1. A pedido do nosso camarada Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447, leva-se ao conhecimento dos possíveis interessados a realização do 30.º Encontro Nacional dos Oficiais, Sargentos e Praças daquele BENG, no dia 20 de Abril de 2013, em Fátima.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 20 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11286: Convívios (503): 14.º Almoço da CCS do BCAÇ 1861, dia 27 de Abril de 2013 na Sertã (Júlio César)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 20 de março de 2013
Guiné 63/74 - P11286: Convívios (503): 14.º Almoço da CCS do BCAÇ 1861, dia 27 de Abril de 2013 na Sertã (Júlio César)
Realiza-se no próximo dia 27 de Abril, o 14º almoço/convívio da CCS do Batalhão de Caçadores 1861.
O almoço/convívio será no Ponte Velha Restaurante, na Sertã.
Os interessados em participar devem contactar:
Boaventura Videira, pelo telefone 964 534 332
Participa
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 20 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11285: Convívios (502): 3.º Encontro dos Bedandenses, dia 29 de Junho de 2013 na Mealhada (António Teixeira)
Guiné 63/74 - P11285: Convívios (502): 3.º Encontro dos Bedandenses, dia 29 de Junho de 2013 na Mealhada (António Teixeira)
1. Mensagem do nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73) com data de 18 de Março de 2013, com o anúncio do 3.º Encontro dos Bedandenses:
Caros amigos e Bedandenses.
Vai-se realizar no próximo dia 29 de Junho o nosso 3º Encontro, que esperamos tenha o mesmo sucesso dos anos anteriores.
Como do costume (equipa que ganha não se mexe), será na Mealhada, no Restaurante / Estalagem "Portagem", essencialmente devido à sua generosa localização, bem no centro do país, com grandes facilidades de estacionamento, dando ainda a possibilidade de pernoita no local para todos aqueles que assim o desejem.
A exemplo do ano anterior, teremos todo prazer de receber também os familiares daqueles que pisaram aquele chão.
Em breve, será aqui disponibilizado a ementa (será preciso? Estamos na Bairrada), assim como os preços da refeição e de quarto.
Para informações e reservas, os contactos são os seguintes:
António Teixeira - 917 803 681 - toniteixeira@gmail.com
Hugo Moura Ferreira - 969 922 669 - mouraferreira@gmail.com
Um grande e fraterno abraço para todos
António Henrique Teixeira
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11276: Convívios (501) 14º almoço/convívio da CCS do BCAÇ 1861 (Buba, 1965/67): Sertã, 27 de abril de 2013 (Boaventura Videira)
Caros amigos e Bedandenses.
Vai-se realizar no próximo dia 29 de Junho o nosso 3º Encontro, que esperamos tenha o mesmo sucesso dos anos anteriores.
Como do costume (equipa que ganha não se mexe), será na Mealhada, no Restaurante / Estalagem "Portagem", essencialmente devido à sua generosa localização, bem no centro do país, com grandes facilidades de estacionamento, dando ainda a possibilidade de pernoita no local para todos aqueles que assim o desejem.
A exemplo do ano anterior, teremos todo prazer de receber também os familiares daqueles que pisaram aquele chão.
Em breve, será aqui disponibilizado a ementa (será preciso? Estamos na Bairrada), assim como os preços da refeição e de quarto.
Para informações e reservas, os contactos são os seguintes:
António Teixeira - 917 803 681 - toniteixeira@gmail.com
Hugo Moura Ferreira - 969 922 669 - mouraferreira@gmail.com
Um grande e fraterno abraço para todos
António Henrique Teixeira
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 19 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11276: Convívios (501) 14º almoço/convívio da CCS do BCAÇ 1861 (Buba, 1965/67): Sertã, 27 de abril de 2013 (Boaventura Videira)
Guiné 63/74 - P11284: Convite (11): Museu da Guerra Colonial, a visitar em Ribeirão, Vila Nova de Famalicão (António Teixeira)
1. Mensagem do nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73) com data de 15 de Março, dando-nos a conhecer o Museu da Guerra Colonial situado em Ribeirão - Vila Nova de Famalicão:
Caro Carlos Vinhal
Com pedido de publicação
Grande abraço,
Antonio Henrique Teixeira
MGC - Museu da Guerra Colonial
No ùltimo encontro de Bedandenses do Norte que realizamos perto de Famalicão, tivemos a grata surpresa de sermos presenteados por um dos anfitriões, o ex-Fur. Miliciano José Augusto Carvalho, a este espaço fantástico que dá pelo nome de "Museu da Guerra Colonial".
Trata-se de um espaço que continua em constante transformação e que evoca através de diversos temas o que foi a presença portuguesa na chamada guerra de Africa. E tudo isto graças à carolice e boa vontade de uns poucos, que como nós, calcaram aquele chão.
Para além do material já exposto, este Museu tem também mantido um papel fundamental na divulgação daquilo que foi a nossa presença em Àfrica, sobretudo junto das gerações mais novas, que frequentemente em grupos escolares o visitam.
O Museu fica bem perto de Famalicão, na estrada que une esta cidade à Trofa, num local que se chama "Lago Discount", em Ribeirão. Logo à entrada, a presença imponente de uma "Panhard", como podem ver na foto abaixo, que em breve terá a companhia de um "Alouette" (O lugar já lá está reservado).
Quero aqui manifestar o meu reconhecimento a estes verdadeiros "entusiastas", que praticamente sem apoio algum, e sobretudo sem apoio oficial, tanto têm lutado para manter este espaço vivo e em constante evolução. Bem hajam.
Não quero colocar o nome aqui seja de quem for, pois corria o risco de me esquecer de alguém, o que seria uma grande injustiça. Fica no entanto o apelo para todos frequentam este blogue que quando passarem por aquelas bandas, façam uma visita porque garanto-vos que vão apreciar.
Junto algumas fotos do local.
Um grande abraço a todos
António Henrique Teixeira
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 23 DE AGOSTO DE 2011 > Guiné 63/74 - P8700: Convite (10): Os ex-combatentes, as alcunhas e as suas origens, no Programa da Manhã da TVI, dia 25 de Agosto de 2011
Guiné 63/74 - P11283: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (9): Rancho melhorado
1. Em mensagem do dia 8 de Março de 2013, o nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense. CSJD/QG/CTIG, 1973/74), enviou mais uma crónica para a sua série Um amanuense em terras de Kako Baldé.
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
9 - Rancho melhorado
Tal como nas outras Unidades militares, segundo creio, também no QG/CTIG as refeições para o Oficial de Dia, Oficial de Prevenção e Sargento da Guarda, provinham das respectivas Messes e eram levadas por um ordenança até aos militares em serviço naquelas tarefas.
Durante mais um serviço de Sargento da Guarda que fiz ao QG/CTIG, fui inesperadamente contemplado com um rancho melhorado como nunca mais fui até ao fim da comissão.
Não era o dia da Unidade, nem o dia do meu aniversário!
Seria uma gentileza do Brig. Banazol pelo meu aprumo e competência no comando da Guarda de Honra?! Quem sabe!
"Isso agora não interessa para nada e vamos é 'enfardar' isto e o que for, soará!" - Pensei eu com os meus botões.
"Abarbatei-me" ao apetitoso conteúdo do prato e, à medida que "metia p'ra blusa", mais aumentava a empatia entre mim e o serviço de Sargento da Guarda.
Efectivamente sentia que, finalmente, alguém dava valor ao esforço e empenho que eu colocava na execução de uma Guarda de Honra a um Comandante estrelado. No resto..., nem por isso, mas agora também não interessa nada.
Terminado o faustoso repasto, abeira-se de mim o Capitão - Oficial de dia - que simpaticamente me pergunta:
- Já almoçou?! Então, e o almoço estava bom?
- Sim, obrigado, por acaso hoje até que nem estava nada mau.
E a simpatia continuava, levando-me a pensar que estaríamos com toda a certeza no dia do "Sargento da Guarda". E porque não, ele há dias para tudo?!
Pergunta-me então:
- E um cafezinho, não ia agora?
Nessa altura até já me apetecia dar-lhe um beijo na boca, tanta era a simpatia com que me tratava!
- Ah sim, obrigado, por acaso agora até caía bem um cafézinho.
Ao contrário do que sucedia com muitos oficiais, a este Capitão os galões não o impediam de ter um gesto de cortesia para com um seu subordinado. E se ia pedir ao ordenança para lhe trazer dois cafés (para ele e para o Oficial de Prevenção) que lhe custava pedir que trouxesse mais um para o desgraçado do Sargento da Guarda?!
O café não fazia parte do "Menu do dia" e teria de ser pago. Achei que não seria correcto da minha parte entregar-lhe, logo ali, o dinheiro correspondente ao meu "cimbalino" (1 escudo, salvo erro) e não o fiz, até porque seria pouco provável que o Capitão o aceitasse (julgo eu).
Sentia-me que nem um Abade e, sentado à mesa, de papo cheio, debaixo da ventoinha da Casa da Guarda, aguardava o cafezinho, imaginando até o Capitão a providenciar para que o "cimbalino" fosse devidamente acompanhado com um bagacito pr'ajudar à digestão.
Os minutos foram passando e o café não aparecia. Comecei a pensar que talvez o Capitão tivesse ficado chateado por eu não lhe ter pago o café antecipadamente, mas isso parecia-me pouco plausível.
Também não me parecia normal que o café já tivesse chegado e que fosse o Capitão a trazer-mo à Casa da Guarda. Assim, fui passando várias vezes pela porta do Oficial de Dia (mesmo em frente à do Sargento da Guarda) para ver se o café já tinha chegado. Também pensei que, quando chegasse, o Capitão me chamaria com toda a certeza.
O tempo continuou a passar e, de café, nem cheiro!
Era também estranho que, não havendo café p'ra ninguém, não tivessem a gentileza de me informar.
Rebobinei a cassete toda e comecei a rever o filme. Juntei algumas peças do puzzle e, de repente, fez-se luz no meu espírito!
Um almocinho "à maneira" - o Capitão a perguntar: "E um cafézinho, não vai agora?!... "Querem ver que o ordenança trocou as "marmitas" e eu "mamei" o almoço do Capitão e esta conversa do cafézinho é só tanga?!
Pois, aquele "E um cafézinho, não vai agora?!", não se tratava de qualquer cortesia do Capitão, mas sim de alguma ironia de quem se via na contingência de almoçar "que nem um Sargento".
Resumindo:
Entregaram-me o almoço, estava bem servido e eu estava com fome - atirei-me a ele!
E, digo-o com toda a sinceridade, nunca supus que tivesse havido troca, tanto mais que do outro lado eram dois almoços e, a haver troca, a mesma seria imediatamente detectada. Provavelmente o Alferes também se aviou primeiro, não sei. Apenas sei que almocei melhor do que era costume.
O cafezinho é que, pelos vistos, tinha ficado na Alfândega!
Durante a minha vida militar no TO da Guiné, vários pequenos episódios sem grande importância foram acontecendo e a sua grande maioria estava já no arquivo morto e só agora, depois que me tornei escriba desta grande Tabanca, é que alguns me têm vindo à memória. Parecendo-me, no entanto, que o pessoal das "bolanhas" demonstra algum interesse em conhecer este tipo de episódios vividos pelo pessoal do "ar condicionado" e ainda que sejam, realmente, episódios insignificantes do meu dia-a-dia no QG/CTIG, continuarei a relatá-los até que alguém me mande calar, tenha eu "pachorra" e tempo para o efeito.
Convencido que estou de que isto não sairá daqui por me encontrar entre ex-camaradas da Guiné, vou, aqui e agora, fazer uma confissão que nunca fiz publicamente, para que se perceba minimamente o contexto em que alguns episódios se deram e tendo em conta que estávamos num Quartel General em pleno Teatro de Operações da ex-Província Ultramarina da Guiné (considerada, na altura, zona 100% operacional).
Como já deveriam ter percebido, este vosso ex-camarada, cujas acções militares na Guiné roçaram, ainda que ao de leve, as façanhas do famoso Rambo, fez vários serviços de Sargento da Guarda ao QG/CTIG.
Durante esses serviços nunca visitou nenhuma guarita, nem nunca quis saber, sequer, onde se situavam as mesmas.
Acredite quem quiser, mas é realmente verdade e passo a justificar:
Como sabem, havia sempre uma senha e uma contra-senha para efeitos de ronda. A senha era-me transmitida pelo Oficial de Dia através de uma carteira de fósforos, ou outro artefacto do género e era usual (para mim acho que foi sempre) utilizarem nomes de frutos (banana/pêra - uva/maçã - cereja/morango, etc.). Pelo mesmo método eu transmitia as senhas ao Cabo da Guarda.
O pessoal era sempre guineense com excepção do Cabo da Guarda que, uma ou outra vez, era europeu. Imaginem a confusão que se poderia fazer com uma salada de fruta de senhas e contra-senhas!
Nunca efectuei qualquer ronda, nem sabia onde ficavam as guaritas (eu era Amanuense, porra!). Estão a imaginar-me na escuridão da noite a aproximar-me de uma sentinela e não me lembrar de qual era a fruta da época e o "bacano" já ter entornado alguma "água de Lisboa"?! "Bai lá bai, até o Barack Obama!"
Recordo-me de uma certa noite, já com os portões fechados, me aparecer do lado de fora e agarrado às grades do portão, um soldado negro a quem só se via o "teclado" de tanto se rir e apenas dizia:
- "esfuriel... esfuriel... esfuriel".
Estava com uma "tosga do caraças", pois tinha abandonado a guarita para ir até à messe, onde trabalhava, beber uns copos.
Aquela triste figura só me dava vontade de rir, mas, por outro lado, tinha receio que o Oficial de Dia se apercebesse (nessa dia era um Capitão do QP) e lá estaria eu metido em sarilhos e aquele desgraçado com a vida estragada, pois a tropa era o seu ganha-pão (ou arroz). Abrir-lhe o portão para ele entrar, podia alertar o Capitão.
Disse ao Cabo da Guarda, também negro, que colocasse um substituto no posto e que fosse dar a volta ao Quartel, saindo pela CCS, e o trouxesse caladinho e o enfiasse na cama. Assim fez e tudo correu sem problemas.
Uma outra vez, sendo o Oficial de Dia novamente um Capitão do QP, aparece-me um 1º Sargento, daqueles que gostam de mostrar serviço, com uma G3 na mão dizendo que tinha encontrado uma sentinela a dormir e que lhe tinha sacado a arma. Sugeria que eu fosse lá à guarita ver o homem e fazia-o em voz alta para o Capitão ouvir e me tramar a vida a mim e ao soldado. Já algo furioso com ele, lá consegui que baixasse o tom de voz e me entregasse a G3.
Resumindo:
O pessoal, que era quase sempre o mesmo, já devia conhecer o meu modo de actuar e, quando eu estava de Sargento da Guarda, era uma "rabaldaria do caraças"! Eu só queria que não dessem muito nas vistas. Quanto ao resto, cada um que se desenrascasse que eu tentava fazer o mesmo, papando os almoços aos Oficiais de Dia.
Ainda uma outra vez em que me encontrava de Sargento da Guarda, logo pela manhã aparece-me esbaforido o Cabo da Guarda informando-me de qualquer coisa que se estaria a passar na casa de banho.
Para lá me dirigi de imediato e encontrei no chão, acometido de um ataque epiléptico, um nosso camarada que estava de Sargento de Dia. Lá providenciei para que o levassem de Jeep ao HMBIS.
Era um camarada ainda mais franzino do que eu e deixei de o ver durante uns tempos. Teria sido evacuado para a Metrópole?! Não!
Num outro dia em que voltei a fazer serviço de Sargento da Guarda, lá estava ele novamente de Sargento de Dia.
"Que Deus me perdoe, mas eu adoro isto aqui"
(Frase do General George Patton proferida no decorrer de uma batalha).
"Que Deus me perdoe, mas eu piro-me já d'aqui"
(Frase do Furriel Abílio Magro proferida no decorrer de um serviço de Sargento da Guarda).
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 14 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11250: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (8): O meu "25 de Abril"
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
9 - Rancho melhorado
Tal como nas outras Unidades militares, segundo creio, também no QG/CTIG as refeições para o Oficial de Dia, Oficial de Prevenção e Sargento da Guarda, provinham das respectivas Messes e eram levadas por um ordenança até aos militares em serviço naquelas tarefas.
Durante mais um serviço de Sargento da Guarda que fiz ao QG/CTIG, fui inesperadamente contemplado com um rancho melhorado como nunca mais fui até ao fim da comissão.
Não era o dia da Unidade, nem o dia do meu aniversário!
Seria uma gentileza do Brig. Banazol pelo meu aprumo e competência no comando da Guarda de Honra?! Quem sabe!
"Isso agora não interessa para nada e vamos é 'enfardar' isto e o que for, soará!" - Pensei eu com os meus botões.
"Abarbatei-me" ao apetitoso conteúdo do prato e, à medida que "metia p'ra blusa", mais aumentava a empatia entre mim e o serviço de Sargento da Guarda.
Efectivamente sentia que, finalmente, alguém dava valor ao esforço e empenho que eu colocava na execução de uma Guarda de Honra a um Comandante estrelado. No resto..., nem por isso, mas agora também não interessa nada.
Terminado o faustoso repasto, abeira-se de mim o Capitão - Oficial de dia - que simpaticamente me pergunta:
- Já almoçou?! Então, e o almoço estava bom?
- Sim, obrigado, por acaso hoje até que nem estava nada mau.
E a simpatia continuava, levando-me a pensar que estaríamos com toda a certeza no dia do "Sargento da Guarda". E porque não, ele há dias para tudo?!
Pergunta-me então:
- E um cafezinho, não ia agora?
Nessa altura até já me apetecia dar-lhe um beijo na boca, tanta era a simpatia com que me tratava!
- Ah sim, obrigado, por acaso agora até caía bem um cafézinho.
Ao contrário do que sucedia com muitos oficiais, a este Capitão os galões não o impediam de ter um gesto de cortesia para com um seu subordinado. E se ia pedir ao ordenança para lhe trazer dois cafés (para ele e para o Oficial de Prevenção) que lhe custava pedir que trouxesse mais um para o desgraçado do Sargento da Guarda?!
O café não fazia parte do "Menu do dia" e teria de ser pago. Achei que não seria correcto da minha parte entregar-lhe, logo ali, o dinheiro correspondente ao meu "cimbalino" (1 escudo, salvo erro) e não o fiz, até porque seria pouco provável que o Capitão o aceitasse (julgo eu).
Sentia-me que nem um Abade e, sentado à mesa, de papo cheio, debaixo da ventoinha da Casa da Guarda, aguardava o cafezinho, imaginando até o Capitão a providenciar para que o "cimbalino" fosse devidamente acompanhado com um bagacito pr'ajudar à digestão.
Os minutos foram passando e o café não aparecia. Comecei a pensar que talvez o Capitão tivesse ficado chateado por eu não lhe ter pago o café antecipadamente, mas isso parecia-me pouco plausível.
Também não me parecia normal que o café já tivesse chegado e que fosse o Capitão a trazer-mo à Casa da Guarda. Assim, fui passando várias vezes pela porta do Oficial de Dia (mesmo em frente à do Sargento da Guarda) para ver se o café já tinha chegado. Também pensei que, quando chegasse, o Capitão me chamaria com toda a certeza.
O tempo continuou a passar e, de café, nem cheiro!
Era também estranho que, não havendo café p'ra ninguém, não tivessem a gentileza de me informar.
Rebobinei a cassete toda e comecei a rever o filme. Juntei algumas peças do puzzle e, de repente, fez-se luz no meu espírito!
Um almocinho "à maneira" - o Capitão a perguntar: "E um cafézinho, não vai agora?!... "Querem ver que o ordenança trocou as "marmitas" e eu "mamei" o almoço do Capitão e esta conversa do cafézinho é só tanga?!
Pois, aquele "E um cafézinho, não vai agora?!", não se tratava de qualquer cortesia do Capitão, mas sim de alguma ironia de quem se via na contingência de almoçar "que nem um Sargento".
Resumindo:
Entregaram-me o almoço, estava bem servido e eu estava com fome - atirei-me a ele!
E, digo-o com toda a sinceridade, nunca supus que tivesse havido troca, tanto mais que do outro lado eram dois almoços e, a haver troca, a mesma seria imediatamente detectada. Provavelmente o Alferes também se aviou primeiro, não sei. Apenas sei que almocei melhor do que era costume.
O cafezinho é que, pelos vistos, tinha ficado na Alfândega!
Durante a minha vida militar no TO da Guiné, vários pequenos episódios sem grande importância foram acontecendo e a sua grande maioria estava já no arquivo morto e só agora, depois que me tornei escriba desta grande Tabanca, é que alguns me têm vindo à memória. Parecendo-me, no entanto, que o pessoal das "bolanhas" demonstra algum interesse em conhecer este tipo de episódios vividos pelo pessoal do "ar condicionado" e ainda que sejam, realmente, episódios insignificantes do meu dia-a-dia no QG/CTIG, continuarei a relatá-los até que alguém me mande calar, tenha eu "pachorra" e tempo para o efeito.
Convencido que estou de que isto não sairá daqui por me encontrar entre ex-camaradas da Guiné, vou, aqui e agora, fazer uma confissão que nunca fiz publicamente, para que se perceba minimamente o contexto em que alguns episódios se deram e tendo em conta que estávamos num Quartel General em pleno Teatro de Operações da ex-Província Ultramarina da Guiné (considerada, na altura, zona 100% operacional).
Como já deveriam ter percebido, este vosso ex-camarada, cujas acções militares na Guiné roçaram, ainda que ao de leve, as façanhas do famoso Rambo, fez vários serviços de Sargento da Guarda ao QG/CTIG.
Durante esses serviços nunca visitou nenhuma guarita, nem nunca quis saber, sequer, onde se situavam as mesmas.
Acredite quem quiser, mas é realmente verdade e passo a justificar:
Como sabem, havia sempre uma senha e uma contra-senha para efeitos de ronda. A senha era-me transmitida pelo Oficial de Dia através de uma carteira de fósforos, ou outro artefacto do género e era usual (para mim acho que foi sempre) utilizarem nomes de frutos (banana/pêra - uva/maçã - cereja/morango, etc.). Pelo mesmo método eu transmitia as senhas ao Cabo da Guarda.
O pessoal era sempre guineense com excepção do Cabo da Guarda que, uma ou outra vez, era europeu. Imaginem a confusão que se poderia fazer com uma salada de fruta de senhas e contra-senhas!
Nunca efectuei qualquer ronda, nem sabia onde ficavam as guaritas (eu era Amanuense, porra!). Estão a imaginar-me na escuridão da noite a aproximar-me de uma sentinela e não me lembrar de qual era a fruta da época e o "bacano" já ter entornado alguma "água de Lisboa"?! "Bai lá bai, até o Barack Obama!"
Recordo-me de uma certa noite, já com os portões fechados, me aparecer do lado de fora e agarrado às grades do portão, um soldado negro a quem só se via o "teclado" de tanto se rir e apenas dizia:
- "esfuriel... esfuriel... esfuriel".
Estava com uma "tosga do caraças", pois tinha abandonado a guarita para ir até à messe, onde trabalhava, beber uns copos.
Aquela triste figura só me dava vontade de rir, mas, por outro lado, tinha receio que o Oficial de Dia se apercebesse (nessa dia era um Capitão do QP) e lá estaria eu metido em sarilhos e aquele desgraçado com a vida estragada, pois a tropa era o seu ganha-pão (ou arroz). Abrir-lhe o portão para ele entrar, podia alertar o Capitão.
Disse ao Cabo da Guarda, também negro, que colocasse um substituto no posto e que fosse dar a volta ao Quartel, saindo pela CCS, e o trouxesse caladinho e o enfiasse na cama. Assim fez e tudo correu sem problemas.
Uma outra vez, sendo o Oficial de Dia novamente um Capitão do QP, aparece-me um 1º Sargento, daqueles que gostam de mostrar serviço, com uma G3 na mão dizendo que tinha encontrado uma sentinela a dormir e que lhe tinha sacado a arma. Sugeria que eu fosse lá à guarita ver o homem e fazia-o em voz alta para o Capitão ouvir e me tramar a vida a mim e ao soldado. Já algo furioso com ele, lá consegui que baixasse o tom de voz e me entregasse a G3.
Resumindo:
O pessoal, que era quase sempre o mesmo, já devia conhecer o meu modo de actuar e, quando eu estava de Sargento da Guarda, era uma "rabaldaria do caraças"! Eu só queria que não dessem muito nas vistas. Quanto ao resto, cada um que se desenrascasse que eu tentava fazer o mesmo, papando os almoços aos Oficiais de Dia.
Ainda uma outra vez em que me encontrava de Sargento da Guarda, logo pela manhã aparece-me esbaforido o Cabo da Guarda informando-me de qualquer coisa que se estaria a passar na casa de banho.
Para lá me dirigi de imediato e encontrei no chão, acometido de um ataque epiléptico, um nosso camarada que estava de Sargento de Dia. Lá providenciei para que o levassem de Jeep ao HMBIS.
Era um camarada ainda mais franzino do que eu e deixei de o ver durante uns tempos. Teria sido evacuado para a Metrópole?! Não!
Num outro dia em que voltei a fazer serviço de Sargento da Guarda, lá estava ele novamente de Sargento de Dia.
"Que Deus me perdoe, mas eu adoro isto aqui"
(Frase do General George Patton proferida no decorrer de uma batalha).
"Que Deus me perdoe, mas eu piro-me já d'aqui"
(Frase do Furriel Abílio Magro proferida no decorrer de um serviço de Sargento da Guarda).
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 14 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11250: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (8): O meu "25 de Abril"
Guiné 63/74 - P11282: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (10): À volta de uma fotografia
1. Em mensagem do dia 15 de Março de 2013, o nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua décima "Carta de Amor e Guerra".
CARTAS DE AMOR E GUERRA
10 - À volta de uma fotografia
[Ao início da manhã do dia seguinte à chegada da CCaç 1419 a Bissorã, um grupo ruidoso de jovens mulheres oferecendo os seus serviços de lavagem de roupa “atacava” a “casa dos furriéis” (como era conhecida uma vivenda no centro da vila, “herança” da CCaç 816, segundo julgo).
De entre essas mulheres fixei-me numa que sobressaía pela beleza, pelos cuidados postos na sua apresentação física (magnífica), pela calma e segurança na atitude e pelo brilho do olhar, que me confundiu. E ela percebeu a minha confusão, tenho a certeza!
“Apanhado”, fiquei à sua espera enquanto ela cirandava na conquista de clientes e me dirigia um olhar furtivo, de vez em quando, como que a dizer “já estás no papo, já tratamos do assunto”. Embevecido, fiquei à espera a apreciar aquele comportamento, típico de alguém que sabia dos efeitos do seu uso. E foi “tiro e queda” quando se me dirigiu. Caí logo, fizemos logo contrato. Com fotógrafo perto, ia lá eu perder uma imagem daquele momento com aquela beleza! E saiu esta foto (foto 1).
Não é a primeira vez que me refiro a esta menina-senhora de há 47 anos. Os seus serviços de lavadeira foram impecáveis, o nosso relacionamento foi magnífico. Passei bons momentos com ela, no seio da sua família. “Honni soit qui mal y pense”, preciso sempre de dizer, pois o nosso relacionamento físico nunca ultrapassou as relações inerentes ao seu trabalho. Mas foi um relacionamento que me deixou boas lembranças.]
Lisboa, 9-Dez. 1965
Queridito:
É muito gira é, a tua lavadeira. Sabes escolher o que te convém e atrevo-me a afirmar que não te envergonharás de a teres a teu lado. Serve-te, não é verdade? Óptimo.
Como facilmente depreenderás, vi a foto que enviaste à tua Mãe.[foto 1] (…), sem querer, instintivamente, senti um certo mal-estar como se, nesse momento, tudo me fugisse ao olhar-vos.
Agora (…) reconheço, sem sombra de dúvida, que foi uma reacção descabida, uma reacção sem sentido que valha justificação. Em suma, uma reacção estúpida e indigna de mim. Mesmo assim, não deixo passar a oportunidade de te expor os meus pontos de vista sobre o assunto.
Por que não enviaste à tua D. um exemplar da foto que enviaste à tua Mãe? Dirás que sou parvinha, que estou com ciúmes e a dar tanta importância ao que não a merece. Sou ciumenta mas posso perfeitamente afirmar que o que senti não foi de modo nenhum ciúme. (…). Senti-me um pouco desgostosa ao ser apanhada de chofre e por atribuir o teu procedimento ao facto de já não confiares em mim, de duvidares sobre qual seria a minha reacção perante a foto. Temias a minha reacção. Foi isso, meu querido?!
Mas ouve-me, (…). Escuta-me e depois dirás se tenho ou não razão para ficar magoada.
Ora, se não há nada de anormal, e eu acredito nisso, em contratares uma mulher para te tratar das roupas e do mais que te for necessário, em aproveitares uns momentos de folga para tirares umas fotografias, com que intenção me quiseste ocultar esse facto? (…).
Eu poderia agora, como medida de precaução, ficar de pé atrás, (…). Segundo minha opinião deverias também ter-me confiado essa “pose”.
Há uma atenuante que ainda formulo para tornar mais branda, menos injusta a tua atitude. Dar-se-ia o caso de teres assim procedido por quereres evitar-me possíveis sofrimentos (…)?
Mesmo assim, a minha conclusão ao analisar o teu procedimento foi esta: falta de confiança na tua N. Não sabias qual seria a minha reacção e, então, vá de ocultares-me o que poderia induzir-me em erro, levar-me a magicar, a imaginar algo com sentido completamente antagónico ao que a verdade representa.
Espero e peço-te mesmo que nunca mais assim procedas. Por que não hei-de aceitar com agrado a tua presença junto de uma pretinha? Tanto mais que ela te é indispensável enquanto aí te retiverem! Aceito com certeza, meu amorzito.
Há sempre uma certa tendência para exagerarmos certos factos, para procurar dar-lhes até um cunho de “maldade” quando se descobre que estão a correr em segredo. Isso desperta a nossa curiosidade e a nossa tendência para uma má interpretação. (…).
E agora que me justifiquei, vamos pôr uma pedra sobre o assunto exposto. Não é motivo que valha a nossa discussão.
(… …. ……)
Para ti, os beijos e abraços que quereria dar-te neste momento.
Sou a tua N.
Bissorã, 12dez65
(…) recebi hoje a tua última carta que, (…), provocou (…) um certo sorriso “malicioso” mas, ao mesmo tempo, também muito carinhoso.
Com que então ficaste aborrecidita com uma fotografia toda pinocas, (…).
(…) mandei-a para a minha Mãe, precisamente porque pensei que ela se iria divertir muito mais do que tu. E parece-me que foi isto mesmo que aconteceu.
Começas por afirmar que não é questão de ciúmes mas, (…), cais em contradição com o que dizes à frente. Se calhar sou capaz de ficar por aqui a criar garotinhos mulatos. É que eu, sabes, gosto tanto da Guiné, adoro a Guiné, vai ser a minha futura pátria!
Gostava de saber, minha querida, que género de controvérsias o caso poderia vir a provocar entre nós. (…). Julgas então que não te enviei a fotografia por pensar que ias ficar tão magoada que daqui poderia haver um rompimento dos laços que nos unem?
(…).
(…) afirmares a hipótese de ficares de pé atrás, como medida de precaução, (…) é “do arco da velha”. Oh D.! Não procures atenuantes para a minha atitude. Não te mandei uma foto igual porque não tinha mais nenhuma. Só isto. Como nem sequer pensei em enviar-ta. A que tinha estava destinada à minha Mãe. Mais nada.
(… … …)
Bem, como também afirmas, e eu corroboro essa tua afirmação, não sei onde está a importância do caso. Mas se aquilo que disse te levar a qualquer aflição, (…) peço-te encarecidamente que não te cales e que exponhas o que te aflige, (…).
(… … ….).
(…).Os beijos e abraços de sempre do teu M.
____________
Nota do editor:
Vd. último poste da série de 13 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11247: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (9): Saída de Bissau para Bissorã
CARTAS DE AMOR E GUERRA
10 - À volta de uma fotografia
[Ao início da manhã do dia seguinte à chegada da CCaç 1419 a Bissorã, um grupo ruidoso de jovens mulheres oferecendo os seus serviços de lavagem de roupa “atacava” a “casa dos furriéis” (como era conhecida uma vivenda no centro da vila, “herança” da CCaç 816, segundo julgo).
De entre essas mulheres fixei-me numa que sobressaía pela beleza, pelos cuidados postos na sua apresentação física (magnífica), pela calma e segurança na atitude e pelo brilho do olhar, que me confundiu. E ela percebeu a minha confusão, tenho a certeza!
“Apanhado”, fiquei à sua espera enquanto ela cirandava na conquista de clientes e me dirigia um olhar furtivo, de vez em quando, como que a dizer “já estás no papo, já tratamos do assunto”. Embevecido, fiquei à espera a apreciar aquele comportamento, típico de alguém que sabia dos efeitos do seu uso. E foi “tiro e queda” quando se me dirigiu. Caí logo, fizemos logo contrato. Com fotógrafo perto, ia lá eu perder uma imagem daquele momento com aquela beleza! E saiu esta foto (foto 1).
Não é a primeira vez que me refiro a esta menina-senhora de há 47 anos. Os seus serviços de lavadeira foram impecáveis, o nosso relacionamento foi magnífico. Passei bons momentos com ela, no seio da sua família. “Honni soit qui mal y pense”, preciso sempre de dizer, pois o nosso relacionamento físico nunca ultrapassou as relações inerentes ao seu trabalho. Mas foi um relacionamento que me deixou boas lembranças.]
Foto 1: Bissorã, 24/10/1965. Linda, a minha lavadeira!
© Manuel Joaquim
Lisboa, 9-Dez. 1965
Queridito:
É muito gira é, a tua lavadeira. Sabes escolher o que te convém e atrevo-me a afirmar que não te envergonharás de a teres a teu lado. Serve-te, não é verdade? Óptimo.
Como facilmente depreenderás, vi a foto que enviaste à tua Mãe.[foto 1] (…), sem querer, instintivamente, senti um certo mal-estar como se, nesse momento, tudo me fugisse ao olhar-vos.
Agora (…) reconheço, sem sombra de dúvida, que foi uma reacção descabida, uma reacção sem sentido que valha justificação. Em suma, uma reacção estúpida e indigna de mim. Mesmo assim, não deixo passar a oportunidade de te expor os meus pontos de vista sobre o assunto.
Por que não enviaste à tua D. um exemplar da foto que enviaste à tua Mãe? Dirás que sou parvinha, que estou com ciúmes e a dar tanta importância ao que não a merece. Sou ciumenta mas posso perfeitamente afirmar que o que senti não foi de modo nenhum ciúme. (…). Senti-me um pouco desgostosa ao ser apanhada de chofre e por atribuir o teu procedimento ao facto de já não confiares em mim, de duvidares sobre qual seria a minha reacção perante a foto. Temias a minha reacção. Foi isso, meu querido?!
Mas ouve-me, (…). Escuta-me e depois dirás se tenho ou não razão para ficar magoada.
Ora, se não há nada de anormal, e eu acredito nisso, em contratares uma mulher para te tratar das roupas e do mais que te for necessário, em aproveitares uns momentos de folga para tirares umas fotografias, com que intenção me quiseste ocultar esse facto? (…).
Eu poderia agora, como medida de precaução, ficar de pé atrás, (…). Segundo minha opinião deverias também ter-me confiado essa “pose”.
Há uma atenuante que ainda formulo para tornar mais branda, menos injusta a tua atitude. Dar-se-ia o caso de teres assim procedido por quereres evitar-me possíveis sofrimentos (…)?
Mesmo assim, a minha conclusão ao analisar o teu procedimento foi esta: falta de confiança na tua N. Não sabias qual seria a minha reacção e, então, vá de ocultares-me o que poderia induzir-me em erro, levar-me a magicar, a imaginar algo com sentido completamente antagónico ao que a verdade representa.
Espero e peço-te mesmo que nunca mais assim procedas. Por que não hei-de aceitar com agrado a tua presença junto de uma pretinha? Tanto mais que ela te é indispensável enquanto aí te retiverem! Aceito com certeza, meu amorzito.
Há sempre uma certa tendência para exagerarmos certos factos, para procurar dar-lhes até um cunho de “maldade” quando se descobre que estão a correr em segredo. Isso desperta a nossa curiosidade e a nossa tendência para uma má interpretação. (…).
E agora que me justifiquei, vamos pôr uma pedra sobre o assunto exposto. Não é motivo que valha a nossa discussão.
(… …. ……)
Para ti, os beijos e abraços que quereria dar-te neste momento.
Sou a tua N.
Bissorã, 12dez65
(…) recebi hoje a tua última carta que, (…), provocou (…) um certo sorriso “malicioso” mas, ao mesmo tempo, também muito carinhoso.
Com que então ficaste aborrecidita com uma fotografia toda pinocas, (…).
(…) mandei-a para a minha Mãe, precisamente porque pensei que ela se iria divertir muito mais do que tu. E parece-me que foi isto mesmo que aconteceu.
Começas por afirmar que não é questão de ciúmes mas, (…), cais em contradição com o que dizes à frente. Se calhar sou capaz de ficar por aqui a criar garotinhos mulatos. É que eu, sabes, gosto tanto da Guiné, adoro a Guiné, vai ser a minha futura pátria!
Gostava de saber, minha querida, que género de controvérsias o caso poderia vir a provocar entre nós. (…). Julgas então que não te enviei a fotografia por pensar que ias ficar tão magoada que daqui poderia haver um rompimento dos laços que nos unem?
(…).
(…) afirmares a hipótese de ficares de pé atrás, como medida de precaução, (…) é “do arco da velha”. Oh D.! Não procures atenuantes para a minha atitude. Não te mandei uma foto igual porque não tinha mais nenhuma. Só isto. Como nem sequer pensei em enviar-ta. A que tinha estava destinada à minha Mãe. Mais nada.
(… … …)
Bem, como também afirmas, e eu corroboro essa tua afirmação, não sei onde está a importância do caso. Mas se aquilo que disse te levar a qualquer aflição, (…) peço-te encarecidamente que não te cales e que exponhas o que te aflige, (…).
(… … ….).
(…).Os beijos e abraços de sempre do teu M.
Foto 2: Mansoa, 1970, Lavadeiras.
Bela foto do camarada desta Tabanca Grande, César Dias, retirada com a devida vénia de
http://bcac2885.com.sapo.pt/index.html____________
Nota do editor:
Vd. último poste da série de 13 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11247: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (9): Saída de Bissau para Bissorã
Guiné 63/74 - P11281: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte VII): Bafatá, uma piscina para três mil...
Foto s/ nº > Reprodução de foto publicada numa revista lou brochura da época... A piscina de Bafatá e ao fundo, do lado esquerdo, o estabelecimento comercial da Casa Gouveia
Foto s/ nº > Diz o Abílio, legenda em cima da própria foto: "Três mil soldados para uma piscina" (...fora os civis). Ao fundo vê-se a estátua ddo governador João Augusto de Oliveira Muzanty (1906-1909), e o estabelecimento local da Casa Gouveia.[, salvo erro] [LG]
Foto s/ nº > O Abílio descansando na psicina de Bafatá, que tinha o nome de Guerra Ribeiro, e foi inaugurada em 1962 . [Este Guerra Ribeiro deve ter sido o administrador da circunscrição ou concelho de Bafatá, na época. Também terá sido, antes ou depois, administrador de Bissau: o seu nome estará ligado á construção do bairro da Ajuda. ]
Foto s/ nº > O Abílio, com um camarada não identificado
Foto s/ nº > O Abílio, no cais fluvial de Bafatá, no Rio Geba Estreito, que era navegável até aqui...
Guiné > Zona Leste > CART 2479/CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/71) > "Na piscina em Bafatá. Bons tempos!... Ainda conseguíamos pirar-nos de Contuboel e passar uns bons momentos em Bafatá. Perto da piscina havia um restaurante [, A Transmontana, seguramente,] muito bom".
Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complemenetar: L.G.]
1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Abílio Duarte, ex-fur mil art da CART 2479 (mais tarde CART 11 e finalmente, já depois do regresso à Metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa
companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70). (*) Na época a cidade de Bafatá era, a seguir a Bissau, porventura a maior, a mais bonita, moderna e limpa da província da Guiné. [Ver aqui fotos posteriores, do Humberto Reis, de 1996].
companhia de “Os Lacraus de Paunca”) (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70). (*) Na época a cidade de Bafatá era, a seguir a Bissau, porventura a maior, a mais bonita, moderna e limpa da província da Guiné. [Ver aqui fotos posteriores, do Humberto Reis, de 1996].
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Nota do editor
Último poste da série > 11 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11237: Álbum fotográfico de Abílio Duarte (fur mil art da CART 2479, mais tarde CART 11/ CCAÇ 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70) (Parte VI): De Lisboa a Contuboel...
Guiné 63/74 - P11280: Blogpoesia (329): No Dia Mundial da Poesia... Eugénio de Andrade (1923-2005): (i) Sobre o Tejo; (ii) Três ou quatro sílabas; (iii) Canção da mãe de um soldado de partida para a Bósnia
Lisboa, Rio Tejo, 21/2/2012... >1. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...
Lisboa, Rio Tejo, 21/2/2012... > 2. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...
Lisboa, Rio Tejo, 29/5/2012... > 3. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...
Lisboa, Rio Tejo, 2/5/2012... > 4. Celebrando o Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2013...
Fotos: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados.
Sobre o Tejo
Que soldado tão triste esta chuva
sobre as sílabas escuras do outono
sobre o Tejo as últimas barcas
sobre as barcas uma luz de desterro.
Já foi lugar de amor o Tejo a boca
as mãos foram já fogo de abelhas
não era o corpo então dura e amarga
pedra do frio.
Sobre o Tejo cai a luz das fardas.
É tempo de te dizer adeus.
Eugénio de Andrade [1923-2005]
Véspera da água (1973).
In: Poesia: Eugénio de Andrade.
Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000. pag. 200.
Três ou quatro sílabas
Neste país
onde se morre de coração inacabado
deixarei apenas três ou quatro sílabas
de cal viva junto à água.
É só que me resta
e o bosque inocente do teu peito
meu tresloucado e doce e frágil
pássaro das areias apagadas.
Que estranho ofício o meu
procurar rente ao chão
uma folha entre a poeira e o sono
húmida ainda do primeiro sol.
Eugénio de Andrade [1923-2005]
Véspera da água (1973).
In: Poesia: Eugénio de Andrade.
Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000. pag. 192
Canção da mãe de um soldado
de partida para a Bósnia
É muito jovem, sem tempo ainda
de ser triste. Demora-se nos meus olhos
enquanto leva a maçã à boca.
Nenhuma fala obscura escurece a tarde,
a cabeleira solta é a sua bandeira;
os pés brancos, irmãos
da chuva do verão, anunciam a paz.
Suplico à estrela da manhã
que lhe guie os passos, agora que partiu;
que tenha em conta a sua ignorância,
não só da morte, também da vida.
Eugénio de Andrade [1923-2005]
Os Lugares do Lume (1998).
In: Poesia: Eugénio de Andrade.
Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2000. pag. 568.
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 12 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11244: Blogpoesia (328): Dos meus poemas de juventude (Cherno Baldé)
terça-feira, 19 de março de 2013
Guiné 63/74 - P11279: Estórias do Juvenal Amado (47): Aquelas postas de bacalhau eram ouro
Galomaro > Porta de Armas
1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 15 de Março de 2013:
Caros Luis, Carlos, Magalhães e restante Tabanca Grande
Gostava que fosse mais uma estória despretenciosa e que ela não carregasse o sentimento de perca que neste momento é praticamente impossível ignorar.
Mas isto também serve para honrar os amigos e para preencher o vazio que ficou. Por outras palavras fazemos o luto necessário ao nosso equilíbrio.
Juvenal Amado
ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO
47 - AQUELAS POSTAS DE BACALHAU ERAM OURO
O Caramba* tinha recebido da terra uma encomenda. Enganaram-se os que pensaram que era uma coisa especial, que era o tesouro gastronómico alentejano. Na verdade a encomenda resumia-se a umas quantas postas de bacalhau salgado e seco, como era tradição cá na terra, na vez de liofilizado como o recebíamos lá.
Aquilo para o Caramba era ouro puro e tratou de o guardar com mil cuidados, começou logo a magicar como o iria fazer, sim porque aquilo não era um manjar qualquer, tinha que ter honras de iguaria fina.
Por mim achava que umas postas de bacalhau não mereciam tanta deferência, mas o Caramba era um homem que gostava das coisas da terra, que cultivava a sua ruralidade e que fazia questão de não esconder as suas origens. Contava ele que ainda moço ia com o pai para o negócio da compra e venda de fruta, com um naco de pão, umas azeitonas britadas, um dente de alho e uma posta de bacalhau demolhada, que depois passava pelas brasas feitas num intervalo do seu labor.
Eu, oriundo de operariado urbano que nem quintal tinha, apreciava quando ele falava da sopa de beldroegas, do licor de poejo, dos coentros, do gaspacho, as caldeiradas de peixe da barragem, da sopa de cação, enfim, coisas que eu não conhecia mas que quando regressei tive oportunidade de saborear nas inúmeras vezes que com ele privei. Ele chegava a trazer do Alentejo as ervas aromáticas e mais os necessários, para fazermos os petiscos em minha casa na Boavista de Alcobaça, para onde eu fui viver depois de casar. Visitava-me então amiúde quando vinha carregar fruta da região que depois transportava para os mercados do baixo Alentejo e Algarve.
Mas voltemos ao “fiel amigo” que o pai lhe tinha mandado.
O destino do manjar foi uma p……. de bacalhau que ele preparou dentro de uma das terrinas de aço inox quem eram usadas no refeitório.
Era o que se podia chamar uma grande tachada.
Nessa noite a partir das oito horas da noite, ele, eu e Aljustrel estávamos de reforço à porta de armas no primeiro de cinco, que tínhamos apanhado por castigo e foi mesmo ali que fizemos as honras ao dito.
Está claro que não comemos sozinhos, alguns camaradas que regressavam do Regala bem com um ou dois furriéis a troco de um rodada de cerveja, também se associaram na terrina. Mais tarde até o Santos que estava preso, ajudou a acabar com ela e de caminho ficou de reforço connosco até de manhã.
O Santos na sua qualidade de preso, todo dia enfiando num pequeno cubículo no abrigo STM, onde mal cabia uma pequena mesa e dois beliches, não lhe custou nada ficar de reforço por nós que bem bebidos não nos aguentávamos com os olhos abertos. Quando começou a raiar o dia chamou-nos e foi-se enfiar na sua cela, onde se preparou para apanhar mais um dia naquilo que poderia chamar-se “frigideira”, tal era o calor dentro daquelas quatro paredes.
O Santos por esperteza era soldado básico. Natural de Grijó, passava o dia às ordens do tenente Raposo, nem arma tinha distribuída. Não me lembro do que ele fez mas sei que levou uma porrada com prisão agravada pelo Comando-Chefe, passando assim duas vezes pelo encarceramento. Está claro que quem estava de serviço à porta de armas à noite lhe abria a porta para ele vir para o fresco, e por vezes, quando era levado à casa de banho passava pela cantina para beber uma bem fresca. Tudo isto nas barbas do nosso comandante e mais oficiais do quadro, de onde podia haver problemas. Dos milicianos nós não tínhamos medo neste caso.
Fica aqui mais um apontamento onde as figuras centrais foram o nosso camarada João Caramba e o Santos dois amigos que já nos deixaram.
Voltando à figura do Caramba, uma das minhas passagens por sua casa, estava ele de convalescença de uma intervenção cirúrgica e por isso já com muitos dos problemas que a partir de certa altura o foram afligindo. Brincamos com a velhice que se ia apoderando de nós e à minha pergunta de como estava, respondeu-me, com um ar maroto, apontando para a televisão onde se passava uma cena de amor entre uma bonita mulher e um homem, assim com alguma filosofia e fino humor:
- Ora vamos indo não fazendo nada e para aqui estamos vendo o que outros estão fazendo
Dito isto, fez com a boca um trajeto trocista para que não houvesse duvidas, ao que se estava a referir.
Um abraço
Juvenal Amado
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11227: In Memoriam (144): João António Branquinho Caramba, ex-1.º Cabo TRMS da CCS/BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74)
Vd. último poste da série de 5 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11196: Estórias do Juvenal Amado (46): Este gajo não tem uma cunha, tem um barrote
Guiné 63/74 - P11278: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (24): O Sampaio armadilhou os seus tomates e deu mesmo estouro
1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 13 de Março de 2013:
Caríssimos Luís, Vinhal e M. Ribeiro.
Votos de muita saúde e bem-estar, sempre, só que desta vez desta vez acompanhados de mais um Salpico que foi buscar às minhas memórias.
Passem bem, muito bem mesmo.
Rui Silva
Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”
24 - O Sampaio bem soube armadilhar os seus tomates,… e não é que deu mesmo estouro!
O amigo do Sampaio, o cabo fiel da arrecadação, e a quem bem podíamos de alcunhar de “mão para toda a obra”, pois passava a vida a engendrar isto e aquilo, e diga-se de passagem, que as suas obras saíam sempre perfeitas e sobretudo de boa utilidade.
Era realmente possuidor de muita habilidade e sobretudo de grande poder de imaginação. Uma espécie de self made man. Na arrecadação nada falhava.
Muita habilidade para tudo, só que a sorte nem sempre o acompanhou, como veremos adiante.
Entre as diversas engenharias dele, sobressaiu a armadilha nas suas plantações de tomates, plantações estas que ele tinha ali mesmo ao lado da arrecadação. Soube ele bem aproveitar aquela meia dúzia de metros quadrados, com muito esmero e dedicação, e então aquela terra era tão fértil!… Quantas vezes por ano pensava o Sampaio fazer a safra!
Mas, assim que os tomates começaram a aparecer maduros (e até mesmo ainda longe disso), começaram também a aparecer os seus apreciadores, oportunistas e amigos do alheio, e que, a coberto da noite, vinham lá de visita e… principalmente de colheita.
Então o amigo Sampaio vê a improficuidade do seu trabalho e arranja lá maneira de pregar um grande susto a tal clientela e, vai daí armadilha a plantação com detonadores, a começar pela pequena cancela de madeira que era a porta (?) da horta, já que em toda a volta havia uma sebe que tornava mais difícil o acesso à pequena mas cuidada plantação. Os detonadores não demoraram a estoirar apanhando os mais incautos e os tomates foram assim preservados; os que ficaram, naturalmente.
Quase se pode dizer que o Sampaio mal virou as costas após montar os detonadores, eles estouraram…
Meter-se com o bom do Sampaio não era assim tão fácil sair a ganhar.
Recordo-me de uma pequena mesa em madeira que ele fez para o meu quarto, e do Luís José, ainda em Bissorã, ainda nós com muito pouco tempo de Guiné, mesa essa toda feita à mão com ajuda de rudimentar ferramenta, o que logo ali mostrou toda a sua habilidade.
Então o Sampaio, numa das suas engenhocas, havia de pagar um alto tributo, pois aconteceu o que ele menos esperava, e que também passo a contar:
O Sampaio, na qualidade de responsável pela arrecadação do diverso material, incluindo munições, era amiudadas vezes incomodado de noite, quando já se deleitava com um sono retemperador. Isto já no Olossato (tínhamos estado um tempo em Bissorã). Assim, de vez em quando, lá aparecia um “fora d’horas” a importuná-lo, ou a pedir óleo para limpar a arma, ou a pedir munições para a operação no mato que se ia fazer, ou isto ou aquilo. Às vezes parecia que o objetivo era alvoraçar o bom do Sampaio
O Sampaio, às vezes, primeiro que se visse despachado era um dia de juízo. Acordar em sobressalto e por coisa que não se justificava, a maior parte das vezes, não, não podia continuar. Até parecia que faziam de propósito, até parecia…
Então o Sampaio há que pôr a imaginação a trabalhar e tratou de arranjar o antídoto para aquele estado de coisas e pôs mãos à obra. Coloca um latão, daqueles de 25 litros, cheio de água em cima da porta da arrecadação e ata-lhe um fio que se estendia até à sua cama, o que ainda distava uns bons metros.
Assim, ele, sem se levantar, e até sem ter que se movimentar muito, comandava por meio do dito fio, o movimento do latão. Assim que alguém o viesse chatear a horas impróprias e desadequadas, ele, da sua cama, sem se levantar, puxava primeiro o fio que abria a porta (este sempre existiu) e depois já com o ilustre e inoportuno visitante do lado de dentro, puxava um outro fio que fazia virar o latão e despejar toda a água pela cabeça abaixo do insolente cliente. Bom, até aqui tudo muito certo, até porque o Sampaio tinha direito ao seu descanso como qualquer comum dos mortais, e alguém teria de levar uma ensinadela, agora o que nunca passou pela cabeça do Sampaio era que o primeiro cliente a levar com a água pela cabeça abaixo seria, nem mais nem menos e, vejam lá (!)… o Capitão!!
Isso mesmo: O Comandante da Companhia.
De perto de 200 homens havia de aparecer o que ele menos contava.
O Sampaio naquela noite de estreia, com tudo preparadinho e afinadinho ao pormenor, como só ele o sabia fazer, deitou-se concerteza com um sorriso a aflorar-lhe os lábios, imaginando o que queria gozo, todo encharcado.
Aconteceu porém, que naquela noite, que já tinha principiado há muito, o Capitão, em pijama tropical, resolve ir à arrecadação para dar um recado ao Sampaio, o que nunca aconteceu ou muito raramente acontecia. Bateu à porta, uma, duas vezes, esta abre-se e de seguida catrapus, temos o Capitão molhado dos pés à cabeça. E ele que ia só com um fino pijama sobre a pele.
Foi mesmo em cheio ou aquilo não fosse projeto do Sampaio. Eu, claro, não vi, mas faço uma pequena ideia da cara do Sampaio ao constatar quem foi o primeiro a morder o isco.
O Capitão, é que não gostou da brincadeira, e trata logo de saber quem fez aquilo e no final das contas também constatou que havia cúmplices. O castigo foi fazer alinhar o Sampaio e os seus acólitos em duas operações ao mato, entre eles o bom do Zé corneteiro
O Cabo Zé corneteiro, (falecido cá já há alguns anos - paz à sua alma-), que também tomava conta da nossa messe, e que tinha sido um dos colaboradores do Sampaio, nunca mais deixou de tremer, ao saber da sua sorte.
O quê?, ir para uma operação no mato, coisa que tal nunca tinha acontecido, nem estava previsto acontecer? Afinal ele era só corneteiro: "Oh meu Furriel, como é que eu faço?” - pergunta o sobressaltado do Zé.
Apanhou por tabela o engenho mal sucedido, embora moralmente bem intencionado, do “engenheiro” e seu colega de apartamento, o Sampaio
O Zé até fez sandes de ovos estrelados para levar para o mato com o “medo de poder enfraquecer!…” (palavras dele)
Pois é verdade, o Capitão não condescendeu e eles cumpriram mesmo o castigo.
Aquela engenhoca desta vez tinha ficado cara ao habilidoso do Sampaio. O Sampaio, esse, de sorriso simples e constante, esqueceu-se deste por uns dias. Mas só por aqueles que andou por o mato.
O sorriso que o Sampaio ainda hoje o tem (semelhante ao da Gioconda) e que logo se amplia quando eu lhe lembro o episódio dos tomates, nos Convívios que ainda hoje e sempre fazemos.
À hora da partida para o mato, já pela noite dentro, era vê-los aos dois ali alinhadinhos junto ao “cavalo-de-frisa” e metidos bem debaixo dos capacetes, como bons operacionais. Muita gente à frente deles na fila indiana. Pelo menos puderam escolher a posição. Impressionou-me eles a tremerem quando frio era coisa que não existia naquelas paragens, e a cor deles também não era das melhores para além, claro, da inusitada tremedeira.
Mas voltaram sãos e salvos às lides do Aquartelamento: o Zé volta a tocar a gaita com todo o vigor ao alvorecer e com rara mestria, e o Sampaio voltou a sorrir e a atender o pessoal na Arrecadação mas aqui já com cuidados recíprocos.
Quanto à plantação dos tomates não mais valeu a pena. Agora só dava para coçar… a história.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 – P11004: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (23): As emboscadas
Caríssimos Luís, Vinhal e M. Ribeiro.
Votos de muita saúde e bem-estar, sempre, só que desta vez desta vez acompanhados de mais um Salpico que foi buscar às minhas memórias.
Passem bem, muito bem mesmo.
Rui Silva
Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”
24 - O Sampaio bem soube armadilhar os seus tomates,… e não é que deu mesmo estouro!
O amigo do Sampaio, o cabo fiel da arrecadação, e a quem bem podíamos de alcunhar de “mão para toda a obra”, pois passava a vida a engendrar isto e aquilo, e diga-se de passagem, que as suas obras saíam sempre perfeitas e sobretudo de boa utilidade.
Era realmente possuidor de muita habilidade e sobretudo de grande poder de imaginação. Uma espécie de self made man. Na arrecadação nada falhava.
Muita habilidade para tudo, só que a sorte nem sempre o acompanhou, como veremos adiante.
Entre as diversas engenharias dele, sobressaiu a armadilha nas suas plantações de tomates, plantações estas que ele tinha ali mesmo ao lado da arrecadação. Soube ele bem aproveitar aquela meia dúzia de metros quadrados, com muito esmero e dedicação, e então aquela terra era tão fértil!… Quantas vezes por ano pensava o Sampaio fazer a safra!
Mas, assim que os tomates começaram a aparecer maduros (e até mesmo ainda longe disso), começaram também a aparecer os seus apreciadores, oportunistas e amigos do alheio, e que, a coberto da noite, vinham lá de visita e… principalmente de colheita.
Então o amigo Sampaio vê a improficuidade do seu trabalho e arranja lá maneira de pregar um grande susto a tal clientela e, vai daí armadilha a plantação com detonadores, a começar pela pequena cancela de madeira que era a porta (?) da horta, já que em toda a volta havia uma sebe que tornava mais difícil o acesso à pequena mas cuidada plantação. Os detonadores não demoraram a estoirar apanhando os mais incautos e os tomates foram assim preservados; os que ficaram, naturalmente.
Quase se pode dizer que o Sampaio mal virou as costas após montar os detonadores, eles estouraram…
Meter-se com o bom do Sampaio não era assim tão fácil sair a ganhar.
Recordo-me de uma pequena mesa em madeira que ele fez para o meu quarto, e do Luís José, ainda em Bissorã, ainda nós com muito pouco tempo de Guiné, mesa essa toda feita à mão com ajuda de rudimentar ferramenta, o que logo ali mostrou toda a sua habilidade.
Então o Sampaio, numa das suas engenhocas, havia de pagar um alto tributo, pois aconteceu o que ele menos esperava, e que também passo a contar:
O Sampaio, na qualidade de responsável pela arrecadação do diverso material, incluindo munições, era amiudadas vezes incomodado de noite, quando já se deleitava com um sono retemperador. Isto já no Olossato (tínhamos estado um tempo em Bissorã). Assim, de vez em quando, lá aparecia um “fora d’horas” a importuná-lo, ou a pedir óleo para limpar a arma, ou a pedir munições para a operação no mato que se ia fazer, ou isto ou aquilo. Às vezes parecia que o objetivo era alvoraçar o bom do Sampaio
O Sampaio, às vezes, primeiro que se visse despachado era um dia de juízo. Acordar em sobressalto e por coisa que não se justificava, a maior parte das vezes, não, não podia continuar. Até parecia que faziam de propósito, até parecia…
Então o Sampaio há que pôr a imaginação a trabalhar e tratou de arranjar o antídoto para aquele estado de coisas e pôs mãos à obra. Coloca um latão, daqueles de 25 litros, cheio de água em cima da porta da arrecadação e ata-lhe um fio que se estendia até à sua cama, o que ainda distava uns bons metros.
Assim, ele, sem se levantar, e até sem ter que se movimentar muito, comandava por meio do dito fio, o movimento do latão. Assim que alguém o viesse chatear a horas impróprias e desadequadas, ele, da sua cama, sem se levantar, puxava primeiro o fio que abria a porta (este sempre existiu) e depois já com o ilustre e inoportuno visitante do lado de dentro, puxava um outro fio que fazia virar o latão e despejar toda a água pela cabeça abaixo do insolente cliente. Bom, até aqui tudo muito certo, até porque o Sampaio tinha direito ao seu descanso como qualquer comum dos mortais, e alguém teria de levar uma ensinadela, agora o que nunca passou pela cabeça do Sampaio era que o primeiro cliente a levar com a água pela cabeça abaixo seria, nem mais nem menos e, vejam lá (!)… o Capitão!!
Isso mesmo: O Comandante da Companhia.
De perto de 200 homens havia de aparecer o que ele menos contava.
O Sampaio naquela noite de estreia, com tudo preparadinho e afinadinho ao pormenor, como só ele o sabia fazer, deitou-se concerteza com um sorriso a aflorar-lhe os lábios, imaginando o que queria gozo, todo encharcado.
Aconteceu porém, que naquela noite, que já tinha principiado há muito, o Capitão, em pijama tropical, resolve ir à arrecadação para dar um recado ao Sampaio, o que nunca aconteceu ou muito raramente acontecia. Bateu à porta, uma, duas vezes, esta abre-se e de seguida catrapus, temos o Capitão molhado dos pés à cabeça. E ele que ia só com um fino pijama sobre a pele.
Foi mesmo em cheio ou aquilo não fosse projeto do Sampaio. Eu, claro, não vi, mas faço uma pequena ideia da cara do Sampaio ao constatar quem foi o primeiro a morder o isco.
O Capitão, é que não gostou da brincadeira, e trata logo de saber quem fez aquilo e no final das contas também constatou que havia cúmplices. O castigo foi fazer alinhar o Sampaio e os seus acólitos em duas operações ao mato, entre eles o bom do Zé corneteiro
O Cabo Zé corneteiro, (falecido cá já há alguns anos - paz à sua alma-), que também tomava conta da nossa messe, e que tinha sido um dos colaboradores do Sampaio, nunca mais deixou de tremer, ao saber da sua sorte.
O quê?, ir para uma operação no mato, coisa que tal nunca tinha acontecido, nem estava previsto acontecer? Afinal ele era só corneteiro: "Oh meu Furriel, como é que eu faço?” - pergunta o sobressaltado do Zé.
Apanhou por tabela o engenho mal sucedido, embora moralmente bem intencionado, do “engenheiro” e seu colega de apartamento, o Sampaio
O Zé até fez sandes de ovos estrelados para levar para o mato com o “medo de poder enfraquecer!…” (palavras dele)
Pois é verdade, o Capitão não condescendeu e eles cumpriram mesmo o castigo.
Aquela engenhoca desta vez tinha ficado cara ao habilidoso do Sampaio. O Sampaio, esse, de sorriso simples e constante, esqueceu-se deste por uns dias. Mas só por aqueles que andou por o mato.
O sorriso que o Sampaio ainda hoje o tem (semelhante ao da Gioconda) e que logo se amplia quando eu lhe lembro o episódio dos tomates, nos Convívios que ainda hoje e sempre fazemos.
À hora da partida para o mato, já pela noite dentro, era vê-los aos dois ali alinhadinhos junto ao “cavalo-de-frisa” e metidos bem debaixo dos capacetes, como bons operacionais. Muita gente à frente deles na fila indiana. Pelo menos puderam escolher a posição. Impressionou-me eles a tremerem quando frio era coisa que não existia naquelas paragens, e a cor deles também não era das melhores para além, claro, da inusitada tremedeira.
Mas voltaram sãos e salvos às lides do Aquartelamento: o Zé volta a tocar a gaita com todo o vigor ao alvorecer e com rara mestria, e o Sampaio voltou a sorrir e a atender o pessoal na Arrecadação mas aqui já com cuidados recíprocos.
Quanto à plantação dos tomates não mais valeu a pena. Agora só dava para coçar… a história.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 – P11004: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (23): As emboscadas
Guiné 63/74 - P11277: Do Ninho D'Águia até África (59): A saída de Mansoa com destino ao cais de embarque (Tony Borié)
1. Quinquagésimo nono episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:
O Cifra tinha feito pelo menos quatro vezes a mala de papelão e fibra nos cantos, amarrada com uma corda, pois as dobradiças e fechadura, há muito que se tinham partido e desfeito com a ferrugem, pois naquela altura sempre havia falsas notícias de regresso, mas um dia, o comandante reúne todo o comando, que está na foto em baixo com o Cifra a dizer se será desta que regressa, que foi tirada pouco antes de deixarem o aquartelamento de Mansoa, como podem ver era um comando sem armas, mas que infelizmente directa ou indirectamente dava ordens para matar, junto do carro da psico-social, e emocionado, diz entre outras coisas:
- Obrigado a todos, e vamos regressar na próxima semana. O comando que nos vai substituir, já saiu de Portugal e regressaremos no mesmo barco.
Dois dias depois volta a reunir o comando e diz, ainda mais emocionado:
- Já não iremos para a semana que vem, pois o comando que vem a caminho foi destacado para outra zona, onde a guerra se está a desenvolver cada vez com mais intensidade, mas prometo-vos que iremos na próxima viagem que o navio “Uige” fizer, têm a minha palavra.
Todos ficaram desolados, menos o Curvas, alto e refilão, quando o Cifra lhe contou, que murmurou:
- Aqui, estou na guerra, mas tenho a vossa companhia, são a família que nunca tive, mas agora que nos vamos separar, é que dou o valor ao que é uma família. Lá, sem vocês, vou ser um desgraçado, sem amigos nem ninguém.
Mas continuando, agora essa mala estava feita, feita de vez.
Estava ao lado da cama e só usava o saco de lona do exército. Ai colocava o resto dos trapos, que era a sua farda do dia-a-dia, tinha uns calções com algumas nódoas, que não eram visíveis a olho nu, pois eram nódoas do medo que o Cifra sentiu algumas vezes, quando eram atacados durante a noite por granadas de morteiro e rajadas de metralhadora, uma camisa e um par de meias rotas na frente, assim como as botas melhores, no fundo do saco, tudo para o tão desejado dia. O resto por cima, era só trapos, e alguns sujos.
Neste momento, tal como os seus companheiros, só pensava em Portugal, na sua aldeia, no seu lugar, era melhor que não se metesse com ele, ou o provocasse, era melhor assim, pois de contrário, iria haver um desastre, pois a sua mente já estava cansada do aquartelamento, do arroz com peixe da bolanha, dos tiros, dos rebentamentos, dos estilhaços, dos abrigos cheios de lama e água suja, da farda camuflada e rota, das ordens, da obediência, onde não podia haver um simples não, em caso de uma provocação, não sabiam como ia responder, pois ainda vivia num cenário onde havia armas e granadas por tudo o que era lugar, que usadas, podiam matar pessoas, e o Cifra, às vezes pensava só para si: Estou com um fraco carácter, estou muito pior que o Curvas, alto e refilão.
No meio de todo este desespero, o tão esperado e desejado dia chegou finalmente e foi ele próprio quem decifrou a mensagem. Não ficou contente nem triste, uma onda de nostalgia percorreu-lhe todo o corpo, fechou os olhos, ergueu as mãos para cima e exclamou emocionado: OBRIGADO!
No dia seguinte, por volta das dez horas da manhã, a coluna militar estava pronta a seguir para a capital, houve alguns abraços de despedida, deu algumas moedas a alguns africanos, que foram seus companheiros, e um último olhar pelo que ajudou a construir, e que nunca lhe pareceu tão selvagem, tal qual um campo de concentração, como na hora da despedida. Os nossos companheiros combatentes têm mostrado fotografias do aquartelamento, mas na altura em que o Cifra o deixou, tinha só cinco pavilhões, ou seja três e mais dois, todos na direcção de Este/Oeste, todo cercado de arame farpado, só com uma porta pequena onde circulavam militares a pé, e uma abertura maior, sem qualquer protecção, virada para a vila, onde entravam ou saíam viaturas militares.
A coluna militar, foto em baixo, antes da ponte de Mansoa, percorreu os setenta quilómetros até à capital, largando o grupo do Cifra no cais. Aí permaneceu dois dias, tempo que durou o desembarque das tropas novas e o embarque das velhas, que era feito em lanchas pequenas do cais para o barco.
O comando a que o Cifra pertencia não chegava a trinta militares, sendo mais de dois terços os militares graduados. Enquanto esperavam pelo embarque, alguns dormiram na fortaleza de S. José da Amura, onde estava a polícia militar estacionada e onde o Governador da província se deslocou, com todo o seu aparato militar, para dar a todos umas insígnias com as cores da bandeira portuguesa, dizendo que representavam a medalha da campanha militar da Guiné, pois não havia medalhas para todos, o Cifra ainda hoje guarda essas insígnias como um “amuleto de boa sorte”.
Todos os haveres dos militares do seu comando estavam num grande monte, quase à entrada do cais de embarque e eram guardados por militares que faziam a sua guarda por turnos, pois iam regressando do interior outras unidades para embarcar, que faziam o mesmo, e deste modo, antes do embarque, quase todo o cais estava ocupado por diversos montes de malas e sacos, era um pandemónio, mas era um pandemónio feliz, pois avistava-se o barco ao longe, que os havia de levar de regresso a Portugal.
Chegou o grupo do Furriel Miliciano, a fumar um cigarro feito à mão, onde vinha o Setúbal, o Curvas, alto e refilão, o Trinta e Seis, o Marafado, o Mister Hóstia e outros, e a partir daí, o pandemónio, passou a ser maior, estavam vestidos e rodeados de equipamento militar, mas já se sentiam pessoas civis, e andavam pela cidade, bebendo, passeando, e fazendo algumas compras, onde o Cifra comprou uma boina nova, e uns sapatos à sua medida, o Curvas, alto e refilão, caminhando sempre na frente, procurando ser o chefe, dizia:
- É tudo muito lindo, para vocês, mas eu vou perder a minha família, que são todos vocês!.
E num momento em que devia de haver alguma alegria, chorava, e fazia chorar o Cifra e os seus companheiros.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11261: Do Ninho D'Águia até África (58): A tripeça (Tony Borié)
DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA - 59
O Cifra tinha feito pelo menos quatro vezes a mala de papelão e fibra nos cantos, amarrada com uma corda, pois as dobradiças e fechadura, há muito que se tinham partido e desfeito com a ferrugem, pois naquela altura sempre havia falsas notícias de regresso, mas um dia, o comandante reúne todo o comando, que está na foto em baixo com o Cifra a dizer se será desta que regressa, que foi tirada pouco antes de deixarem o aquartelamento de Mansoa, como podem ver era um comando sem armas, mas que infelizmente directa ou indirectamente dava ordens para matar, junto do carro da psico-social, e emocionado, diz entre outras coisas:
- Obrigado a todos, e vamos regressar na próxima semana. O comando que nos vai substituir, já saiu de Portugal e regressaremos no mesmo barco.
Dois dias depois volta a reunir o comando e diz, ainda mais emocionado:
- Já não iremos para a semana que vem, pois o comando que vem a caminho foi destacado para outra zona, onde a guerra se está a desenvolver cada vez com mais intensidade, mas prometo-vos que iremos na próxima viagem que o navio “Uige” fizer, têm a minha palavra.
Todos ficaram desolados, menos o Curvas, alto e refilão, quando o Cifra lhe contou, que murmurou:
- Aqui, estou na guerra, mas tenho a vossa companhia, são a família que nunca tive, mas agora que nos vamos separar, é que dou o valor ao que é uma família. Lá, sem vocês, vou ser um desgraçado, sem amigos nem ninguém.
Mas continuando, agora essa mala estava feita, feita de vez.
Estava ao lado da cama e só usava o saco de lona do exército. Ai colocava o resto dos trapos, que era a sua farda do dia-a-dia, tinha uns calções com algumas nódoas, que não eram visíveis a olho nu, pois eram nódoas do medo que o Cifra sentiu algumas vezes, quando eram atacados durante a noite por granadas de morteiro e rajadas de metralhadora, uma camisa e um par de meias rotas na frente, assim como as botas melhores, no fundo do saco, tudo para o tão desejado dia. O resto por cima, era só trapos, e alguns sujos.
Neste momento, tal como os seus companheiros, só pensava em Portugal, na sua aldeia, no seu lugar, era melhor que não se metesse com ele, ou o provocasse, era melhor assim, pois de contrário, iria haver um desastre, pois a sua mente já estava cansada do aquartelamento, do arroz com peixe da bolanha, dos tiros, dos rebentamentos, dos estilhaços, dos abrigos cheios de lama e água suja, da farda camuflada e rota, das ordens, da obediência, onde não podia haver um simples não, em caso de uma provocação, não sabiam como ia responder, pois ainda vivia num cenário onde havia armas e granadas por tudo o que era lugar, que usadas, podiam matar pessoas, e o Cifra, às vezes pensava só para si: Estou com um fraco carácter, estou muito pior que o Curvas, alto e refilão.
No meio de todo este desespero, o tão esperado e desejado dia chegou finalmente e foi ele próprio quem decifrou a mensagem. Não ficou contente nem triste, uma onda de nostalgia percorreu-lhe todo o corpo, fechou os olhos, ergueu as mãos para cima e exclamou emocionado: OBRIGADO!
No dia seguinte, por volta das dez horas da manhã, a coluna militar estava pronta a seguir para a capital, houve alguns abraços de despedida, deu algumas moedas a alguns africanos, que foram seus companheiros, e um último olhar pelo que ajudou a construir, e que nunca lhe pareceu tão selvagem, tal qual um campo de concentração, como na hora da despedida. Os nossos companheiros combatentes têm mostrado fotografias do aquartelamento, mas na altura em que o Cifra o deixou, tinha só cinco pavilhões, ou seja três e mais dois, todos na direcção de Este/Oeste, todo cercado de arame farpado, só com uma porta pequena onde circulavam militares a pé, e uma abertura maior, sem qualquer protecção, virada para a vila, onde entravam ou saíam viaturas militares.
A coluna militar, foto em baixo, antes da ponte de Mansoa, percorreu os setenta quilómetros até à capital, largando o grupo do Cifra no cais. Aí permaneceu dois dias, tempo que durou o desembarque das tropas novas e o embarque das velhas, que era feito em lanchas pequenas do cais para o barco.
O comando a que o Cifra pertencia não chegava a trinta militares, sendo mais de dois terços os militares graduados. Enquanto esperavam pelo embarque, alguns dormiram na fortaleza de S. José da Amura, onde estava a polícia militar estacionada e onde o Governador da província se deslocou, com todo o seu aparato militar, para dar a todos umas insígnias com as cores da bandeira portuguesa, dizendo que representavam a medalha da campanha militar da Guiné, pois não havia medalhas para todos, o Cifra ainda hoje guarda essas insígnias como um “amuleto de boa sorte”.
Todos os haveres dos militares do seu comando estavam num grande monte, quase à entrada do cais de embarque e eram guardados por militares que faziam a sua guarda por turnos, pois iam regressando do interior outras unidades para embarcar, que faziam o mesmo, e deste modo, antes do embarque, quase todo o cais estava ocupado por diversos montes de malas e sacos, era um pandemónio, mas era um pandemónio feliz, pois avistava-se o barco ao longe, que os havia de levar de regresso a Portugal.
Chegou o grupo do Furriel Miliciano, a fumar um cigarro feito à mão, onde vinha o Setúbal, o Curvas, alto e refilão, o Trinta e Seis, o Marafado, o Mister Hóstia e outros, e a partir daí, o pandemónio, passou a ser maior, estavam vestidos e rodeados de equipamento militar, mas já se sentiam pessoas civis, e andavam pela cidade, bebendo, passeando, e fazendo algumas compras, onde o Cifra comprou uma boina nova, e uns sapatos à sua medida, o Curvas, alto e refilão, caminhando sempre na frente, procurando ser o chefe, dizia:
- É tudo muito lindo, para vocês, mas eu vou perder a minha família, que são todos vocês!.
E num momento em que devia de haver alguma alegria, chorava, e fazia chorar o Cifra e os seus companheiros.
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11261: Do Ninho D'Águia até África (58): A tripeça (Tony Borié)
Guiné 63/74 - P11276: Convívios (501) 14º almoço/convívio da CCS do BCAÇ 1861 (Buba, 1965/67): Sertã, 27 de abril de 2013 (Boaventura Videira)
1. Mensagem de Boaventura Alves Videira, que foi enfermeiro no BCAÇ 1861, Buba, 1965/67 [, foto à esquerda], enviada através do endereço do nosso camarada Júlio César [membro da nossa Tabanca Grande desde Julho de 2007, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 / BCAÇ 2905, Cacheu, 1970/71]:
Agradeço publicação no nosso blogue
Um abraço
Boaventura Videira
“Realiza-se no próximo dia 27 de Abril, o 14º almoço/convívio da CCS do Batalhão de Caçadores 1861.
O almoço/convívio será no Ponte Velha Restaurante, na Sertã.
Os interessados em participar devem contactar Boaventura Videira, pelo telefone 964534332
Participa”
Contactos:
Participa”
Contactos:
Boaventura Alves Videira
Praça da República, 26
4815-475 Vizela
Telemóvel 964 534 332
Praça da República, 26
4815-475 Vizela
Telemóvel 964 534 332
2. Comentário do editor
Camarada Videira: Espero que o vosso encontro seja mais uma grande oportunidade de reforçar os laços de amizade e camaradagem do pessoal da tua CCS/BCAÇ 1861, que passou por Buba, entre 1965/67. Vejo, com pena, que não há nenhum representante do teu batalhão - salvo erro - na nossa Tabanca Grande. Vou pedir ao Júlio César que formalize o teu pedido de ingresso nesta grande família dos amigos e camaradas da Guiné. Tu mereces, de resto. Tens sido o organizador dos convívios dos últimos dos teus camaradas da CCS. Fico à tua espera. Manda as duas fotos da praxe mais um história do teu tempo de Buba. Um Alfa Bravo. LG
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PS - Já agora diz-nos onde e quando tiraste a foto que reproduzimos acima (e é a única que temos de ti). Terá sido em 1965, em Cufar ? A "bicha" que tu trazes pendurada ao pescoço parece tratar-se de uma pitão africana, uma "Pyton sebae", popularmemte conhecida como "irã cego". na Guiné-Bissau... Pode atingir os 6 metros de comprimentos, não é venenosa e não constitui um perigo real para os seres humanos... A nossa malta na Guiné chamava-lhe erradamente jibóia... As jiboias só existem no Novo Mundo (América Central e do Sul).
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PS - Já agora diz-nos onde e quando tiraste a foto que reproduzimos acima (e é a única que temos de ti). Terá sido em 1965, em Cufar ? A "bicha" que tu trazes pendurada ao pescoço parece tratar-se de uma pitão africana, uma "Pyton sebae", popularmemte conhecida como "irã cego". na Guiné-Bissau... Pode atingir os 6 metros de comprimentos, não é venenosa e não constitui um perigo real para os seres humanos... A nossa malta na Guiné chamava-lhe erradamente jibóia... As jiboias só existem no Novo Mundo (América Central e do Sul).
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Nota do editor:
Último poset da série > 12 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11245: Convívios (500): Reportagem da reunião da magnífica Tabanca da Linha levado a efeito no passado dia 7 de Março (José Manuel M. Dinis)
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