Um curioso manuscrito de Amílcar Cabral, com o croquis da Frente Leste, Sector 2, Área de Xime. S/d. Arquivo Amílcar Cabral. Fundação Mário Soares... Clicar aqui para aceder à explicar deste documento.
Imagem digitalizada e reproduzida com a devida vénia...
Fonte: Fundação Mário Soares: Arquivo Amílcar Cabral. Bissau, Cidade da Praia, Lisboa. Lisboa: Fundação Mário Soares. 2005. p. 13.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Cambança de uma bolanha, na região do Xime... Foto possivelmente tirada ainda em 1969, no final da época das chuva, que foi também de intensa actividade operacional... Infelizmente não tenho as legendas das magníficas imagens (originalmente diapositivos convertidos para formato digital) que o Arlindo Roda teve a gentileza de me mandar, através do Benjamim Durães (CCS / BART 2917, 1970/72). Em primeiro plano, o Fur Mil At Inf Roda, o Alf Mil Op Esp Francisco Moreia (comandante do 1º Gr Comb) e, senão me engano, o Sold nº 82105369 Mamadu Silá, Ap LGFog 3.7, que pertencia à 2ª secção do 1º Gr Comb, comandada pelo Fur Mil At Inf, Joaquim João dos Santos Pina, ilusionista, acordeonista, algarvio de Silves (mais tarde, dois ou três depois, ferido em combate).
Foto: © Arlindo T. Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
1. No Sector L1, na Zona Leste da Guiné, ao tempo da 1ª comissão da CCAÇ 12 (Maio de 1969/Março de 1971) (*), o armamento utilizado pela guerrilha do PAIGC (o IN, para abreviar e em linguagem dos nossos relatóriso) era equivalente (ou até ligeiramente superior) ao nosso.
Esse armamento era praticamente todo de origem soviética, produzido na ex-URSS ou noutros países do então bloco soviético. Mas também de origem chinesa. De facto, recordo-me de termos também apreendido material de fabrico chinês (por exemplo, granadas de RPG).
Na época, e pelo menos na Zona Leste, o IN não dispunha, naturalmente, de meios aéreos ou navais (para além de botes de borracha, no Rio Corubal) nem de artilharia pesada. Não me consta, por exemplo, que tivesse antiaéreas, apenas referenciadas no meu tempo nas zonas fronteiriças, no norte e no sul (Parece que a metralhadora mais usada pelo PAIGC era a ZPU-4, uma arma de quatro canos, de calibre 14.5, de fabrico soviético, instalada em reboque).
De uma maneira geral, um bigrupo (40 a 50 guerrilheiros) estava equipado com o seguinte armamento ligeiro:
(i) pistolas-metralhadoras PPSH, de calibre 7.62, de origem russa (as famosas e enervantes costureirinhas): não tinha equivalente nas NT, já que no mato não usávamos a pistola-metralhadora fabricada na FBP; a PPSH (ou Shpagin) tinha uma cadência de tiro 700/900 por minuto, e usava dois tipos de carregadores: um circular (tambor) e outro curvo [, imagem à esquerda, crédito fotográfico: Nordik Institute of Africa, Suécia];
(ii) espingardas automáticas Kalashnikov , dotadas de carregadores curvos de 30 munições de 7.62 (com uma cadência de tiro, portanto, superior à nossa G-3, que dispunha de carregadores de 20 munições, de 7.62); era considerada uma arma de elite, pelo que nem todos os combatentes do PAIG a podiam usar;
(iii) espingarda semiautomática Simonov, também de origem russa e do mesmo calibre, dotada de uma baioneta extensível (era vulgar encontrar-se nos acampamentos do IN, sendo mais utilizada por elementos da população em autodefesa, nas áeras controladas pela guerrilha);
(iv) metralhadoras ligeiras Degtyarev, também de calibre 7.62, com tambor (não sei se eram melhores ou piores que a nossa HK-21, de fita, que encravava com alguma facilidade, nas difíceis condições do mato, debaixo de fogo, com o calor, com a chuva, com o pó...);
(v) 2 morteiros 60;
(v) vários RPG-2 ou RPG-7 (O RPG é um lança-granadas-foguete equivalente à bazuca, mas mais flexível e mais leve).
A Kalash, a famosa AK-47, desenhada pelo russo Mikhail Timofeevich Kalashnikov (nascido em 1919) equipava na altura todos os exércitos de guerrilha do mundo, além dos exércitos do Pacto de Varsóvia. Até meados dos anos 90 calcula-se que se tenham fabricado mais de 70 milhões de AK-47, de acordo com o modelo oficial ou em versões pirateadas.
Esta arma, a AK-47, continua no imaginário de todos os ex-combatentes da Guiné. Recordo-me de em Bambadinca, no regresso da operação de invasão a Conakry (Op Mar Verde, 22 de Novembro de 1970), alguns graduados da 1ª Companhia de Comandos Africanos, sediada em Fá Mandinga (de que era régulo o tuga Jorge Cabral, entretanto já en Missirá, se não me engano) andarem a oferecer-nos kalash, que faziam parte parte dos seus roncos, pelo preço de três ou quatro garrafas de uísque velho ou dez de uísque novo (500 pesos). No entanto, no confronto com a kalash, um experimentado combatente, comando, como o nosso camarada Mário Dias não tinha dúvidas em escolher a nossa G-3 [, imagem acima].
2. Segundo informações de um prisioneiro feito pelas NT, na região do Xime, já aqui referido várias vezes, de seu nome Malan Mané, em Julho de 1969 o grupo especial de roqueteiros da zona do Poidon que se deslocavam todas as manhãs para Ponta Varela a fim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba e/ou defender a entrada do Rio Corubal, dispunham de seis lança-granadas RPG-2 (, o que quer dizer que o RGP-7 ainda não tinha chegado à Frente Leste, ou pelo menos ao chamado sector 2).
O RPG (em inglês, rocket-propelled grenade launcher), e sobretudo o RPG-7, era a arma mais temida pelos nossos soldados não só nas emboscadas, nas estradas e picadas, como sobretudo no mato, nas emboscadas em L.
O RPG-2 (, imagem à direita,] era uma arma anticarro, de fabrico soviético. O carregamento da granada, de formato cónico, era feito pela boca. O calibre do tubo, era de 40 mm. E o da granada, 82 mm. O seu alcance, contra pessoal, não ia além dos 150 metros. O RPG-7 era já mais sofisticado do ponto de vista tecnológico: o seu sistema de autodestruição da granada permitia que fosse disparada para o ar, tal como o nosso dilagrama, provocando uma chuva de terríveis estilhaços.
As mortíferas lâminas de aço dos rockets foram responsáveis pela maior parte das 15 baixas (6 mortos e 9 nove feridos) sofridas pelas NT no decurso da Operação Abencerragem Candente, que sofremos a caminho da Ponta do Inglês, em 26 de Novembro de 1970, vai agora fazer 40 anos (!),
Tanto o RPG-2 como o RPG-7 também eram muito eficazes contra as nossas viaturas, embora não tivessemos viaturas blindas de jeito (No Sector L1, havia apenas um Pel Rec Daimler, praticamente inoperacional: desculpa, Jaime Machado, desculpa, Zé Luís Vacas de Carvalho, vocês fizeram das tripas da coração ...).
Contra alvos fixos o RPG era eficaz até 50/100 metros (O RPG-7 tinha mais alcance: 500 metros). Muito certeiro e de fácil manejo, o RPG era muito mais adequado àquele tipo de terreno (floresta tropical e savana arbustiva, de capim alto e denso) e de guerra (de guerrilha) do que o nosso lança-granadas, a pesada bazuca americana de 8.9, uma clássica arma anti-tanque... O mais caricato é que as NT só dispunham de munições anti-carro (!). Devido ao seu peso, o transporte das granadas de bazuca, sobretudo em operações no mato, eram um problema, pelo que era frequente recorrer-se a carregadores nativos. A CCAÇ 12, logo em 1969 (no 2º semestre), passou a usar o lança-granadas dos pára-quedistas, de calibre 3.7, conforme documenta a imagem, do Arlindo Tê Roda.
Em cada um dos grupos de combate da CCAÇ 12 havia pelo menos um ou dois apontadores de dilagrama (dispositivo de lançamento de granadas de mão). Mas esta arma não gozava das nossas simpatias, por ser perigosa e embora muito eficaz: a primeira morte a que assisti, a meu lado, a do Ieró Jaló, do 1º Grupo de Combate foi causada por um dilagrama (Região do Xime, Op Pato Rufia, 7 de Setembro de 1969, como já aqui descrevi). [Imagem à esquerda, o nosso querido amigo e camarada Torcato Mendonça, em Mansambo, 1968, com a G3 pronta a disparar um dilagrama, e à cintura, com uma granada de mão defensiva].
A granada do dilagrama era uma granada de mão defensiva, m/963, sendo montada em suporte com um encaixe oco que se adaptava no cano da espingarda automática G-3. No seu lançamento usava-se um cartucho de salva (sem bala). Para o disparo tirava-se o carregador e introduzia-se manualmente o cartucho de salva. Este compasso de espera, aliado à impossibilidade temporária do uso da G-3 e ao risco do seu manuseamento, tornaram o dilagrama uma arma muito impopular entre as NT.
Nos ataques e flagelações às nossas posições fixas (aquartelamentos do exército, destacamentos de milícia, tabancas em autodefesa), os guerrilheiros utilizavam frequentemente o não menos temível canhão sem recuo (75, de origem chinesa, e 82, de origem soviética). Por razões logísticas e de transporte, era armas sobretudo utilizadas em ataques planeados (por exemplo, contra Bambadinca, em 28 de Maio de 1969). Tal como o morteiro 82, com um alcance de 3 km. Estas armas pesadas equipavam os grupos de artilharia, referenciados em Mangai, junto ao Rio Corubal, e Madina/Belel, no regulado do Cuor, a norte do Geba. (Vd. mapa do Sector L1, Bambadinca).
Os grupos especiais do IN, quer de artilharia (canhão sem recuo e morteiro 82) quer de RPG, eram extremamente móveis. Em contrapartida, as NT praticamente não usavam (ou usavam pouco) o canhão sem recuo (pelo menos no meu sector: havia um referenciado no Saltinho, que causaria a morte do Sargento Parente).
Por vezes o IN utilizava também a metralhadora pesada Goryunov, de calibre 7.62, que também podia ser usada como antiaérea. E sobretudo a Degtyarev, de origem russa, mas de calibre 12.7, equivalente à nossa Breda ou à nossa Browning (que estava instalada nalguns aquartelamentos: em Bambadinca, por exemplo, varria a pista de aviação). Pelo menos num dos ataques uma tabanca em autodefesa, em Candamã, em 30 de Julho de 1969, foram encontrados invólucros de 12.7 (portanto, da Degtyarev).
Ainda no nosso tempo apareceram, na Guiné, os primeiros foguetões Katiusha, de 122 mm, inicialmente pouco certeiros, é certo, mas com grande poder de destruição e não menos impacto psicológico junto das NT e populações. De fácil manejo e de relativamente fácil transporte (às costas, no interior do território), seriam utilizados preferencialmente contra os grandes alvos militares (aeroporto de Bissalanca…) e concentrações urbanas (Bolama, Bissau...). As granadas, com um peso de 18 kg. (dos quais 6.5 de explosivo), tinha um raio de morte de 160 m2, e ao explodir produzir cerca de 15 mil estilhaços.
Segundo informação recolhida pelo meu querido camarada, amigo e co-editor Virgínio Briote, a antiga URSS foi o primeiro país a utilizar os lançadores múltiplos de foguetes durante a Segunda Guerra Mundial. Foram utilizados pela primeira vez em Smolensk, em 1941, durante a invasão alemã. A este sistema foi dado o nome de Katiusha. Os soldados soviéticos chamavam-lhe os "órgãos de Estaline". O Paulo Santiago terá dos primeiros a vê-los nos céus da Guiné, na segunda-feira de Carnaval de 1971, lá para os lados do Saltinho. Eu confesso que os nunca vi (nem senti) lá para os meus lados (nessa altura ainda estava em Bambadinca, Sector L1)...
Só mais tarde, já em Março de 1973, apareceriam os mísseis terra-ar que os egípcios também utilizaram contra os tanques israelitas na guerra do Kippour. Recorde-se que a utilização dos mísseis terra-ar Strela (SA-7 Grail-Strela) pelo IN, pela primeira vez em 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje, foi responsável pela queda de um Fiat G-91 (pilotado pelo tenente pilav Miguel Pessoa que, felizmente, está vivo da costa e faz parte orgulhosamente da nossa Tabanca Grande: foto à esquerda, em Bissalanca, em 1974, de novo no activo, depois de alguns meses no "estaleiro", em Lisboa).
Não se pode-se dizer que esta arma antiaérea fosse terrivelmente eficaz contra as nossas aeronaves (helicópteros, avionetas, bombadeiros T-6, caças Fiat G-91, estes últimos aviões a jacto subsónicos): em 60 lançamentos (estimativa) o Strela derrubou 5 aeronaves (taxa de eficácia de 8,3%). Possivelmente foi mais psicológico o seu efeito, ao aumentar o moral da guerrilha e deixar as NT inicialmente confusas e até em estado choque com a morte de vários pilotos, incluindo
Este míssil era dotado de uma cabeça com detector de infravermelhos, sendo por isso atraído pela fonte de calor emitida pelos motores das aerobnaves. A sua velocidade era impressionante (mach 1,5 ou 1600 km/hora). O seu alcance era contudo muito limitado: pouco mais de 3 km. Os nossos helicópteros e restantes aeronaves, para não serem atingidos, tinham que passar a rasar a copa das árvores ou voar acima dos 1500 metros de altitude.
O Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra, tem uma boa página em que se compara os armamentos das duas partes em conflito. Sobre a artilharia onde, aparentemente, as NT levavam vantagem, o documento diz que "na Guiné, a situação em 1966 era a utilização dos obuses 8,8 cm por pequenas unidades (nove pelotões a duas bocas de fogo cada), mas a partir de 1968 passaram a existir meios mais modernos e mais potentes", a saber: (i) 19 obuses de 10.5 cm, correspondendo a três baterias; (ii) seis obuses de 14 cm, correspondendo a uma bateria; (iii) seis peças de 11.4 cm, correspondendo a uma bateria. "Estes últimos materiais, dado o seu alcance, já permitiam o apoio a vários aquartelamentos a partir de uma posição central, mas a falta de meios de aquisição de objectivos impedia uma contrabateria eficaz. As dificuldades apontadas para os morteiros eram semelhantes às da artilharia, se bem que na Guiné, dada a sua menor extensão e a quadrícula mais apertada das unidades, os problemas fossem menores", pode-se ler-se ainda no documento em referência.
Convém não esquecer as minas, as terríveis minas A/P e A/C... Há camaradas que sabem disto a potes, já que têm/tinham a especialidade de minas e armadilhas, a começar pelo meu querido co-editor, Carlos Vinhal [, aqui na foto, à esquerda].
Sobre este tópico pode ler-se na página Centro de Documentação, acimna citado: (...) "As MINAS foram as mais temidas de todas as armas que os nossos militares enfrentaram nos três teatros de operações. Utilizadas de forma isolada, ou conjugadas com emboscadas, limitaram fortemente a mobilidade das forças portuguesas em acções tácticas e logísticas, apeadas ou em viatura, sendo também responsáveis por atrasos nos reabastecimentos, por destruições em veículos e, acima de tudo, por elevada percentagem de baixas.
"Embora a estatística não esteja feita, amostragens dos três teatros de operações permitem considerar que, no mínimo, 50 por cento das baixas portuguesas (mortos e feridos) foram provocadas por engenhos explosivos. Um tipo de guerra altamente compensador para os movimentos de libertação, cujos objectivos eram apresentados do seguinte modo, nos apontamentos de um curso frequentado na Argélia por quadros do PAIGC: 'Realiza-se a guerra de destruição e de minas para fazer obstáculo atrás dos inimigos, para aniquilar as suas armas modernas, ameaçá-los e paralisá-los'. (...)
" Na Guiné, a primeira mina referenciada era anticarro, colocada na estrada Fulacunda-São João, em Julho de 1963, tendo sido aqui também utilizadas minas aquáticas nos rios, que chegaram a inutilizar lanchas". (...)
O nosso camarada Luís Dias, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, tem igualmente uma série de postes sobre armamento jutilizado no TO da Guiné quer pelo PAIGC quer pelas NT. Refira-se, a título de mera curiosidade, que o seu poste P5690 [:Armamento (2): Pistolas, Pistolas-Metralhadoras, Espingardas, Espingardas Automáticas e Metralhadoras Ligeiras] é o mais visto de todos os postes do nosso blogue, com mais de 600 visualizações, no período que vai de Julho de 2010 até hoje (só temos estatísticas desde então).
De qualquer modo, da comparação do IN e das NT, poder-se-ia tirar a conclusão da "equivalência" do armamento entre as partes em conflito: "se exceptuarmos a artilharia (com as limitações já apontadas) e as viaturas blindadas (de emprego também limitado), pode dizer-se que o combate terrestre se travou, salvaguardando os efectivos, entre iguais " (Centro de Documentação 25 de Abril).
Ainda sobre as limitações do nosso armamento, vd o portal Guerra Colonial, da A25A.
Não se pode, todavia, menosprezar o potencial de fogo de uma unidade de intervenção como a CCAÇ 12, cuja orgânica (e armamento) já aqui foi apresentada (vd. poste P6647)(*):
(i) 4 Grupos de Combate, cada um com 28 homens, 3 secções;
(ii) em cada Gr Comb, havia 3 ou 4 apontadores de dilagrama;
(iii) mais 2 apontadores de LGFog 8,9 ou 3,7;
(iv) mais 1 apontador de Met Lig HK 21;
(v) e mais 1 apontador de Morteiro 60 (mais os respectivos municiadores)...
No total cerca de 90 espingardas automáticas G3, cada uma com 5 a 6 carregadores (100/120 munições)... e muitas granadas defensivas.
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Nota de L.G.:
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