Desta vez são notícias do futuro. 2050, imaginem, quando, graças aos progressos da criologia e medicina, o nosso alfero regressa da outra margem do Rio Caronte para nos continuar a deliciar, questionar, entorpecer, fazer rir, pôr a pensar, incomodar, infantilizar, baralhar, emocionar, pôr em sentido, atrapalhar, engasgar, pôr a trepar paredes, pôr a uivar, seduzir...com as suas estórias cabralianas (*)... E todos nós, que já fomos VIP, seremos, em 2050, UPV (**)...
Aviso: este poste é definitivamente pornográfico... Ou, no mínimo, deprimente. A culpa não é da mensagem nem do mensageiro, mas do CU: sempre que olhamos para o CU (Cartão Único), descobrimos que aos vinte anos fomos combatentes, no século passado, a cinco mil quilómetros do páteo da nossa escola, de uma guerra de baixa intensidade... (LG).
Data: 24 de Março de 2010 12:46
Assunto: Notícias do Ano 2050
Amigos,
Infelizmente não vos mando boas notícias do Futuro.
Abraços Grandes
Jorge Cabral
2. Estórias cabralianas > Notícias do Ano 2050
por Jorge Cabral
Tenho como sabem, uma máquina do tempo, na qual viajo ao passado. Porém hoje a máquina avariou e em vez de recuar os quarenta anos programados, avançou e eis-me aqui no ano de 2050.
Estou vivo e ainda trabalho pois agora já ninguém tem direito à Reforma. Exerço as minhas funções no Instituto da Promoção da Pobreza. Preparo um Estudo sobre o Empobrecimento Lícito e o certo é que já sei as conclusões – empobrecer é legítimo, justo, lícito e patriótico.
Precisam-se mais pobres para manter os serviços sociais. O crime tem diminuído assustadoramente. Os polícias passam os dias a jogar às cartas, a contar anedotas ou a ver televisão. Felizmente vai ser inaugurada, em breve, uma Escola de Delinquência, na qual se podem licenciar ladrões e vigaristas, estando até previsto um Doutoramento em Tráfico de Influências.
O meu quotidiano é simples. Apanho de manhã o transporte e, se o perco, tenho logo apoio psicológico, pois há em cada paragem um Psicólogo. Aliás, existem por todo lado.
Ainda na semana passada, quando no Restaurante entornei a sopa, tive logo o respectivo apoio da Psicóloga do Estabelecimento.
Também há Advogados nos Restaurantes, nos Cafés e até nas Casas de Alterne, sempre disponíveis, pois são quatro por cada cidadão.
Moro num Velhil, destinado aos que U.P.V. (Ultrapassaram Prazo de Validade). Embora fosse um antigo canil, a casa é agradável. Recebemos muitas visitas de estudantes e uns gostam muito, outros preferem o Jardim Zoológico.
No meu quarto afixei fotografias da Guiné e no outro dia uma Professora perguntou-me se eu é que era o Soldado Desconhecido. Respondi-lhe afirmativamente. Quanto à Guerra já ouvira falar… Foi depois de Aljubarrota, não foi?
O Blogue sobrevive. O Maestro Luís comanda-o com o olhar, pois já não se usam teclas.
Qualquer dia, teremos mais um encontro da Tabanca Grande. Virtual, claro…Mas, com chá e biscoitos!
Jorge Cabral
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste da série > 26 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5889: Estórias cabralianas (58): O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero (Jorge Cabral)
(**) Jorge: Não fiques triste. Como dizem os Deolinda, "vão sem mim, que eu vou lá ter"... Nasci numa rua, que era do Castelo, ou do cemitério... E aos cemitérios já vi chamar muita coisa, até "campo da igualdade"... Quando era puto, para lidar com o terror da morte e poder continuar a apanhar lagartos com anzóis nos muros do cemitério, púnhamos tabuletas, à entrada do portão, para aterrorizar os adultos: "À volta, cá te espero"... Jorge: haveremos de morrer, mas de vagar, entre um copo e duas estórias cabralianas... A minha imaginação não é tão febril (ou fabril) como a tua, 2050 não consigo alcançar, mas até 2025, que é já amanhã, ainda consigo acompanhar-te... (Espero bem...). Daí juntar-me à tua festa, com estes versinhos que há tempos fiz e que hoje revi... Em tua homenagem e dos demais camaradas da Guiné, que é gente que está aqui para dar e durar, como as pilhas do anúncio...
Dizem que estamos a envelhecer, Papi!
por Luís Graça
Poema para ser lido por velhos,
daqueles que já usam óculos com muitas dioptrias,
ou então essas horríveis lentes de aumentar
que se compram na Loja do Avô,
e que só servem para ler os títulos de caixa alta do jornal
ou para aterrorizar os netos
com aqueles gigantescos olhos de carneiro mal morto...
Dizem-nos
que estamos a envelhecer.
Dizem os demógrafos,
que correm, eles próprios, o risco
de ver limitado o seu objecto de estudo
aos velhos.
Dizem as máscaras do Entrudo
do nosso descontentamento muito pouco chocalheiro.
Dizem os caretos de Ousilhão.
Dizem os últimos rapazes da Festa dos Rapazes.
Dizem os do Marão
que já não mandam nada os que para lá estão.
Dizem os médicos,
que também estão a encanecer.
Dizia o senhor Ministro da Indústria da Doença
que outrora mandou encerrar as maternidades.
Por falta de clientes.
Por falta de fedelhos.
Tenham paciência, meus senhores e minhas senhores,
a ciência ou é exacta ou não é ciência.
Dizem os hospitéis,
a abarrotar de gente na fila para morrer.
Dizem os bordéis,
que até agora não tinham livro de reclamações.
Dizem os sociólogos,
em crise de paradigma
existencial.
Dizem os jornais
que já não vendem mais.
Diz o meu geneticista,
que anda à procura do gene da eterna juventude.
Dizem os futurólogos
que lêem nas entrelinhas das camadas de ozono.
Diz a minha esteticista,
quando o verniz estala,
vão-se os anéis,
ficam os dedos
e as garras, cruéis.
Diz a vida, malsã.
Diz a palma da mão e a linha (torta) da vida.
Diz a pitonisa de Delfos,
a escarnecer
da cultura judaico-cristã.
e da mitologia grega.
Diz a comissária política de Bruxelas,
que não foi eleita,
muito menos pelos eurovelhos.
Diz o Eurostat,
que representa a sacrossanta ciência
do positivismo do século.
E até a Santa Madre Igreja,
com o seu sínodo de pontos cardeais,
agora sem crianças para baptizar
nem selvagens para evangelizar.
nem diabos para combater.
Não sei o que diz Ela,
a Santa,
a Madre,
a Igreja.
Não sei o que é que diz Roma
nem Pavia,
que não se fizeram num dia.
Mas dizem as estatísticas,
que, dizem-nos, não mentem,
que estamos a embranquecer,
a encanecer,
a envelhecer,
a ensandecer,
a endoidecer.
A morrer, meus irmãos.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Meus irmãos, meus irmãos, meus irmãos.
Diz o espelho meu,
que o tempo faz o seu trabalho de sapa.
Que o tempo, no final, te mata.
Amen
Como nos filmes de terror.
Amen.
Que a vida te está a foder, meu.
Cruzxes, canhoto.
Va de retro, Satanás!
Diz o sino da tua aldeia,
quando dobra a finados.
Dizem as tuas rugas.
Dizem as tuas brancas,
as primeiras, não sei onde.
Dizem os teus dias cinzentos.
Só o Governo esconde
a bomba biológica
que paira sobre a cabeça
dos que hão-de vir.
Dizem-me que o Governo tropeça,
trapaça,
trespassa,
mas não cai
só por mentir,
com as medidas da tendências central.
a média, a moda e a mediana,
mais o desvio padrão
e o erro amostral.
Eu sei que o Governo está sujeito à erosão
dos ventos
e das marés,
e das erupções dos vulcões
mas também à irrisão mortal
das sondagens e das eleições.
O Governo não deve mentir.
O Governo deve dizer a verdade,
e tirar as ilações,
com um grau de confiança de noventa e cinco por cento.
Mas nem sempre diz toda a verdade,
ou só a verdade,
por causa da coesão
social,
por causa do clima
económico,
por causa da confiança
psicológica
do investidor estrangeiro,
por causa da liberdade,
primordial,
da bolsa.
A bolsa ou a vida: isto é um assalto!
Dizem que estamos a envelhecer.
Dizem-te que há muito ultrapassaste a barreira dos quarenta.
Que aos 45 já eras velho,
para além do limiar da esperança ao nascer
quando nasceste em 47.
Dizem-te que seremos velhos
em 2025.
Um em cada cinco.
Leia-se: velhos, mais de 65,
com direito a CU, a Cartão Único digitalizado,
perpétuo, como o o calendário do Borda d'Água.
E que agora já começou a caça
aos talentos
aos rebentos,
aos soberdotados,
aos mimados,
aos pestinhas,
à criancinhas
na perspectiva da rarefacção dos recursos humanos.
Diz o nosso (e)terno guru.
Diz o provérbio que
na era de 31, poucos moços, velhos nenhum.
Mas não é envelhecimento,
é senescência,
diz o meu neurologista.
Degenerescência,
dizem os puristas da língua.
Diz a neurociência:
o mais importante
não é perderes 100 mil neurónios
por dia,
nem a paciência,
nem a compostura,
nem o controlo,
dos esfíncteres.
Nem a decência.
Nem o espermicída.
Deus te livre do Alzheimer e do Parkinson,
e das demais doenças crónicas degenerativas.
O que é grave é perderes
as redes neuronais
e as gotas
e os comprimidos
e não sei que mais.
Dizem que estamos a envelhecer, Papi.
Porra,
meu velho,
o que a vida fez de ti!