1. Comentário do Cherno Baldé ao poste do António Rosinha (*)
Amigo Rosinha,
Sem concordar inteiramente com tudo o que diz neste texto, confesso que, de facto, as imagens retradas sobre o país (Guiné-Bissau) e, mais concretamente sobre Bissau naqueles fatídicos primeiros anos da nossa independência, são a mais pura verdade e que ninguém poderá contestar ou desmentir sem correr o risco de se ridiculizar. Factos são factos.
Todavia há questões de fundo em que, a meu ver, o Rosinha não conseguiu fazer a devida e necessária separação, metendo tudo no mesmo saco (como se diz por aqui). Por exemplo o desejo de implantar o comunismo na Guiné, visto como primeiro objectivo do PAIGC, de Amílcar e de Luís Cabral. Não sei se isso corresponde à realidade dos factos. Lembro-me da resposta a que Amílcar deu a um jornalista, penso que em Itália, durante uma conferência internacional. Indagado se ele era comunista e lutava para a implantação do comunismo no seu país, ele respondeu, mais ou menos, nesses termos:
Se pelo facto de lutar e de querer a liberdade, a dignidade e o bem estar para o meu país, é ser comunista, então digo que sim (as palavras são minhas).
" (...)Na Guiné, aparentemente, o povo aceita tudo que lhe é imposto sem se revoltar"...
É verdade, Rosinha, mas atenção é só aparentemente, porque de tanto sofrerem represálias cruéis (ver criminosas), e isto desde os tempos da ocupação colonial, os povos aprenderam a não enfrentar as injustiças e o poder instituído, assim de caras, mas as consequências depois são por demais evidentes. Lembram-se do golpe de 14 de Novembro ou ainda da morte do Presidente Nino. Qual foi a reacção do povo? Nenhuma, no fundo todos (ou muitos) ficaram aliviados, e não houve uma única voz a contestar, excepção feita àfamília, claro.
Por fim, e para não me alongar, diz que "o que falhou no projecto do PAIGC e Luís Cabral foi a falta de colaboração do povo".
Bem, o povo aceitou tudo, aguentou enquanto pôde mas, como sempre, tudo tem seus limites, não é ?
Há uma frase muito interessante no livro apresentado no poste de Beja Santos em que se afirma:
O que todos os movimentos nacionalistas (de libertação) que se acotevelavam nos corredores de Dakar e Conacri tinham em comum era quererem a Guiné para os Guineenses. Este nacionalismo exacerbado, na minha opinião (e aí estamos de acordo), levou o país a enveredar por um destino incerto, descontrolado, cheio de incertezas em relação ao futuro e nas mãos de pessoas que, alguns anos antes, seriam das mais improváveis.
Eu acredito, ingenuamente, que apesar dos crimes cometidos (que bem podiam ser considerados de genocídio) e a fome engendrada, pelo menos nessa altura havia um projecto de construção nascido de um ideal positivo (com todos os defeitos imputáveis) que guiava a restrita cúpula dirigente, o que deixou de existir a partir do momento em que o país passou para as mãos dos verdadeiros
filhos da terra.
Obrigado, Rosinha, e continua com as tuas excelentes notas de
Colon (
Colons há muitos, e lá como cá) que nos vão elucidando sobre os outros tempos.
Cherno Baldé
Segunda-feira, Outubro 25, 2010 12:36:00 PM
2. Comentário do José Belo ao comentário do Cherno Baldé:
Tenho duas perguntas para o Cherno Baldé, que me são provocadas pelas seguintes afirmações no comentário:
"Pelo menos nessa altura havia um projecto de construção nascido de um ideal positivo (com todos os defeitos imputáveis) que guiava a restrita cúpula dirigente, o que deixou de existir a partir do momento em que o país passou PARA AS MÃOS DOS FILHOS DA TERRA").
Quer-se com isto dizer que a Guiné estaria melhor governada por
outros,que não os
filhos da terra?
"O que todos os movimentos nacionalistas,de libertação,que se acotovelavam nos corredores de Dakar e Conacri tinham em comum era querer a Guiné para os Guineenses. ESTE NACIONALISMO EXACERBADO...").
Querer a Guiné para os Guineenses, precisamente como querer Portugal para os Portugueses, poderá considerar-se [uma forma] de ..."nacionalismo exacerbado?". E,
apesar de tudo, não seriam os Cabo Verdianos um corpo tão estranho ao verdadeiro tecido social local, como, por exemplo os portugueses, que por lá estavam há mais de 400 anos? Não será boa prova disso ambas as
rejeições ?
Um abraço.
Segunda-feira, Outubro 25, 2010 3:05:00 PM
3. Resposto do Cherno Baldé ao J. Belo:
Amigo J. Belo,
A primeira afirmação deve ser vista com cuidado, pois ela retrata uma certa realidade local, se quiser uma corrente de pensamento que nasceu nos centros urbanos (Bolama e Bissau) no auge da competição entre as diferentes componentes sociais que giravam à volta dos presídios e casas comerciais (princípios do séc.XX), mormente entre os
assimilados, oriundos dos grupos étnicos locais e os outros vindos de fora (São-tomenses, caboverdianos e portugueses e mais tarde, também, os islamizados do sertão). Dentro desta lógica, os verdadeiros Guineenses seriam os chamados
pretos nok ou sejam, nativos locais, não mestiços.
Apesar das aparências de convivência pacífica, consubstanciadas na propaganda do partido único, esta corrente infiltrou-se no seio do PAIGC tendo ganhado força e adeptos ainda durante a luta. Depois dos Portugueses, seria a vez dos
Burmedjos, ou sejam, os mestiços, que não eram outros senão os caboverdianos do PAIGC e que se manifestou no golpe de 14 de Novembro de 1980.
A partir dai foram os
"verdadeiros filhos da terra" a comandar com os resultados que se conhecem. Quando se deu o golpe todos nós chorámos, juntamente com o Nino, junto ao Palácio do Governo, na rotunda do Império (agora Heróis Nacionais), pensando:
"Agora é que é, agora somos nós a mandar"!... Tudo não passou de uma montanha de ilusões que depois se transformou num mar de frustrações que ainda hoje nos cobrem de vergonha aos olhos do mundo.
A minha visão, hoje, é que a Guiné precisava e precisa ainda de todos os seus filhos e verdadeiros amigos. Os Guineenses, descendentes de Caboverdianos como Amílcar ou Luís Cabral, foram muito mais patriotas que todos os nossos
"verdadeiros filhos da terra" juntos. Não se trata de competências, é muito mais que isso.
Há dias ouvi pela rádio RFI, uma entrevista de José Turpin (irmão de Elysé Turpin, co-fundador do PAIGC) que falava de Cabral dizendo:
- Quando ele chegou a Conacri, escondido sob o pseudonimo de Abel Djassi, e onde eu e mais outros camaradas já nos encontrávamos, rapidamente se impôs como líder, não pela força mas pela sua integridade moral e força de convicção. Foi ele que nos unificou sob uma única liderança política e estratégica, antes dele, os "verdadeiros" Guineenses pavoneavam-se por aí, perdendo seu tempo em discursos patrióticos e disputas pueris por mulheres (prostitutas, provavelmente).
Acho que a luz do que aconteceu nos nossos países e em África, não será de todo errado reconhecer que países como Angola e Moçambique, a Guiné também, poderiam ser muito mais prósperos e competitivos se não tivessem corrido com os seus compatriotas brancos. Estando de viagem para Moçambique, estive alguns dias em Johanesburg, no aeroporto, onde vi empregados pretos e brancos trabalhando lado a lado, falando em língua local (Zulu, ou outra), mesmo se os pretos, por enquanto, estão maioritariamente confinados a cuidar das cargas e latrinas.
Certamente é mais fácil falar assim agora, porque naqueles tempos nem nós nem vocês estávamos preparados para conviver de forma sã, de igual para igual. As barreiras eram artificiais mas convinham à parte dominante.
Obrigadão,
Cherno
Segunda-feira, Outubro 25, 2010 5:17:00 PM
4. Comentário, final, do J. Belo:
Caro Cherno Baldé: Fico grato pelos esclarecimentos que vêm contribuir para um constante melhorar de perspectivas, e conhecimentos, sobre a Guiné, tão difíceis (actualmente) de se obter por aqui. O tempo para se resolver alguns dos sérios problemas locais, como da restante África, será certamente demorado.Só se espera que não seja tão demorado como o que tem levado aos (tão críticos) Europeus a resolver os seus problemas... ainda bem longe de resolvidos! Um abraço.
Segunda-feira, Outubro 25, 2010 6:16:00 PM (**)
[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 24 de Outubro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7170: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (7): Da Casa Gouveia aos Armazéns do Povo
(**) Último poste desta série > 22 de Outubro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7157: (In)citações (19): Neto de um gerente comercial francês, o Mr. Jean Marie Adolphe Herbert, e filho de um futebolista caboverdiano, Armando Búfalo Bill (Nelson Herbert)