Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3369: Em busca de... (49): Resultado das buscas da causa da morte do conterrâneo de Jorge Picado, João Nunes Redondo, ex-Fur Mil Sap
Caros Amigos Luís, Carlos e Briote
Há uns dias atrás em conversa com colegas, falou-se num conterrâneo do meu tempo, praticamente da minha idade e na juventude morador então perto de mim, que morreu na Guiné. Interrogávamo-nos como teria sido, uma vez que já poucos se lembravam do caso. Mesmo eu tenho muito poucas recordações do que se passava na minha terra naquela época (1954-1965), uma vez que coincide ainda com o período em que vivi em Lisboa e Oeiras. Fiquei de procurar saber se conseguia alguma ajuda através dos camaradas da nossa Tabanca.
Trata-se de João Nunes Redondo, Fur Mil, que serviu, não sei em que Unidade do Exército e morreu em 16JUN63 na Guiné, parece que de acidente.
Em função do ano foi dos primeiros, ainda que não em combate segundo parece, a morrer devido àquela guerra.
Já tentei no Blogue da Liga dos Combatentes, mas, introduzindo estes dados, a resposta da pesquisa é zero.
Aqui em Ilhavo foi dado o seu nome à Rua onde tinha nascido e morava, Rua Sargento João N. Redondo.
Agradecia pois que fizessem um apelo através do Blogue para ver se conseguia alguns dados mais concretos sobre este assunto.
Abraços do
Jorge Picado
2. Face a esta solicitação, foi enviada no mesmo dia a seguinte mensagem à Tertúlia.
Caros camaradas
Deixo-vos mais um pedido de ajuda, desta vez de um camarada da casa.
O Jorge Picado, ex-Cap Mil da CCAÇ 2589 e CART 2732, quer saber pormenores sobre a morte do seu companheiro de infância, ex-Fur Mil João Nunes Redondo que morreu vítima de acidente em 16 de Junho de 1963. Desconhecem-se mais elementos.
Agradecemos a vossa colaboração.
Abraços
Carlos Vinhal
3. Ainda no mesmo dia o nosso camarada Carlos Silva, entrava em contacto com o Jorge Picado
Companheiro de Mesa em Ortigosa-Leiria
Relativamente ao teu pedido, consultado o Livro do Estado Maior do Exército Comissão para o Estudo das Campanhas de África [1961-1974], Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África [1961-1974], 8.º Vol. – Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné-Livro I 1.ª Edição Lisboa 2001
Consta na pág. 28 que no dia 19-06-1963 e não 16, o João Nunes Redondo, Furriel Miliciano Sapador, Comando Batalhão de Caçadores n.º 356, Unidade Mobilizadora Bat Caç n.º 5 de Lisboa, casado com Maria Georgette Pessoa Redondo, filho de João dos Santos Redondo e de Maria Nunes Pereira Redondo, natural da Freguesia de Ílhavo, faleceu em Catió em consequência de explosão acidental de mina.
Caso pretendas cópia da pág do livro posso fazer o scan e enviar-te.
Recebe um abraço
Carlos Silva
4. Hoje, 28 de Outubro, recebemos uma mensagem do nosso incansável camarada Afonso Sousa com a descrição dos acontecimentos que levaram à morte do nosso malogrado companheiro de armas.
Assunto: Pormenores sobre morte de conterrâneo na Guiné
Caros amigos
No sentido de colaborar, fiz hoje algumas pesquisas sobre este assunto e obtive o esclarecimento que o nosso amigo Jorge Picado procura.
Tratou-se de um desfecho acidental, como muitos, do género, que aconteceram por lá. Um descuido de alguém, que só o clima de guerra pode desculpar e, na Guiné, ela estava mesmo no seu início.
O BCaç 356 fez uma Operação na zona de Fulacunda. No aquartelamento, em Catió, ficaram não mais que 20 militares, entre eles o Fur Mil Sap João Nunes Redondo e a sua Secção.
Nessa noite o aquartelamento foi atacado. Na noite do dia seguinte, prevendo nova visita dos guerrilheiros, O Furriel Redondo foi com a sua Secção, montar umas armadilhas (com minas saltarinas*) numa zona próximo do limite do aquartelamento.
Na manhã seguinte, para evitar algum acidente com a população, foram desactivá-las. O furriel deu ordens aos seus militares para se manterem afastados dos pontos por onde estava colocado o fio de accionamento da armadilha. Por curiosidade, um dos seus homens, avançou para ver o furriel na operação de desactivação e tocou o referido fio.
O João Redondo só teve tempo de lhes gritar para que se afastassem rapidamente. Simultâneamente tentou abafar o efeito da mina (antes de ela se elevar), atirando-se sobre ela, para que não morressem todos ali (10 homens).
Ele sabia que ia morrer, mas antes teve esse gesto de grande generosidade, de grande nobreza de sentimentos e de sublime abnegação.
Com o impacto, caiu em posição de sentado. Estava sem mãos e o baixo-ventre destruido. As suas últimas palavras (para quem o testemunhou) foram:
- Já morri.
Fonte:
Testemunhos que recolhi, hoje, telefonicamente:
- Açores : Durval Carlos Simas Faria - Presidente da Junta de Rosário (Lagoa) - S.Miguel - Açores)
- Loures (Póvoa de Santo Adrião) - Manuel Jesus Alves Filipe - 1º cabo de transmissões do BCaç 356
Mais alguns dadados adicionais sobre o BCaç 356, a cuja CCS pertencia o Fur Mil Sap, João Nunes Redondo:
O Ten Cor Grad Marcelino da Mata, integrou, também, por esta altura o BCaç 356 (e creio que esteve na referida Operação a Fulacunda)
O BCaç 356
Unidade Mobilizadora: Batalhão de Caçadores nº 5 - Lisboa
Data de Embarque/Desembarque: 17Jan62 – 23Jan62
Data do Regresso: 17Jan64
A 18Fev63, o Batalhão, sob o comando do Ten Cor Silva Delgado, passa a constituir uma força de intervenção às ordens do CTIG, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa (Comandante-Chefe) e instala-se em Catió, orientando a sua actividade para as áreas de Bedanda, Catió e Cacine.
A 02Ago63 com a reorganização do dispositivo assumiu o Sector G com sede em Catió ao qual foi acrescentado o subsector de Cabedú, coordenando patrulhamentos/batidas/emboscadas e segurança e protecção das populações das zonas de Quinara/Cantanhez/Quitafine/Pobreza/Tombali e nas ilhas de Como e Caiar.
Foi rendido em 17Jan64 pelo BCaç 619, no Sector F cuja designação foi alterada para Sector S3 em 11Jan65, mantendo a sede em Catió e abrangendo os Subsectores Empada/Bedanda e Cabedú.
A morte do João Redondo foi, na altura, terrivelmente sentida, pelo seu grande amigo, quase conterrâneo, Luis Gonçalves Nunes Pelicano que, como ele, estava a prestar serviço na Guiné. Localizei-o na Palhaça (Oliveira do Bairro). Chegou a ser comandante dos Bombeiros Voluntários de Ílhavo, a terra do João.
A Câmara de Ílhavo prestou a devida homenagem a este bom filho da terra, dando o nome de Rua Sargento João Redondo à rua onde ele nasceu e viveu.
Um abraço
Afonso Sousa
5. Entretanto chegou este agradecimento do Jorge Picado ao Afonso Sousa
Caro Camarada Afonso Sousa
Tomei conhecimento dos elementos coligidos, referentes ao meu pedido de ajuda, sobre o meu conterrâneo ex-Fur Mil João Nunes Redondo.
Ficam assim desfeitas as dúvidas com que tinha ficado, nas tais conversas de café, que me levaram a efectuar este pedido, dúvidas essas de que não tinha gostado. É que com o passar dos anos, as memórias vão-se esfumando e, por vezes, há pessoas que não se importam de deitar cá para fora incorrecções indesculpáveis.
Obrigado Amigo e Camarada Afonso Sousa pelo trabalho desenvolvido nesta recolha agora efectuada.
Mais uma vez os meus agradecimentos
Jorge Picado
6. Comentário de CV
Ao Afonso Sousa agradecemos o resultado das pesquisas.
A acção do nosso camarada João Redondo foi dum altruísmo sem limites. Deu o que tinha de mais valioso em favor dos seus camaradas, a sua própria vida para os proteger, se não da morte, pelo menos de graves ferimentos.
O Jorge Picado dever sentir-se orgulhoso por ter tido como conterrâneo e amigo de infância uma pessoa ímpar.
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Notas de CV
Vd. último poste da série de 28 de Outubro de 2008 Guiné 63/74 - P3368: Em busca de... (48): Resultado das pesquisas efectuadas em busca de referências de António Andrade Júnior, CART 1692 (1967/69)
(*) A expressão minas saltarinas é mais usada na língua espanhola. Em português o termo mais usual é minas bailarinas ou de salto, se a memória não me falha.
Guiné 63/74 - P3368: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (8): Navegações...
por Alberto Branquinho
ex-alf mil da CArt 1689 (1967/69)
Muitas foram as andanças, mudanças e transferências com a “casa” às costas, em transportes por terra e por água. Com carácter provisório ou mais ou menos definitivo. Por água – em braços de rios, canais, rios e grandes rios e, por vezes, quase oceano. Com armas e bagagens, mudando de quartel para quartel ou para bases (provisórias) de operações.
Um homem tem que levar tudo o que é seu, sem o qual não se diferencia dos demais e, também, o material de guerra que lhe está distribuído.
Em batelões rebocados, mas quase sempre nas LDG’s, LDM’s e LDP’s. As mais das vezes em LDM’s e LDP’s, porque tinham capacidade de manobrar naqueles rios de curvas e contra-curvas (em maré cheia), em apertos de canais e de marés, de ilhotas, de lodo, lodo, lodo, sempre lodo. De dia e de noite, no chegar das madrugadas.
Houve aquela situação insólita, em que, navegando no Rio Geba em LDG para jusante e com a maré a vazar de maneira acelerada, o homem ao leme virou francamente à esquerda para evitar um baixio e, poucos metros adiante, a proa estacou. Tentou safar-se, mas já grande parte do fundo da “chata” estava preso no areal lodoso. A margem esquerda ficou a cem, cento e vinte metros; chão com pouco lodo e arenoso, com pequenos lagos. À direita da lancha a água corria, indiferente. A sensação era de encurralamento. Houve que esperar a subida da maré. Foi montada segurança no lado esquerdo da lancha, com muita atenção à vegetação na margem. Não houve surpresas.
Insuportável era o transporte, por lancha, em dias de chuva. O pessoal cobria com lona o espaço à proa, que era destinado à concentração para desembarque. Devido à ondulação, sem visibilidade para o exterior e sem ventilação suficiente, havia enjoos e vómitos.
O pessoal chegava debilitado, incapaz de uma “guerra” imediata, a necessitar de se sentir com os pés em terra, mas teriam que sair correndo furiosamente, a chapinhar naquela água-lodo da maré alta, fazendo uma linha-de-fogo, derivando metade para a direita e a outra metade para a esquerda.
Naquela viagem em LDM em que, quando o fogo rebentou da margem direita, os marinheiros (donos e senhores da sua casa), berraram para baixo:
- Vocês aí quietos!
O pessoal da guerra apeada não entendeu porquê, mas agacharam-se contra a chapa. Na sua farda azul e abrigados como podiam, os marinheiros responderam ao fogo, enquanto a metralhadora pesada, da torre, abriu fogo cadenciado, com uma força que impunha respeito.
Quando um marinheiro saltou para baixo, agarrado a uma perna que sangrava, um grupo da tropa que estava a ser transportada, contra as ordens recebidas, passou, também, a fazer fogo para a margem.
Num canto da lancha um soldado começou a disparar para o céu.
– “Pára com isso! Que estás a fazer?”
– “Estou a meter-lhes medo, meu alferes.”
Era uma noite sem nuvens e de lua cheia. Navegavam ao longo da costa, em LDP. O coração muito apertado, com a imaginação a trabalhar furiosamente, prevendo o pior no desembarque, ao amanhecer, quando a “chata” baixasse aquele nariz em prancha. Mas era, ainda, muito noite.
Observando o recorte das palmeiras mais altas, de ramagem forte, recortadas no céu e as sombras das ilhotas em contraluz com o mar adiante, iluminado pelo luar, esfumavam-se os maus presságios. À medida que a lancha avançava, as ilhotas iam-se confundindo ou separando umas das outras. A luminosidade da lua estilhaçava-se numa imensidão de pequenos requebros até ao horizonte, que era já oceano. Do lado esquerdo da lancha a terra firme, a mata escura e densa, onde, com o luar, se adivinham os poilões mais altos, frondosos, imponentes ou tufos de palmeiras que sobressaíam do escuro da mata.
Sobrevém a grane interrogação sobre o futuro próximo, quando amanhecer, sobre que pedaço de terra, lodo, tarrafo, bolanha, pode um homem vir a morrer ou poder ficar estropiado.
Voltam-se os olhos de novo para as ilhotas que vão passando ao lado da lancha, para o mar, depois para a lua. Ela vai passando devagar, muito devagar para o outro lado da lancha. Os olhos acompanham-na, inconscientemente, nesse movimento vagaroso. Subitamente, um ruído lá atrás obriga a olhar nessa direcção. Uma figura surge iluminada pela lua e berra:
- Que merda é esta, pá? Tínhamos a lua a estibordo e agora está a bombordo. Estás a dormir?
Era o “patrão da lancha”.
__________
Notas: artigos da série em
22 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3224: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (7): Honório, o aviador...
Guiné 63/74 - P3367: Em busca de... (48): Resultado das pesquisas efectuadas em busca de referências de António Andrade Júnior, CART 1692 (1967/69)
Amigo Luis Graça,
O meu pai foi combatente na Guiné (Cameconde), aproximadamente entre 03/1967 e 03/1969.
Infelizmente, o mesmo faleceu, vítima de acidente de viação em 1979 (tinha eu 8 anos) e a minha mãe também faleceu em 1983 (eu com 12 anos) igualmente de acidente automóvel.
Desta forma, não tenho quem me dê informações ou referências e ando em busca das origens.
Pelo referido, excepto as datas e algumas fotografias, nada mais sei, nem nome/número da Companhia, nem ramo das forças armadas a que pertenceu.
Gostava de obter informações a seu respeito, fotografias e filmes onde aparecesse e de saber se a sua Companhia se organiza em confraternizações.
O seu nome era António Andrade Júnior e era natural de Estremoz, nascido em 1945.
Em busca que fiz na Net dei com o seu blogue.
Assim pergunto se me pode auxiliar com informações ou indicando a quem me possa dirigir (particular ou entidade oficial).
Anexo 9 fotos do meu pai e camaradas, no sentido de auxiliar a identificar.
Um abraço
gonçalo andrade
goncalo.andrade@netcabo.pt
2. No dia 26 o Coronel Nuno Rubim comunicava o resultado das primeiras investigações que levou a efeito.
Caro Luís
Os dados que consegui obter (ainda não terminei o levantamento da nossa OB na Guiné 1961-1974, mais uns tempos... pois estou simultaneamente a trabalhar a do PAIGC, a logística e o armamento geral de ambos os lados):
A sede de Subsector era em Cacine, mas como se pode verificar abaixo foi temporáriamente transferida para Cameconde.
Unidades em Cameconde :
- CCaç 799, Dez66 até 05 Jun67 (passa a Comando do Subsector de Companhia)
- CArt 1692, 01Ago67 até 28Dez68
- 2 Pel/CCaç 2445, 01Dez68 até 04Mai70 (Comando do Subsector novamente sediado em Cacine)
Um abraço
Nuno Rubim
3. E, horas mais tarde, Nuno Rubim dava mais uma achega:
Luís
Reparei agora melhor nas fotos e o aquartelamento é o de Cacoca, e há portanto uma desinscronização, como dizia o saudoso António Silva... Cacoca foi de facto ocupado desde 25Jun64, sendo desactivado em 29Jul69, tal como Sangonhá, sede do Subsector (um dos tais mistérios que até hoje ainda não consegui perceber...)
Nuno Rubim
4. Ainda no dia 26, o nosso tertuliano Coronel António José Pereira da Costa referia, dirigindo-se ao Gonçalo:
Creio que estive com o seu pai na Guiné. Estive em Cacine/Cameconde, no Sul da Guiné durante todo o ano de 1968. Veja se consegue confirmar-me o número da Unidade do seu pai. Seria a CART 1692 - SPM 4248?
Esta unidade esteve em Sangonhá e Cacoca, antes de se mudar para Cacine e Cameconde.
Um Ab
5. No dia 27 o nosso camarada José Martins dava os primeiros sinais de colaboração:
Bom dia Camaradas e meu novo FILHO.
Para o Gonçalo, começo por enaltecer a sua atitude de procurar as origens. Chamo-te filho porque defendo que OS FILHOS DOS NOSSOS CAMARADAS, NOSSOS FILHOS SÃO.
Hoje mesmo vou proceder à pesquisa que se impõe.
Para os camaradas um bom início de semana e
Aquele abraço, sempre forte.
José Martins
6. No mesmo dia 27 o Coronel Nuno Rubim dava mais esta informação
Luís
Este assunto tem andado enguiçado! Cacoca e Sangonhá foram desactivados em 29Jul68 e não de 1969, como ontem escrevi.
Nuno Rubim
7. Ainda no dia 27, o nosso camarada Arménio Vitória, mandava a sua colaboração:
Caro amigo
A Companhia a que eu pertencia, a Companhia de Caçadores 799, esteve em Cacine/Cameconde (Cameconde era um destacamento permanente da Companhia que tinha a sede em Cacine) no período 1965 a Janeiro de 1967. Pode parecer portanto que a Companhia que integrava o seu pai seja a que foi substituir a minha a Cacine.
No entanto há nas fotografias que anexa uma incongruência relativamente a esta hipótese: Cacoca, nome perfeitamente referenciado nas fotografias, não pertencia à Companhia de Cacine; era um aquartelamento (Companhia?) próximo de Cameconde. Julgo recordar-me de ter feito escoltas a mantimentos descarregados no rio Cacine e que se destinavam a Cacoca.
No entanto tenho uma vaga ideia que a Companhia que foi substituir a minha em Cacine/Cameconde teve muito má sorte já que o IN (Nino Vieira) terá aproveitado a sua inexperiência e outras características específicas para atacar fortemente e as coisas terão corrido muito mal, o que terá motivado alterações substanciais - substituição da Companhia? - que, se assim foi pode ter sido transferida para Cacoca.
No entanto, como verifica, estou a escrever com enorme cuidado pois as coisas poderão não ter sido exactamente assim.
Vou tentar saber mais alguma coisa e depois dir-lhe-ei.
Abraço
AV
8. Hoje publicamos os resultados da pesquisa do José Martins
Bom dia
Aqui vai o que consegui encontar
Localizei a unidade. Um blogue. Um contacto
Espero que o Gonçalo realize o seu desejo: Encontar amigos do seu pai e conseguir encontar uma ligação com o passado.
Um abraço
José Martins
Companhia de Artilharia n.º 1692
Pertenceu ao Batalhão de Artilharia 1914
Foi mobilizado na Regimento de Artilharia Ligeira n.º 1 – Lisboa
Da Unidade faziam parte as seguintes Companhias:
Companhia de Comando e Serviços
Companhia de Artilharia n.º 1690
Companhia de Artilharia n.º 1691
Companhia de Artilharia n.º 1692
Partida: Embarque em 08 de Abril de 1967 / Desembarque em 13 de Abril de 1967
Regresso: Embarque em 03 de Março de 1969
Comandante da Companhia: Capitão de Artilharia José João de Sousa Veiga Fonseca
Divisa: Sem temor
A CART 1692 assumiu, em 16 de Abril de 1967, a responsabilidade do Subsector de Sangonhá, com um Pelotão destacado em Cacoca, ficando integrada no dispositivo e manobra do BART 1896 e de pois do BCAÇ 2834.
Em 1 de Agosto de 1967, foi rendida por troca com a CCAÇ 1620, assumindo a responsabilidade do Subsector de Cameconde, com dois Pelotões destacados em Cacine, no mesmo sector.
Em 28 de Dezembro de 1968, foi rendida em Cacine e Cameconde pela CCAÇ 2445 e foi transferida para Bissau, a fim de reforçar o dispositivo do BCAÇ 1911, com vista a cooperar na segurança e protecção das instalações e das populações da área, permanecendo nesta situação até ao seu embarque de regresso.
História da Unidade – Caixa n.º 81 – 2.ª Divisão – 4.ª Secção do Arquivo Histórico Militar
Nota: Em Cameconde era reforçada por elementos da Companhia de Milícia n.º 21.
O BARTT 1914 tem blogue – bart1914.blogspot.com
Possível contacto: José Costa (**)- jpcovr@sapo.pt – Pertenceu à CCS
José Martins
9. Finalmente deixamos a reacção do nosso amigo Gonçalo Andrade:
Caros Amigos,
Independentemente do sucesso desta minha demanda, quer na identificação da Companhia quer no encontrar camaradas do meu pai, quero apenas agradecer a todos, com todo o coração, tamanho interesse,disponibilidade, amizade e espirito.
É particularmente especial este momento, no dia de hoje, que representa o 25.º aniversário em que perdi a mãe. Continuo a tentar reunir toda a informação e documentação que possa ajudar e, com os novos dados, voltarei a ver todas as fotografias.
Sei que o meu pai pertenceu à Liga dos Combatentes, sócio 66889.
Não sei se existe algum arquivo oficial onde conste o nome dos combatentes.
Um Grande Bem Haja a Todos Vós!!!
gonçalo andrade
91 806 19 71
10. Comentário de CV
Mais uma vez foi notória a reacção dos tertulianos do nosso Blogue e os resultados demonstram quão valiosa foi a colaboração prestada.
O Gonçalo ficou aqui com alguns elementos que o vão ajudar.
Aproveito para também deixar mais dois contactos que recolhi na página do nosso camarada Jorge Santos, no seu Ponto de Encontro:
Do BART 1914 - Domingos Monteiro, telefs 244 771 895 e 916 100 894
Da CART 1692 - Armando Marques, telef 916 100 894
Agradeço aos nossos camaradas a colaboração prestada e ao Gonçalo desejo os maiores êxitos na procura de camaradas de seu pai.
Participe nos encontros que se venham a realizar, quer ao nível de Batalhão quer ao nível de Companhia e verá quão saudável é o companheirismo desta geração, irmanada por um passado de guerra, onde hipotecaram alguns anos da sua juventude.
Receba um paternal abraço da tertúlia.
Carlos Vinhal
Co-editor
____________
Notas de CV
(*) Vd. poste de 26 de Outubro de 2008 Guiné 63/74 - P3360: Em busca de... (47): Referências a meu pai, António Andrade Júnior, Cameconde, 1967/69 (Gonçalo Andrade)
(**) Como o mundo é pequeno, a este Batalhão pertence o nosso novo tertuliano José Costa, famoso por ao fim de cerca de 40 anos encontrar a sua madrinha de guerra.
Vd. postes de
20 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334: História de Vida (17): O Costa e a Madrinha de Guerra (José Martins)
23 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3348: Tabanca Grande (93): José Pinho da Costa, ex-1.º Cabo Op Mensagens da CCS/BART 1914, Guiné, 1967/69
Guiné 63/74 - P3366: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)
Pasta: 07197.164.011
Assunto: Relatório da viagem a Hamedalaye e Sansalé
Termos de referência: Relatório da viagem a Hamedalaye e Sansalé: encontro com Daouda Camara, missão a Cacine, dificuldades em contactar Pedro Duarte, informações sobre os elementos de confiança do partido e elementos da PIDE, dados militares de Cacine, Gadamael e Catió.
Data: s/d
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XIII.
Nível 2: 04.PAI/PAIGC Nível 3: Relatórios/Directivas
Fundo: Relatórios/Directivas
formato .pdf 07197.164.011
Fonte: Fundação Mário Soares > Dossiês > Guiledje · Simpósio Internacional · Bissau, Guiné-Bissau · 1 a 7 de Março de 2008 > Arquivo Amílcar Cabral > PAI/PAIGC > Relatórios/Directivas
______________
PAIGC > Docs (2) > Relatório da viagem (*)
Tr. do francês: L.G. (**)
Chegados a Hamedalaye [Amedalai, na Guiné-Conacri], recebemos instruções do camarada Secu Na Bayo para nos encontramos em Sansalé e contactar as organizações militares e administrativas [do Partido], afim de nos conduzirem até ao pé da fronteira.
Em Sansalé, depois das formalidades, obtivemos instruções respeitantes à nossa estadia.
Em Tanéné fomos recebidos pelo camarada Tomás Queta, chefe da aldeia. Por seu intermédio, conseguimos falar com o camarada do Partido, Daudá Camará, de Cacoca. Depois de uma longa sessão informativa sobre a vida do Partido no chão dos nalús e mais particularmente sobre a sua organização do interior da região, o camarada Daudá Camará mereceu a nossa confiança. E foi assim que nós o encarregámos de uma missão junto do camarada Pedro Duarte, em Cacine.
No regresso, recebemos as seguintes informações:
(i) É difícil contactar o Duarte, é vigiado dia e noite por um Alferes Indiano, que trabalha no mesma repartição com o seu adjunto, um caboverdiano de nome Carvalho, que é um grande inimigo da nossa causa, juntamente com o régulo de Cacine, de seu nome Tomás Camará, igualmente nefasto.
(ii) A casa do Duarte é guardada dia e noite por soldados africanos; já não tem jipe de serviço, desloca-se agora num jipe do exército. A sua mulher, que o denunciou, regressou a 7/12/1961;
(iii) Todos os régulos nalus foram convocados a Cacine, para receber as seguintes informações: Supressão do sistema de registo de denominação indígena; deixa de haver distinção entre brancos e negros, tanto os grandes como os pequenos devem passar a possuir um bilhete de identidade de cidadão português; este bilhete de identidade deve ser pago, mas ainda não foi fixado o respectivo preço. Supressão do imposto indígena. O preço dos produtos agrícolas passam a ser fixados pelos proprietários (sic). As regiões convocadas foram Catió, Cacine, Buba, Fulacunda, Gadamael, Bedanda, Cacoca, Quitafine, Sanconhá, Camissoro, etc.,
(iv) Que é preciso ter muito atenção a Álvaro Queta, de Sanconhá, Munini Camará (Lumba jodo), de Cacoca, que são elementos muito perigosos da PIDE. Circulam por todas as regiões (do sul).
(v) Os elementos de confiança do Partido são: em Cacoca, Daudá Camará, Abdulai Conté, Mbadi Bonhequi ; em Cacine, Laminé Camará, o relojoeiro, e Cassamá, motorista; em Missidé (Quebo), Aliu Embaló, e o grande marabu Cherno Rachid. [Negritos de L.G.] (**)
Informações de carácter militar:
A entrada da Cacoca é guardada por elementos da polícia administrativa [cipaios] dos quais 8 são africanos e um europeu. Entre os africanos, figuram: Lopes (Malagueta), Lassana Turé, Alséni Jaló, Samba Sanhá e José, que são muito violentos,
(i) Em Cacine encontram-se estacionados 140 portugueses, com o seguinte equipamento: 2 jipes, 2 anti-aéreas, 1 grande canhão (sic), 2 cargas de napalm; a pista de aviação é alcatroada, pode receber aviões modernos e é guardada, dia e noite, por saoldadoa europeus;
(ii) Gadamael: 50 soldados equipados com 2 canhões, 1 jipe e 1 anti-aérea.
(iii) Catió: aqui encontra-se a sede da PIDE. Os soldados são em pequeno número.
(iv) Missidé (Quebo): 80 soldados europeus, equipados com 1 camião, 1 jipe, 1 antiaérea, 1 canhão (*).
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Notas de L.G.:
(*) Vd. primeiro poste desta série > 19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3330: PAIGC - Docs (1): Comunicado de 27 de Abril de 1964 sobre a vitória na batalha do Como (Amílcar Cabral)
(**) O documento, dactilografado, é redigido em francês, com errros ortográficos e de dactilografia. Julgo que às vezes o autor do relatório usa o sistema francês de registo de nomes (Nom + prénom). Nalguns casos, alterei, sendo o apelido (nom) antecido do nome próprio (prénom): por ex., Dauda Camará (no relatório, Camara Daouda)...
No que diz respeito, ao armamento identificado nos nossos quartéis, é bem possível que o autor se queira referir ao obus quando fala de canhão grande, e possivelmente a canhão sem recuo quando fala simplesmente de canhão... Também é possível que tenha confundido a metralhadora pesada e antiaérea...
(***) É um pouco surpreendente, pelo menos para mim, esta confissão do autor do relatório. Não sei se estamos a falar da mesma figura, do dignatário religioso que vivia em Aldeia Formosa, que eu conheci, em Bambadinca, e que no meu tempo (Junho de 1969/Março de 1971) era tido como um dos poderosos aliados dos portugueses, ouvido amiudadas vezes pelo Spínola (dizia-se)...
Havia, por ooutro lado, a lenda de que Aldeia Formosa (Quebo) nunca era atacada pelo PAIGC por deferência, respeito ou temor da figura do Cherno Rachide, ou- segundo outra versão, mais popular entre os meus soldados fulas - devido ao poder (mágico-religioso) do Cherno Rachide, que com os meus mezinhos fazia gorar todas as tentativas de ataque dos turras... Nunca estive em Quebo nessa altura, não posso confirmar ou infirmar nenhuma das versões (ou lendas).
Sobre o Cherno Rachid, vd. postes de:
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)
4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)
15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).
Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. também o texto de Francisco Garcia:FRANCISCO PROENÇA DE GARCIA > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974)
Guiné 63/74 - P3365: O meu baptismo de fogo (18): Cufar Nalu, 15 Maio de 1965 (Mário Fitas, CCaç 763, Cufar)
Baseado na História da CCaç 763 e no meu livro Putos, Gândulos e Guerra, aí envio o meu testemunho, com descrições preparatórias, que julguei convenientes.
A 2 de Março de 1965, quando o 2º Gr Comb da CCaç 763 aporta ao cais de Cufar, no Rio Manterunga, afluente do Cumbijã, as Forças do PAIGC controlavam totalmente o sector, dispondo de um forte acampamento na Mata de Cufar Nalu, a mil e quinhentos metros do aquartelamento de Cufar, onde íamos render a CCav 703, que se encontrava acantonada em abrigos cavados no chão, - cuja temperatura mínima era atingida de madrugada nunca baixando dos trinta graus - ligados por trincheiras, em volta da antiga fábrica de descasque de arroz do madeirense Sr. Camacho.
Só em Maio, que será para mim o verdadeiro Baptismo de Fogo, e que à frente descreverei, descobrimos como as Forças do PAIGC, descendo a mata, chegavam à ponta do Manterunga e aí faziam a sua carreira de tiro sobre as Nossas Forças com metralhadoras pesadas e armas ligeiras, precisamente às horas das refeições e quando o corneteiro tocava ao içar da Bandeira. Não dava resultado responder com armas ligeiras. Eles só se calavam, quando o Fernando Santos Oliveira (1) punha a sua malta a bater a zona com os seus morteiros 81.
O PAIGC controlava as Tabancas a sul de Cufar. A acção subversiva na zona já tinha atingido a fase de criação de Bases e Forças Regulares. Prolongamento do corredor de Guileje, eram comandantes e responsáveis pela Zona 11 João Bernardo Vieira Nino e Joãozinho Guade, encontrando-se este comando na Base Central, entre os rios Cacine e Cumbijã no Cafal Cantanhez.
A 18 de Março, com a chegada do Comando a Cufar a CCaç 763 assume definitivamente a responsabilidade do sector. Recebendo como reforço 2 A/M Daimler, 1 Pelotão de Sapadores, a Secção de morteiros 81 do Fernando Santos Oliveira e 10 guias nativos da Companhia Milícia nº 13, do João Bacar Jaló, Alferes de 2ª. Linha, impôs-se a necessidade do alargamento do aquartelamento, abrangendo toda a antiga quinta incluindo a área residencial.
A par desta actividade, há uma preocupação essencial, de combate à guerrilha: reconquistar as populações a sul, através de uma acção psicossocial avançada.
A preparação operacional continua. Verifica-se um estudo mútuo das forças no terreno, alguns contactos, mas sem significado, como disse, essencialmente de estudo.
A 2 de Abril, a CCaç 763, procura o contacto directo, entrando na Mata de Cufar Nalu e instalando–se emboscada até às 14HOO, sem contacto.
Sabíamos as técnicas e as formas como as forças do PAIGC funcionavam e revelavam na zona. Em Fevereiro, os Comandos tinham andado em Cufar Nalu, e o PAIGC não se tinha revelado. Era necessário conhecer a forma como eles se revelariam.
Continuam os reconhecimentos, batidas, patrulhamentos e golpes de mão nas Tabancas a sul e rios Manterunga e Cumbijã. Mas eles estão lá, nós sabemos que o acampamento de Cufar Nalu é de grande importância para o PAIGC manter a zona de Cabolol e o seguimento do Corredor de Guiledge sem ser molestado.
Começámos a aprisionar os controleiros e controleiras das Tabancas de Iusse, Impungueda, Mato Farroba e Cantone. Agora sim, temos condições para avançar para Cufar Nalu. E agora sim, também será o meu Baptismo de Fogo a sério.
Já tinha feito muito fogo em Lamego, alguns tiritos aqui à volta, mas agora vamos lá e é a sério. Fica registada como a Operação Razia.
A 15 de Maio de 1965 ao romper da madrugada, o 3º Gr Comb em primeiro escalão, com o 2º em segundo escalão, inicia-se uma batida tendo como eixo o caminho que dava acesso da orla à antiga Tabanca de Cufar Nalu.
Ouvem-se vozes na mata. A CCaç pára, em silêncio absoluto. Momentaneamente começa um tiroteio ensurdecedor. Um grupo de reconhecimento do PAIGC foi detectado!
A minha primeira reacção foi deitar e orientar a secção, conforme os acontecimentos. Tudo muito bonito! Só que o meu corpo deitado dava saltos de meio metro de altura.
Não conseguia deitar-me, tinha de estar de pé e tentar ver tudo. Perigoso! Mas era a reacção incontrolável do corpo.
Sofro aqui a maior decepção como comandante de uma secção de homens, que a seguir narrarei.
Continuando a progressão, abatemos um elemento do PAIGC, sendo capturada uma PM 9mm M-25 com carregador e munições.
A partir deste momento, o contacto foi intenso e permanente até às proximidades do acampamento que se deu pelo meio da tarde. Derivado da fortíssima resistência, foi pedido apoio da Força Aérea e da Artilharia.
Agora, sim, com os rebentamentos dos obuses e roquetes parece estarmos envolvidos por enorme tornado com o estrondo dos rebentamentos por cima dos altos poilões. Apercebemo-nos que o efeito prático será mais psíquico do que físico.
Estamos a cem metros do acampamento, e a sua situação está bem definida. Como acontece em África, começa a escurecer, e a noite cairá rapidamente. Ordens para ocupar posições, e evitar o assalto de noite. Mas já nos apercebemos bem da fortaleza que temos pela frente. Mando o Maçarico preparar um local para os dois passarmos a noite, junto a um poilão que teria aproximadamente quatro metros de diâmetro e vou posicionar o restante pessoal, ao regressar o Maçarico olha para mim apavorado e diz-me:
- Meu furriel esta árvore está bichosa!
Nem um obus rebentaria aquela fortaleza e, durante o resto da comissão, o Maçarico foi gozado com a árvore bichosa.
Como irá ser o assalto? De madrugada, com a primeira claridade é dada a ordem de assalto.
Diabólico!
Não sei como aconteceu, uma companhia inteira a gritar e a avançar, fazendo rajadas e lançando granadas defensivas, o pessoal das bazucas esgaçava os altos poilões. Entramos dentro do acampamento. Desilusão!
Durante a noite o pessoal do PAIGC tinha-se escapulido. O barulho que durante a noite ouvíramos não era a reorganização, nem a chegada de reforços, era o abandono do acampamento, levando o que podiam. Destruído e recuperado o material abandonado, esperámos pela chegada de um grupo de combate da 4ª Companhia (4ªCompanhia de Caçadores Nativos de Bedanda) que ficou emboscado no acampamento até ao dia seguinte para não haver reocupação.
Descemos pelo lado onde tinha sido efectuada a fuga do pessoal do PAIGC e onde se verificou a força, a vontade e a forma como seria bastante difícil chegar àquele acampamento. O carreiro era um labirinto em zigzag onde se poderia ver a aproximação de qualquer pessoa sem sermos vistos. Notavam-se os rodados de mais de uma metralhadora pesada. Roupa e material de enfermagem ensanguentada abandonada, mas nem um único corpo. Nisso eles eram extraordinários, não deixavam ninguém para trás.
O carreiro no fim da mata de Cufar Nalu divergia para a orla desta mata junto ao rio Manterunga de onde era feita a carreira de tiro e para a mata de Cmaiupa/Afiá.
Não recordo as vezes que voltei a passar por aquele acampamento, até Novembro de 1966, mas nunca mais vimos indícios do PAIGC, parece ter ficado assombrado aquele acampamento.
Estava o Baptismo de Fogo a sério efectuado.
Tomaram parte nesta operação de apoio à CCaç 763 a 728 e a 764.
2º. Grupo de combate da CCaç 763. O Mário Fitas é o 1º da esquerda.
a) Desilusão do comportamento de alguns homens da minha secção. Como era de Operações Especiais, tinham ido parar à secção os problemáticos e valentões dentro do arame farpado. Só que cá fora no duro, tudo mudou:
(i) O Velhinho, refractário com trinta e poucos anos já, gordo suando gordura por todos os poros, nem para a frente nem para trás, foi parar à cozinha por troca com o Orlando;
(ii) O homem da bazuca ficou, mas tinha de ser seguro até acalmar, pois sempre que havia tiroteio, atirava com o cano para o lado e fugia para a frente ou para trás, um perigo. Depois de calmo metia uma granada de bazuca no raminho que lhe indicasse;
(iii) O Matacanha, vindo do Forte da Graça em Elvas, por utilização de arma branca que ficava estático como o Velhinho, foi para padeiro e veio o Amadu Baldé do recrutamento da província;
(iv) O Vendedor de jornais, ali do Chile, o terror dos sete mares dentro do Aquartelamento, atirou com a G3 para o lado e tentou esconder-se debaixo dos camaradas. Começou a andar sempre bêbedo e agora a ser espancado por todos. Foi evacuado para o Júlio de Matos. Foi substituído pelo Mamadu do recrutamento da Província;
(v) O Maçarico ficou, mas para ser utilizado como carregador, derivado do forte físico.
(vi) Os restantes eram bons, e ajudaram-me muito. Vieram todos, o Ferreira que nas emboscadas fazia uma fita da MG-42 de pé em tiro instintivo, veio mais cedo com uma hepatite, fez falta.
Mário Fitas
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Notas de vb:
1. Fernando Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf do Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66.
2. artigos da série em
24 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3352: O meu baptismo de fogo (17): Morés, 8 Agosto de 1972 (Amílcar Mendes, 38ª CCmds)
Guiné 63/74 - P3364: Blogoterapia (66): Amargos de boca (J. Mexia Alves)
Meus caros Luis, Virginio e Carlos
Nalgumas das coisas que faço na minha vida, conta-se uma colaboração semanal que tenho num espaço da Net em que escrevo, ao Sábado e Terça Feira, textos que fazem parte do nosso dia a dia, política, sociedade, etc.
Neste Sábado, 25 de Outubro, vamos ter o almoço da CART 3492, do Xitole, à qual pertenci de origem.
Ao pensar no texto que havia de escrever para este Sábado cumprir o meu compromisso, não pude deixar de pensar no que ia viver dentro de horas e saiu este escrito que aqui vos deixo à vossa disposição, para publicação, ou apenas para vosso conhecimento, como melhor entenderdes.
Deixo-vos também o meu abraço camarigo e emocionado
Joaquim Mexia Alves
2. PARA ALÉM DA AMIZADE
Este texto que hoje escrevo provavelmente poderá dizer pouco a muitos daqueles que visitam este espaço, não só porque a sua idade, (julgo que mais nova do que a minha), os distancia dos factos que provocam esta escrita, como também por ser assunto que normalmente não ocorre ao pensamento das pessoas, por dele estarem afastadas, por não o terem vivido.
Hoje tenho um almoço que reúne cerca de 40 homens que juntos, integrados na mesma Companhia, partiram no dia 21 de Dezembro de 1971, a bordo do navio Niassa, para uma comissão militar na Guiné.
Irei, já sei, rever alguns que já não vejo há 36 anos e que no entanto estão indelevelmente marcados na minha memória, na minha vida.
Enquanto escrevo este texto, sinto uma emoção profunda, um quase sentimento de saudade inexplicável, que, julgo eu, vem daquilo que nos une e está muitas vezes para além da compreensão humana.
Nunca, em momento algum, atrevo-me a dizê-lo, se formam ligações tão profundas, tão enraizadas, que vão para além da amizade como normalmente a concebemos, como nos tempos de provação, de dificuldade, de medo, (sim de medo), por que passam aqueles que juntos fazem ou têm de fazer uma guerra.
Não é logicamente isso que faz da guerra uma coisa boa, porque a guerra é sempre um mal que deve ser evitado a todo o custo.
Mas a verdade é que aqueles que estão juntos numa guerra, longe de casa e dos seus, percebem que a sua ligação vai muito para além da normal camaradagem, da sã amizade, pois implica uma entrega constante da vida de cada um, nas mãos do outro, dos outros, que estão ao nosso lado e vivem connosco as dores, os sofrimentos, que cheiram em nós o suor do medo, que também a eles lhes sai dos poros e sabem que nós o sentimos.
E é assim que passados muitos anos, às vezes sem nos vermos, o abraço é sincero, forte, acolhedor de parte a parte, como se disséssemos uns aos outros:
- Tu é que me percebes. Achega-te a mim que eu é que te entendo!
Mas tem mais um sentimento ainda, pelo menos nesta guerra que vivemos em África.
É que aqueles que combateram dignamente contra nós, são agora também nossos camaradas de armas e não lhes guardamos qualquer rancor, mas pelo contrário, irmanamo-nos nos sentimentos e encontramos até em nós uma vontade de ajudar a construir os países por que lutaram e onde lutámos.
Mas há sempre um amargo de boca, para ser benigno na expressão!
E este amargo de boca vem do facto do nosso país não ter um comportamento digno para com aqueles que por ele combateram, com ou sem razão, obrigados ou não.
Não me refiro obviamente tanto àqueles que graças a Deus estão bem, mas a tantos que continuam a viver no dia a dia os reflexos da guerra, que não dormem como os outros, que não têm estabilidade emocional, que foram desestruturados pela guerra, e a quem ninguém acode a não ser os familiares e amigos.
E há bastantes, sabemo-lo bem, que vivem sem abrigo e o Estado nada faz.
Conheço deles que têm processos há dezenas de anos para obterem um qualquer subsídio que lhes permita fazer face à instabilidade emocional, que não lhes permite ter um emprego estável, e continuam a fazer-se perguntas burocráticas para que nada se resolva.
Outro amargo de boca, que me toca especialmente porque também os comandei, foi o abandono a que Portugal votou aqueles que, naturais desses novos países, pertenceram às Forças Armadas Portuguesas.
Abandonados à sua sorte, muitos foram fuzilados sem qualquer justificação, e outros vivem ao Deus dará.
Também os nossos mortos que por lá continuam, se exige ao nosso país que os traga de volta à terra que os viu partir, e às famílias que querem finalmente encerrar esse doloroso capítulo das suas vidas.
Perdoem-me o desabafo, mas hoje tinha de escrever sobre eles, cidadãos anónimos que deram parte das suas vidas por Portugal, e se sentem hoje e ainda tão desprezados e ostracizados.
Mas eu orgulho-me deles, e orgulho-me com eles, e hoje vamos abraçarmo-nos, vamos rir e cantar, vamos olharmo-nos nos olhos e dizermos uns aos outros:
- Tu é que me percebes. Achega-te a mim que eu é que te entendo!
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Nota de CV
Vd. último poste desta série > 21 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3337: Blogoterapia (65): 800 mil páginas visitadas em 21 de Outubro de 2008 (Carlos Vinhal)
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3363: Memórias literárias da Guerra Colonial (9): Braço Tatuado, de Cristóvão de Aguiar (José Martins)
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Foi um acaso que me trouxe ao conhecimento o livro Braço Tatuado, quando, em 14 de Fevereiro de 2008, navegava na Net em busca de uma outra publicação. Tudo ficou decidido nesse momento. Pouco tempo depois era retirado da estante da Livraria Bertrand no Loures-Shoping, o livro que, quase de imediato, comecei a ler.
Título: Braço Tatuado - Retalhos da Guerra Colonial
Na capa, no texto biográfico, é referida uma passagem por Leiria, como professor. Ora foi nessa cidade que nasci e iniciei os meus estudos. Brinquei e passeei no Jardim Público, bebi água na Fonte Grande, tomei café no Arcádia, comi Brisas do Lis… Bons tempos, de jovem e estudante.
Na leitura do livro de Cristóvão Aguiar, estranhei o número “666”, que, como diz o autor, está em Apocalipse (13,18). Nos elementos de que dispunha e que de imediato consultei, esse número não pertence a nenhuma das unidades que serviram na Guiné.
Consultando o 8º Volume – Tomo II da CECA – Fichas História das Unidades – Guiné (página 342) e com base nas datas constantes do texto, assim como dos locais onde se desenrolaram as acções, foi fácil localizar a “Companhia nº 666” [texto em negrito]. Mas não me contentei com hipóteses. No dia 26/02/08, desloquei-me ao Arquivo Histórico Militar, em Lisboa, e pude ler e tomar notas (caixa nº 70 – 2ª Divisão/4ª Secção), com a calma que o pouco tempo de que dispunha me permitiu, da história da “666” [texto em itálico].
Companhia de Caçadores nº 800
Na realidade, e para mim, o Cristóvão Aguiar é alfero, é um óptimo contador de histórias que, com base numa unidade, acaba por englobar as estórias que fazem parte da história de um povo. J
Notas de vb:
1. Postes relacionados em
25 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2582: Notas de leitura (9): Cristóvão Aguiar, um escritor marcado pela guerra colonial (Beja Santos)
25 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2580: Notas de leitura (8): Braço Tatuado-Retalhos da Guerra Colonial, de Cristóvão Aguiar (Victor Dores / Amaro Rodrigues)
2. Cristóvão de Aguiar nasceu na ilha de São Miguel em 1940. Frequentou Filologia Germânica, em Coimbra, curso que interrompeu para tirar o Curso de Oficiais Milicianos (COM).
Em 1965 partiu para a Guiné, deixando publicado o livro de poemas, Mãos Vazias. Regressado em 1967, concluiu o curso, leccionou em Leiria e regressou a Coimbra para apresentar a sua tese de licenciatura, O Puritanismo e a Letra Escarlate.
Foi redactor da revista Vértice e colaborador, depois do 25 de Abril, da Emissora Nacional com a rubrica "Revista da Imprensa Regional" e leitor de Língua Inglesa na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra.
A experiência da guerra forneceu-lhe material para um livro, incluído inicialmente em Ciclone de Setembro (1985), de que era uma das partes, e autonomizado mais tarde com o título O Braço Tatuado (1990) e que reeditou em nova versão.
Da sua obra, por diversas vezes premiada destacamos:
Em Setembro de 2001 foi agraciado pelo presidente da República com o grau de Comendador da Ordem Infante Dom Henrique.
Texto extraído das Publicações D. Quixote. Com a devida vénia.
Guiné 63/74 - P3362: História da CCAÇ 2679 (5): Canquelifá, duas histórias e um ataque frustrado (José Manuel Dinis)
Camarada Carlos
Antes do mais felicito a magnifica equipe que mantém o blogue. Não tenham pressa, pois, parece-me, ainda haverá muito para contar, novos tertulianos a apresentar-se na Tabanca Grande, já que este despertar de recordações e permuta de experiências, será diferentemente revelado por cada um dos que passaram pela terra guineense.
Parabéns pela vossa vontade em prosseguir.
Por último, solicito a indicação da localização do espaço Grandela (**).
Para essa equipe, e para todos os tertulianos, segue um grande abraço.
José Dinis
Aeroporto Internacional das Termas de Canquelifá. Distinguem-se, da esquerda para a direita: Morais, Dinis, Gonçalves (Corvo) e Azevedo, a furrielada dos 1.º e 2.º Pelotões.
2. Canquelifá - duas histórias e um ataque frustrado
Em Canquelifá, a localidade mais distante relativamente a Bissau, permanecemos com o 1.º Pelotão durante alguns dias. A estadia ali era muito agradável, apesar das fracas condições físicas do aquartelamento, em virtude da boa camaradagem com a Companhia local, participando o nosso pessoal nos serviços, e a divisão de tarefas incluía as actividades operacionais. Dormia-se bastante. As refeições tinham horas certas. O à-vontade era notório.
Contavam-se duas hitórias ali ocorridas, uma de desfecho trágico e ainda evidente, outra, verdadeiramente incrível.
A primeira, relacionava-se com um jovem furriel piloto aviador que ali se deslocou, aos comandos de um T-6, para eventual apoio aéreo, como era usual quando fazíamos determinadas saídas para o mato. Por vezes, até se prescindia da sua presença e o avião ia a Nova Lamego buscar géneros em falta. Havia, portanto, uma relação de amizade e cumplicidade com os pilotos. Pois nesse dia fatídico, serviu-se na messe um rancho melhorado, onde também afluiram wwiskies e cognaques, para festejar a condição aniversariante do piloto. Festa é festa e nos verdes vinte anos as festas costumam ser rijas. Com o fim da tarde a aproximar-se, o jovem foi acompanhado à pista pelos camaradas alegres e compinchas. Aos comandos da aeronave, deslizou, descolou do solo, fez movimentos de asas como quem acena na despedida e ainda quis brindar os amigos com um looping que, mal avaliado, acabou a trajectória contra uma árvore imensa dentro da localidade, do que resultou a fragmentação do aparelho e a morte do piloto.
A outra história teve origem durante uma flagelação. Uma mulher da população, seguramente de proeminente bunda, deslocava-se em busca de abrigo, quando foi apanhada por uma granada de morteiro que a atingiu sem rebentar e penetrou, alojando-se numa nádega. Foi evacuada e tratada em Bissau, cicatrizou a ferida e continuou a sua vida normal, milagrosamente conservada.
Mas não há duas sem três:
O Furriel Mecânico Auto-rodas de Canquelifá, gostava de fazer ralis, um tipo corpulento de S. Domingos de Rana cuja identidade não recordo. Essa veia para os carros transformados sublimou-a nos Unimogs da Companhia, que punha a preceito, montando as rodas com as jantes ao contrário, do que resultava um aumento da distância entre elas, tornando-se salientes em relação à carroceria e transformava os sistemas de escape nos chamados escapes livres, para que as fisionomias e os roncares dos motores fossem comparáveis com os dos cooper esses. Na picada era sempre a competir.
Uma ocasião, o 1.º Pelotão saíu para uma acção que terminava numa antiga morança a nordeste, onde foram recolhidos por viaturas expressamente deslocadas. Nós, do Foxtrot, ficámos no ripanço. Até que o capitão me chamou, explicou que uma viatura não tinha regressado, para eu reunir alguns homens e seguir para o local com um mecânico.
Lá chegados, deparei com uma GMC parada no meio das árvores, sem ter saído do local da recolha e, do meio do pessoal, surgiu o Corvo, com maus modos que só a ele é que aconteciam azares daqueles e nunca mais tomava o merecido banho. Rapidamente avaliou-se a situação. O semi-eixo da GMC partira. Disse então ao Corvo que mandasse o resto do meu pessoal, pois passaríamos a noite junto da viatura. E lá foi todo raivoso para o banho tardio.
Alguns minutos depois anunciava-se a chegada dos restantes elementos do Foxtrot, tal o banzé que as viaturas faziam através da savana densa. Com eles vinham os mecânicos que avaliaram a maleita, resolveram voltar a Canquelifá para desmontar a peça equivalente de outra viatura e, voltando ali, procederiam à substituição com facilidade. Que ainda iria dormir no aquartelamento, prometeram.
E seguiram, picada fora, ron-ron, derrapando, com as luzes acesas, que entretanto anoitecia.
Mais um bocado e... vrooom, a ruideira e as luzes que dançavam conforme os obstáculos da mata, anunciavam a aproximação dos técnicos. Montou-se o macaco, com os faróis de uma viatura iluminou-se o local de trabalho, ainda voltou a Canquelifá uma secção que troava na picada, para um lado como para o outro, em busca de qualquer coisa indispensável, até que a velha GMC, tratada da ferida, logrou deslocar-se pelos seus meios. Contentes da vida regressámos todos com a descontração da missão cumprida.
No dia seguinte recebemos a informação de que um bi-grupo IN preparava-se para atacar, mas desistiu da intenção, provavelmente, dissuadido por tanto movimento de viaturas, a indiciar deslocação de homens, cuja causa eles ignoravam ou ter-nos-iam apanhado à mão.
Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgílio Sousa
O Abreu
Falar do Abreu não é tarefa fácil, porque o rapaz, quando arregimentado, apareceu no quartel como se não tivesse passado, vindo de nenhures, como um bébé, de tal modo se mostrava desenraízado e inadaptado às novidades. De facto, durante a recruta integrou outro pelotão e o António Abreu, um dos seus instrutores, referia-me a dificuldade que sentia relativamente ao instruendo. Dizia-me que o rapaz ouvia tudo, tentava proceder como os restantes, mas os seus movimentos eram tão desordenados, que geravam rizadas e chacota.E o pobre militar, que não falava com ninguém, numa mudez persistente, mesmo com os instrutores, mais se acabrunhava e metia-se consigo.
Era um problema, que, parecia-me, resultava de sempre ter vivido nos recônditos da Madeira, em alguma vala ou encosta perdida, num seio familiar restrito, humilde que trabalhava no campo e de alguma maneira isolado, dias e dias entregues a si próprios, tarefas a que o pequeno Abreu começou a ajudar desde que se conhecia. Não frequentou a escola que, embora vulgar na época, acentuou essa manifestação de bicho do mato, com um relacionamento tímido e muito limitado. Não saíra do lugar onde nascera, porque naquele tempo até as maleitas eram tratadas com mezinhas naturais.
Era uma fraca figura, mas rijo. Podiam dar-lhe pesos a carregar. A nada virava a cara. Sempre calado. Mas a ordem unida, essa era infinitamente mais difícil de articular do que pegar em pesos e carregá-los.
Às perguntas que lhe dirigiam, acenava com a cabeça em sinal negativo ou afirmativo e a cabeça baixa, revelava o seu desentendimento do que o envolvia. Nunca esboçou um sorriso. Assentava-lhe mal a farda por ser de baixa estatura, mas isso não o preocupava, nem ele queria usá-la assim para ridicularizar a tropa. Simplesmente não compreendia.
Pois bem, foi neste estado e com as dificuldades referidas que fez a recruta e a especialidade, jurou bandeira e integrou o 2.º Pelotão, mais tarde o Foxtrot.
Aprendeu rudimentos de ordem unida, nem sempre atinando com a apresentação de armas. Também aprendeu rudimentos na utilização da G-3, mas era manifestamente imprevisivel. No entanto a sua atitude era de constante disponibilidade. A sua expressão de jovem imberbe não se alterava, nem por alegria, nem por tristeza.
Durante a primeira deslocação para Canquelifá tomou contacto com as primeiras letras que, esforçadamente, alguns cabos tentavam transmitir aos companheiros analfabetos, durante as horas de repouso que ali desfrutávamos. E foi carregador de muita granada e pesos que os mais espertos lhe impingiam. Deixei que assim fosse, mas estimulava-o à revolta e raras vezes intervim, pois se por um lado abusavam, com limites claro, também o estimavam, puxavam por ele e eu esperava que se desinibisse e viesse a marcar posição.
Durante o período que passámos na Guiné, o Foxtrot tornou-se uma família e o Abreu passou a participar nas conversas, a ganhar um lugar e no final já sorria de gozo, quando rejeitava carga durante as saídas para o mato e rematava que já tinha carregado o sufuciente, agora, os restantes que trabalhassem para ele. Nada de mais justo e dava alegria geral verificar a sua evolução.
O Abreu bateu-se e venceu o desenraizamento. Por isso foi herói. E foi um bom produto do Foxtrot.
Fotos e legendas: © José M. Matos Dinis (2008). Direitos reservados
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Notas de CV:
(*) - Vd. postes da série de
31 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3157: História da CCAÇ 2679 (1): Apresentação (José Manuel Dinis)
13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3203: História da CCAÇ 2679 (2): A caminho de Piche (José Manuel Dinis)
5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3271: História da CCAÇ 2679 (3): Início da actividade operacional (José Manuel Dinis)
15 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3319: História da CCAÇ 2679 (4): 5.º dia, o meu baptismo de fogo (José Manuel Dinis)
(**) - Não só para o Matos Dinis, mas para quem interessar, o Espaço Grandela fica na Estrada de Benfica, 419, em São Domingos de Benfica, Lisboa.
domingo, 26 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3361: Liga dos Combatentes inaugurou CEAMPS (José Martins)
DEFESA
Liga dos Combatentes inaugura Centro de Estudos e Apoio Médico para antigos militares com problemas
Antigos militares sem-abrigo, com problemas de toxicodependência, alcoolismo ou stress-pós traumático têm, a partir de hoje, uma nova estrutura de apoio. O Centro de Estudos e Apoio Médico, Psicológico e Social (CEAMPS) criado pela Liga dos Combatentes.
Lusa
No dia em que assinala o 85.º aniversário, a Liga dos Combatentes (LC) inaugurou o CEAMPS para “aprofundar o apoio médico, psicológico e social aos antigos combatentes quer da Guerra do Ultramar, quer das operações de paz”, disse à agência Lusa o presidente da Direcção Central da LC, general Joaquim Chito Rodrigues.
“A solidariedade tem sido uma acção permanente da Liga, que foi a misericórdia de muitos combatentes e famílias, e que irá ser reforçada com o desenvolvimento deste programa”, sublinhou o Chito Rodrigues, à margem da cerimónia de inauguração do centro que contou com a presença do secretário de Estado da Defesa e Assuntos do Mar, Mira Gomes.
Os alvos deste programa são os combatentes em risco de exclusão social. "São nichos de exclusão, mas não podemos esquecê-los e é aí que temos de trabalhar", disse o responsável, sublinhando que para promover a inclusão social é preciso conhecer “a pobreza real dos antigos combatentes”.
Para isso, a LC lançou o primeiro estudo para a recolha de dados sócio-demográficos para saber o tipo de população que vai apoiar.
O general Chito Rodrigues adiantou que há já um grupo de 10 voluntários que estão a trabalhar no terreno e que têm como objectivo chegar aos antigos combatentes que estão na rua.
A Liga está já a trabalhar com alguns antigos combatentes sem-abrigo e outros, com problemas de toxicodependência e alcoolismo, já estão sinalizados.
“Já sinalizámos 60 antigos combatentes, metade estão a ser acompanhados pela Liga de Combatentes e os restantes foram encaminhados para os serviços competentes do Serviço Nacional de Saúde”, afirmou Chito Rodrigues durante a cerimónia de inauguração do centro.
A instituição está ainda a acompanhar cerca de 140 famílias de combatentes em situação de pobreza extrema e com manifesto risco de exclusão social.
Até ao final do ano, e em conjunto com o Exército, Marinha e Força Aérea, a Liga irá começar a trabalhar com os militares que participaram e participam em Operações de Apoio à Paz, cerca de 30 mil, não só a nível do stress pós-traumático, mas sobretudo na dimensão psicossocial, uma das vertentes do modelo das Nações Unidas para as Operações de Paz e reconstrução pós-conflito, anunciou o responsável.
A direcção Central da LC, os 71 núcleos espalhados pelo país, e o Lar dos Filhos dos Combatentes no Porto, são a estrutura base onde se irá inserir a estrutura de apoio médico, psicológico e social do CEAMPS.
Estas estruturas estão a ser dotadas com meios humanos, nomeadamente médicos, psicólogo, assistente social ou técnico de reabilitação para identificar, apoiar e reencaminhar para o Serviço Nacional de Saúde ou para a rede nacional de apoio os combatentes e suas famílias.
Para o secretário de Estado da Defesa e Assunto do Mar, João Mira Gomes, este projecto reveste-te de “grande importância” porque se enquadra no trabalho que a Liga dos Combatentes tem vindo a realizar e nos objectivos do Ministério da Defesa nacional.
“Nós temos estado a trabalhar com várias associações para apoiar mais os antigos combatentes em várias vertentes, designadamente a sua integração social e o apoio a problemas de saúde, que começam a evidenciar-se”, disse Mira Gomes à agência Lusa. Para o governante, a existência de combatentes em risco de exclusão social “é um problema”.
“Um dos desafios com que nós nos confrontamos é ter um retrato tão exacto quanto possível dessas situações, por isso é muito importante ter uma rede que só se consegue através destas associações e do espírito de voluntariado e entreajuda”, salientou. É através dessa rede, acrescentou, que se consegue identificar os casos e apoiá-los.
Um alfa bravo
José Martins
2. Comentário de CV
Mais uma vez sensibilizamos os nossos camaradas, e as respectivas famílias, que se julguem portadores de algum distúrbio com origem na sua passagem pela guerra do ultramar, para se dirigirem ou à ADFA ou à Liga dos Combatentes, que têm delegações em todo o País, a fim de receberem encaminhamento adequado e acederem ao tratatamento a que têm direito.
Deixámos mais este alerta e mais uma saída.
Guiné 63/74 - P3360: Em busca de... (47): Referências a meu pai, António Andrade Júnior, Cameconde, 1967/69 (Gonçalo Andrade)
Guiné > Região de Tombali > Cameconde, 1967/69 > O nosso já falecido camarada António Andrade Jr, posando para a fotografia junto a um monumento erigido, possivelmente em Cacoca, junto à fronteira sul, pela CART 640: "Quartel de Cacoca, ocupado e construído pela CART 640, desde 24-6-64"... Não sabemos se o António estava na altura em Cacoca, ou apenas de passagem.
Fotos: © Gonçalo Anadtrade (2008). Direitos reservados
1. Mensagem de hoje, do nosso amigo Gonçalo Andrade, filho do nosso camarada António Andrade Júnior, em busca de companheiros de seu pai.
Amigo Luis Graça,
O meu pai foi combatente na Guiné (Cameconde), aproximadamente entre 03/1967 e 03/1969.
Infelizmente, o mesmo faleceu, vítima de acidente de viação em 1979 (tinha eu 8 anos) e a minha mãe também faleceu em 1983 (eu com 12 anos) igualmente de acidente automóvel. Desta forma, não tenho quem me dê informações ou referências e ando em busca das origens.
Pelo referido, excepto as datas e algumas fotografias, nada mais sei, nem nome/número da Companhia, nem ramo das forças armadas a que pertenceu.
Gostava de obter informações a seu respeito, fotografias e filmes onde aparecesse e de saber se a sua Companhia se organiza em confraternizações.
O seu nome era António Andrade Júnior e era natural de Estremoz, nascido em 1945.
Em busca que fiz na Net dei com o seu blogue. Assim pergunto se me pode auxiliar com informações ou indicando a quem me possa dirigir (particular ou entidade oficial).
Anexo 9 fotos do meu pai e camaradas, no sentido de auxiliar a identificar.
Um abraço
gonçalo andrade
goncalo.andrade@netcabo.pt
2. Comentário de CV:
Aqui ficam algumas fotos que o Gonçalo nos enviou na esperança de que alguém reconheça o seu pai, se reconheça a si próprio ou reconheça algum amigo e assim criar uma corrente que leve ao passado do nosso malogrado camarada. Contamos com a colaboração dos nossos leitores. As duas ou três últimas fotos parece terem sido tiradas na Metrópole, na altura da instrução militar.
______________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)
Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)
"Tem sido um verdadeiro problema, para o qual ainda não encontrámos resposta técnica eficaz, conciliar as necessidades alimentares dos hipopótamos que vivem no seu habitat natural, com os naturais anseios das populações ribeirinhas que procuram desesperadamente a sua própria segurança alimentar.
"Eis aqui um grande e clássico conflito entre o Ambiente e Desenvolvimento, cada um apresentando as suas legítimas razões".
Foto: © AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados
1. Mensagem, de hoje, do Pepito, membro da nossa Tabanca Grande, engenheiro agrónomo, co-fundador e actual director executivo da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento:
Luís:
Conheço muito bem o Inácio Semedo Jr.. É um bom amigo meu e pessoa por quem tenho muita consideração. Combatente da Libertação da Guiné-Bissau, sempre foi um Homem de Estado, com uma postura digna (*).
Nada de estranho quando se é filho do já falecido Inácio Semedo, agricultor que, com o meu pai[ Artur Augusto Silva,] (**), fez parte de um grupo que nos idos de 50 pugnou pelo desenvolvimento do associativismo rural na então Guiné Portuguesa.
Quase 40 anos depois, tive a honra de o convidar a presidir às primeiras jornadas sobre o Associativismo Agricola na Guiné-Bissau. Fui a casa dele em Bambadinca para o efeito. Não estava lá, mas antes na sua propriedade agrícola onde o fui encontrar já muito velhote, numa cadeira de rodas, a orientar os trabalhos. Uma verdadeira lição que nunca esquecerei.
Quando contactares o filho, ficarás rendido à sua simplicidade e maneira de ser.
abraço
Pepito (***)
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 15 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3317: Em busca de ... (45): Inácio Semedo Jr, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, de Bambadinca (Berry Lusher / L. Amado / L. Graça)
(**) Vd. I Série do blogue > Poste de 20 de Maio de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCLXXV: Antologia (38): O cativeiro dos bichos (Artur Augusto Silva)
(***) Pepito: Pensei em ti e na Isabel. Vamos agora assitir à exibição do filme documental que acaba de ganhar o Grande Prémio da Cidade de Lisboa para a melhor longa metragem no âmbito da 6ª edição do Festival Internacional de Cinema Documental (Lisboa, 16 a 26 de Outubro de 2008).
O filme premiado passa-se aí na tua vizinha Guiné-Conacri, e tem muito a ver com o teu 'core business' que é o desenvolvimento sustentado e integrado. Obrigado pelo teu mail. Já falei, uma vez, ao telefone com o Doutor Inácio Semedo Jr. Prometemo-nos voltar a falar "depois das eleições"... Pareceu-me uma pessoa afável, com muito nível, cultura e sensilidade.
The execution, de Yue Minjun. Esta imagem, fortíssima, serviu de fundo ao logótipo do VI Festival Internacional de Cinema Documental. 175 filmes passaram por Lisboa em 10 dias. O cinema documental está conquistar cada vez mais adeptos entre o público português.
Grande Prémio Cidade de Lisboa para a melhor longa-metragem - 15.000€
End of the Rainbow, de Robert Nugent
83´ França 2007
Sinopse > "Uma grande companhia mineira multinacional transfere uma imponente unidade de prospecção de ouro da Indonésia para uma região remota da Guiné Conacry, em África. Nesta zona rural extremamente pobre, a presença da mina acaba por criar um clima de mudança e vários conflitos entre os habitantes locais. Quais as vantagens do proclamado progresso para uma aldeia africana? A transformação do mundo imposta pelo poder do dinheiro não garante necessariamente felicidade nem melhores condições de vida".