: Timor-Leste, passado e presente (10): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte II: Como era a pequena colónia do sudoeste asiático em 1940/41 ?



Timor Leste > s/d (c. 1936/40) > O "liurai" Dom Aleixo Corte-Real (1886-1943), régulo de Ainaro e Suro, um dos heróis luso-timorenses  da resistência contra os ocupantes japoneses na II Guerra Mundial.


Timor Leste  > Dili >  c. 1939 > 
Vapor Oekussi, adquirido em março 1939.  



Timor Leste  > Dili >  c. 1936/40  > 
O Palácio do Governador




Timor Leste > Dili > s/d  > Colégio-liceu "Doutor Francisco Machado", inaugurado em 1939.

Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo coma Wikimefdia Commons.


O Álbum «Colónia Portuguesa de Timor», mais conhecido por «Álbum Fontoura», nome do governador que o mandou elaborar em finais dos anos 30, e coincidindo, então, com a permanência em Timor de uma missão geográfica e geológica, chefiada pelo geógrafo Jorge Castilho, contém 549 fotografias relativas a «grupos étnico-linguísticos e tipos em geral», «trajos, ornamentos, pertences e armas», «vida familiar e social», «formas de trabalho (…), arte indígena e instrumentos musicais» e «acção civilizadora e colonizadora». O exemplar do álbum, recuperado após Abril de 1974 pelo antropólogo, professor António de Almeida, foi depositado no AHS (Arquivo Histório Social, ISC/UL, pela «Família Almeida», através do Doutor Pedro Cardim. (Fonte: AHS/Album Fontoura)


Uma cópia digitalizada deste álbum foi oferecido pelo ICS/UL a Xanana Gusmão: "Quisemos fazer um 'fac-simile' para oferecer aos arquivos de Timor, que isto fosse um instrumento de estudo do país. O álbum é algo que interessa aos timorenses, apesar da carga muito colonial. É um retrato de partes de Timor que desapareceram com a invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial e que as gerações nascidas depois de 1945 desconhecem", disse Fátima Patriarca, arquivista e socióloga do ICS, ao jornal "Público".

O coronel Álvaro Fontoura (Bragança, 1891 - Lisboa, 1975), foi "governador de Timor entre 1936 a 1940 e é-lhe atribuída a ideia de organizar o Álbum Fontoura". Era então major de infantaria,

Licenciou-se em engenharia civil na Universidade do Porto e foi professor do Colégio Militar entre os anos de 1925 a 1937, da Escola Superior Colonial entre 1932 a 1947 e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas (ISCSPU) / Universidade Técnica de Lisboa entre os anos de 1939 e 1961.

Será depois chefe de gabinete do Ministro das Colónias, Francisco José Vieira Machado, de 1940 a 1944, presidente da Junta Central de Trabalho e Emigração do Ministério do Ultramar de 1937 a 1960 e Diretor dos Caminhos de Ferro de Moçambique. Como parlamentar participou como deputado da IV Legislatura (1945 - 1949) pelo círculo eleitoral de Macau.



1. Estamos a publicar notas de leitura e excertos do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.

 Timor Leste, como é sabido, foi o único território  ultramarino (na altura, designado como "colónia" , até 1951)  que foi invadido e esteve ocupado por forças estrangeiras, durante a II Guerra Mundial (entre dezembro de 1942 e setembro de 1945): tropas autralianas e holandesas, primeiro, e depois japonesas.

O livro em apreço é um documento importante para se conhecer melhor este dramático  período da história de Timor.  

Segundo o nosso grão-tabanqueiro,  cor art ref Morais Silva que é natural de Lamego, o médico José dos Santos Carvalho teria nascido no concelho vizinho de Armamar (e,  pelas nossas contas, no início de República): 

"Família Santos Carvalho, originária de Cimbres (município de Armamar). Em Lamego viveram o irmão, dr Joaquim Carvalho (acompanhou a gravidez da minha mulher) e a irmã, dra. Maria Adelaide, ambos médicos da Casa de Saúde de Lamego, já falecidos. Família prestigiada, tem descendência a viver em Lamego." (Comentário ao poste P25683) (*)

Atualizávamos a ortografia e a grafia dos topónimos. O livro foi redigido no principio da década de 1970, sendo uma edição da Livraria Portugal Editora, na Rua do Carmo 70  (que já não existe como editora, creio eu),composto e impresso na Gráfica de Lamego.


"Uma vista de olhos sobre Timor em 1941" (**)

por José dos Santos Carvalho


(i) Nas páginas 11 a 15, o autor faz uma sucinta mas interessante apresentação do então  pequeno território português de Timor ao qual ele atribuiu mais 4 mil quilómetros quadrados de superfície (19 mil em vez de 15 mil).

(...) "O território principal de Timor Português apresenta uma forma em ferro de lança e a sua superfície corresponde a cerca de 19.000 km2 , pouco mais que um quinto da da metrópole " [15007 km km é a superfície oficial de Timor Leste, segundo o sítio do respetivo Governo].

(...) A  ilha de Timor está situada na zona tórrida, muito perto do equador e ao norte da Austália da qual dista cerca de quatrocentos quilómetros, pertencendo a Portugal somente a metade oriental e o pequeno território do Oecussi encravado na metade estrangeira (hoje indonésia, em 1940 holandesa) .

"Pertence-nos [ é curiosa esta "apropriação coletiva" por parte do autor na qualidade de funcionário colonial] também, a ilhota de Ataúro (cujo nome em malaio é o de Poeloe Cambing, isto é, a ilha das cabras)".


(ii) Sobre a topografia e  o clima  do exótico e longínquo território, José dos Santos Carvalho faz questão de esclarecer os seus leitores:

(...) A terra timorense mostra-se muito acidentada sendo, praticamente, uma cadeia de montanhas que emerge abruptamente do mar. O seu ponto mais alto é o pico do Tatamailau, do monte Ramelau, que se aproxima dos 3.000 m. de altitude. (...)

O clima é muito quente nas terras à beira-mar, tais como Díli e Liquiçá, sendo esta última a terra do ultramar português que apresenta uma temperatura média anual mais elevada.

Porém, como quase todo o território está situado em certa altitude, a maior parte das povoações dispõe de clima agradável, por ser relativamente seco e bastante uniforme. Em terras de 1.000 metros de altitude, como a Ermera, por exemplo, o clima é de «Primavera Eterna», como Teófilo Duarte o denominou.

Não se diferenciam as quatro estações anuais dos países temperados. Distinguem-se, sim, duas épocas — a da seca e a das chuvas — desenvolvendo-se esta última de Novembro a Março. (...)


(iii) Pode também ter algum interesse para os nossos leitores, que acompanham a história recente de Timor, saber como, do ponto de vista administrativo, estava organizado o território, quando o "médico de 2ª classe", José dos Santos Carvalho é lá colocado. O modelo era o das "circunscrições administrativas" (que também conhecemos na Guiné):

(...) Em 1940, a então oficialmente denominada colónia de Timor estava dividida em cinco circunscrições administrativas com sede em Bobonaro, Aileu, Manatuto, Baucau e Lautém e um concelho, o de Díli. 

A circunscrição com sede em Bobonaro tinha o nome de circunscrição da Fronteira, a de sede em Baucau o de circunscrição de S. Domingos e a de sede em Aileu, o de circunscrição do Suro. (...) [Vd. na Wikipedia a atual organização administrativa que "é fruto da fusão de influências da colonização portuguesa e da ocupação indonésia".]

(iv) A organização dos serviços de saúde era muito sumária, repartindo-se em três "delegacias de saúde": 

  • a da zona central com sede em Díli e abrangendo o concelho deste nome, a circunscrição de Aileu, o posto administrativo de Ataúro e o território do Oecussi; 
  • a da zona leste, com sede em Baucau e abrangendo as circuncrições deste nome, a de Manatuto e a de Dautém; 
  • e a da zona oeste, com sede na Hátu-Lia e abrangendo o restante território.

(...) Cada zona sanitária era administrada por um médico, o delegado de saúde. Nas sedes das zonas sanitárias estava instalada uma enfermaria regional, dirigida pelo delegado de saúde, e, nas restantes circunscrições e postos administrativos, funcionava uma ambulância sanitária a cargo de um enfermeiro diplomado.

Os serviços centrais de saúde competiam à Repartição Técnica de Saúde e Higiene da Direcção da Administração Civil da colónia e eram chefiados por um dos médicos aí em serviço, nomeado pelo Ministro.

A Repartição de Saúde estava instalada no pavilhão principal do Hospital Dr. Carvalho, em Lahane, próximo do qual tinha o chefe a sua residência. (...)

O hospital, inaugurado em 1906, chamava-se Carlos I, o penúltimo rei de Portgal. Depois, com a República, foi renomeado Hospital Dr Carvalho, em homenagem à figura do dr. Tomás de Carvalho (1819-1897), um médico que defendia o ideal republicano, e  que em 1858 tinha sido sido eleito deputado pelo círculo eleitoral de Macau (que incluía Timor) e exerceu essas funções durante várias legislaturas, até se tornar Par do Reno...

O governador de Timor era então (de 1940 a 1945) o capitão Manuel Abreu Ferreira de Carvalho (Porto, 1893 - Lisboa, 1968). (Durante a ocupação estrangeira, australiano-holandesa e depois japonesa, o seu cargo terá sido meramente formal ou simbólico.) 

(v) Era, entretanto,  diminuto o pessoal que  administrava o território: 

(...) O governador de Timor residia no vulgarmente chamado palácio de Lahane e despachava os assuntos de administração pública no também denominado palácio da secretaria da administração civil em Díli, na avenida marginal. Dois funcionários superiores, o chefe do gabinete e o secretário, trabalhavam intimamente com o Governador.

A direcção dos serviços de administração civil pertencia a um intendente administrativo de quem dependiam o administrador do concelho de Díli e os administradores das diversas circunscrições. Destes últimos dependiam os chefes de posto administrativo.

No concelho de Díli e nas circunscrições estavam em serviço, além do administrador, um secretário de circunscrição e um ou mais aspirantes administrativos.

Diretamente do Governador dependiam, além dos serviços militares, e de administração civil, os de saúde e higiene, das alfândegas, dos correios e telégrafos, da fazenda e das obras públicas. (...)




Timor Leste > 2024 > Com c. 15 mil km2, e mais de 1,3 milhões de habitantes, ocupa a parte oriental da ilha de Timor, mais o enclave de Oecusse e a ilha de  Ataúro. Antiga colónia portuguesa, tornou-se independente em 2002, depois de ter sido  invadida e ocupada pela Indonésia durante 24 nos, desde finais de 1975.    

Em termos administrativos, a atual República Democrática de Timor-Leste encontra-se dividido em 13 distritos: 

(i) Bobonaro, Liquiçá, Díli, Baucau, Manatuto e Lautém na costa norte; 

(ii) Cova-Lima, Ainaro, Manufahi e Viqueque, na costa sul; 

(iii) Ermera e Aileu, situados no interior montanhoso; 

(iv) e Oecussi-Ambeno, enclave no território indonésio.

Infografia : Wikipédia > Timor-Leste |  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné 



(vi) Mais escassa ainda era a força militar que defendia Timor em 1941. O autor não esconde o caricato do dispositivo militar,  incapaz de assegurar a efetiva "neutralidade" de Portugal no conflito mundial, que chegou também ao Sudoeste Asiático, em 1941, e que será de resto um pretexto para as duas invasões estrangeiras:

(...) A tropa de Timor, constituída na sua quase totalidade por naturais da ilha, estava pessimamente equipada e com armas obsoletas, como espingardas Kropatchek do modelo de 1895, com cartuchos carregados em 1905,  e de carabinas Winchester idênticas às dos filmes do Far West, com excepção de algumas metralhadoras de tipo moderno recentemente adquiridas. 

Era muito reduzido o número de oficiais e sargentos e mesmo de cabos, com a agravante de bastantes destes dois últimos estarem fora do serviço militar, em comissão como chefes de posto administrativo.

O único organismo de algum valor militar que então havia era a Companhia de Caçadores de Timor, aquartelada em Taibéssi, próximo de Díli, tendo como oficiais os tenentes Liberato, Ramalho e Garcia de Brito.(...) 


A justiça reduzia-se a dois magistrados:

(...) Os serviços de justiça dispunham de um juiz de direito, o Dr. José Nepomuceno Afonso dos Santos e de um delegado do procurador da república, o Dr. Noronha. [O juiz era o pai do cantor e compositor José Afonso, 1927-1987: vd. documentário da RTP "Rosas de Ermera"].


(vii) Quanto à Igreja Ctaólica estava tradicionalmente melhor implantada:

(...) Existia em Timor (que pertencia à diocese de Macau) uma eficiente organização missionária católica servida por sacerdotes, formados em Macau, e por irmãs missionárias canossianas, de nacionalidade italiana.

As «Missões» dispunham de colégios para rapazes na Soibada e em Ossú, onde preparavam excelentes catequistas e ministravam a instrução primária a grande número de alunos; as irmãs tinham ao seu cuidado colégios em Díli, Dare e Soibada, onde educavam e instruíam bastantes meninas timorenses e de
outras naturalidades.

Em Díli funcionava um colégio-liceu, cujos professores eram funcionários de diversos serviços oficiais que viviam em Díli. Assim, por exemplo, o professor de história era o tenente Dr. Garcia de Brito, o de matemática o senhor Lourenço de
Oliveira Aguilar, administrador do concelho de Díli, etc. (...)


Timor, por outro lado, e como é sabido, foi também um local de 
"encarceramento e deportação" (Vd. poste P25454) (**)

(...) Encontravam-se então em Timor algumas dezenas de portugueses metropolitanos que para aí haviam sido deportados por motivos políticos, vivendo livremente e recebendo do Estado um subsídio para a sua subsistência. 

Pertencentes a diversas profissões eram, pela sua preparação técnica e capacidade de trabalho, elementos muito apreciáveis para o desenvolvimento da terra, Colonos, artífices ou comerciantes, distinguiam-se ela sua actividade. Dentre eles, avultava a figura prestigiosa do Dr. Carlos Cal Brandão que exercia a profissão da advocacia em Díli, onde havia constituído família. (...)

O autor também aborda a questão da língua, sendo o tétum o mais falado:

(...) Em Timor fala-se mais de uma dúzia de línguas ou dialetos diversificados, apesar da área da ilha ser tão pequena. Porém, há um deles, o «tétum» que é compreendido em toda a parte. A sua gramática é muito simples e a pronúncia fácil para europeus. (...)

(viii) Figura destacada então, por pertencer à nobreza guerreira timorense, e leal à bandeira portuguesa, era então o "liurai" (ou régulo) de Suro e Ainaro,  Aleixo Corte-Real (1886-1943), que será depois preso e fuzilado pelos japoneses.
("Dom Aleixo viria a visitar Portugal, juntamente com mais oito timorenses, a fim de participar na Exposição Colonial do Porto", segundo se lê na Wikipedia).

(...) Os timorenses conservam os seus chefes tribais tradicionais, os «liurais» (por nós chamados régulos), tendo alguns mais ilustres o título de Dom e, aqueles com serviços à Nação, postos na tropa de segunda linha que em Timor se chama a
tropa de «moradores».

Eram muito conhecidos em 1940, o liurai de Ainaro, D. Aleixo Corte-Real, o de Ossuroa, D. Paulo, o do Remexio, coronel D. Moisés, etc., e o coronel José Nunes, de Maubara. (...)


(ix) Há mais informações no livro do nosso médico, sobre os Timorenses e Timor, incluindo as muitas poucas empresas agrícolas de natureza colonial:

(...) Os timorenses são de fraca constituição física, de inteligência viva e de carácter firme e leal. Portugueses de alma e coração, adoram participar em formaturas e marchas de tropas de segunda linha e sentem respeito religioso pela bandeira da Pátria que mais que tudo veneram.

Em Timor cultivam-se com largueza todos os géneros agrícolas necessários para uma boa alimentação. O arroz, o milho, a mandioca, as leguminosas, o amendoim, etc, encontram -se por toda a parte em abundância e os frutos são variados e deliciosos. O mar fornece excelente peixe e mariscos e a profusa criação de búfalos dá carne e leite.

A Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho produz nas suas plantações de Fátu-Béssi, na área do posto da Ermera, o excelente e aromático café de Timor e algum cacau.

Em 1940, as acções desta sociedade pertenciam aos herdeiros do grande governador de Timor, coronel Celestino da Silva (representados pelo senhor Jaime de Carvalho) , ao Estado português, ao Banco Nacional Ultramarino e a uma firma japonesa, pelo que uma meia dúzia de empregados da sociedade eram súbditos nipónicos, sendo os mais importantes os srs. Segawa e Inocúchi.

Na Hátu-Lia cultivava-se o chá, em especial numa granja do Estado, denominada Granja Eduardo Marques,  no posto da Ermera, cujo capataz era o deportado, sr. Carrascalão.



Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972,  208 pp.  Cortesia de Internet Archive.



(x) Não faltam, por fim, informações sobre as ligações entre Portugal e Timor, começar pelo omnipresente BNU (Banco Nacional Ultramarino), que de resto continua hoje a operar em Timor, desde 1912, como se pode ler na sua página do Facebook: O BNU, que hoje faz parte do Grupo Caixa Geral de Depósitos, "está em Timor-Leste desde 1912, apoiando Timor-Leste na implementação e crescimento do sector privado, e auxiliando os vários governos do país na implementação de uma economia estável e sustentável".)


(...) Em Díli funcionava uma agência do Banco Nacional Ultramarino cujo gerente era o sr. João Jorge Duarte e onde trabalhavam vários empregados não-timorenses.


A moeda que então corria era a pataca que se dividia em cem avos e valia seis escudos. As patacas eram em papel, mas inda existia boa quantidade de moedas de prata, cunhadas no México, em depósito do Estado no Banco Nacional Ultramarino. Eram as vulgarmente chamadas «patacas grossas» ou «patacas mexicanas»  (...)

Timor comunicava com Macau e Lisboa por meio de uma estação radiotelegráfica, instalada em Taibéssi e era servida por pequenos navios holandeses que levavam os passageiros a Soerabaja e por uma carreira de grandes hidroaviões entre a Austrália e Singapura que amaravam na baía de Díli e pertenciam a uma empresa australiana, a QANTAS (Queenstand and Northern Territory Aerial Service). 

Há pouco tempo, havia carreiras aéreas semanais entre Díli e a vizinha capital da parte holandesa, Koepang, feitas num avião Fokker que o governo de Timor alugara, contratando, também, a respectiva tripulação de holandeses.

As emissões de radiotelefonia europeia, sobretudo o noticiário, não eram, praticamente, ouvidas em Timor, pois, devido ao seu grande afastamento da Europa, em longitude, havia uma diferença de oito horas entre a hora local e a do continente português. Assim, o noticiário mais importante que nesses tem-
pos era dado pela Emissora Nacional às dezanove horas, somente poderia ser ouvido em Timor por quem se levantasse às três da madrugada.

Todas as povoações de alguma importância dispunham de postos de correio e de telefone.

O número de quilómetros de estradas transitáveis durante todo o ano era bastante reduzido e o transporte por automóvel só estava ao alcance de muito poucos. Praticamente, as viagens pelo interior da ilha faziam-se sempre utilizando o valente e brioso pónei timorense.

Um naviozinho a motor, chamado «Oé-Kússi» transportava passageiros e carga para os diferentes pontos da ilha onde podia aportar, tais como Manatuto, Baucau, Liquiçá, Suai, etc, ao enclave do Oé-Kússi e à ilha de Ataúro. (...)

(xi) As páginas seguintes (de 15 a 31) também têm interesse, para o leitor de hoje: são saborososos apontamentos sobre a sociedade colonial local, em que os poucos portugueses que lá estavam (deportados e funcionários públicos, civis e militares),  se conheciam todos e conviviam uns aos outros, tal como na Guiné dos anos 40/50, à volta de dois clubes, o Benfica e o Sporting. 

Vivia-se, em Díli, em 1940/41, uma falsa paz bucólica que será sacudida pela terrível notícia dfa entrada do Japão na guerra, com o ataque a Pearl Horbor, a 7 de dezembro de 1941,  a mais de 7 mil quilómetros dali, em pleno Pacífico.  (LG)

Fonte: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pp. 11/15

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, excertos e itálicos dos excertos: LG) 
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Guiné 61/74 - P25707: Facebook...ando (59): Joaquim Martins, nosso grão-tabanqueiro desde 2015, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4142/72, "Herdeiros de Gampará (Ganjauará, 1972/74) - Parte I



Foto nº 1 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74>  "CCais de abicagem de Ganquecuta, na margem esquerda do Geba, em frente estava Porto Gole: o Rodrigues, eu ( sentado ) e o sargento Gonçalves."



Foto nº 2 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74> "Eu, junto do meu iate privado, no Rio Geba." (O Joaquim Martins, sentado num sintex, com morto fora de bodo...talvez um Mercury de 50 cavalos, acrescenta alguém


Foto nº 3 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74> > O fur mil at inf Joaquim Martins, natural de Gondomar.


Foto nº  4 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74> Reordenamento. Construção de moranças.


Foto nº 5 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74 > Reordenamento (1) 


Foto nº 6 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74 > Reordenamento (2)


Foto nº 7 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74 >   "Três elementos da CCAÇ 4142/722, o Sequeira, o Dálio e o Virgílio Valente, no heliporto que também servia para campo de futebol."


Foto nº 8 > Guiné >  Região de Quínara > Península de Gampará > CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74 > "Dois dos nossos cozinheiros. Era a cozinha do nosso hotel, a ASAE não passou por aqui. Um Abraço para todos os que por aqui passaram". (O primeiro parece ser o Joviano Teixeira


Foto nº 9 > Arcos de Valdevez >
 XXI Encontro dos "Herdeiros de Gampará" > 26 de maio de 2018 > O  Bolo  com o brasão da CCAÇ 4142/72.




Foto nº 10 > Guião da CCAÇ 4142/72 (Ganjauará, 1972/74)


Fotos (e legendas): © Joaquim Martins (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Carta de Fulacunda (1955)> Escala 1/50 mil >  Parte da península de Gampará, banhada pelo Rio Geba e pelo Rio Corubal. Posição relativa de Porto Gole, Ganjauará, Ganquecuta.  (Na margem direita, a famigerada Ponta do Inglês, já na Foz do Rio Corubal; o PAIGC em 1972 controlava algumas posições no rio Corubal, como era o caso de Ponta do Inglês / Poindom,  no subsector do Xime, sector L1 (Bambadinca).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



1. O Joaquim Martins é membro da nossa Tabanca Grande, desde 5 de junho de 2015, foi fur mil at inf, CCAÇ 4142/72, "Herdeiros de Gampará", Ganjauará, 1972/74. Tem 74 anos, nasceu em Gondomar, em 19 de maio de 1950; vive em Águas Santas, Maia; trabalhou no Gabinete de Planeamento da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP); está reformado.

A sua subunidade partiu para o CTIG em 16set72. No Cumeré, a CCAÇ 4142/72 fez a IAO. Um mês depois, a 18out 72, foi colocada em Gampará, rendendo a CART 3417, os "Magalas de Gampará".

A sua missão era a defesa e segurança das populações da área, assim como a construção da 2.ª fase do reordenamento. "Dias difíceis se seguiriam, adaptação a tão duro ambiente, as más condições sanitárias, fraca alimentação, condições estas já descritas no Blogue pelo nosso camarada Amílcar Mendes da 38.ª CCmds aquando da sua passagem por este chão".


Da CCAÇ 4142 temos, além do Joaquim Martins, como repesentantes da Tabanca Grande,   mais para quatro camaradas, a saber:



2. Pela sua página do Facebook, vê-se que o Joaquim Martins é um camarada voluntarioso, que aparece nos convívios, tira e partilha fotos, recorda factos, figuras, topónimos, datas, etc. Da sua página espigámos alguns apontamentos e fotos desse tempo:


(i) 27 de maio de 2018 ·

Guiné, Gampará 72/74. Em 26/05/2018, em Arcos de Valdevez, foi levado a efeito mais um Convívio Anual da CCAÇ 4142/72, os "Herdeiros de Gampará". Foi um excelente convívio, num ambiente muito agradável de grande companheirismo e de muita animação. Parabéns ao organizador, o Martins, um Abraço para os que não puderam comparecer e, para os que já não estão no nosso meio, Paz à sua Alma, Até para o ano.

(ii) 16 de setembro de 2018 ·

Gampará 72/74. 16 de setembro de 1972, faz hoje 46 anos que a CCAÇ 4142/72 parte para a Guiné a bordo de um Boeing 707 dos TAM. Chegados ao aeroporto de Bissalanca, a Companhia dirigiu-se para o Cumeré onde iria ter a sua IAO. Terminada a instrução, a 18 de outubro  avança para a sua zona de ação, Gampará. onde iria render a CART 3417 e, onde se encontrava também a 38ª CCmds que iria abandonar a zona, deixando contudo dois de grupos de combate para colaborar no nosso treino (partiria  partido a 4nov72  e, a 15,  partia também a CART 3417). 

A 22nov72  chegaram a Gampará dois grupos de combate da 1ª CART/BART 6520/72 para colaborarem na actividade operacional da nossa companhia.

Durante os cerca de 23 meses de permanência na Península de Gamapará, percorremos vezes sem conta as matas, as bolanhas os núcleos de tabancas existentes. Construíram -se 42 moramnças para a população dando continuidade ao trabalho executado pela CART 3417.

Em agosto de 74 deu-se o nosso regresso a bordo do Uíge, ficando a Guiné para trás e com ela, 24 meses passados com sangue, suor e lágrimas. Vou terminar com a minha Homenagem aos bravos companheiros Silva, Soares e Mário ("Garrincha") que tombaram no chão de Gampará. Estejam onde estiverem ficarão sempre na memória da CCAÇ 4142/72, os "Herdeiros de Gampará". Um abraço para todos os ex-combatentes que passaram pela terra vermelha de Gampará, extensivo a todos os Ex- combatentes que passaram pela Guiné.



Em 25/05/2019, em Pedroso/Gaia, realizou-se o XXII Encontro da CCAÇ 4142/72, os "Herdeiros de Gampará". Foi um convívio muito animado pelos companheiros presentes e seus familiares, um abraço para todos e, também para os companheiros ausentes que também foram lembrados, extensivo a F. Silva nosso amigo e camarada de armas do BART 6520/72, que esteve presente na receção aos convivas e desejou um bom convívio. Até para o ano em Águeda.


Abril de 1974 / Abril de 2024, 50 anos se passaram.

Fui para a Guiné em 1972 e, estava cá a passar férias quando se deu o 25 de Abril de 74, no dia 26 Abril apresentei-me no QG na Praça da República para que me dessem indicações para o que devia fazer, uma vez que no dia 27 Abril, teria que viajar para Bissau e, assim aconteceu, lá fui eu novamente até à Guiné para em Agosto regressar a casa finda a comissão e a minha estadia pela terra vermelha de Gampará. Foi assim o meu 25 Abril de 74, para recordar e, um Abraço para todos os que por lá passaram.

(Seleção, numeração, legendagem e edição de fotos,  revisão / fixação de texto: LG) 

segunda-feira, 1 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25706: Direito à indignação (17): Seco Mané, antigo Combatente da CCAÇ 6, não tem direito à nacionalidade portuguesa nem aos tratamentos a ferimentos recebidos em combate, nos anos 70, na então Guiné Portuguesa, ao serviço de Portugal (Joaquim Mexia Alves / Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Xitole/Ponte dos Fulas; Pel Caç Nat 52, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão e CCAÇ 15, Mansoa, 1971/73) com data de hoje, 1 de Julho de 2024:

Caros amigos
Fui alertado por amigos desta notícia saída na Revista Sábado, e que também foi transmitida no canal Now ontem ou sábado às 18.30
Trata-se de uma situação incrível, como é habitual, de desprezo e abandono daqueles que lutaram sob a bandeira portuguesa.
Sugiro que fosse objecto de publicação nos blogues, pedindo a quem puder e tiver influência para isso, a ajuda a este combatente guineense.
Afinal as gémeas brasileiras tiveram a nacionalidade de um dia para o outro, mas este camarigo que combateu ao nosso lado anda de "herodes para pilatos", num desprezo total pela sua vida.
https://www.sabado.pt/portugal/amp/amigos-na-guerra

Ainda sobre o assunto enviei hoje ao Presidente da República, ao Primeiro Ministro e Ministro da Defesa Nacional, o email que anexo.

"Exmo. Sr. Presidente da República
Reporto-me à notícia da Revista Sábado n.º 1052, que refere um antigo combatente guineense, Seco Mané, que serviu nas Forças Armadas Portuguesas, tendo sido ferido em combate, e que vive agora uma situação desesperada em Lisboa.
Trata-se de obter a nacionalidade portuguesa, (o que é estranho não lhe ser de imediato concedida, tendo ele sido para todos os efeitos um militar português, quando a outros sem essa condição já a têm), para que possa ter direito os tratamentos de saúde inerentes, ainda, aos seus ferimentos em combate por Portugal.
Sou um antigo combatente da Guiné, de 1971 a 1973, e esta situação, (para já não falar de outras) afigura-se-me uma vergonha para Portugal.
Venho assim, junto de V. Exa, solicitar todo o seu empenho para que tal situação seja resolvida no mais curto espaço de tempo, porque é de toda a justiça que tal aconteça para quem entregou parte da sua vida pela Pátria.
Tudo está explicado na referida notícia.

Com os melhores cumprimentos
Joaquim Manuel de Magalhães Mexia Alves
Ex- Alferes Miliciano de Operações Especiais"

Páginas da Revista Sábado. Reprodução com a devida vénia

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2. Nota do editor:

É certo e sabido a falta de consideração e o abandono a que estão sujeitos os antigos Combatentes, sejam eles brancos ou pretos.
Vi, na Now TV, a reportagem do nosso confrade Fernando Jesus Sousa, que quis o destino encontrasse um seu velho camarada da CCAÇ 6, o Seco Mané, num corredor da Associação dos Deficientes da Forças Armadas, em Lisboa, que vive em condições precárias em Portugal, com o seu filho, para tentar, junto do Hospital Militar de Lisboa, resolver um problema que tem a ver com ferimentos recebidos em combate, em Bedanda nos anos 70, ao serviço do Exército Português.
Como reza a notícia, estranhamente não tem direito à nacionalidade portuguesa apesar de o seu cartão de militar exibir as cores da nossa, e da dele, bandeira.

Lendo o caso na Revista Sábado, o nosso camarigo Joaquim Mexia Alves tomou a iniciativa de enviar ao Senhor Presidente da República, Senhor Primeiro Ministro e Senhor Ministro da Defesa, uma mensagem a dar conhecimento desta injustiça, pedindo ao mesmo tempo os seus bons ofícios no sentido de que se resolva este assunto no mais curto espaço de tempo possível.

O que sugiro? Que cada um de nós envie mensagens similares, o Joaquim Mexia Alves não se importa que se utilize a mensagem dele, às entidades abaixo citadas para que sintam que estamos todos unidos, portugueses de Portugal e camaradas guineenses que não tendo optado pelo nacionalidade portuguesa, tenham direito a ela quanto mais não seja para terem acesso ao tratamento das mazelas advindas de ferimentos em combate.

Para vos facilitar a vida, indico a maneira mais prática de aceder aos respectivos formulários de contacto.
Presidente da República: https://www.presidencia.pt/contactos/formulario-de-contacto/
Primeiro Ministro: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/primeiro-ministro/contactos
Ministro da Defesa Nacional: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/area-de-governo/defesa-nacional/contactos

Não me lembro de alguma vez vos ter pedido alguma coisa, desta vez faço-o para que juntos façamos sentir a quem de direito que ainda existimos e que nem sempre as nossas petições são dinheiro, também queremos os direitos e o respeito que nos são devidos enquanto antigos Combatentes.
Não estamos a pedir, estamos a exigir.


Carlos Vinhal

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Em tempo:

3. Mensagem de Joaquim Mexia Alves enviada ao Fernando de Jesus Sousa hoje mesmo, dia 2 de Julho de 2024:

Caro Fernando Sousa
Sou combatente da Guiné, 71/73, e amigos meus chamaram-me a atenção para a história do Seco Mané e da vergonha que é toda aquela situação.
Já enviei emails para o PR, PM e MDN sobre o assunto e alertei o blogue da Tabanca Grande para dar cobertura à história, tal como fiz na página da Tabanca do Centro no Facebook e vamos fazer também no nosso blogue.
https://tabancadocentro.blogspot.com/2024/07/p1484-adaptado-da-revista-sabado-e.html

Pergunto é se podemos ajudar também financeiramente.
A Tabanca do Centro faz todos os meses um almoço com combatentes da Guiné e não só, na zona de Monte Real, ao qual vem gente de todo o lado, inclusive de Lisboa.
Quando pagamos o almoço, damos sempre, os que podem, claro, para ajudar os combatentes em dificuldade.
Eu sou o fiel depositário desse dinheiro, (que não é muito), mas serve precisamente para isso e ao longo destes anos temos ajudado alguns combatentes.

Ora o Seco Mané, quanto a mim, está perfeitamente indicado para essa ajuda se assim achares que o devemos fazer.

Fico à espera da tua resposta e até lá envio um forte abraço
Joaquim Mexia Alves

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Nota do editor

Último post da série de 10 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24467: Direito à indignação (16): Senhores da RTP, retirem dos arquivos aquelas provocatórias, hipócritas e desajustadas imagens da visita de 'Nino' Vieira ao marechal António de Spínola, no Hospital Militar Principal (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)

Guiné 61/74 - P25705: Notas de leitura (1705): Recordações da guerra civil de Bissau, pelo então Vigário-Geral da Diocese, Padre João Dias Vicente (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
Trata-se do testemunho de um responsável franciscano que viveu do princípio ao fim a guerra civil, acompanhou as conversações onde esteve envolvido Dom Settimio, assistiu às pilhagens e destruições, viveu debaixo de fogo, colaborou na ajuda humanitária, invoca com propriedade o acolhimento que as missões deram aos fugitivos de Bissau enquanto troavam os canhões, de um lado e do outro. Dir-se-á que não há neste apontamento de memória absolutamente nada de novo quanto aos factos militares, mas compreende-se que este religioso queria expor à nossa lembrança o esforço em prol da paz e da mitigação do sofrimento humano nesse período trágico, ainda não se sabe exatamente o número de mortos que provocou, só se conhece o balanço da perda de património que empobreceu ainda mais um país que continua à espera de ver a palavra desenvolvimento com expressão real no quotidiano.

Um abraço do
Mário



Recordações da guerra civil de Bissau, pelo então Vigário-Geral da Diocese

Mário Beja Santos

O Padre João Dias Vicente, que foi Vigário-Geral da Diocese de Bissau durante a guerra civil publicou as suas recordações na revista Itinerarium, publicação semestral de cultura publicada pelos franciscanos de Portugal, n.º 228, julho/dezembro de 2022, referentes à guerra civil.

Começa por nos dizer: “Marcou-me profundamente por vários motivos: nunca ter experimentado ao vivo a sensação inquietante de estar debaixo de fogo real, contudo o que isso significa de ansiedade, de revolta interior e de habituação ao máximo risco.”

Nem todos os dias houve guerra durante aquele período que foi de junho de 1998 a maio de 1999, quando Nino assinou a sua capitulação. Havia uma clara alternância de fogo violento e paragens promissoras de cessar-fogo, de acordo com os diferentes protocolos assinados por ambas as partes, e nunca respeitados. O palco central da guerra foi Bissau, troavam os canhões e a população habituou-se a fugir para fora da cidade e a regressar logo que as armas se calavam, temiam, justificadamente, ver as suas casas e pilhadas. Não esconde que reserva no seu testemunho o papel revelante da Igreja Católica (sobretudo do seu bispo, Dom Settimio Ferrazzetta) no esforço de fazer calar as armas e procurar uma solução dialogada para o conflito. Lembra-nos que houve três acordos de paz, mal eram assinados, pouco tempo depois desrespeitados: o da cidade da Praia, em 26 de agosto de 1998; o de Abuja, Nigéria, em 1 de novembro do mesmo ano; e o de Lomé, no Togo, em 17 de fevereiro do ano seguinte.

As hostilidades foram desencadeadas pela chamada Junta Militar em 7 de junho, nesse dia morreram em Brá o guarda-costas e o chefe do protocolo do Presidente Nino. A causa direta e próxima fora a destituição de Ansumane Mané do cargo de Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas com o pretexto de estar implicado num negócio escuro de venda de armas aos separatistas do Casamansa. A Junta Militar revelou-se imediatamente eficaz, desencadeadas as hostilidades, Ansumane e as suas tropas garantiram o domínio dos postos militares mais decisivos: o quartel militar de Brá com os seus paióis de armamento; o aeroporto internacional de Bissau; e a estrada do aeroporto para Safim, única estrada para sair da capital até ao interior do país. Apercebendo-se da debilidade em que se encontrava, Nino apela à ajuda militar dos países limítrofes, virão tropas do Senegal e Guiné Conacri, aquele que foi a maior lenda da guerrilha não entendeu que estava a cometer o maior erro diplomático-militar de sempre.

O autor vai-nos dando conta de que se foi encontrar com Dom Settimio em Pirada e como se irão encaminhando até Bissau, o bispo começou logo diligências para a paz, conversando com os dois grupos em contenda, resultado nulo. Constituiu-se a Comissão de Cidadãos de Boa Vontade, era uma tentativa de ponte para o diálogo. O bispo conversa com a Junta Militar, esta exige a saída imediata das tropas estrangeiras. Regista-se fogo intenso das forças leais a Nino, alguns pontos de Bissau são bombardeados, a população foge, espavorida.

O bispo desdobra-se em reuniões, mas nesta fase o Governo manifestava-se ainda muito seguro de que tudo ia ser resolvido pelas armas. Nino é presidente numa capital semideserta, grande parte da população abandonou precipitadamente a cidade, uns foram para as missões próximas, os estrangeiros partiram para os seus países, iniciaram-se as pilhagens, parecia que se ia instalar o caos. Em 2 de agosto, o bispo manda abrir a Catedral ao público, outras igrejas seguiram-lhe o exemplo, queriam dar ânimo a quem sofria. Os ladrões não pouparam as instituições diocesanas, assaltaram os contentores com produtos variados de alimentação, materiais de construção destinados às missões, foi um saque quase total.

O autor conta detalhadamente como a Igreja procurou instituir uma ajuda humanitária eficaz. E dá-nos conta da evolução da guerra desde o cessar-fogo assinado em Cabo Verde até ao acordo de paz assinado em Abuja. No decurso das conversações, era argumento dominante da Junta Militar exigir a saída das tropas estrangeiras como condição para um acordo de paz definitivo, a parte fundamental recusava. E a guerra recomeçou em 9 de outubro, novas fugas da população com os sacos às costas. A 10, houve uma marcha pacífica de jovens e adultos desde Bissau até ao aeroporto. A 19, voltaram a vomitar fogo as armas pesadas. A 31, Nino decretou o cessar-fogo unilateral. Por essa altura, já quase todas as forças guineenses do Governo e uma parte significativa dos antigos combatentes se tinha passado para o lado da Junta Militar. Ansumane Mané concordou em respeitar uma trégua de 48 horas para que Nino verificasse a sua proposta de paz. As conversações prosseguiram em Banjul (Gâmbia), onde se deu o primeiro frente-a-frente entre Nino e Ansumane. Segue-se o acordo de paz de Abuja que estipulava a retirada total das tropas estrangeiras da Guiné-Bissau com o envio simultâneo de uma brigada de supervisão de cessar-fogo, a ECOMOG, o braço-armado da CEDEAO. A população começou timidamente a regressar às suas casas.

Segue-se a exposição sobre a evolução da guerra entre o acordo de Abuja até ao acordo de Lomé. Formou-se um Governo de Unidade Nacional e Francisco Fadul foi nomeado Primeiro-Ministro desse Governo. A guerra voltou a 31 de janeiro, pelas 19h30 caiu uma bomba sobre a varanda do refeitório da Cúria Diocesana, por milagre ninguém morreu ou se feriu. Seguem-se meses turbulentos, inesperadamente morre Dom Settimio. E assim se chegou aos acordos de Lomé, em 17 de fevereiro. Ansumane e Nino abraçam-se, há acordo sobre a saída das tropas estrangeiras. E temos agora a evolução da guerra desde este acordo em Lomé até à derrota final do Presidente Nino (período que vai de 17 de fevereiro a 10 de maio).

Com atraso significativo, tomou posse o Governo de Unidade Nacional, saíram as tropas estrangeiras, é publicado o relatório sobre a venda de armas que ilibou Ansumane e responsabilizou, sem margem para equívoco, a clique do Presidente Nino. Em março, começaram a ser desarmadas as tropas dos dois lados. O Conselho de Segurança da ONU aprovou a criação da Missão das Nações Unidas para o Apoio à Reconstrução da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS).

Inopinadamente, considerando a Junta Militar que o depósito de armas encontrado no aeroporto era a prova material de que Nino se recusava a aceitar que a sua Guarda Presidencial fosse desarmada recomeçou os bombardeamentos, à tarde as tropas da Junta Militar atacaram e venceram rapidamente os jovens militares (chamados os Aguentas) que defendiam o Palácio Presidencial. Depois de algumas peripécias, Nino pediu asilo político a Portugal, apresentou-se na embaixada portuguesa e assinou a sua rendição incondicional. Terminava a guerra civil e foi escolhido para Presidente da República interino o Presidente da Assembleia Nacional Popular Malam Bacai Sanhá. Tempos depois entrava-se numa nova onda delirante, era eleito como presidente um populista Kumba Yalá. A Guiné voltava a recuar.

Um relatório idóneo, foram acontecimentos que merecessem ser lembrados, compreende-se que um direto protagonista nas conversações, alguém que viveu ao lado de um bispo profundamente estimado pelos diferentes credos religiosos, quisesse deixar o testemunho do que viveu e sentiu.

Imagem icónica, mil vezes repetida, mostra o desaire das forças estrangeiras que vieram apoiar o Presidente Nino
Malam Bacai Sanhá, Presidente da Assembleia Nacional Popular, nomeado Presidente da República interino
Ansumane Mané e João Bernardo Vieira (Nino)
Cena da guerra civil, soldado leva um ferido às costas
Funeral durante a guerra civil
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Nota do editor

Último post da série de 28 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25696: Notas de leitura (1704): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1864 e 1865) (9) (Mário Beja Santos)