segunda-feira, 7 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6553: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (21): Olhos negros, com arranjo para coro do nosso camarada Mário Roseira Dias (Luís Graça)




Concerto, em 5 do correntre, na Lourinhã,  na sede da AMAL - Associação Musical e Artística Lourinhanense, comemorativo do 6º aniversário do Coro Municipal da Lourinhã. (Com a devida vénia...).

Actuação do coro  (35 elementos), dirigido pelo maestro João Pereira. Canção tradicional dos Açores, "Olhos Negros". Arranjo coral: M[ário] Roseira Dias (Sargento Comando Reformado, membro do nosso blogue). Já agora, alguém sabe quem é o autor (anónimo) desta líndíssima e genial letra ? Curiosamente, há várias versões: nuns casos, fala-se em "olhos pretos", noutros em "ollhos negros"... mas sempre da Guiné! 


Vídeo: 2' 50'': © Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes


Olhos negros (Trad. dos Açores / Ilha Terceira)
Arranjo coral: M. Roseira Dias


Os teus olhos, negros negros,
São gentios, são gentios da Guiné.  (Bis)

Ai da Guiné,  por serem negros,
Da Guiné por serem negros,
Gentios por não terem fé.  (Bis)

Os teus olhos são brilhantes,
Semelhantes
Aos luzeiros que o céu tem.  (Bis)

Os olhos negros, que eu preferi
E que nunca vi
De côr mais linda a ninguém (Bis)

Os teus olhos, negros negros...


Recordam-se  há tempos de ter escrito  que "o mundo é pequeno e o nosso blogue...é grande" ?  A frase ficou, caiu no goto e hoje já é título de série... 

Falando com o Francisco Feio (CCAV 2484,  Jabadá, 1969/70), descobri que ele era vizinho e amigo do nosso camarada  Mário Dias, Mário Roseira Dias, sargento comando reformado... Ambos têm em comum, para além da Guiné, a paixão pela música, em geral, e a música coral, em particular.

O Francisco é um dos quatro ou cinco sobreviventes do grupo de fundadores do Grupo Coral Alius Vetus (nome latino do topónimo Alhos Vedros, concelho da Moita). 

Em 2011, o grupo celebra os seus 25 anos... O Sr. Mário (como é respeitosamente tratado pelo Feio) esteve mais de dez anos no Grupo Coral. Depois afastou-se e dedica-se à composição musical, (Há tempos, o próprio  confidenciou-me que está a acabar uma cantatata,) Há várias peças dele no reportório actual do grupo.

Com a sua modéstia habitual, o Mário  Dias (mais conhecido por M. Roseira Dias, no meio musical) confirmou-me por mail que "por acaso o arranjo para coro da canção açoriana 'Olhos Negros' é de facto da minha autoria". E acrescentou: "Tenho muitos outros arranjos que por aí circulam e são cantados, mais ainda no Brasil do que em Portugal. Santos da casa não fazem milagres"...

E, por ser verdade, eu confirmo-o, através de rápida consulta na Net. São dezenas e dezenas de arranjos para coro, saídos do talento musical do nosso camarada: por exemplo;


Não só arranjos como músicas orignais: por exemplo;


Quanto ao maestro João Pereira (n. 1947), meu amigo e conterrâneo, o Mário conhece-o bem, já que foi também maestro do Coro Mama Sume da Associação de Comandos,  "in illo tempore". 

O João Pereira da Costa fez igualmente a guerra colonial, em Angola. É sobrinho do Agnelo Ferreira, ex-1º Cabo Cripto, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Está reformado da Caixa Geral de Depósitos. 

Enfim, dois exemplos de gente talentosa, culta e generosa, que podemos encontrar entre os ex-combatentes da guerra colonial, em geral, e entre os amigos e camaradas da Guiné que fazem parte da nossa Tabanca Grande, muito em especial. 

Parabéns, Mário, parabéns, João! (*)

_________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da  série > 16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6402: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (20): O Nosso Veterano... do Rugby, Paulo Santiago, a jogar em casa, no dia 12 de Junho próximo


Guiné 63/74 - P6552: Convívios (248): Encontro do pessoal da CCAÇ 2368, ocorrido no dia 30 de Maio de 2010 (Albino Silva)

1. Mensagem de Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 2 de Junho de 2010:

Olá Carlos, e todos os Chefes da Tabanca Grande.
Sou o Albino Silva, e de novo a dar mais um bocado de trabalho, mas nesta altura do ano até entendo que será normal, olhando aos Convívios que se fazem por todo este País, e é precisamente por isso que eu aqui venho mais uma vez, para apresentar este trabalho relacionado com uma Companhia de meu Batalhão, a CCaç 2368, Feras.

Aproveito para informar toda a Tabanca que no dia 10 de Junho vai ser realizado, aqui em Fão, o Dia do Ex-Combatente, Organizado pela Junta de Freguesia de Fão. Será servido almoço pelo preço de 5 Euros para os ex-Combatentes, sendo grátis para as esposas.

Os interessados devem contactar a Junta de Freguesia através do telefone 253 982 143.
Venham todos.

Um grande Abraço para todos os Tertulianos.
Albino Silva


GRANDE RONCO da CCaç 2368 "FERAS"

30 de Maio


Foi esta a data escolhida pela Companhia de Caçadores, 2368 Feras, para comemorar 0s 40 Anos de regresso da Guiné.

Em 1968 todos nós em Batalhão embarcámos no dia 1 de Maio no navio Niassa, e dias depois chegaríamos à Guiné para cumprir a nossa missão, que viria a terminar em Abril de 1970, já lá vão 40 anos.

Já habituados a fazer Ronco todos os anos, este seria especial para os Feras pela data acima mencionada.

Em anos diferentes e não distantes, os Feras se juntavam sempre em grande número pelo que este julgava-se que aumentasse, para comemorar os 40 anos de nosso regresso, mas afinal foram ainda muitos menos a comparecerem na formatura junto à Caserna, pois muitos não responderam à chamada e estão em falta.

De alguns conhecemos o motivo, porque fomos contactados, mas de outros nada sabemos, pois
nada disseram. Sabemos ainda que há camaradas que nunca vieram, daí pensarmos que estão no estrangeiro, até porque há dias recebi um mail de Toronto (Canadá), de um camarada que para lá emigrou após a vinda da Guiné, e nunca teve por isso contacto com mais nenhum camarada. Teve sim a felicidade para ele e graças à internet de encontrar o site onde o Albino Silva, eu, apresenta trabalhos relacionados com o Batalhão, e por isso ver todos os Camaradas da sua Companhia e do BCaç 2845, muito embora sem conhecer ninguém, segundo ele, porque já são 40 anos.

É claro que há Feras em todos os recantos do mundo e por isso ser dificil estarem presentes nestes Roncos, que por vezes até desconhecem que os organizamos ano após ano. Também há quem saiba e não queiram aparecer.

Cada vez é mais dificil ter camaradas presentes, porque a idade vai avançando e os efeitos da mesma vão surgindo, incapacitando alguns de fazerem a viagem , e outros que por motivo de saúde também não podem vir e isso se compreende, mas creio que em qualquer dos casos deviam informar a Organização.

Nós queremos ajudar-te se estiveres doente. Na presença de todos nós poderás até melhorar e te sentires outro para enfrentares as dificuldades da vida. Sei que infelizmente há muitos camaradas a necessitar de Psicólogos e do apoio de todos nós, que também pensamos em ti, e sabemos que a presença de Camaradas é uma espécie de medicamento que tanto bem faz e nos faz esquecer um pouco a rotina do dia a dia. Sim porque estes encontros são saudáveis e transmitem alegria a todos, mesmo aos traumatizados e stressados daquela guerra vivida há 42 anos, pois procuramos sempre um incentivo e uma forma de te dar coragem e moral de que tanto necessitas, dando-te ainda a felicidade de estares presente entre nós Feras, Fortes e Altivos.

Há baixas na Companhia sim, pois recentemente faleceu o Capitão Sampaio Cerveira.

Lembras-te que o ano passado esteve entre nós e tudo parecia bem, mas de repente perdeu também ele esta batalha da vida.

Como ele outros mais, somos ex-combatentes mas não somos eternos.

A estes camaradas desaparecidos do combate, nós os recordaremos sempre e lhes prestaremos sentida homenagem mantendo-os assim entre nós até que a Companhia ou Batalhão seja todo excluído deste mundo onde tanto sofremos a partir dos nossos vinte anos, ao ver e a derramar sangue naquelas terras da Guiné já de si também com uma cor vermelhada.

A estes camaradas que agora estão dispensados de formar, nós os recordamos sempre, e tal como eles já o fizeram por outros, nós lhes guardamos um minuto de profundo silêncio.

Aos camaradas que simplesmente não querem fazer parte destas formaturas e que nunca vieram, só quero que saibam que esquecidos não estarão, nem na Companhia nem no
Pelotão, porque todos os anos perguntamos por vós, embora teimeis em não querer conviver com os vossos camaradas. Sei que é assim, até porque quando os Convívios são realizados a escassos metros de casa, mesmo assim não compareceis, e é porque certamente esquecesteis aqueles camaradas que se calhar por vezes repartiu convosco daquilo que também pouco tinha, como a água de seu cantil e a própria Ração de Combate, e por vezes até o moral e coragem vos deu.

Para ti Camarada, lembra-te que estamos todos contigo e que esperamos um dia ver-te aqui bem disposto, trocando uns abraços e contando um pouco da tua própria história. Assim verás e dirás que os encontros de camaradas que são saudáveis, como saudável era há 40 anos atrás.


PALAVRAS BONITAS

Ao longo da festa, foram muitos os camaradas que de microfone em punho usaram a palavra, e foram impecáveis, em tudo aquilo que nos disseram, o que aliás, já estamos habituados.
O que apreciei, foi o que nos disse o Matos Almeida, ex-Alf e ainda Moutinho dos Santos, o ex-Capitão da CCaç 2366 que veio expressamente trazer um abraço desde os Periquitos Atrevidos, até ás Feras, dedicando uma boa parte da tarde a todos os camaradas.

Sinceramente foi lindo o gesto, e é caso para dizer um Periquito Atrevido entre Feras.


AOS FERAS

Especialmente àqueles que estão espalhados pelo mundo, o nosso abraço.


LOUVOR

Quero aqui louvar todos os organizadores dos Roncos dos Feras, pelo esforço e dedicação que têm prestado ao longo dos anos, pois todos os Convívios por eles realizados têm tido sucesso, para bem da Companhia. Continuem.


LINDO

Que lindo é ver jovens nos nossos Convívios, quando estes estão atentos ao que vamos dizendo sobre o nosso passado na Guiné.

Creio que cada um vai confirmando aquilo que os pais já lhes disseram, quando lhes contam histórias vividas naquela Guerra.

É claro que nós dizemos a verdade, mas sei que muitos jovens gostam de nos ouvir, pois do nosso passado só nós falamos, e somente nós sabemos falar dele, pois ainda hoje vivemos isso.

Assim tenho falado com alguns que me afirmam que seus pais virão aos Convívios, porque eles próprios fazem questão de os trazer e isso é realmente muito lindo.

Neste ronco (festa) tive realmente um jovem casal que me disse isso mesmo, ou seja, que eles mesmo fazem questão de os trazer até junto de todos os camaradas.

Há dias, ou seja no dia 1 de Maio no convívio da CCaç 2367 Vampiros, havia um Sargento com a bonita idade de 83 anos, Luís Rafael dos Santos, que mostrou todo o interesse em participar na festa de sua Companhia realizada em Buarcos, pois tinha saudades dos camaradas que já não via há 41 Anos, porque veio mais cedo que nós um ano.

É claro que se achou incapaz de realizar a viagem desde o Laranjeiro (Almada), devido a sua idade e consequentemente cansaço, mas disse-me que adoraria vir ter com os camaradas, mas na impossibilidade, me pediu para falar dele a todos, e dar um grande abraço.

No dia seguinte, de novo me ligou, e então feliz, a confirmar três pessoas, seja para ele, sua esposa e sua filha, esta que vendo a vontade de seu pai em nos querer ver, se ofereceu em trazer seu pai ao nosso encontro.

Que lindo seu gesto minha senhora, seu pai era o homem mais feliz naquele Convívio, onde muito falou comigo alegremente.

Que lindo seria todos os filhos e agora até netos procedessem assim, porque nós já velhos e cansados adoramos.

A todos vós bons filhos e jovens, obrigado pela alegria que dais ao vosso pai, avô ou familiar e guarda bem para ti, que ele foi um grande combatente e que soube honrar a bandeira de Portugal.

Obrigado
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Louvores à CCAÇ 2368

Por despacho de 8 de Novembro de 1968 do Exmo. Comandante do Batalhão de Caçadores N.º 2851 é citada a CCAÇ 2368:

Teve este Batalhão sob o seu Comando Operacional para a Operação “Vamos Ver“, a CCAÇ 2368.
A forma altamente consciente da responsabilidade da missão com que actuou e, que se manteve intacta apesar de ter sido a subunidade que deparou com o mais forte contacto com o IN, sofrendo baixas, tornam a CCAÇ 2368, credora do apreço que com muita satisfação, este Comando manifesta.

( O.S. N.º 86 do BCAÇ 2851, de 8 de Novembro de 1968)
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Lovor ao 3.º Grupo de Combate da CCAÇ 2368

Por despacho de 9 de Maio de 1969 de Sua Ex.ª o Comandante Militar do CTIG é Louvado o 3.º Grupo de Combate/CCaç 2368 destacado em Bachile :

Pelo alto espírito de camaradagem com que efectuaram a evacuação de um Soldado Milícia gravemente ferido por acidente naquele Destacamento, ao ser verificada a impossibilidade de se efectuar a evacuação por meios aéreos, por ter caído a noite e a impossibilidade de Transmissões com a Sede, conscientes do risco que iam correr, uma vez que não tinha sido feita a picagem do itinerário e dada a gravidade do ferido, com total desprezo pelo perigo, meteram-se a caminho dignificando a sua farda, a bandeira e a Unidade a que pertencem, resultando deste acto uma materialização da acção psicológica na população e de uma igualdade de soldado metropolitano e milícia.

( O.S. N.º 24 de Junho de 1969 do CTIG )
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Albino Silva
Sold Maq N.º 011004/67
Ao vosso dispôr e do Bat Caç 2845
Ver Blogue do Convívio dos Feras em : batcac2845guineteixeirapinto.blogspot.com

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6370: Blogopoesia (72): Escondam-se que eles vêm aí (Albino Silva)

Vd. último poste da série de 5 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6539: Convívios (162): Almoço convívio C.Caç.2381 e 2382, 01 de Maio de 2010 em Mira Daire (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P6551: Notas de leitura (119): Uma Campanha na Guiné, 1965/67, de Manuel Domingues (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2010, com mais uma das suas recensões:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a um relato edificante e esclarecedor do que era o Leste da Guiné entre 1965 e 1967.

A ver se para a semana vou ao CIDAC para ver se descubro mais literatura avulsa, pouco mais coisas tenho para ler, os nossos camaradas estão na retranca, não abrem mão do que guardam nas suas bibliotecas.
Paciência, que também é uma virtude.

Um abraço do
Mário


Notícias do Leste da Guiné, entre 1965 e 1967:

Um relato singular sobre a história do BCaç 1856


por Beja Santos

Manuel Domingues foi comandante do Pelotão de Reconhecimento e Informação e desempenhou as funções de oficial de informações do BCaç 1856, que teve a sua sede no Gabu, entre 1965 e 1967. Escreveu um documento singular sobre a história do seu batalhão, desde a sua formação, quadrícula, operações, avaliação da missão e memórias dos protagonistas. Supera toda a linguagem convencional destes documentos habitualmente cinzentos onde não há espaço para entrelinhas. Não, Manuel Domingues não ilude o inferno de Madina do Boé e Béli e a tenaz que se foi apertando à volta do Senegal e da Guiné Conacri sobre os destacamentos desta região militarmente designada por L3. No seu relato refere inclusivamente um diário de um combatente, de autor desconhecido da CCaç 1417, que lhe terá sido entregue pelo comandante do batalhão, no final da comissão. É um documento de indiscutível importância, quem o escreveu tinha bases literárias, sensibilidade, era bom observador, combateu, registou canções, temos aqui uma fotografia do tempo e do evoluir da guerra. Esta CCaç 1417 andou em bolandas até chegar a Bajocunda, Canquelifá e Copá. Fizeram a instrução em Bula e Binar, na região de Bambadinca percorreram Ponta Varela, Ponta do Inglês, Poidom e o Burontoni, seguiram depois para o Xitole, seguiram para Galo Corubal. Já na região do Gabu, fizeram escoltas, estiveram em Bajocunda e arredores meses a fio.

Outro relato importante é do capitão miliciano Jorge Monteiro que esteve em Madina do Boé. Ele confessa, depois de ter vivido em Madina durante 11 meses, a completa inutilidade de estar numa posição que não servia para nada, era um acampamento subterrâneo protegido por arame farpado e seteiras, um alvo apetecido para os ataques diários das forças do PAIGC. Pega no seu diário e cita alguns dados: no dia 1 de Dezembro de 1966, às 18:15 mandaram-nos 6 granadas de morteiro 82; às 19:30 mais 6; no dia 3, logo às 6 da manhã, mais 6; na tarde do dia 4, 9 granadas; no dia 6 puseram 2 morteiros e 2 canhões sem recuo a trabalhar e no dia 7 pelas 3 da manhã atiram-nos 15 granadas; no dia 8 às 6 da tarde 5 granadas e logo a seguir, às 7:30, 2 granadas de canhão sem recuo. Respeitaram o dia de Natal, mas acordámos a 26 logo às 6 da manhã. Entrevistado mais tarde, o capitão Monteiro não percebia como é que Madina do Boé, um pântano, um chão inútil, no meio de dezenas e dezenas de quilómetros de área inundada, um charco imenso onde só as rãs se sentiam bem, podia vir a ser a capital do PAIGC.

Há depoimentos sobre os quais devíamos reflectir com muita profundidade, até às últimas consequências. Vejamos o que escreve António Araújo da CCaç 1416:

“Fomos os primeiros a ser destacados para o mato, oito dias após a nossa chegada a Bissau. Éramos a companhia mais antiga, logo a que tinha mais prática de guerra.

Ainda hoje não consegui entender como um indivíduo entrando no mesmo dia, à mesma hora, no mesmo quartel, só porque entrou um passo atrás passou a ser o mais novo. Tal como uma companhia, só porque lhe foi atribuído um número mais baixo passou a ser a mais antiga.

Ficámos mal aquartelados num celeiro em Nova Lamego, com uma zona de intervenção enorme: Canquelifá, Buruntuma, Piche, Bajocunda, Pirada, Paúnca, Cabuca e Madina do Boé.

Passaram poucos meses e depois de vários combates travados com o inimigo sofríamos a primeira baixa. Um alferes ferido às primeiras horas da manhã. A evacuação pedida com o grau máximo de urgência, só é deita depois das 15 horas. O alferes já tinha morrido depois de ter sido transportado muitos quilómetros aos ombros em maca improvisada”.

Até o capelão, de nome Mota Tavares, andou metido em sarilhos, viu camaradas a morrer ao seu lado, interrompeu a celebração do culto durante o bombardeamento dos quartéis, seguiu com o cálice na mão para dentro dos abrigos. Vale a pena escutá-lo: “Nunca usei uma arma. Não estava lá para lutar ou defender a guerra, mas para ajudar em nome de Cristo os meus irmãos militares. Levava o terço, os Santos Óleos e o canivete de escuteiro. Um dia, em Buruntuma, um capitão obrigou-me a levantar uma pistola para levar no dia seguinte para uma operação. Obedeci ao meu superior mas de madrugada, ao sair à porta de armas dei a pistola ao sentinela: Eh pá! Guarda-me esta treta até logo e não digas nada a ninguém. O percurso foi muito cansativo. Como tinha boa resistência física, cheguei a carregar duas G3 às costas para aliviar soldados mais cansados”.

No epílogo, Manuel Domingues refere Óscar Baldé, um menino que eles tinham conhecido em Copá, no Norte do Gabu. Estudante brilhante, obteve uma bolsa do Governo brasileiro e depois do Banco Mundial, tendo chegado a ministro das pescas e do mar, já no século XXI. Sentia-se desapontado com a falta de democratização do país e com a corrupção que graça por toda a parte. Mas os combatentes do batalhão 1856 lembravam com saudade aquele menino que alguém tinha ensinado a ler e a escrever e que ficara amigo inseparável do furriel miliciano Fernando Pereira da CCaç 1417.

Estamos perante um relato que justificava plenamente ser reajustado para uma edição mais divulgada, dada a plenitude das suas mensagens.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6542: Notas de leitura (118): Uma Campanha na Guiné, 1965/67, de Manuel Domingues (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6550: Patronos e Padroeiros (José Martins) (9): Força Aérea Portuguesa - Nossa Senhora do Ar

1. Mensagem de José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2010:

Meus amigos
Como ultimamente se tem falado nas nossas meninas, lembrei-me da Nossa Senhora.

Aqui vai um texto que, penso, poderá merecer a vossa atenção

Um abraço
José Martins



Patronos e Padroeiros - IX

Força Aérea Portuguesa - Nossa Senhora do Ar


Nossa Senhora do Ar


Apesar de Nossa Senhora, a Mãe de Jesus, ser só uma, os crentes têm-lhe atribuído diversas designações, para assim, duma forma simples, a evocarem.

Dentro desta tradição, os aeronautas portugueses, passaram a utilizar a expressão “Nossa Senhora do Ar”, para assim designarem a mãe de Deus e a venerarem, prestar culto e invocarem.

Manda, também, a tradição de que em qualquer destacamento da Força Aérea exista, mesmo que pequena, uma imagem da devoção à Padroeira da Força Aérea Portuguesa.


Cântico a Nossa Senhora do Ar

Nossa Senhora do Ar
Guiai-nos, por Além Fora
Para que possamos voltar,
Ó minha Nossa Senhora.

Acalmai os elementos,
Fazendo por nos guardar
Do rude impulso do vento,
Nossa Senhora do Ar.

Para que revivam na história
Altas façanhas de outrora,
Facilitai-nos a glória:
Guiai-nos pelo além fora

Pela fé que nos trespassa,
Por quem nos espera e chora
Pela Pátria. Pela Raça.
Valei-nos, Nossa Senhora


(Cântico retirado do opúsculo “In Memória” , da Missa celebrada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário – Templo da Força Aérea Portuguesa em 26 de Julho de 2008, aquando do regresso dos três Paraquedistas de Guidage.

Este texto, alem de ser mais um na Galeria dos NOSSOS PATRONOS, também pretende ser uma homenagem ás “Nossas Meninas do Ar – As Nossas Queridas Enfermeiras”, pois que nós nunca as esquecemos e podemos gritar bem alto:

Olhem bem, sintam respeito!
Elas usam asas ao peito!

José Martins
3 de Junho de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6548: In memoriam (43): Faleceu Joaquim Cardoso Veríssimo da CCAÇ 5 (José Marcelino Martins)

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5831: Patronos e Padroeiros (José Martins) (8): Portugal - Tenente-Coronel Santo António

Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro)





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > Janeiro de 2006 > Casa, em ruínas,  de Jamil Nasser, comerciante de origem libanesa. Fotos do Dr. Rui  Fernandes, médico.

Fotos: Cortesia de  © Rui Fernandes / Carlos Silva


1. Mensagem com data de 5 do corrente, enviada por Maria Augusta Antunes:


Olá, muito boa noite.

Começo por pedir desculpe da minha ousadia em lhe escrever, Sr. Luís Graça.

Sou Maria Augusta Antunes Martinho, e fui para a Guiné ainda bebé com a minha mãe e irmão ao encontro do meu pai, Henrique Martinho, madeireiro e colono então no Cumeré.

Mais tarde montaram a serração no Xitole, para onde nos mudamos. Com o meu pai estava também o sr. Pires. Fizeram ambos as suas casas de raíz e também a casa aonde guardavam o arroz e o sal, que faziam parte do pagamento do trabalho diário dos negros, trabalhadores da serração.

Pois a razão deste mail é exactamente o desejo que tenho de corrigir uma informação do seu blogue.
Na verdade, a casa do sr. Jamil (se a memória não me trai,  de seu nome completo Jamil Nene Nasser), compadre dos meus pais, (pois foi o padrinho de baptizado de um dos meus irmãos, nascidos naquela casa),  não era nenhuma daquelas mencionadas no álbum de fotografias do Xitole (*), mas sim uma casa que ficava no cruzamento da estrada que,  vinda de Bambadinca, passava pelas nossas e à entrada do Xitole virava para a estrada do Saltinho. Vi a verdadeira casa do sr. Jamil no blogue do sr.  Carlos Silva. Como eu a conheço bem!

Quando em 1962 o meu pai veio da Guiné, pediu ao compadre Jamil que olhasse pela casa na esperança de um dia voltar e para evitar ela ser ocupada pelos negros. Assim também sucedeu com a do Sr. Pires.

Vivi e cresci a ouvir falar da Guiné. Transmito isso aos meus filhos e neto. Os meus queridos pais faleceram sem lá poder voltar. Mas isso são outras histórias.....

Como deve calcular posso falar do sr. Jamil, pois que era visita constante de nossa casa.
Se estiver interessado dar-lhe-ei os pormenores que souber

A minha casa é a que tem os 2 anexos juntos,  um era a cozinha e a casa aonde o meu pai punha a caça quando vinha do mato, e o outro era a casa de banho.

Espero não o ter aborrecido e tomado o seu tempo.

Aceite os melhores cumprimentos

Maria Augusta Antunes Martinho


2. Comentário de L.G.:

Maria Augusta, não maça nada. Bem pelo contrário, todos os membros deste blogue (e são muitos) que passaram pelo Xitole (ou que conheceram o Xitole e muitos dos seus habitantes, incluindo não já o seu pai mas o seu compadre, Jamil Nasser) ficam-lhe gratos por este reavivar de memórias.  Esteja à vontade para escrever o que bem entender sobre as suas recordações da Guiné, incluindo o Xitole e o Cumeré, sítios a que esteve ligada a sua família. As memórias da Guiné não são monopólio de ninguém, e o objectivo deste blogue é justamente partilhá-lhas, entre portugueses e guineenses de várias gerações. Ainda há dois meses publicámos também aqui, nesta série O Nosso Livro de Visitas, uma mensagem de Maria Helena Carvalho, filha de um português, estabelecido até 1962, no Enxalé (**).

Recomendo-lhe também uma visita o blogue Xitole, criado e mantido por camaradas nossos que em diferentes períodos estiveram aquarteladas nessa bonita localidade da margem direita do Rio Corubal.

Sobre o Xitole temos, no nosso blogue, mais de oitenta referências (ou marcadores). De qualquer modo, os anos que antecederam o início da guerra colonial (que começou, oficialmente, em 23 de Janeiro de 1963, em Tite, segundo a historiografia do PAIGC) estão mal documentados no nosso blogue. Gostaríamos muito que nos contasse a história de vida da sua família e as razões (imperiosas) que levam o seu pai a abandonar a serração e a casa no Xitole, em 1962. Diferente foi a estratégia do sr. Jamil, comerciante, que decidiu ficar, e que conviveu com alguns de nós, incluinmdo o Alf Mil Capelão Arsénio Puim (CCS/ BART 2917, 1970/72) e o Joaquim Mexia Alves (que foi Alf Mil Op Esp, tendo passado entre 1971 e 1972 pela CART 3494). 

Maria Augusta, dou-lhe ainda os parabéns por se preocupar em transmitir aos seus filhos e netos as suas recordações de infância da Guiné.
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Notas de L.G.:

(*) Fotos de 2001, tiradas pelo nosso camarada David Guimarães (ex- Fur Mil At Inf MA, CART 2614, Xitole, 1970/72)

(**) Vd. poste de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6116: O Nosso Livro de Visitas (85): Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, localidade onde nasceu há 60 anos, hoje residente nas Caldas da Rainha (Luís Graça)

domingo, 6 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6548: In memoriam (43): Faleceu Joaquim Cardoso Veríssimo da CCAÇ 5 (José Marcelino Martins)

1. O nosso Camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 5 Junho de 2010:




Director: Adriano Lucas
Sexta-Feira, 4 de Junho 2010
Escrito por: Manuela Ventura
Penela
Colisão no IC3 provoca um morto e um ferido grave

Condutor do ligeiro teve morte quase imediata e a esposa ficou encarcerada. Circulação na via só foi completamente restabelecida quatro horas depois.
Um homem de 61 anos morreu ontem ao princípio da manhã, vítima de um acidente de viação, no IC3. Um ligeiro de passageiros e um pesado de mercadorias, transportando um carregamento de papel, embateram de forma violenta, nas proximidades da localidade de Camarinha, na zona de Penela.
O alerta para o acidente foi dado às 6h35 e, quanto chegaram ao local, os Bombeiros de Penela já não detectaram sinais vitais no condutor do ligeiro de passageiros, cujo óbito foi posteriormente confirmado pela equipa médica. Ao lado do condutor, que se presume seja oriundo da zona de Sobral do Campo, Castelo Branco, seguia a esposa, de 58 anos, que sofreu ferimentos considerados graves. De acordo com fonte dos Bombeiros de Penela, que garantiram as operações de socorro, a senhora estava encarcerada na viatura e queixava-se com dores nos membros inferiores e também na zona do tórax. Foi transportada para o Centro Hospitalar de Coimbra (CHC).
O condutor do veículo pesado de mercadorias não sofreu quaisquer ferimentos. Os Bombeiros de Penela deslocaram para o local do acidente três ambulâncias, uma viatura de desencarceramento e um veículo destinado às operações de limpeza da via, bem como uma equipa de socorro constituída por 13 homens, à qual se juntaram, também, os elementos da viatura médica de emergência do CHC e os militares do posto da GNR de Penela.
O acidente, que poderá ter sido motivado pelo intenso nevoeiro que se fazia sentir naquela zona, obrigou ao corte da circulação naquele itinerário complementar, que só ficou completamente restabelecida por volta das 10h30. Todavia, de acordo com informação dos Bombeiros de Penela, por volta das 9h00 foi reaberta parcialmente a circulação, no sentido Tomar – Condeixa.
A notícia supra, que me recordo de ter ouvido na rádio ou na televisão era, infelizmente, mais uma notícia a juntar a tantas outras que nos chegam através dos mais diversos meios de comunicação social.
Através de telefonema de ontem, a noticia ganhou outros contornos:
“Um homem de 61 anos” tinha o nome de JOAQUIM CARDOSO VERÍSSIMO e a “esposa de 58 anos” chama-se MARIA CAROLINA. É “isto” que acontece quando as personagens de um facto se aproximam de nós, por qualquer razão.
O Joaquim Cardoso Veríssimo era/é um dos nossos. Fez parte da Companhia de Caçadores nº 5 do Comando Territorial Independente da Guiné, uma das muitas companhias formada por soldados africanos e enquadrada por militares metropolitanos.
Dos elementos que colhemos para elaborar a história da unidade, consta:
1º Cabo Atirador de Infantaria, número mecanográfico 12539370, natural da Guarda, prestava serviço no Regimento de Infantaria 3 quando foi mobilizado.
Foi aumentado ao efectivo da Companhia em 12 de Março de 1971, assumindo as funções de Comandante de Esquadra.
Não se encontra referida a data em que foi abatido ao efectivo da Companhia, presumindo-se que tenha ocorrido no primeiro trimestre de 1973.
Pouco tempo depois de ter sido “reencontrado” para a família dos Gatos Pretos, parte de vez, aumentando na lista que não deixa de crescer, e cuja leitura, nos provoca saudade.
À Esposa, nossa companheira Maria Carolina, apresentamos as nossa condolências e o nosso afecto, assim como a todos os familiares. Vocês são também, por direito próprio, GATOS PRETOS. Não deixem que a memória do Joaquim se esfume. Vejam nas suas recordações “daquele tempo de Justos e Valorosos”, a divisa dos Gatos Pretos, as fotos, os escritos e mandem-nos cópias, para que possamos reter dele, como no meu caso que não o conheci, a melhor recordação e memória.
JOAQUIM CARDOSO VERISSIMO, Presente!

Com um abraço,
José Marcelino Martins
Fur Mil Trms da CCAÇ 5
(Junho de 1969 a Junho de 1970)
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P6547: Controvérsias (84): O meu grande apreço por este blogue e pelos ex-militares portugueses que ficaram com a nossa terra e o nosso povo no seu coração (Pepito, AD, Bissau)

1. Comentário do nosso amigo Pepito (*) ao Poste P6538, a pedido do editor do blogue:

Luís: Não conheço, nem sabia que existia [, o arquitecto Mário Ansely Correia] (**)

Constato, para minha grande pena e perplexidade, o surgimento,  de um lado e de outro, de posições a roçar a irracionalidade. A nível interno, andamos nos últimos anos a amolar as facas para ajustar contas entre nós, acusando-nos mutuamente de termos sido servidores do colonialismo, porque alguns prestaram serviço militar no exército português.

Está-se a chegar ao ponto de acusar Mário Pinto de Andrade de, enquanto angolano,  ter sido Ministro de um Governo da Guiné-Bissau. Ele que combateu para que o nosso país fosse independente. Que noção rasca de nacionalismo. Sobretudo vindo de quem nunca nada fez pela libertação da Guiné-Bissau e da história apenas ouve comentários em becos onde se bebe vinho de palma ou em festas onde o vinho marca o ponto e a agressividade é testemunho de valentia e coragem politica.

A minha memória faz apenas uma grande divisão entre aqueles que serviram o colonialismo (dirigentes políticos miseráveis que oprimiram ao mesmo tempo o povo português e africano) e a inqualificável Pide,  constituída por seres menores que viveram sempre com um polícia na barriga e que tantos nacionalistas africanos e oposicionistas portugueses mataram, torturaram ou destruíram as suas vidas.

Sendo o meu pai advogado de combatentes do PAIGC e ainda eu,  pequeno, ouvia calado em nossa casa,  e com a raiva a crescer, os relatos que ele fazia à minha mãe sobre as selvajarias e matanças daquela escumalha. Desses a História não deverá esquecer-se, nem perdoar, nem limpar a imagem. Em memória do meu pai e dos pais e mães de tantos amigos meus, não me esquecerei, não perdoarei.

Do outro lado, estão os que sacrificaram toda uma vida para nós sermos independentes. Cabral na primeira linha, quantos anos esquecidos por nós,  guineenses,  e com que direito? Os que viveram nas matas de Cantanhez e de Morés em condições que poucos de nós aceitariam viver. Assim lutaram e assim foram passando o testemunho que hoje parecemos esquecer, tão ocupados estamos a desajustar contas que estavam certas.

A minha divisão é essa e unicamente essa.

Quando hoje lido e convivo com militares portugueses que fizeram a tropa na Guiné-Bissau, aprecio o amor em tempos de guerra que foram cultivando nos seus corações e que os levam hoje a regressar aos tempos de uma juventude perdida e com uma vontade de contribuir para empurrar a nossa terra para a frente: ele são escolas, campos hortícolas, poços de água, hospitais, amigos que precisam de uma mão, uma criança que é apadrinhada, um filho médico de um deles que vem com uma enorme dedicação salvar pessoas abandonadas nos confins de uma mata por onde há dezenas de anos não passa um médico.

Mas vejo,  também, sem conseguir encontrar explicação, a chegada frequente de uma nova vaga de jovens portugueses que desconsideram os guineenses, olham para nós de alto, com arrogância e superioridade, passeando a sua ignorância técnica e malformação humana sob pretexto de que trazem dinheiro, que até nem é deles na maior parte das vezes, e se acham no direito de nos enxovalhar e passar um atestado de menoridade. Qualquer dia, ainda se questionarão se os guineenses têm alma, como há 500 anos se debatia, quando os missionários cá chegaram.

O teu/nosso Blogue tem sido um marco notável do combate pelo resgate da história feita por iguais, sejam eles de que lado estiveram. 

As palavras do arquitecto atingem-me em cheio, em especial no orgulho de pertencer a uma grande tabanca, aberta, plural, respeitadora, amiga, como são as minhas tabancas da Guiné-Bissau onde me habituei a dormir e a ouvir as sábias palavras dos homens grandes quando, como agrónomo,  as percorro e as desfruto.

abraço aqui de longe do
pepito

[Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]


  2. Comentário anterior, de L.G., ao poste P6538:


"Estamos num mundo, onde tudo se passa de uma forma tão estranha, porque ninguém até agora conseguiu detalhadamente explicar as nossas origens"... (Blogue de Mário Ansaly Correia, Ocante M'Buco > Poste de 24 de julho de 2009 > O mundo dos perdidos!

http://macgeny.blogspot.com/2009_07_01_archive.html


Mário, com a sua idade, a avaliar pela sua foto e pela pouca informação biográfica que consta do seu perfil no Blogger, seguramente que você não terá sido "camarada" dos soldados portugueses que fizeram a guerra colonial... Poderia acontecer, mas não me parece que seja o caso: em 1974, um em cada cinco militares do "exército colonial" era guineense... Nessa altura, você ainda não tinha nascido ou então seria muito "minino"... Nem sequer sei, de resto, se é guineense, a viver na diáspora...

Guineense ou não, estranho a "violência" da sua linguagem num blogue que pretende "construir pontes" entre a Guiné-Bissau e Portugal... Ou nós temo-nos explicado mal ou você decidamente não nos leu, de boa fé.

Nós, pela nossa parte, não temos problemas de identidade. Espero, em contrapartida, que você tenha encontrado, depois de 24 de Julho de 2009, resposta para a a sua pergunta, que é legítima, mas profundamente filosófica e fora das nossas preocupações, que são menos existenciais que as suas... A pergunta (isolada, solitária, única) mantêm-se no seu blogue. Sem resposta. Sem comentários. Sem posteriores desenvolvimentos.

Lembro as palavras de Amílcar Cabral que sempre fez questão de dizer que nunca lutou contra o povo português mas sim contra um regime político e um sistema económica de que ninguém aqui fez a defesa...

Tenho pena que tenha chegado até aqui com duas pedras na mão... E acenando com argumentos de puro primarismo ideológico...

Não quero entrar no seu jogo. Não lhe posso dar as vindas. Mas também não vou eliminar o seu comentário, que vem devidamente assinado... A menos, claro, que no próximo se confirmem eventuais suspeitas de provocação...

Há meses que não exerço o "doloroso e execrável direito" de eliminar comentários que infringem as boas regras de convívio... E, a propósito, elas estão publicadas na coluna do lado esquerdo, do nosso blogue; talvez seja útil relembrá-las aqui:

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);

(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);

(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);

(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;

(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;

(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;

(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;


(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)

Guiné 63/74 – P6546: Histórias do Eduardo Campos (14): Cantanhez: Do inferno ao Paraíso


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a 3ª estória da sua ainda fresquinha viagem à Guiné:

CAÇ 4540 – 72/74 – SOMOS UM CASO SÉRIO

CANTANHEZ: DEPOIS DO INFERNO - ENCONTREI UM PARAÍSO
Tenho de o dizer, porque calar-me seria trair o que me vai na alma, que na realidade tu, Luís Graça, és um dos responsáveis pelo meu regresso à Guiné e pela montanha de novos companheiros que também por lá passaram nos anos de guerra e que tenho tido o grato prazer de vir a conhecer nos últimos tempos. Tudo isso devo ao Blogue que criaste e mais digo, que o presente poste pretende apenas ser uma singela e reconhecida homenagem pessoal.

Luís Graça, Carlos Vinhal, Magalhães Ribeiro e todos os 417 Amigos & Camaradas da Guiné seguidores do Blogue, para vós vai toda a minha gratidão, porque conseguiram em 4 anos fazer o que o SNS não fez em trinta e muitos anos e ainda me permitiu usufruir do raro privilégio de ficar isento do inerente pagamento das irritantes e injustas taxas moderadoras.

Dito isto, vamos à narração da viagem:

Ficamos instalados no Capé (arredores de Bafatá), para assim nos podermos deslocar para norte, leste e sul. Outra alternativa poderia ser o Saltinho, mas a opção de ficar no Capé foi acertada, quer pela qualidade das instalações, da boa gastronomia e da afabilidade e simpatia dos proprietários.

Dia 12 de Abril 2010 > Capé – Bafatá > Saímos bem cedo e iniciamos a viagem que me iria levar até Cadique, tendo passado por Bambadinca, Xitole, Saltinho, Buba, Aldeia Formosa, Guileje, Iemberem e finalmente a terra que me foi “prometida”, pela tropa, em 1972.

Depois de entrarmos na mata do Cantanhez, tornou-se patente a difícil exequidade da viagem, já que a mobilidade se tornou impraticável, diria mesmo impiedosa e, se não fosse a boa vontade de alguns companheiros de viagem, eu não teria chegado a Cadique porque, desanimado e desmotivado, quis desistir.

Quem por lá andou na construção da estrada que liga a Cadique, sabe o quanto nos custou, em sofrimento e morte, essa obra. A partir de Iemberem comecei a sentir e a pensar algo que jamais conseguirei decifrar, mas que posso tentar definir como um misto de emoções, desilusões, euforia, tristeza… por ali fora ia dizendo: “Aqui estive emboscado!”, “Ali morreu o A, o Bê, o Cê..”, “Foi aqui que o Capitão Pára-quedista Terras Marques levantou 4 minas.”, etc, etc.

Mil imagens me surgiram na mente, à velocidade da luz, podem pensar que é um exagero, mas não consigo transmitir-vos melhor ideia do que se passou, naqueles momentos, pelo cérebro deste vosso amigo.

No entanto, não me foi possível identificar exactamente os locais dos acontecimentos, até porque a “estrada” está quase irreconhecível e a “distância” de 38 anos, também não me ajudou.

Permitiu-me, isso sim, sentir uma enorme sensação de liberdade (estranha), matando mesmo a minhas velhas dúvidas de que fosse verdade, algum dia, efectuar aquele percurso sem ouvir um tiro.

Quando finalmente pisei o solo de Cadique, não consegui esconder a minha emoção e a Carminda deve ter sido das poucas pessoas, que se apercebeu do que eu tentei esconder as lágrimas (é que eu ainda sou daqueles que pensa que os homens não choram).

Felizmente, não foi necessário efectuar trabalhos de arqueologia, para descobrir vestígios da presença da minha companhia no local, já que não sendo muitos eram no entanto visíveis.

Atravessar o Cantanhez e chegar as margens do rio Cumbijã, é algo que jamais esquecerei e, meus caros amigos, garanto-vos que ainda há poucos anos atrás nem sequer queria falar, ou ouvir alguém falar, da Guiné. A vida, por vezes, prega-nos partidas destas.

Gostaria de ter ido a Cufar onde estive algum tempo no COP 4, e que teria sido fácil se houvessem os meios necessários, bastando para isso atravessar o rio, assim só se o tivesse feito a nado.

Depois de distribuir umas guloseimas pelos miúdos voltamos a atravessar o Cantanhez, porque a viagem iria ser longa até Bafatá.

Passamos por Guileje e tive uma agradável surpresa, quanto ao museu e à área envolvente do mesmo, que ganhou nova vida e aspecto.

Até breve.

Foto 1 > Capé > Bafatá > Acampamento!

Foto 2 > Imberem (Antiga Jemberem) > Memorial da 1ª Cart/Bart 6521

Foto 3 > Auto > Estrada muito movimentada

Foto 4 > Cadique > Depois de muitas horas... chegamos! Foto 5 > Cadique > Sonho tornado realidade, voltar a pisar de novo este solo
Foto 6 > Cadique > Antigo bar
Foto 7 > Cadique > Memorial da CCaç 4540
Foto 8 > Cadique > Mastro onde a bandeira portuguesa era hasteada
Foto 9 > Algures na mata do Cantanhez > Os dez magníficos que me acompanharam. Da esquerda para a direita: Henriques, Fernandino, Carminda (esposa do Cancela e uma grande Senhora), Cancela, Petiz, eu, Zé Rodrigues (homem que organizou tudo e só não tomou as vacinas por nós), Laguela, Zé Carvalho, Jaime e o Vilar.
Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
___________
Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

24 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6461: Histórias do Eduardo Campos (13): Língua Portuguesa na Guiné: Em Perigo?

Guiné 63/74 - P6545: O Nosso Livro de Visitas (90): Notícias do Lobo Mau, ex-Alf Mil Pil R. (BA 12, Bissalanca, Dez 1970/ Nov 1972)



Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Heli.evacuação na região do Xime > 9 de Fevereiro de 1970 > Op Boga Destemida, envolvendo forças da CCA>Ç 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63 > Helievacuação de feridos, entre os quais o 1º Cabo Galvão, do 3º Gr Comb, e o Sold Samba Camará, do 2º Gr Comnb, da CCAÇ 12 (*)

Foto: © Arlindo T. Roda  (2010). Direitos reservados.


O Lobo Mau… Lembram-se dele ? Ele diz que sim, que há muita malta das companhias do mato que se lembram dele… E têm bons e maus motivos para isso… Era piloto, alferes miliciano, do Heli Al III, mas também andava com a DO 27. Evacuações Ypsilon, apoio de fogo, helicanhão, transporte do Cardeal (o Spínola, de quem me conta algumas histórias, bem humoradas), transporte de víveres… Os pilotos do T6 e do Fiat G-91 não tinham a mesma relação com a malta do exército… Era uma relação mais distante,  por força da missão de cada aeronave...  A dele era mais próxima. A dele e dos demais pilotos de heli e DO.  Não é uma crítica, é apenas uma constatação.

Conhece a Guiné vista do ar, de pernas para o ar, de ponta a ponta, não há aeródromo ou heliporto onde não tenha aterrado, de Bambadinca a Canquelifá, de Guileje a Guidaje… Fez muitas missões com a Giselda ("uma grande senhora!!"), a Rosinha e tantas outras camaradas enfermeiras pára-quedistas, de quem guarda as melhores recordações… Lembra-se da infortunada Cristina... Trabalhou com os páras. Bateu recordes:  na véspera do ano novo de 1971, num só dia levou o Cardeal a três dezenas de buracos no mato…

O Velho gostava de viajar com o Alferes Piloto R., gostava do seu profissionalismo, da sua atenção para com os detalhes, da sua preocupação com a segurança…   Ainda estivemos na Guiné três meses, eu e ele, entre Dezembro de 1970 e Março de 1971 (altura em que regressei a casa). Mas nunca estivemos juntos, em Bissau, em Bissalanca ou em Bambadinca.

O R. esteve na BA 12, em Bissalanca, até Novembro de 1972… Apanhou lá o comandante Brito, que haveria de morrer abatido por um Strela... Era um homem que sabia como poucos dar o elogio ou a repreensão na hora certa, no local certo.  Esteve lá também com dois tenentes da Academia, o Marques e o Matos (este, membro da nossa Tabanca Grande).

Desta, da guerra,  gosta de recordar as coisas boas, positivas, e só essas,  tanto da FAP como da sua comissão na Guiné.  Por pudor e sigilo, não falámos com detalhe dessas missões... Visita, com regularidade o nosso blogue (que elogia) mas não gosta de se meter em polémicas (é o que menos aprecia no blogue)… Diz-me, com a autoridade de quem sabe e viu muita coisa, que ainda agora a missa vai no adro… Há muitos documentos que ainda estão classificados. Visita sites americanos onde é mais fácil, do que em Portugal, saber coisas sobre a guerra colonial em África…

Ele já não estava lá na altura dos Strela mas lança-me um repto, a mim, editor do blogue, e aos camaradas da Força Aérea desse tempo: ainda se sabe muito pouco ou nada do ambiente, vivido na BA 12 entre os os pilotos (e mecânicos), nesse período crítico em que as nossas aeronaves estiveram no chão…

Tudo isto, é o que sobra da conversa, pessoal (e possível), que tive com ele, o meu amigo R.  De tempos a tempos encontramo-nos, por mero acaso. O  R.  vive em Lisboa, fez entretanto o curso de direito.

Quanto a responder positivamente ao meu reiterado convite para integrar a nossa Tabanca Grande, o R. é  muito cauteloso… Diz-me que ainda “não está preparado” (sic)… Quis fazer-lhe um pequeno vídeo com uma saudação dele aos camaradas da FAP que estão nosso blogue, mas ele recusou apesar da nossa amizade. Tem inúmeros slides da Guiné, andava sempre com a sua Pentax… Mas ainda nem sequer os mandou converter para DVD… Pode ser que um dia eu tenha acesso a uma boa selecção das suas “chapas”…

De facto, ainda não foi desta que o consegui demover. Nem muito menos que ele aceitasse o convite para aparecer no nosso V Encontro Nacional, a 26 de Junho, em Monte Real.  Mesmo assim, conseguiu sacar-lhe o endereço de e-mail (que também não vou divulgar).  Prometi mandar-lhe o estudo do Cor Art Morais da Silva, que ele conheceu, salvo erro em Gadamael, e por quem nutre admiração, pela sua "craveira intelectual".

Contou-me histórias que, naturalmente, não estou a autorizar a reproduzir aqui neste curto apontamento. Não resisto, porém, a contar a que ele, R., lembrou  há tempos ao Tomé, que foi capitão no Olossato, no tempo do Paulo Salgado (também membro do nosso blogue)… O então capitão Tomé costumava mandar um criado de libré com bandeja, um copo com a pedrinha de gelo, a água de Perrier, e a garrafa de uísque parta o piloto que chegava com o heli ou com a DO.
- O correio era o que havia de mais sagrado para a malta do Exército que estava no mato… O Tomé era um gentleman.

O R. também se lembra bem do Drácula, o Alf Mil Médico António Vilar, que passou por Mansabá, Olossato e Bambadinca... Notável a sua memória. Oxalá queira ele um dia "abrir o livro", juntando-se aos nossos "gloriosos malucos das máquinas voadoras"  (**)... L.G.

____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970) (Luís Graça)


(**) Respeito a vontade do meu amigo em não querer identificar-se. Como ele insiste em  dizer-mo, "por enquanto prefere o silêncio"... Espero que ele que perdoe, em nome da nossa amizade, a minha ousadia em publicar esta nota sumária da nossa conversa (privada)...

Guiné 63/74 – P6544: Histórias de José Marques Ferreira (17): História do estandarte da CCAÇ 462




0
1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos em 22 de Maio de 2010, a seguinte mensagem:



História do estandarte da CCAÇ 462

Camaradas,

Quando em 14 de Julho de 1963 tive de embarcar para a Guiné, num navio de carga conhecido pelo nome de «SOFALA», ao qual já aqui me referi há uns tempos atrás, não existia nos militares, salvo uma ou outra excepção, como por exemplo, a Marinha, os Comandos, a Força Aérea, etc., já estava determinado superiormente, usarem-se distintivos, guiões e coisas semelhantes que lhe emprestassem identidade e particularidade.
É claro que as Unidades Mobilizadoras onde se organizavam as Companhias, entregavam ao respectivo comandante, antes de sair do quartel, em cerimónia própria, o estandarte que não era mais que uma cópia do estandarte utilizado, oficializado e adoptado por essa Unidade Mobilizadora.
No caso que quero mostrar e contar, deixo aqui uma amostra do estandarte da Unidade Mobilizadora. Mas quanto a crachás ou outras insígnias, para serem usadas pelos seus elementos, não era lá muito habitual existirem, principalmente no Exército.
Já depois de estar na Guiné, passou-me pela cabeça propor a quem de direito mandar confeccionar tais distintivos. Mas como? Eu não tinha jeito para desenho, não tinha mais nada que não fosse o estandarte que regressou depois com a Companhia.
E foi baseado nestes pressupostos que dei a ideia a um camarada de armas, que tinha um dom para o desenho e para a caricatura fora do comum, e foi com base nessa ideia que saiu o distintivo, que está aqui exposto.
Seria uma falta indesculpável que não se identificasse o autor desse desenho, o 1º Cabo 408/63 (identificação numérica usada ao tempo, completamente diferente da que se passou a usar - o número mecanográfico). Nunca mais tive contactos com o José de Sousa Piloto, nem sei onde reside, nem nada mais acerca dele.
O desenho foi enviado para Lisboa, para uma casa da especialidade e passados uns tempos lá apareceu a encomenda com os crachás ou distintivos, que diferenciavam a Companhia de Caçadores 462 das demais, durante todo o tempo que nos faltava para o regresso e que era ainda bastante para atingir os 24 meses!

Creio que, se não foi a primeira, terá sido uma das primeiras Companhias do Exército a usar, na Guiné, estes distintivos, em plástico, que eram presos por molas no vestuário do braço esquerdo, mas apenas com a farda número um, ou seja, a farda “domingueira”... pelo menos o calção (ou calça) e camisa, ambas do velho caqui amarelo.
Mais tarde já era vulgar o seu uso em todos os militares estes distintivos, que lhe davam a sua particularidade, evidência e até a identificação.
Reminiscências de 1963, que ainda guardo por cá.
Um abraço para todos,
J. M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes da CCAÇ 462
____________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P6543: Ser solidário (76): O projecto de sementes e água potável para a Guiné-Bissau já arrancou na tabanca de Amindará (José Teixeira)

Sementes e Água Potável para a Guiné - Bissau

Campanha para abrir dez poços de água e construir 10 fontanários em tabancas no interior da Guiné - Bissau*


O nosso projecto de SEMENTES E ÁGUA POTÁVEL PARA A GUINÉ-BISSAU já arrancou na Tabanca de AMINDARÁ em plena Mata do Cantanhez, a terrível mata que nos tempos da Guerra Colonial, foi o centro de muitas lutas, muita dor, muitas lágrimas e muito sangue derramado em ambas as frentes de combate.

Do Pepito da nossa parceira AD - Acção para o Desenvolvimento da Guiné-Bissau acabamos de receber o e-mail que segue:

Caro Amigo Zé Teixeira
Noticias da nossa iniciativa conjunta na tabanca de Amindara (instalação de um poço), que já pôs a população em alvoroço e numa alegria indescritível:

1. Despesas já efectuadas (ver facturas em anexo):
» bomba solar (já comprada): 600 euros
» painel solar e cabos: 623,29 euros (408.850 CFA)

2. Fotos: seguem algumas em anexo da tabanca de Amindara
1: rua principal; 2- casa do chefe da tabanca; 3-aspecto da tabanca; 4-mulher responsável pela futura associação de horticultoras; 5-6- crianças que passarão a beber e a lavar-se com água de excelente qualidade; 7-provável local onde se irá construir o poço.

3. Acções em curso:
» reunião com a população local para a gestão do poço: ficou decidido que a água serviria para a alimentação, higiene e rega dos campos de legumes das mulheres durante a época seca.
» identificado o poceiro que irá começar a construir o poço na segunda quinzena deste mês de Junho.
» prevê-se que o poço dure 15 dias a ser construído com anilhas de cimento para ser durável.

abraço
pepito

Pelo seu teor podemos adivinhar, quanto acertada foi a nossa opção – Da Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné – Bissau ONG ao fazer esta parceria com o Pepito da AD, profundamente conhecedor da realidade da Guiné-Bissau e com uma visão bem dimensionada das necessidades do seu povo. Apostado no crescimento deste através da mobilização local das forças vivas, o Pepito é o garante de que o nosso dinheiro vai ser bem aplicado em prol do bem-estar social das populações onde vamos intervir.

De realçar a forma como a AD dinamiza as populações para assumirem a gestão do projecto. Reúne e organiza a população para que esta se torne senhora dos seu destino, co-responsabilizando as pessoas e dando-lhe tarefas.

Note-se que esta forma de intervenção está profundamente dependente da boa vontade dos ex-combatentes da Guiné, familiares amigos e leitores dos blogues que se associaram em comparticipar com uma pequena oferta em dinheiro.

Ouso, continuar a pedir que cada um comparticipe apenas com 20.00 €.
Ainda não conseguimos o total dinheiro para pagar a construção deste fontanário. Separam-nos algumas centenas de Euros e... ainda falta o dinheiro para comprar as SEMENTES.
Estou confiante que rapidamente vamos atingir esta meta e iniciar a seguinte; um fontanário para a Tabanca que se segue.

A melhor forma de agradecermos ao Pepito todo o seu empenhamento pela causa do bem-estar do povo da Guiné, é contribuir com mais e mais.

Eu sei que é cómodo e fácil, enviar para lá, roupas. As roupas de que já nos cansamos. Até nos fazem o favor de esvaziar os armários.
Que simpáticas são as pessoas/ONGs que nos batem à porta!

Os armazéns das diversas ONGs no terreno enchem-se rapidamente, nem que seja roupa de inverno, que na Guiné não tem qualquer utilidade.
Roupa, muita dela em bom estado, senão nova.
Mas, quantas vezes, velha e coçada, que temos vergonha de deitar no caixote do lixo. (ainda há dias enchi um grande saco) Roupa com cheiro a mofo e… a suor do corpo que a usou.

Também sei quanto importante é para os guineenses, como para os sem abrigo das nossas cidades, a roupa que lhe levamos, mas muito mais importante é criar condições para que eles, os guineenses, possam desenvolver as actividades que vão proporcionar, saúde, bem-estar social e cultura.

Crianças que passarão a beber e a lavar-se com água de excelente qualidade

Como sabem também apostamos na saúde, nomeadamente das crianças da clínica de Bor.

Admiro e enalteço a acção das ONGs que apostaram nesta área, com medicamentos, apetrechamentos de hospitais e clínicas privadas dirigidas por missionárias, ambulâncias, etc. Outras, ou em simultâneo, apostaram na cultura, nos livros, nos jardins-de-infância e escolas.
Tudo isto é muito útil e fundamental, mas a falta de água é terrível. Não esqueçamos que a diarreia e febres intestinais continuam a ser a segunda causa de morte na Guiné-Bissau, na sua maioria crianças com menos de cinco anos.
Vamos acabar de consolidar este projecto e partir para o seguinte.

Zé Teixeira**
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6342: Ser solidário (69): Sementes e água potável para o Cantanhez - Faltam-nos 500€ para o primeiro poço, em Amindará (José Teixeira

(**)Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6439: Ser solidário (70): Novas formas de colonialismo (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6524: Ser solidário (75): Hoje somos acolhidos por ambas as partes, graças a Deus (Braima Djaura)

Vd. poste da Tabanca de Matosinhos de 3 de Junho de 2010 > P441 - Sementes e Água Potável para a Guiné - Bissau

Guiné 63/74 - P6542: Notas de leitura (118): Uma Campanha na Guiné, 1965/67, de Manuel Domingues (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2010, com mais uma das suas recensões:


Um pouco da história do Leste da Guiné, 1965 - 1967

por Beja Santos

Quando peguei no livro “Uma Campanha na Guiné, 1965/67, história de uma guerra, relatos e memórias dos intervenientes”, por Manuel Domingues, edição de autor, em 2003, pertença da biblioteca da Associação 25 de Abril, julguei que ia ler mais um relato convencional de uma história de batalhão, feita à medida de relatos lisonjeiros, tão ao agrado de quem quer consultar memórias com o menor índice de perturbação. Equivoquei-me. Manuel Domingues, um dos oficiais do BCaç 1856, redigiu um dos mais conscienciosos documentos que até hoje me foi dado ler, não descura os dados convencionais, não ilude ou procura adoçar considerações do seu próprio punho, desce ao rigor de nos dar diferentes caracterizações tanto da actividade do inimigo, da região do Gabu e do evoluir da guerra com tal impressividade que seguramente os historiadores da guerra colonial encontrarão aqui filão para investigações mais detalhadas. E é igualmente de leitura absorvente o conjunto de memórias de guerra que Manuel Domingues recolheu junto de diferentes protagonistas, e que constituem a segunda parte do volume.

O autor afoitou-se a esta empreitada no intuito de deixar um testemunho às novas gerações sobre o esforço do que foi a intervenção daqueles militares que assistiram à degradação do esforço de guerra, à crescente capacidade ofensiva do PAIGC, designadamente na região do Boé, ressalvando as vivências de quem lá combateu e recordando os 12 camaradas que pagaram com a vida o cumprimento da missão na Guiné.

Formado na Amadora, o BCaç 1856 deslocou-se em Junho de 1965 para a Guarda onde realizou a instrução de aperfeiçoamento operacional. Teve uma formação acidentada esta fase constitutiva, com várias e importantes ausências, a improvisação impôs-se, houve falhas importantes de material e equipamento (penso que é uma história que qualquer um de nós podia contar) e lá embarcaram no final de Julho no Niassa, foram recolher mais elementos ao Funchal e instalaram-se em Brá em 6 de Agosto. Acabaram por render o BCav 490 no Leste, ficaram à ordem do Comando-chefe, as três companhias receberam treino operacional até marcharem para o sector L3, com a sede no Gabu.

Surpreende os cuidados de Manuel Domingues na apresentação de detalhes, a minúcia como caracteriza o contexto guineense e o teatro de operações do Leste. Uma das companhias seguiu para Madina do Boé, com um destacamento em Béli, outra foi para Bajocunda, com destacamento em Copá e a outra para Buruntuma com destacamento em Ponte Caiúm. Manuel Domingues refere o caso de Madina do Boé em que o local escolhido fora o menos indicado para estacionar uma unidade militar: situado a uma distância relativamente longa do Gabu, isolado na época das chuvas, em que só podia ser abastecido por via aérea. Todas as operações de reabastecimento eram um esforço desmedido com elevado desgaste do pessoal e da inutilização de material. E observa: “Merece referência o estrangulamento constituído pela travessia do rio Corubal no Che Che, no itinerário Nova Lamego-Boé, que é assegurada por uma jangada rudimentar, apenas com capacidade para duas viaturas fazendo com que a travessia do rio, numa operação de reabastecimento, possa demorar um dia, denunciando os intentos ao inimigo, que se movimenta facilmente na margem sul”. Medina do Boé e Béli eram o caso mais crítico de abastecimentos, não dispunham de condições locais de armazenamento e conservação. Já nessa altura os guerrilheiros se deslocavam com grande facilidade no Boé, armadilhando e minando os itinerários, não existiam populações fora dos destacamentos militares. O BCaç 1856 respondia por 13 estacionamentos, uns fronteiriços (Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Cabuca, Madina do Boé e Béli), outros com interesse para a manutenção da segurança dos itinerários (caso de Piche, Ponte Caiúm, Canjadude e Che Che), impulsionava actividade operacional, assistência sanitárias às populações, dando-lhes apoio na defesa e transporte das colheitas, acções de patrulhamento, nomadizações, etc. Segundo Manuel Domingues, neste período o inimigo reforçou a sua presença na região, inclusivamente mudou de tácticas, como escreve: “Ao reforço do apoio aéreo por parte das nossas tropas, respondeu o inimigo com a alteração do horário dos ataques que passou a efectuar fundamentalmente ao fim da tarde ou durante a madrugada, períodos em que a aviação não podia actuar, passando a usar metralhadoras anti-aéreas e, já em 1967, foguetões. Notou-se uma melhoria da eficiência de utilização do morteiro 82, com tiro ajustado sobre os alvos pretendidos, nomeadamente instalações eléctricas, depósitos de combustíveis e viaturas, completando esta acção demolidora com canhões sem recuo. Verificou-se um quase total despovoamento do Boé, cujas populações se refugiaram em Nova Lamego e a restante nos países vizinhos”. O PAIGC pretendia apresentar à comunidade internacional uma “zona libertada”. O BCaç 1856 passou o testemunho em 14 de Abril de 1967.

Manuel Domingues conta as peripécias da sua incorporação, os seus estudos e as duas viagens subsequentes que fez à Guiné, em 1969 e 1981. Nesta última viagem assistimos a uma completa degradação das forças armadas, sobrevivendo graças a expedientes e corrupção. Depois publica um interessante “diário de um combatente”, de autor desconhecido. Começa em 21 de Abril de 1965 e vai até 27 de Janeiro de 1967. Retêm-se aqui algumas transcrições:

14/09/65 – Operação Ligação. Primeiro contacto com o inimigo. Um grupo de cubatas abandonadas recentemente pela aproximação dos soldados foi cuidadosamente inspeccionado. Inesperadamente todos iniciam uma louca correria. É o inimigo? Não, apenas algumas abelhas, os pequenos monstros alados, num zumbido aterrador atacam as vítimas apavoradas. Começa o fogo. Os projécteis ao sair do cano das armas provocam um estremecimento embriagador. O cheiro a pólvora altera os espíritos.

28/09/65 – Os corpos frios e encharcados; os pés martirizados; os olhos cansados... Calor, moscas e mosquitos, procuram penetrar nos olhos, boca e ouvidos. Do solo escaldante elevam-se nuvens de vapor de água. Os pés penetram no fundo fofo e lamacento das bolanhas. As bolhas produzidas pelas botas de borracha, fazem contorcer num rito doloroso o fácies dos eternos caminhantes. Uma grande extensão de terreno cultivado é indício da presença de seres humanos. Monta-se a segurança... duas cubatas ocultas pelo terreno... risos e conversas... os olhos brilhantes... o peito a arfar da excitação; passos felinos; corpos curvados.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de5 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6537: Notas de leitura (117): Álvaro Cunhal Sete Fôlegos do Combatente, de Carlos Brito e, Ombro Arma!, de José Manuel Mendes (Mário Beja Santos)