terça-feira, 4 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8854: In Memoriam (93): Homenagem do povo de Vale de Espinho aos seus filhos que perderam a vida na Guerra do Ultramar (José Corceiro)


1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 2 de Outubro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
Deixo ao vosso critério publicar, ou não, o texto que envio, assim como as respectivas fotos, que junto em anexo.

Um Abraço
José Corceiro


Homenagem do povo de Vale de Espinho aos filhos que perderam a vida na Guerra do Ultramar

Estimados amigos
Estive no passado mês de Agosto, em Vale de Espinho, Sabugal, minha Terra Natal. A minha sensibilidade enterneceu-se num estranho miscigenado, de satisfação, sofrimento, orgulho e saudade, ao deparar e ser surpreendido, com um singelo memorial erigido pelo povo de Vale de Espinho, a homenagear os dois combatentes, mancebos Valespinhenses, que tombaram e derramaram o seu sangue, em terras de África, onde perderam a vida na Guerra do Ultramar. Foram eles: Francisco Vaz Silva e José Martins Cobrado.

Foto 1 - Memorial, erigido pelo povo, de Vale de Espinho, a homenagear os dois combatentes Valespinhenses que tombaram na Guerra do Ultramar.

O monumento é simples, mas transmite o resumo duma mensagem carregada de respeito e estima. É um memorial constituído por um pedestal de granito, pedra hirta, consistente e nobre, da zona, no qual foram cravadas três lápides de mármore preto, a simbolizar a saudade e o luto, lápides onde foram gravadas letras em baixo relevo, banhadas a ouro, exprimindo o carinho e o reconhecimento dum povo. Foi colocado num espaço público ajardinado, à entrada do Largo das Eiras, em frente do Centro Social Paroquial, da aldeia, junto ao café do “Freu”. Os meus dois conterrâneos, que tombaram em combate, tinham praticamente a minha idade e deixaram-nos no auge da sua mocidade, no ano de 1969.

Fiquei agradado e muito agradecido, ao Sr. Presidente da Junta da Freguesia, de Vale de Espinho, José Faixa, por ter tido a humanidade e a lembrança de honrar e recordar os dois jovens, filhos da povoação, que tão novos perderam a vida a lutar, numa guerra injusta, no solo do Ultramar. Guerra indevida, para mim, porque os nossos estadistas e governantes não souberam interpretar e respeitar o sopro dos ventos, que há muito se faziam sentir, através de sinais e acontecimentos explícitos, que exigiam mudanças históricas, mas não foram devidamente ajuizados para evitar que a guerra se desencadeasse…

Eu escrevi, no dia 1 de Junho, de 1969, em Bissau, nos meus apontamentos diários onde anotei, quando tinha somente dois dias de Guiné, mais ou menos o seguinte: “...Sou por natureza bucólico, encanta-me o campo, a paisagem a floresta, e admirou-me o percurso que medeia entre o DGA e Bissau, de aspecto árido e tórrido, a contrastar com o arvoredo frondoso e acolhedor da bolanha, onde umas mulheres lavavam a roupa…. Foi muito agradável ver as lavadeiras, algumas completamente nuas e sem ruborescerem perante os “mirones” presentes. De entre elas, sobressaiu uma, mais atrevida e desinibida, que ao ver o nosso olhar maroto carregado de intenção maliciosa e aveludado de desejo concupiscente, dirigiu-se a um dos meus amigos em termos críticos e desafiantes, gesticulando e prenunciando palavras provocadoras...

Para o meu íntimo, estes momentos a que venho assistindo, já são reveladores do fosso cultural existente entre nativos e metropolitanos. Começam-me a aliciar a idiossincrasia e a genuidade do povo guinéu, despido de formalismos e preconceitos; para mim este modo de vida, é pureza, conduta simples e natural, é como um ode da natureza a louvar a criação do homem… Assim se inicia mais um despertar em mim! Por um lado a intuição, por outro o raciocínio, começo a ficar sobressaltado e a entender que aqui há outra cultura, outra forma de ser e estar na vida, eles, os nativos, estão no seu habitat. Temos o dever de os respeitar, pois nós estamos desintegrados, eu sou invasor!...”

O primeiro mancebo da minha terra, Vale de Espinho, que tombou em combate, no Ultramar, Francisco Vaz Silva, era meu tio, irmão da minha querida e saudosa mãe. Além de tio, foi amigo e companheiro de infância, nas nossas brincadeiras de meninice, pois éramos praticamente da mesma idade e frequentámos a mesma turma escolar.

Foto 2 - Sepultura, no cemitério de Vale de Espinho, onde jazem os restos mortais de Francisco Vaz Silva.

Recorte com a notícia que saiu na imprensa regional, quando se realizou o funeral do meu tio.

O meu tio, juntamente com outros amigos, como era frequente na época, 1965, com apenas 18 anos, foi “a salto” para terras de França, à procura de melhor qualidade de vida e porque não dizê-lo, também para se alhear da Guerra do Ultramar… Estava profissionalmente bem integrado na sociedade do país que o acolheu, onde era estimado e valorizado, quer no trabalho que executava, quer nas relações inter-sociais com os amigos de convivência, e tinha sempre presente os meus avós, para os quais enviava com regularidade dinheiro. Mas um grito interior agitava-lhe as entranhas, e ouvia a voz bradante do chamamento da Pátria amada, que clamava pelos seus ditosos filhos e, com 21 anos, regressou voluntariamente à terra que o viu nascer, carregado de animosidade e cheio de esperança, desejava calar o grito que lhe invadia a alma e o impulsionava de regresso às origens… O bramido das Raízes!…

Foto 3 - Da esquerda para a direita: (eu) José Corceiro, Filipe Neto, José Manuel Pedro e meu tio Francisco Vaz Silva. Quando a foto foi tirada, tínhamos de idade 13, 14 anos.

Na companhia do meu e seu grande amigo, também emigrado, José Manuel Pedro, regressaram os dois ao seu País Natal e apresentaram-se de seguida no Regimento Militar, da área de residência, para se disponibilizarem a cumprir o dever de cidadania e serem integrados no serviço militar, para servir a Pátria. Tiraram a recruta, no Batalhão de Caçadores 6, em Castelo Branco, finda a qual foram logo mobilizados, pelo RC 4, para Angola, integrados na CCav 2431/BCav 2854 colocado em Zala. Após curta estadia em Angola, ainda com 21 anos de idade, o dia 4 de Fevereiro, de 1969, tombava em combate, Francisco Vaz Silva, na presença do seu grande e inseparável amigo, José Manuel Pedro.

O funeral do meu tio realizou-se, em Vale de Espinho, o dia 23 de Junho, de 1969, passados quatro meses e meio após a sua morte, já eu tinha sido mobilizado para o Ultramar e estava na Guiné.

Foto 4 - O nome do meu tio, na Venera Nacional, entre a extensa lista dos Combatentes que tombaram na Guerra do Ultramar, cujas placas estão junto do Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa.

Foto 5 - Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, em Lisboa.

O José Manuel Pedro, após o regresso do Ultramar, iniciou o namoro com uma prima minha e acabaram por contrair matrimónio. Constituíram e organizaram bem a vida, com sucesso e desafogo e dessa união, nasceram duas filhas. Mas a vida às vezes é madrasta, e reserva-nos traiçoeiras surpresas e tragédias. O casal, meu amigo e parente, ofereceu há cerca de dez ou onze anos um carro e um apartamento à filha mais velha, que vivia em Viseu, onde trabalhava e estava a tirar o mestrado. Na passagem do ano, quando se dirigia sozinha para uma festa de amigos, a filha perdeu a vida num acidente, em Viseu, ao volante do carro que conduzia.

Mas a tragédia e o sofrimento não terminaram por aqui e, passado pouco mais de meio ano, após se ter dado o acidente que vitimou a filha querida, eis quando também é roubada a vida à outra amada e já única filha, com 16 ou 17 anos de idade! Ficaram estes pais, num desespero arrepiante, de causar dó e piedade, mergulhados numa vida vazia, a abarrotar de dor, angustia, desmotivação, saudade, recordações de tantos sonhos idealizados e não concretizados! Foi tudo num ápice, e afundaram-se vidas até então bem estruturadas, deixando o casal num turbilhão de incertezas existenciais, em que a vida se transformou num vácuo desabitado, em que o pendor da balança do infortúnio ficou a pesar só, num só sentido… em declive, com o peso do luto doloroso e insuportável, no prato da desesperança!

Um abraço e boa saúde para todos
José Corceiro
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8832: Filhos do vento (6): Os que ficaram por Canjadude (José Corceiro)

Vd. último poste da série de 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8750: In Memoriam (92): Homenagem às Grandes Mulheres, as nossas Enfermeiras Pára-quedistas que nos deixaram (Rosa Serra, ex-Enf.ª Pára-quedista / António Almeida, Fur Mil em Angola / Teresa Almeida, Liga dos Combatentes)

Guiné 63/74 - P8853: Parabéns a você (321): Artur Conceição, ex-Soldado TRMS da CART 630 (Guiné, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º Cabo da CART 2732 (Guiné, 1970/72)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8848: Parabéns a você (320): Carlos Alberto Prata, Coronel de Infantaria, na situação de Reforma, ex-Cap CMDT das CCAÇ 4544/73 e CCAÇ 13 (Guiné, 1973/74) e Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8852 Recortes de imprensa (50): Medalha de mérito militar chega 43 anos depois... A história do 2º Srgt Mil Libério Candeias Lopes, de Penamacor (CCAÇ 526, Bambadinca e Xime, 1963/65)

 1. A prova de que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande, é ir encontrar um camarada de Penamacor, um raiano, no Jumbo de Alfragide, a fazer compras...

Estávamos os dois, lado a lado, na secção do leitinho meio gordo... Foi ele quem me reconheceu... Ou melhor, pusemo-nos a olhar um para o outro, feitos parvos... Demos um abraço e desatámos logo a falar do Xime, de Bambadinca, do blogue, de Penamacor, dos seus médicos, o Martins, o Ribeiro Sanches, e por aí fora... 

Quem haveria de ser ? Não o conhecia pessoalmente, só do blogue... Pois tratava-se do  Libério Lopes, Libério Candeias Lopes, professor do ensino básico reformado, 2º Srgt Mil,
CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65)...  

Faz parte da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2009.  Com 71 anos, está em grande forma... mas não escreve mais coisas, no nosso blogue,  porque não se considera um às em informática...  Numa pesquisa na Net, encontrámos mais alguns elementos informativos sobre este camarada, que tem uma rica história de vida... e a quem eu desejo muita saúde, longa vida, e boa escrita!

O Prof Libério Lopes fez parte, recentemente,  da comissão de homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar do Concelho de Penamacor (, iniciativa sobre a qual ele, de resto, me prometeu escrever, à despedida). Também conhece pessoalmente o nosso camarada C. Martins.


Guiné > Zona leste > Sub-sector do Bambadinca  >  CCAÇ 526 (1963/65) > Aquartelamento do Xime, onde estava destacado o pelotão do Libério Lopes
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Guiné > Zona leste > Sub-sector do Bambadinca  >  CCAÇ 526 (1963/65) > Aquartelamento do Xime, onde estava destacado o pelotão do Libério Lopes >  "À esquerda a nossa vivenda; á  direira o comércio do libanês Amin" (LCL)



Guiné > Zona leste > Sub-sector do Bambadinca  >  CCAÇ 526 (1963/65) > Aquartelamento do Xime, onde estava destacado o pelotão do Libério Lopes >  Da esquerda para a direita,  Fur Mil Virgílio e Tibério (falecido), Alf Mil Correia Pinto (falecido) e Fur Mil Libério.




  Guiné > Zona leste > Sub-sector do Bambadinca  >  CCAÇ 526 (1963/65) > Saltinho > O Fur Mil Libério Lopes na ponte do Saltinho

Fotos (e legendas): © Libério Candeias Lopes (2009). Todos os direitos reservados.

2. Resumo da actividade operacional da CCAÇ 526 (Bambadinca e Xime, 1963/65):

Recorde-se aqui os passos essenciais da vida do Libério Lopes, no TO da  Guiné, entre 19634 e 1965:

(i) Mobilizada pelo RI 7, a CCAÇ 526 embarcou, a 2 de Maio de 1963, a bordo do paquete «India», juntamente com o Comando dos BCAÇ n.º 506, 507, 599, e 600;

(ii) Comandante da subunidade: Cap Inf Luís Francisco Soares de Albergaria Carreiro da Câmara;
 
(iii) Até 30 de Junho de 1963, a Companhia ficou aquartelada em Brá; ainda neste período, de a 28/6/63, partiu um pelotão para Catió, tendo tomado parte em operações que aí se realizavam;

(iv) A 1/7/63, partiu a Companhia para a Zona Leste ficando a depender do Batalhão de Bafatá;.

(v) Foi-lhe atribuído um sub-sector com a área aproximada de 1.500km2  constituída pelos Regulados de Badora, Xime, Cossé, Cabomba e Corubal (parte Norte);

(vi) O Comando da Companhia ficou instalado em Bambadinca, tendo sido destacado um pelotão para Xime, nesse mesmo dia 1 de Julho;

(vii) A 15/7/63, outro pelotão da Companhia seguiu para o Xitole,  em reforço das tropas ali aquarteladas, donde regressou a 5/8/63;

(viii) Em 26/8/63, assumiu o Comando da Companhia o Capitão Hleder José Franbçois Sarmento;

(ix) No sub-sector, tomou parte nas seguintes operações de conjunto:

«8JUL63 e 12JUL63 na margem direita do Rio CORUBAL»;
«INGLÊS - JAN64»; 
«MARTE - FEV64»;
«BALA - MAR64»;
«VAI À TOCA - NOV64»; 
«BRINCO - DEZ6»;
e «FAROL - JAN65».

(x) Fora do sub-sector, actuou nas seguintes operações:

«OPERAÇÃO VERDE - NOV63»; 
«ESTRADA DO XITOLE - AGOSTO -OUTUBRO - NOV63»;
«MATO MADEIRA-CHICRI - JAN64»; 
«PATON - AGO64».

(xi) No sector à sua responsabilidade, o IN que já actuara a Oeste e Sul de Xime até ao Rio Corubal, levando para os matos uma parte da população e fazendo fugir a restante, tentou expandir a sua acção para Leste para o que atacou tabancas e quartéis, roubou culturas, emboscou as NT e procurou tornar intransitáveis as estradas;

(xii) A Companhia, por uma permanente actividade operacional à base de pequenas acções de combate, emboscadas, constantes patrulhamentos de estradas e caminhos e protecção às populações, permanecendo nas tabancas e locais de trabalho, conseguiu manter em completa normalidade a zona a Leste de Xime e levar a guerrilha a acantonar-se no mato;

(xiii) Durante os 21 meses de permanência no sub-sector, a Companhia teve 108 acções de fogo em contactos com o IN;

(xiv) Em resultado dessas acções, o IN sofreu 48 baixas confirmadas pelas NT, havendo contudo um número muitíssimo superior de mortos e feridos referido por prisioneiros;

(xv) Foram apreendidas 5 espingardas, 5 pistolas-metralhadoras, 1 pistola, grande número de granadas de mão de diversos modelos e vários milhares de cartuchos;

(xvi) Na tentativa de cortar os itinerários, o IN utilizou 15 engenhos A/C e 3 minas A/P. Um fornilho A/C destruiu um jipe  e os restantes 14 engenhos A/C foram detectados e levantados; as 3 minas A/P funcionaram, causando dois feridos: um às NT e outro à população;

(xvii) A Companhia só teve duas baixas por acidente e nove feridos em combate, um dos quais evacuado para a Metrópole. (Para saber mais, clicar aqui).


3. Reproduzido, com a devida vénia, do Jornal do Fundão, edição 'on line' de 29 de Abril de 2009 (Recorde-se que o prestigiado jornal  beirão, onde trabalha a nossa mui querida Ana Mendonça, foi fundado pelo António Palouro em 1946) (**)


Raia (JF Diário)

Medalha de Mérito chegou 43 anos depois  >  Libério Candeias Lopes [, foto a seguir, do nosso blogue,] teve uma surpresa há dias quando o informaram da atribuição de uma medalha de mérito
 
Após regressar da Guiné onde cumpriu serviço militar como sargento miliciano, Libério Candeias Lopes, [ , foto a seguir, crédito fotográfico do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,] , volta à actividade na vida civil, professor do ensino primário. 

Decorria o ano 1965, tinha então vinte cinco anos. Desempenhou a profissão em diversas escolas do distrito de Castelo Branco, tendo sido posteriormente destacado na Educação de Adultos e Ensino Recorrente, exercendo nas freguesias de Salvador, Aranhas, Penamacor e Benquerença, entre outras do concelho. Foi delegado sindical, criou e dirigiu o Posto da Telescola de Aranhas, proporcionando, então, o acesso ao 2.º ano, aos jovens de Salvador e Aranhas.

As actividades sociopolíticas são no entanto os motivos justificativos do nosso trabalho. É que o professor Libério foi, à data, muito provavelmente, o presidente da Junta de Freguesia mais jovem do país. Tinha vinte e sete anos quando o presidente da Câmara, dr. António Moutinho,  lhe endereçou o convite. Recusado inicialmente, a persistência foi tanta que não lhe restou alternativa. Acabou por encabeçar a única lista concorrente e foi eleito presidente da Junta de Aranhas, sendo sucessivamente reeleito até 1975.

Cargo de difícil manutenção, pois as autarquias não dispunham de qualquer tipo de financiamento, como actualmente dispõem. As receitas provinham de alguns atestados, venda de sepulturas, e do que fosse conseguido junto do presidente da Câmara Municipal. A persistência do jovem presidente era de tal ordem que o presidente da Câmara ao vê-lo comentava: “lá vem o jovem pedinchão”.

Conseguidas algumas centenas de escudos, Libério Lopes pedia ao pároco da freguesia para anunciar uma reunião com o público na sede da Junta. O povo comparecia. Era informado das receitas conseguidas e indicava-lhes dois ou mais caminhos a precisar de arranjo. A população decidia qual o mais necessitado. Como o dinheiro era pouco, o professor “tocava” o coração do povo de modo a que cada família com propriedades servidas pela via a reparar, contribuísse com um dia de trabalho efectivo ou o seu valor monetário. E o caminho era reparado.

 Por este e outros motivos, aquando do 25 de Abril, as Forças Armadas na sua passagem por Penamacor sugeriram a substituição de todos os órgãos autárquicos eleitos antes da revolução, o que aconteceu em diversas localidades. Em Aranhas a população apareceu em massa defendendo a continuidade do professor Libério à frente da Junta de Freguesia. Só mais tarde, a lei o destituiria. Mas no decurso da sua vida mais activa, conquistou um palmarés invejável, no desempenho de várias actividades, tendo dificuldade em definir do que mais gostou de fazer ou que teve pena de não ter feito.
 
“O maior prazer foi a criação da Liga dos Amigos de Aranhas e mais tarde o Centro de Dia. Isto ajudou a resolver inúmeros problemas a nível cultural, recreativo, desportivo e social dos habitantes de Aranhas”, refere.

A construção da ponte sobre a ribeira da Baságueda, no sítio do Freixal, foi uma excelente conquista. O dr. Moutinho opunha-se, mas o jovem através de amizades e conhecimentos levou a sua àvante. Outra coroa de glória prende-se com a reactivação do Rancho Folclórico de Aranhas,  em 1971, tendo para além das deslocações, uma semana no Casino Estoril e outra no Hotel Balaia, no Algarve, conseguindo que o mesmo fosse admitido na Federação Portuguesa de Folclore em 1983. 

Inúmeros episódios dignos de nota fazem parte do seu historial, porém destacaremos os mais significativos. Numas eleições para o qual foi nomeado presidente da mesa de votos, – “após encerrar a mesa peço para contarmos os votos. Os meus colegas de mesa (todos com mais de 60 anos) dizem-me que era hábito descarregar alguns nomes. Eu opus-me. Um deles, polícia reformado, disse-me: o sr. professor é que manda, mas olhe que vai ter chatices. Não liguei. Contámos os votos, 126, e mandei os resultados para a Câmara Municipal. Mal adivinhava a noite que iria passar. Por volta da meia-noite o dr. Moutinho foi a minha casa pedir explicações porque não tinha descarregado os votos. Queria saber se o povo de Aranhas estava descontente e porquê. Passámos a noite a elaborar um relatório, a explicar o porquê de só aparecer aquele número de votantes. No dia seguinte o jornal 'O Século' noticiou que Aranhas teve a percentagem de votantes mais baixa do país. Na verdade no concelho de Penamacor e talvez do país, Aranhas foi o que apresentou a votação real”.

Na última manifestação “espontânea” dos portugueses a Marcelo Caetano, foram colocados autocarros gratuitos para a população se deslocar a Lisboa. Cabia aos presidentes de junta mobilizar o povo. O de Aranhas não fez caso do assunto. Da terra ninguém foi a Lisboa. Entretanto a Junta candidatou-se à atribuição de um televisor para a Delegação da Casa do Povo em Aranhas. Todas as localidades foram contempladas. Menos Aranhas. Quando inquiriu o presidente da Casa do Povo de Penamacor do porquê da sua exclusão, foi-lhe respondido que a delegação de Aranhas não a merecia, pois não mandaram ninguém a Lisboa.

Invulgar e digno de nota, foi a surpresa que Libério Lopes teve há alguns dias. Um amigo, militar no activo, em conversa sobre a guerra colonial informou-o que tinha lido por acaso, a atribuição da Medalha de Mérito Militar de 4.ª classe, com base num louvor, por ter participado em acções de combate, ao furriel miliciano Libério Candeias Lopes. Ora a data da condecoração é de 28 de Fevereiro de 1966. O condecorado soube disso, casualmente 43 anos depois.
Jolon

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Notas do editor:


(**) Do seu sítio institucional, na Net:

(...) "O Jornal do Fundão, fundado em 1946 por António Paulouro, é hoje um marco referencial no panorama da imprensa regional portuguesa. Com uma tiragem semanal de 14.000 exemplares e um universo de audiência que atinge os 53.000 leitores, foi distinguido com a Ordem do Infante D. Henrique e tem no seu historial outros galardões como o Prémio Gazeta, homenagens das Universidades de Salamanca e da Comunidade Portuguesa em França.

"O Jornal do Fundão faz parte da matriz de identificação da Beira Interior e é reconhecidamente um elemento da sua coesão social bem como do desenvolvimento económico e cultural da região.
 

"O Jornal do Fundão tendo vindo a reforçar a sua influência no eixo geográfico que vai desde a região da Guarda, Covilhã, Fundão e Castelo Branco. É líder destacado de audiência da Imprensa Regional no distrito de Castelo Branco e tem ainda expressiva audiência nacional." (...)

Guiné 63/74 - P8851: O nosso blogue em números (10): Três milhões de visitas em Novembro de 2011... Período de reflexão e de reorganização



Amigos/as e camaradas:

Caminhamos para os 3 milhões de visitas, a atingir previsivelmente na 1ª quinzena de Novembro de 2011. Recordo que atingimos os 2 milhões de visitas em meados de Setembro de 2010. 
Em termos de visitas, desde Julho de 2010 (em que passámos a ter estatísticas do nosso servidor, o Blogger), o melhor mês de todos foi o Janeiro de 2011 (com 97,9 mil) e o pior o mês de Agosto de 2011 (59,9 mil).
Pelo gráfico acima reproduzido, percebe-se que os meses de verão são sempre de algum abrandamento, devido às férias escolares e laborais.

É esperado que, a partir de agora, o blogue retome o seu ritmo normal, que é de 2500 visitas/dia, em média (ou sejam, 75 mil/mês).

Nos meses de verão, a produção de postes também se ressente. De qualquer modo, vai ser difícil este ano ultrapassar a produção de 2010, que foi superior a 1900 postes. Nesta altura do ano, a três meses do fim de 2011, estamos com pouco mais de 1300 postes (c. 145/mês). (*)

As razões são explicáveis: menos disponibilidade, menos tempo, de alguns elementos da equipa de editores,  e sobretudo menos material a entrar para publicação... Por outro lado, temos, felizmente, mais concorrência: outros blogues, outras páginas, o Facebook... (Muitos camaradas têm a sua própria página no Facebook, cuja manutenção diária consome muito tempo!). Duas, três, muitas... Tabancas têm aparecido no nosso "teatro de operações", o que só pode constituir motivo de orgulho para todos 
nós.

É bom lembrar que o nosso blogue vai fazer 8 anos de vida, em 23 de Abril de 2012, ao serviço da reconstituição e preservação das memórias dos camaradas da Guiné, e atingiu a simpática cifra de 520 membros, formalmente registados (vd. lista alfabética, de A a Z, na coluna do lado esquerdo)... Está, além disso, em marcha a organização, em 2012,  do nosso VII Encontro Nacional...

Em jeito de balanço, mas também de comemoração (estes números são reveladores da nossa vitalidade enquanto comunidade de combatentes e amigos da Guiné!), gostaríamos de poder contar com  as críticas, sugestões e comentários de todos/as os/as nossos/as leitores, quer pertençam ou não formalmente à nossa Tabanca Grande... 

Estamos internamente num processo de "reorganização" (repensando os  conteúdos mas também o "layout" do blogue, revendo as nossas "regras do jogo", redefinindo os papéis e a composição da equipa de editores  e do conselho de consultores,   etc.).

É uma boa altura, chegado o Outono, de conhecer melhor o "moral" das tropas... Mais: conhecer melhor (para melhor satisfazer) as  necessdidades, expetativas e preferências de quem nos visita e lê...  O blogue só faz sentido se for feito por todos e para todos, num espírito de liberdade, pluralismo, rigor, consenso, tolerância, amizade e camaradagem...
Para já, peço-vos que vão respondendo, até ao dia 10 do corrente, à nosso sondagem 'on line' (*)... A resposta é anónima, mas podem fazer-nos chegar, por mail, os vossos comentários, sinceros e frontais (ou comentar diretamente aqui) : por exemplo, as vossas razões sobre uma eventual menor assiduidade na visita ao blogue, nos últimos dois ou três meses.... 

Por outro lado, não se se esqueçam, caros/as leitores e visitantes, e sobretudo caros/as amigos/as e camaradas da Guiné,  que o blogue precisa de materiais para publicação, e de novas entradas de camaradas... Cada um de vocês pode (e deve...) trazer mais outro camarada para a nossa Tabanca Grande... não para a estatística mas para aumentar a riqueza (leia-se: a diversidade) da nossa "pool"... genética!
Um grande abraço a todos/as em meu nome, dos de mais editores e colaboradores. Luís Graça


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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 2 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8365: O nosso blogue em números (9): 78.500 visitas mensais desde Julho de 2010; mais de 500 tabanqueiros; 5,5 postes e 45 comentários, em média, por dia; uma em cada quatro visitas vem fora de Portugal...

(**) Ver pergunta ao quanto superior esquerdo:

Sondagem 'on line',  em curso (votação até 10/10/2011): 

Com que  frequência tens visitado ultimamente o nosso blogue ?
Todos os dias
Quase todos os dias
Dia sim, dia não
1 vez por semana
2 a 3 vezes por mês
1 vez por mês
Raramente
Nunca, ou hoje por mero acaso

Guiné 63/74 - P8850: Notas de leitura (282): Do Cacine ao Cumbijã, 67 Guiné 69, de Guilherme da Costa Ganança (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
Quero ser muito franco, o livro “Do Cacine ao Cumbijã”, cativa pelo ingenuidade e até pelo deslumbramento de quem regressa, pelo dever da memória, à reconstituição da formação de uma Unidade, de uma viagem marítima, de um treino operacional, tudo feito sem arrebiques, com a intenção de matar saudades na comunicação que pôde estabelecer com os seus camaradas. Só que quem lê vai ficar aturdido com os pormenores especiosos com que a obra arranca até ao súbito cansaço do autor que parece ter desfalecido quando as suas personagens estão bem vivas e a emergir num grande trauma.
É o sabor que lemos metade de um romance e temos de ficar à espera que o autor retome energia e recomece a sua comissão…

Um abraço do
Mário


Do Cacine ao Cumbijã

Beja Santos

“Do Cacine ao Cumbijã, 67 Guiné 68”, por Guilherme da Costa Ganança (Chiado Editora, 2011) é um livro singelo, supostamente um romance histórico alicerçado em personagens fictícias. Comporta uma ficha de autor, um funchalense nascido em 1945 e que depois de prestar serviço militar na Guiné entre 1967 e 1969 se licenciou em Engenharia Electrotécnica. É de presumir que Guilherme Ganança seja Gabriel Silva e tudo quanto escreve ande por portas e travessas no caminho autobiográfico. O jovem Gabriel Silva chega ao Funchal já promovido a aspirante, da Madeira regressará ao campo de instrução militar de Santa Margarida para formar uma Companhia de intervenção com destino à Guiné. Do aeroporto chega à freguesia da Lombada e apresenta-se à família, a notícia da mobilização deixa o rancho familiar transtornado. Gabriel despede-se da família e dos amigos, vai pedir ânimo à Senhora da Conceição. Toca-nos pela sinceridade.
Sai da capela, admira o vale profundo que vai beijar as águas da Ribeira da Ponta do Sol.

Temo-lo agora no dia 28 de Outubro de 1967 a embarca no paquete do Uíge. O Alferes Silva faz parte da Companhia 78081 comandada pelo Capitão Germano Neves. Espraia-se o autor na descrição da viagem e é feliz na descrição do jantar de despedida, já estão à beira de entrar no estuário do Geba, relata um jantar abrilhantado pelas ressonâncias de um concerto: “Os acordes, ora vigorosos, ora repousantes, desfilaram em cinco harmoniosos clássicos que arrebataram os passageiros, ao serem servidos as iguarias.

Os Capitães Rocha Leão e Alcides Faria confraternizaram à mesa do Alferes Silva e do Capelão Honório Ferraz. Enquanto saboreava uma canja à portuguesa apreciara o tema “Colas Breugnon – Abertura”, de Kabelavsky.

Momentos depois, vem uma lagosta à Parisiense e irrompeu a Sinfonia número 1 de Prokofief.

Sentiam-se os efeitos do vinho quando os espargos à Antártico acompanharam a Companhia Ligeira, de Suppé, que fez as delícias de primeira classe. Quando já todos falavam sem ouvir ninguém, voou para as mesas um peru assado à americana. Gabriel, de ouvido apurado, entrou na notalgia do concerto em dó menor de Grieg, ao escutar a subtileza dos sustenidos e bemóis.

Não acabaram sem o sabor de um Corbeille de Morangos e frutas diversas. O jantar de despedida aproximava-se do fim, tinha de acabar em festa. Ressoou uma Polca: “Relâmpagos e Trovões”, de Strauss. Festejaram de braços no ar e maças rosadas no rosto. As bebidas e os brindes desfilavam, eufóricos, no meio dos relâmpagos”.

De Bissau foram levados para o aquartelamento de Brá, daqui seguirão para Contuboel. É um período de adaptação, de descoberta, um outro camarada explica a Gabriel Silva quem eram as madrinhas de guerra e o apoio que podiam dar aos militares como retaguarda de suporte moral. Ao princípio Gabriel está reticente, depois escreve aerogramas para várias direcções. Percorrem Bissau, visitam o Pilão, chegou a hora do treino operacional. Nunca saberemos como irão de Bissau por camião até Contuboel (com muita imaginação, o autor diz que o percurso que ligava Bissau à cidade de Bafatá, não era considerado perigoso, se bem que não dispensasse medidas de segurança…). O capitão Germano já se impusera como líder, segundo o autor é um homem de grande humanismo. Em Contuboel vão fazer patrulhamentos e ter um cheirinho de guerra na região do Caresse. Tratou-se de um baptismo de fogo, a Operação Invicta moralizou a Companhia 78081.

Ficamos entretanto a perceber que há uma madrinha de guerra de eleição, de nome Raquel. Continuam as Operações na região e vão até à Bolanha de Sototo, tudo corre bem, concluído o treino operacional, chegou a hora de partirem para Bula, vão participar na Operação Bolo-rei, na região de Choquemone. Só há um ferido ligeiro, a estrela da sorte continua a acompanhar esta Companhia de intervenção.

Escoltados pelos fuzileiros, vão partir para Cabedu, entre Cacine o Cumbijã, é este o local que lhes foi atribuído. Temos uma descrição do quartel e da tabanca, como se procedia à defesa do perímetro, onde estavam as peças de artilharia, como foram cordiais logo os primeiros contactos entre o chefe da tabanca, de nome Duraman, e o capitão Germano Neves. O Capitão procura esclarecer-se da situação das forças do PAIGC na região de Cabedu, o Cantanhez está muito perto, posicionam-se nas tabancas de Catifine e Cafal, bem como em Cabanta e Catesse, os rios em torno da península de Cabedu são controlados pelo PAIGC. O Comando em Catió determina um conjunto de patrulhamentos. Apercebendo-se das inúmeras dificuldades impostas pelo terreno, Germano Neves cria um Pelotão com maior capacidade ofensiva que irá ficar conhecido como “Os Corsários”, dirigidos por Gabriel Silva, também conhecido como Grupo Especial de Comandos. Os aerogramas chegam e partem, a relação entre Raquel e Gabriel estreita-se. Há obras em Cabedu. Operação fatídica, nesse dia a Companhia 78081 perdeu o seu muito estimado Comandante na operação Alto Quilate. Acabara-se a estrela da sorte, é neste relato que o livro de Guilherme Ganança tem as suas melhores páginas.

Se até agora o autor entendia que o seu relato devia ser minucioso, imprevistamente tudo vai acelerar, ser alvo de uma inesperada síntese, Gabriel e os seus corsários ainda vão à ilha de Melo, as acções de vigilância nas matas prosseguem. Passadas umas semanas, chegou o substituto do Capitão, este novo Comandante veio trazer normalidade a uma Companhia esmorecida. Não se compreendera muito bem, a trama galopa para o final, o autor dá como encerado os capítulos desta história da Companhia 78081. E tudo termina assim: “Gabriel Silva tornara-se mais duro. Nos tempos que se seguiram muitas nuvens sombrias escondiam-lhe o azul do céu e esmoreciam a cor dos seus olhos. Mesmo assim nutria a certeza de vir a encontrar um futuro melhor. Um provir a que a sua juventude tinha direito”. O livro é apresentado como as memórias reais de um alferes salpicadas de momentos de pura ficção.

Não se fica a compreender o que leva Gabriel Ganança a escrever estas memórias. Percebe-se a transição entre o jovem inocente e o combatente que endureceu. Entende-se como aquela Companhia ficou enlutada com a perda de um Capitão muito especial. Mas há muito pouco entre o Cacine e o Cumbijã, é impossível que o leitor, seja ele qual for, não se sinta defraudado por não ficar a saber o que é que os Corsários fizeram nos meses seguintes. Estamos perante um estranho romance histórico, fica-se mesmo com a ideia que o jovem Alferes se desencantou com a sua escrita e deixou-nos em Cabedu à espera que a história continue…
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8840: Notas de leitura (279): Os Anos da Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8849: Notas de leitura (281): Nha Bijagó, de António Estácio. Prefácio de Eduardo J. R. Fernandes

Guiné 63/74 - P8849: Notas de leitura (281): Nha Bijagó, de António Estácio. Prefácio de Eduardo J. R. Fernandes



Leopoldina Ferreira Pontes  (a primeira, da segunda fila, do lado esquerdo) nasceu em Bissau em 4 de Novembro de 1871. Era filha de João Ferreira Crato (natural do Crato, Alto Alentejo, comerciante na Guiné) e de Gertrudes da Cruz (de etnia bijagó, natural de Bissau). Morreu aos 87 anos, em 26 de Maio de 1959.

Do seu primeiro casamento, com José Ledo Pontes, caboverdiano, recebeu o apelido Pontes. Das suas três ligações matrimoniais tevce diversas filhos, de que sobreviveram seis filhas. A história da sua vida é interessante na medida em que acompanha também a da vila de Bissau, mais tarde cidade e capital, e portanto do seu desenvolvimento. Segundo a pesquisa efetuada pelo António Estácio,  só em 17 de Abril de 1877 é que foi criado o concelho de Bissau, tinha a Leopoldina 5 anos. Nessa altura, a população que residia na área murada era de 573 habitantes,sendo  391 nativos, 166 caboverdianos e apenas 16 europeus. Em 1872 as ruas passam a ser iluminadas  (p. 50)... Mas só em 19 de Dezembro de 1941 - tinha já 'Nha Bijagó' 70 anos - é que a capital da Guiné é transferida de Bolama para Bissau (p. 59).

Foto: Cortesia de António Estácio (2011)




1. O António Estácio, membro da nossa Tabanca Grande, teve a gentileza de mandar pelo correio um exemplar do seu último livro, Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959) (edição de autor, 2011, 159 pp., c/ ilustrações).  Trata-se de um exemplar autografado, que passará doravante a fazer parte da biblioteca da Tabanca Grande. Infelizmente, não me foi possível estar presente no lançamento do livro, em 20 de Junho passado, em Lisboa, no Palácio da Independência, de que no entanto demos a devida notícia.

O Beja Santos, por sua vez,  já aqui fez uma primeira recensão do livro, realçando a personalidade e a influência da biografada, nestes termos:

"O que havia de incomum em Nha Bijagó? Filha de um comerciante branco e de uma Bijagó, D. Leopoldina tinha uma personalidade muito forte, era constantemente ouvida pelas autoridades locais que apreciam a sua capacidade organizadora e força mobilizadora. Era madrinha de meio mundo, uma das características de qualquer mulher influente. Viam-na a atravessar Bissau para ir à missa, se bem que severa pelava-se por organizar festas, ficaram célebres os bailes que organizava em casa. Presava a comemoração de eventos e encomendava pratos típicos quando juntava a família, como o brindge (à base de carne de pato, galinha ou porco, temperado, cozido e frito), servindo-se com mandioca ou batata cozida, o arroz é obrigatório.



"António Estácio recolhe inúmeros depoimentos, é uma ternura o enlevo que ele põe neste testemunhos que atravessam décadas e que parece pôr Bissau a falar. A cidade é uma constante neste exercício monográfico sobre D. Leopoldina: a identificação dos negociantes, a listagem da gente famosa do tempo, a visita ao património da sinhara, o conteúdo dos testamentos". (...)


2. Mensagem do António Estácio, com data de 28 de Setembro último:

Luís Graça: Estimo-te bem e reitero o meu pedido de desculpa pelo atraso no envio de um exemplar do livro referente à famosa "Nha Bijagó", de seu nome Leopoldina Ferreira Pontes.

Esta tarde enviei-o pelos Correios, devendo chegar na Quinta ou Sexta-feira.

Em anexo seguem várias fotos da concorrida sessão, levada a efeito no passado dia 20.06.2011 no edifício da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), situada em Lisboa no n.º 11 do Largo de S. Domingos.

Segue o texto do prefácio  (...). A aquisição do livro poderá ser feita na secretaria da SHIP ou diretamente com o autor, através de contacto telefónico pelos n.ºs 219229058 ou 962696155.

De momento estou a ajudar na edição de uma pequena monografia intitulada "Vinte anos de experiência e de saber (1991-2011)", elaborada por Carlos Brandão de Almeida e evocativa da Associação Cultural da Terceira Idade de Sintra (ACTIS), vulgo Universidade da Terceira Idade de Sintra (UTIS), em cuja Direção exerço as funções de Secretáio.

Talvez para o ano proceda à reedição do meu livro de memórias do tempo de Liceu de em Bissau, o antigo "Liceu Honório Barreto", que frequentei de 1958 a 1964. Intitulado "Passadas" (o título é em crioulo da Guiné e significa "o que aconteceu" ou "o que se passou", tendo a sua 1ª edição sido feita em Macau no ano de 1992 e numa edição de autor.

Espero ter respondido a tudo. Despeço-me com um abração e faço votos de uma rápida recuperação.

Com amizade, consideração e estima

António J. Estácio


3. Hoje reproduzimos, com a devida autorização do António Estácio, o prefácio que foi escrito por Eduardo Fernandes, seu amigo e condiscípulo do Liceu Honório Barreto, em Bissau, e actual comentador da RDP África


Prefácio (pp. 5-7) 

Mais um trabalho que António Júlio Estácio dá à estampa, tendo como objecto uma figura marcante da sociedade guineense, desta feita “Nha Bijagó”, nome pelo qual ficou conhecida Leopoldina Ferreira.

Quem foi esta senhora e o que fez ela para merecer figurar em obra impressa? Isso é o que o leitor irá descobrir ao longo de mais de centena e meia de páginas deste livro que o autor intitulou “Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959).

A própria escolha do título já é em si reveladora da razão que motivou António Júlio Estácio a biografá-la! “Nha Bijagó” foi,  de facto, uma respeitada personalidade do seu tempo,  socialmente bastante influente e uma verdadeira matriarca. Abastada, mas sóbria, mulher de rígidos princípios éticos, foi, de certo modo, um modelo para os seus concidadãos.

Ao ler este livro não podemos deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta influência tiveram na costa ocidental africana, em particular nos Rios da Guiné, entre o século XVI e finais do século XIX.

Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos, nomeadamente os europeus.

Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas”, como a Bibiana Vaz, a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, entre muitas outras.

Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de André Álvares d’ Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde” de 1594 ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, para apenas citar alguns.

“Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959), é o resultado de um longo trabalho de pesquisa que António Júlio Estácio desenvolveu ao longo de vários anos, com uma enorme dedicação e até paixão, mas sempre com rigor e respeito pela verdade dos factos, a que já nos habituou. Compulsou milhares de documentos, não apenas relacionadas com Leopoldina Ferreira, mas também relativos aos principais acontecimentos que tiveram lugar no período coevo da biografada. Registou dezenas de depoimentos e deslocou-se propositadamente à Guiné-Bissau [, em 2006], para “in loco” recolher mais informações, de modo a poder complementar, confirmar ou infirmar os elementos já recolhidos. E o resultado de todo esse esforço, é este livro!

Não estamos perante uma biografia no sentido clássico do termo, isto é, um género literário em que o autor narra a história da vida de uma pessoa ou de várias pessoas de forma mais ou menos objectiva, e muitas vezes romanceada. António Júlio Estácio, preferiu manter-se “neutro” interferindo o mínimo possível na narrativa dos depoentes, limitando-se a clarificar aqui e acolá alguns aspectos contraditórios ou menos precisos e desse modo fornecer ao leitor um retrato tão fiel quanto possível dessa grande senhora que foi a “Nha Bijagó” feito através dos testemunhos daqueles que a conheceram e que com ela privaram, e ainda de documentos oficiais que atestam aspectos relevantes da sua vida.

Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, adminis-trativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro!

O autor quis,  desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colonia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de “Nha Bijagó”. Por esse motivo, este trabalho biográfico, para além de nos dar a conhecer a vida de uma grande mulher guineense que foi a “Nha Bijagó”, fornece-nos importantes informações do mundo em que ela viveu! Através dos diversos depoimentos sobre a “Nha Bijagó” recolhidos pelo autor, ficamos a conhecer não apenas os aspectos essenciais da sua vida, mas também um pouco da vida social na então colónia da Guiné e muito particularmente em Bissau, na primeira metade do século XX.

Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer!
 

Eduardo J. R. Fernandes

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de Outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8847: Notas de leitura (280): As Mulheres nas Malhas da Guerra Colonial, de Ana Bela Vinagre (Felismina Costa) 2. O Estácio mandou-me, em 28 de Setembro passado, a seguinte mensagem que reproduzo:

Guiné 63/74 - P8848: Parabéns a você (320): Carlos Alberto Prata, Coronel de Infantaria, na situação de Reforma, ex-Cap CMDT das CCAÇ 4544/73 e CCAÇ 13 (Guiné, 1973/74) e Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72)


O nosso camarada Carlos Alberto Prata apresentou-se à Tabanca Grande, em 24 de Maio último, nestes termos:

"A convite do amigo Manuel Reis, sabedor que eu fora combatente na Guiné, acompanhei-o já a 2 almoços de confraternização na Tabanca do Centro, onde me foi dado o privilégio de, além de contactar com antigos combatentes naquela antiga província e recordar locais e acontecimentos aí decorridos, ficar com uma pequena ideia desta louvável agremiação (chamemos-lhe assim) dos antigos combatentes na Guiné.

"O objectivo deste mail é apresentar-me e solicitar os vossos ofícios para que me seja dada a honra de também fazer parte da família da Tabanca Grande, o que, antecipadamente, agradeço!

"Chamo-me Carlos Alberto Duarte Prata, natural do Porto, casado, com dois filhos já homens, e sou Coronel de Infantaria, na situação de Reforma.

"Frequentei a Academia Militar, curso de 1961/65. Promovido a Capitão fui mobilizado para Angola onde cumpri uma comissão de serviço entre Maio de 1969 a Julho de 1971.  Em Maio de 1973 fui mobilizado pelo RI15 (Tomar) onde formei a CCaç 4544 que seguiu para a Guiné em Setembro de 1973, tendo como destino Cafal Balanta, na região do Cantanhês. Por determinação do General Comandante do CTIG, em Março de 1974 fui comandar a CCaç 13, em Bissorã, onde me encontrava em 25 de Abril de 1974. Regressei a Portugal em 30 de Setembro de 1974, após a entrega da Guiné às tropas do PAIGC.

"Apenas para informação devo acrescentar que em 1995 regressei à Guiné, durante 6 meses, em missão de Cooperação Militar. Aqui está pois o motivo da minha ligação aquela antiga província, as saudades dos bons e menos bons momentos lá vividos e a vontade firme de conviver com quem viveu experiências análogas." (...)


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HÉLDER SOUSA

Ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72



1. Mensagem de Juvenal Amado para o nosso aniversariante Hélder Sousa:

O Hélder vai-me perdoar esta brincadeira não tenho dúvida nenhuma. Homem de consensos, conhecedor, de conversa fácil e não menos atenta . São sempre de recordar os momentos que passei com ele, tanto nos almoços do Blogue como nos da Tabanca do Centro, onde a sua participação é sempre esperada e ansiada.

Atrevo-me a dizer que o Hélder é uma das traves mestras do bom relacionamento, moderando conflitos e não poucas vezes minorando o desgaste que certas questões provocam em nós todos.

Certo que a sua amizade faz de mim um homem melhor, não posso deixar passar esta data sem lhe mandar um forte abraço.
O único defeito é ser do Benfica mas que se pode fazer? Ninguém é perfeito.

Neste dia desejo-te muitas felicidades junto de quem mais amas.


O camarada e amigo
Juvenal Amado


2. Postal do nosso camarada Miguel Pessoa



3. Mensagem dos Editores:

Fazemos nossas as palavras do camarada Juvenal Amado (com sua licença), porque, caro Hélder, estamos reconhecidos pela tua disponibilidade, sempre atento aos problemas internos do Blogue, enviando-nos mensagens com oportuníssimas achegas, tentando, e conseguindo, ajudar-nos nesta espinhosa missão de, não agradando a todos, pelo menos agradar à maioria.

Na qualidade de "conselheiro", ou outra, contamos sempre contigo.

Caro Hélder, recebe um enorme abraço em nome da tertúlia e dos editores muito em particular.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8833: Parabéns a você (319): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66) e Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Guiné, 1967/69)