1. Segunda feira, 26 de novembro de 2012, passam 42 anos (!) sobre a Op Abencerragem Candente.
Por poucos ou muitos anos que eu ainda viva, nunca conseguirei esquecer esse dia.
A 22, estava a decorrer a Op Mar Verde, envolvendo - entre outros - os nossos camaradas da Companhia de Comandos Africanos, nossos vizinhos de Fá Mandinga; a 24, o Tony Levezinho fazia 23 anos, e celebrámos a efeméride como mandava o RDM de Bambadinca; a 25 mandaram-nos curtir a bebedeira para o Xime, para uma operação a nível de batalhão; a 26, íamos conhecer o inferno...
Por poucos ou muitos anos que eu ainda viva, nunca conseguirei esquecer esse dia.
A 22, estava a decorrer a Op Mar Verde, envolvendo - entre outros - os nossos camaradas da Companhia de Comandos Africanos, nossos vizinhos de Fá Mandinga; a 24, o Tony Levezinho fazia 23 anos, e celebrámos a efeméride como mandava o RDM de Bambadinca; a 25 mandaram-nos curtir a bebedeira para o Xime, para uma operação a nível de batalhão; a 26, íamos conhecer o inferno...
Dedico este texto poético a todos os meus camaradas da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), da CART 2715 (Xime, 1970/72) e CART 2714 (Mansambo, 1970/72), num total de 8 Gr Comb, que participaram na Op Abencerragem Candente, seis dos quais não regressaram vivos (o Seco Camará, o Rufino Correia de Oliveira, o P. Almeida, o Manuel da Silva Monteiro, o Joaquim de Araújo Cunha e o Fernando Soares) e nove dos quais foram gravemente feridos.
Não, não havia nada na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês por Luís Graça
Não, não havia nada
Na antiga estrada
Do Xime-Ponta do Inglês,
Ligando o Geba ao Corubal.
Não havia nada naquele lugar
Que era de tormento,
Àquela hora mortal
Da madrugada.
Nada, onde um homem
Pudesse afogar a sua fome,
Matar a sua sede,
Aliviar o seu sofrimento.
Nem sequer um banco de pedra
Como aquele em que agora me sento,
Frente ao Tejo,
Fresco, límpido, matinal,
E onde alguém escreveu,
Em letra garrafal:
Amo-te, Marta,
És a razão do meu viver.
Hoje estou à beira Tejo
E não vou a caminho da Foz do Corubal.
O Tejo corre para o Atlântico,
E o Corubal para o Geba.
Em Lisboa tenho o azul do céu,
Que, dizem, é o azul mais puro do mundo.
No Geba, tenho uma G3,
Tarrafo, lodo, merda,
Dois cantis vazios,
Um céu de bronze,
E mil e uma razões para (sobre)viver.
Nem poderia haver
Nenhum banco de pedra,
Nem nenhum jardim,
Nem nenhuma Marta
À minha espera.
Nem muito menos nenhuma Marta
Que fosse a minha razão de viver.
Quando muito, um fantasma,
Surgido do cacimbo matinal,
Por detrás do baga-baga,
Armado de Kalash!
Não tinha, de resto, razão de viver,
Raison d’ètre, diria a minha copine,
Se eu fosse faltoso, refractário ou desertor
E tivesse dado o salto para França.
Não tinha nenhuma razão de viver,
Nem de morrer,
Nem de matar,
Não tinha sequer nenhuma razão
Para estar ali, àquela hora.
Não havia nada
Na antiga picada abandonada
Do Xime-Ponta do Inglês.
Nem um pub irlandês
Com a ruiva Guiness
A piscar-te olho,
A ti, herói português,
Com um improvável genoma celta.
Nem uma tasca afadistada
Da tua saudosa Lisboa,
Com a perna da morena,
Esbelta,
Lânguida,
A faca na liga,
Deixando antever
Os doces mistérios da sua floresta-galeria.
Não, não havia nada,
Nem uma decrépita gasolineira
Dos filmes do Faraoeste da tua infância,
Onde abastecer a tua Daimler,
Salta pocinhas, minas e armadilhas,
Em que ias de Bambadinca ao Xime
Simplesmente para beber uma cerveja,
Sem escolta nem picagem,
Num jogo de roleta russa.
Nem muito menos a Marta-Mátria,
Republicana e laica,
Verde e rubra,
De busto farto,
De peito feito às balas,
Dando a volta à cabeça dos rapazes,
Dando-lhes tusa,
Na Feira Grande de Setembro:
- Vai mais um tirinho, ó freguês!
Não, não havia nada,
Nem sequer uma simples mulher,
Uma fêmea de bunda larga,
Ou até uma simples mulher polícia sinaleira,
Cata-ventos,
Bailarina,
Redondinha,
Assexuada,
De pelo na venta
E apito na boca,
No cruzamento dos quatro caminhos.
Não, já não vou de G3 em punho,
Em defesa da honra das donzelas
Da minha Pátria.
Chamem-se elas Marta ou Mátria.
Não, já não vou, cego, surdo e mudo,
A correr,
Disposto a morrer,
Com ganas de gritar Pátria ou Morte!,
Na velha picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês
Onde não havia nada.
Nem ao menos um tosco espanta-pardais,
Especado no meio do capim,
Em vez do campo de mancarra do fula,
Ou do teu jardim,
Do Éden,
Ou até uma simples seta,
De pau tosco,
A apontar-te a direcção do inferno,
A maldição bíblica do pecado,
Omnipresente,
Obsessivamente eterno.
Havia apenas,
No fim da picada, o inferno.
À tua espera,
À espera dos teus camaradas.
Às 8h45 da manhã
Do dia 26 de Novembro
De mil novecentos e setenta.
Da era de Cristo.
E Conacri ali tão perto!
O caminho mais curto para o inferno ?
Não o vês ?
A picada, abandonada, do Xime-Ponta do Inglês,
Onde Cristo seguramente nunca parou
Nem amou,
Nem penou,
Nem sofreu,
Nem pecou,
Nem rezou.
O teu Cristo etnocêntrico,
Judeu,
Semita,
Que nem sequer era caucasiano,
E nem muito menos sonhava onde era a Senegâmbia
Nem o Império do Mal(i).
Pensar global,
Sonhar alto,
Agir local,
Meu sacana…
Ou melhor ainda:
Não pensar,
Muito menos sonhar,
Tiro instintivo, a varrer o capim.
Eis a ordem do capitão
Que tem acima o major,
Na sua avioneta,
No seu PCV,
E no topo o general,
O Com-Chefe,
O Caco Baldé,
O Homem Grande de Bissau,
Herr Spínola.
E à frente de todos,
Com o seu inseparável cachimbo,
O Seco Camará,
Seco de carnes,
Velho e valoroso guia das NT,
Pau para toda a obra,
Cão de fila,
Mandinga do Xime,
Herói da tua galeria de heróis,
Verdadeiro líder, etimologicamente falando,
Aquele que vai à frente mostrando o caminho.
Nesta guerra de baixa intensidade,
Não dês vazão ao Tratado das Paixões da Alma.
E por favor, camaradas, poupem as munições.
Da NATO.
Dizem que a glória te espera,
Escreveu um serial killer,
Roqueteiro,
Com fama de fazer saltar cabeças a 50 metros,
Ao longo da alameda dos bissilões.
Vai para casa, tuga,
Que a tua namorada põe-te os cornos!…
Não, não havia nada
Naquela picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês.
Lourinhã, 19 de agosto de 2010 / Alfragide, 24 de novembro de 2012
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Nota do editor:
Último poste da série > 24 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10719: Blogpoesia (306): O povo a que pertenço (Juvenal Amado)