terça-feira, 6 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11909: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (16): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte IV : Os azarados sargentos...


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 15 > Acácia em flor


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 14 > Aspeto parcial da tabanca e quartel


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 28 > Espigueiros


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto nº 29 > Espigueiros



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto  nº 30 > Espigueiros



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Foto nº 31 > Espigueiros


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado) (*).

O Zé Neto,. como era conhecido entre nós,  é um dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa, incluindo as valiosas fotos do seu álbum . Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Por outr lado, fez 40 anos, a 22 de maio de 1973, que retirámos de Guileje.

2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte IV

O abrigo subterrâneo que nós, os sargentos, mais utilizávamos,  situava-se a meia dúzia de passos do coberto da messe, dado que parecia que os turras esperavam que acabássemos de jantar para abrir fogo [vd. planta do quartel de Guileje, 1966].

O acesso ao amplo salão enterrado era feito através dum pequeno poço para onde saltavam os que não tinham posto de combate definido e dali para o dito salão. A abertura era estreita e, se havia muita afluência, tornava-se necessário esperar vez para entrar, o que não deixava de provocar alguma confusão. Foi numa dessas confusões que levei com um furriel em cima do meu pé esquerdo. Andei mais de um mês com a perna engessada.

Doutra vez, nós ouvimos a orquestra a fazer o seu barulho para os lados do Mejo [a noroeste de Guileje] e as nossas transmissões entraram em acção a fazer as perguntas habituais à companhia de lá. Ao mesmo tempo eles faziam o mesmo para nós.

No reconhecimento veio a verificar-se que o ataque foi para despachar e chefe ouvir, porque os impactos eram bem visíveis num descampado a meio caminho entre as duas localidades. Não havia possibilidades de engano porque os quartéis estavam toda a noite iluminados.

Um dos ataques deu-se quando já lá se encontrava a CCAÇ 2317 que, em princípio, nos ia substituir. Nós, como é natural, transmitimos aos novatos a experiência acumulada de como safar o pêlo quando havia festivais. Só que o manual não previa a situação caricata que se passou.

Desencadeou-se a saraivada de morteiros e,  quando já todos estávamos recolhidos no abrigo, ouvimos alguém gritar:
─ Acudem-me!!! Salvem-me!!!.

Um furriel que estava mais perto da entrada do abrigo conseguiu entabular conversa com o aflito e disse-nos que era o 1º sargento da companhia nova [CCAÇ 2317] que foi apanhado na retrete quando o ataque começou e que não conseguia sair de lá.

Convém esclarecer que a latrina era daquelas em que o utilizador se põe de cócoras e defeca a poucos centímetros dos calcanhares. Para o sossegar,  dissemos-lhe que o cubículo estava protegido por um tecto de cibos e paredes fortes e que portanto não tivesse receio. O homem lá se aquietou, mas no nosso espírito subsistia a dúvida de qual seria o motivo que o impedia de dar uma pequena corrida e saltar para junto de nós. Quando a coisa acabou e as luzes se reacenderam,  fomos encontrar o 1º Sargento Martins preso por um pé no sifão da latrina.

Ao primeiro estrondo ergueu-se e, com a atrapalhação, escorregou no serviço que estava a fazer e calçou a cagadeira. Não pudemos conter as gargalhadas, pois o senhor continuava a tentar tirar o pé e não conseguia. Com calma, acabou por ser fácil. Bastou flectir a perna, ajoelhar-se e o calcanhar escorregou no bem lubrificado tubo do sifão.

Um dos efeitos mais aborrecidos das flagelações, a partir da altura em que eles tinham a pontaria mais afinada, era a destruição do forno da padaria. Ficávamos a pão duro, ou sem ele, uns três ou quatro dias até que se reconstruísse. Nunca foi atingido directamente, mas qualquer granada que rebentasse nas redondezas provocava o efeito de sopro suficiente para mandar com a frágil abóbada abaixo.

Durante uma das reconstruções eu estava por ali a dar os meus palpites quando o Soldado Fernandes se aproximou e me disse:
─ Estes gajos não percebem nada disto.
─ Então percebe você?
─ Eu já da primeira vez disse que punha isso em pé e só se lhe acertassem em cima é que desabava, mas eles é que acham que são os mestres ─ respondeu o Fernandes, cujos registos indicavam a profissão de estucador.
─ Ora bem, então você vai dizer o que entende que se deve fazer ─ ripostei.
─ Assim não. O meu sargento manda-os sair daqui, eu escolho um servente e enquanto eu estiver a trabalhar, esses (os pedreiros) não põem aqui o cu. Já tentei ensiná-los, mas correram comigo. Agora também não quero que eles aprendam a técnica, está bem?
─ Vamos a isso ─ Concordei.

Isto foi por volta das oito da manhã e à hora do almoço estava o forno erguido. O Fernandes pediu para que lhe levassem lá a refeição, pois queria guardar a obra dos olhares dos espiões, dado que só da parte da tarde é que rebocava com barro o exterior da cúpula. Antes do jantar a lenha já ardia dentro do novo forno e nunca mais desabou… Segredos do ofício.

Para concluir a descrição desta faceta da luta, as flagelações, resta-me acrescentar que durante o ano que estivemos em Guilege tivemos duas baixas mortais: uma criança, atingida pelos estilhaços duma granada; e um adulto, irmão do Régulo,  que, possivelmente, foi atingido pelo nosso fogo. Na investigação que foi feita, em que tomou parte o próprio irmão, conclui-se que ele, a vítima, devia estar no espigueiro, fora do perímetro fortificado, quando estalou o ataque e, ao querer saltar o talude, foi baleado por um dos elementos da Autometralhadora Fox que guarnecia aquele flanco.

Entre o pessoal militar e militarizado (os milícias) fui eu o mais castigado pelas flagelações, pois, como já referi, andei uns tempos com a perna engessada.

(Continua)
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Guiné 63/74 - P11908: Memória dos lugares (243): Núcleo Museológico Memória de Guileje - Parte II (Carlos Afeitos, ex-cooperante, 2008/2012)


Foto nº 11


Foto nº 12


Foto nº 13


Foto nº 14


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > c. 2011 > Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973. De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica. Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG.



Fotos; © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico 
do Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso grã-tabanqueiro, com o nº 606 [, foto à à direita ], que nos mandou mais de uma meia centenas de fotos recentes de Guilejem, em finais de maio passado.

Nos seus tempos livres, ele foi, por volta de 2011, duas vezes a Guileje. Foi depois do golpe de Estado de 12 de abril de 2012 viver para  Londres. Um abraço para ele, se nos estiver a  ler.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11907: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (72): O reencontro de dois camaradas da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68), Joaquim Fernandes Alves e Augusto Varandas Casimiro


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 1659 (1967/68)... Foto do álbum de Carlos Afeitos, professor, cooperante (2008/12) (*)... Foram os "Zorbas" que construiram o cais de acostagem, em Gadamael-Porto.

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]

1. O primeiro representante da CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), o Joaquim Fernandes Alves, ex-fur mil, residente em Vila Nova de Gaia, acaba de entrar para a nossa Tabanca Grande, com o nº 625.

Ele acabou por aparecer no nosso blogue, à procura de camaradad da companhia, que gostaria de voltar a reunir. Tem os nomes de todos mas não os contactos. Na sequência de um primeiro poste, alguém apareceu  a escreber em nome do ex-fur mil vaguemestre, Augusto Varandas Casimiro.

Afonso Silva
24/6/2013, 21:37

Boa noite

Pertenci também à CART 1659 (OS ZORBAS) e solicito o contacto do meu camarada Joaquim F. Alves que mora em Olival-Gaia

Obrigado
Augusto Varandas Casimiro


Escrevia ao Joaquim, F. Alves no passado dia 30/7, o seguinte, a propósito deste seu camarada e do seu contacto:

Joaquim: Vamos ver se o teu camarada Casimiro nos lê... Não tenho a certeza de quem é o email... Pode ser de um filho ou genro (Afonso Silva)... Manda as tuas fotos que é para eu te apresentar à Tabanca Grande. Assim chegas a mais malta... Um abraço. Luis

E logo a seguir, responde-nos a filha do Casimiro... Como se vê o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca.. é Grande!...

Gisa Casimiro
30/07

Boa noite a todos,

Efectivamente este é um email da filha (Adalgisa) e quem despoletou o contacto foi o meu sogro (Afonso Silva).

O meu pai teve conhecimento do vosso blog por via do meu sogro, que lhe mostrou algumas das fotografias, mas é uma pessoa completamente desligada destas tecnologias, não tem computador e a melhor forma de o contactar/falar será mesmo por telefone/telemóvel.

O contacto fixo: 227138096, muitas vezes está pelo quintal, mas se ligar ele depois devolve. Ou em alternativa, se me enviar um contacto telefónico,  ele concerteza retornará.

Qualquer outra coisa podem falar comigo! Ficamos a aguardar novas,

Adalgisa Casimiro.


2. Comentário de L.G.:

Saúdo a Gisa Casimiro!... As filhas (e os filhos) dos nossos camaradas têm-nos dado exemplos extraordinários de amor filial... Já não é o primeiro caso: são elas (até mais do que eles...) a procurar-nos, a contactar-nos, em nome do pai...

Eu fico extremamemte sensibilizado e emocionado com estas manifestações de carinho filial e estes exemplos de ajuda intergeracional!... Sei que o Augusto Casimiro pode passar a ter,  na sua filha, uma boa e leal intermediária, fazendo a ponte com o nosso blogue. Espero, por outro lado, que o o Joaquim F. Alves já tenha contactado o Augusto Casimiro por telefone. Eu estou de férias, ainda não tive oportunidade de falar ao telefone  com a Gisa.

De qualquer modo quero que a Gisa saiba que as filhas dos nossos camaradas... nossas filhas são!... Muita saúde e longa vida para o teu querido pai. E vai-nos dando notícias dele e dos demais "zorbas"...

Um abraço, para os três, do Luís Graça, fundador deste blogue, e que neste momento está de férias... Sem esquecer o Carlos Afeitos, antigo cooperante na Guiné-Bissau (2008/12), e que deve estar agora em Londres (ou em Portugal, de férias)... Foi através de um foto dele, de 2011, que chegámos a estes dois "zorbas"...

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Nota do editor:

Último poste da série > 30 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11779: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (71): as pinturas do Xitole, recentemente redescobertas pelo Francisco Silva e pelo José Teixeira, são do meu amigo e vizinho, o pintor de Espinho, Armando Ribeiro que pertenceu à CCAÇ 818 (Bissau, Xitole e Saltinho, 1965/67) (David Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72)

Guiné 63/74 - P11906: Notas de leitura (508): "Das Guerras Africanas à Diàspora Americana", organização de Adelino Cabral e Eduardo Mayone Dias (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Para mim é uma completa surpresa, o depoimento destes luso-americanos que combateram na Guiné.
Mas o livro vale a pena ser lido na íntegra, há para ali histórias espantosas, é bem provável que o nosso confrade Carlos Cordeiro ande à cata destas lembranças, lá pelos Açores, afinal temos que tomar em conta os que se dispersaram, sobretudo pelas europas e américas.
Maravilha confrontar este antes e depois, no antes aparecem sorridentes com um grande amigo, depois a cantar ou no escritório, talvez em Massachusetts ou na Califórnia.
Temos de os desencantar e trazê-los para o blogue, é trabalho para o Nelson Herbert e para o João Crisóstomo, entre outros.

Um abraço do
Mário


Das guerras africanas à diáspora americana

Beja Santos

Eduardo Mayone Dias é um conceituado investigador universitário há muito radicado nos EUA, portugueses e Califórnia é nele um tema central de estudo, a diáspora, os portugueses na guerra do Vietname, a literatura portuguesa na Califórnia, etc., são áreas sacramentais da sua pesquisa. Adalino Cabral tem feito parceria com Eduardo Mayone Dias nos estudos que falam de guerra onde intervieram os portugueses. Eles explicam na introdução o móbil do trabalho: “Pretendíamos obter um relato pessoal da experiência de campanha. Fizemos o possível para obter testemunhos espontâneos com a sua natural oralidade. E o discurso recolhido foi transcrito com a maior exatidão. Respeitámos a irrupção do “portinglês” na língua de origem. A escolha dos nossos entrevistados foi quase aleatória. Catorze entrevistas foram gravadas em Massachusetts e três na Califórnia. Os dezassete que tão generosamente se prontificaram a participar neste empreendimento refletem bem o arco-íris regional da nossa emigração nos EUA: onze açorianos, três madeirenses e três continentais. Oito dos nossos entrevistados foram mobilizados para Angola, seis para Moçambique e três para a Guiné. Quase todos entraram em combate. Mesmo os que atuaram na retaguarda eram suscetíveis de serem atacados perto dos postos ou nas suas deslocações. Destes testemunhos deduz-se uma considerável ausência de preocupação do jovem soldado ante o que o esperava ou o que dele se esperava. Passivo, aceita o que lhe impõem, não questionando a validade daquela guerra. Era “um dever que a gente tinha”. As cenas de combate são dadas com relativa moderação, numa forte economia de pormenor. Nas emboscadas enfrentava-se um inimigo invisível. Trocavam-se uns tiros e o inimigo desaparecia. A religião – a crença mais do que a participação em cerimónias religiosas – representou um importante papel na manutenção do moral de alguns dos nossos entrevistados. O intenso culto micaelense ao Senhor Santo Cristo dos Milagres motivou um soldado e a sua família a que se deslocassem, depois do regresso daquele, ao templo de Ponta Delgada com o fim de pagar duas promessas de 500 escudos cada. A fascinação por África, tão comum nos portugueses que por lá passaram, transparecem vários dos depoimentos. A recordação da dureza da vida em estado de guerra adoça-se aqui e além pela ironia e quase mesmo pela caricatura”. O livro organizado por Adalino Cabral e Eduardo Mayone Dias intitula-se “Das guerras africanas à diáspora americana”, Peregrinação Publications, 36 Brayton Avenue, Rumford, RI 02916, USA.

David de Sousa Barros nasceu em Terra do Raposo, Santo Espírito, Santa Maria. Trabalhou na taberna e dedicou-se à lavoura. Em 1971 emigrou para os EUA, trabalhou na construção civil em Hudson, Massachusetts. Fez a recruta nos Arrifes, em Abril de 1968, daqui seguiu para Santa Margarida, levava um terço para rezar e um crucifixo no pescoço. Foram diretos para Cacine, fala dos patrulhamentos e das emboscadas. Recorda os seus mortos, os momentos de perigo, lembra que Cacine tinha uma loja de um português, mercearia e taberna, era ali que ia beber cerveja. Nunca esqueceu as crianças a pedir comida: “Pediam comida e a gente dava no quartel. A gente quando acabava de comer dava comida. Às vezes a gente não gostava dela mas para eles aquilo era um luxo. À hora de comer eles estavam sempre lá. Acontece que a gente comia e eles comiam”.

Fernando Amaral Dutra nasceu em Madalena, Ilha do Pico. Esteve dois anos num seminário menor, frequentou o ensino liceal e iniciou o seu serviço militar aos 18 anos, foi para a Guiné, era voluntário. Fez o curso de mecânico eletricista. Foi para a Guiné em 1964. O primeiro destino foi Nova Lamego. Foi ferido três vezes. “A primeira vez foi um estilhaço de morteiro, era fogo para cá e fogo para lá, eles de um lado do rio, do Farim, e nós do outro lado. E de repente cai uma granada de morteiro no meio das nossas tropas. Oito ficámos todos feridos. Foi bom, foi muita sorte, nas pernas, nos braços e um pedaço de aço na barriga. Estive pouco tempo no hospital”. Embora fosse do quadro permanente, num aceitou a guerra de África, esteve mesmo preparado para passar para o Senegal. Queria vir para a América. Também comandou tropa africana, guardou recordações dos Balantas, eram obedientes. “Os melhores para nós eram os Fulas mas os mais guerrilheiros, aqueles em quem tínhamos mais confiança, eram os Balantas. Naquele tempo, diz ele, o nosso armamento era muito superior, e havia os T-6 e os Fiat e o napalm. Nunca esqueceu do pânico do capelão durante uma operação, a rezar o Padre-Nosso até meio e passando logo para Ave-Maria: “Trocava o Padre-Nosso com Ave-Maria e Ave-Maria com o Padre-Nosso. Oh, coitado, ele tremia com o texto na mão, tremia para todos os lados. E elas caíam. Caíam que era uma coisa séria”.

Jaime Soares nasceu em Santa Maria, trabalhou na lavoura, dedicou-se à pesca, num barco do seu pai, que também era carpinteiro. Emigrou em 1973 e fixou-se em Massachusetts. Assentou praça nos Arrifes e seguiu para Santa Margarida. Foi para o Cacheu. Recorda as patrulhas a dois pelotões. Diz ter comido muita carne de gazela. Recorda os seus mortos, um amigo seu que perdeu um pé e o seu dia inesquecível foi 29 de Julho de 1969. “Um soldado amigo meu, de Santa Maria, morreu numa emboscada. Um soldado de São Miguel pegou nele às costas. A gente tínhamos que atravessar uma área clara, o soldado deixou um morto no chão. Quando quisemos voltar para trás já não pudemos. Viemos embora. Sempre debaixo de fogo. Não pudemos recuperar o corpo. Era o dia da festa da Senhora do Bom Despacho da minha freguesia”. Foi o Jaime Soares da Costa quem cumpriu a promessa: “Fiz uma promessa ao Santo Cristo de São Miguel. A minha mãe prometeu que se eu escapasse da guerra que dava 500 escudos ao Santo Cristo. Eu prometi também 500 escudos. Então quando eu cheguei a São Miguel a gente fomos ao Santos Cristo e demos o dinheiro”.

O livro é profusamente ilustrado. É tocante ver cada um deles aparecer abraçado ao seu melhor amigo, alguns já desaparecidos. Aparece gente a passar a roupa a ferro, ao volante de viaturas, na guerra e depois na América, alguns deles em festas.

A todos os inquiridos os autores perguntaram se valeu a pena. Muitos deles responderam que se tratou de um fútil desperdício, que houve muita vida destroçada e há muita recriminação ao modo como a descolonização se processou. Para que conste.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11899: Notas de leitura (507): Memórias de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (Mário Beja Santos)

domingo, 4 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11905: Tabanca Grande (406): Joaquim Fernandes Alves, ex-Fur Mil da CART 1659 - "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967-68)



1. Mensagem do nosso camarada, e novo tertuliano, Joaquim Fernandes Alves* (ex-Fur Mil da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 30 de Julho de 2013:

Camarigo Luís Graça
Como prometi junto envio as respectivas fotos, assim como o emblema da "ZORBA" Junto também, tirado da "in história da Unidade", um relato real sobre a construção do cais.

Mais uma vez, os meus dados pessoais:
Joaquim Fernandes Alves
Ex-Furriel Mil Artª.  da Cart 1659
1967-1968
ZA: Gadamael Porto e Ganturé
Local de residência: Olival, Vila Nova de Gaia

Joaquim F. Alves




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > "Cais 3". Foto do álbum de Carlos Afeitos, professor, cooperante (2008/12).

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados.


2. Comentário do editor:

Caro camarada Joaquim Alves,

Bem-vindo à Tabanca Grande onde és o tertuliano n.º 625.

Uma vez que conversaste com o editor-chefe Luís Graça, e a mensagem que mandaste é muito sucinta, não sabemos se é tua intenção colaborar activamente no nosso Blogue.

Como saberás,  és o primeiro representante da "Zorba" (CART 1659) na nossa tertúlia. Ficas assim com a responsabilidade de contar a história da tua Unidade, socorrendo-te das memórias que ainda retenhas da tua passagem por aquelas terras vermelhas da Guiné. Não esqueças a palavra de "Homem Grande".

Sei que tens como missão encontrar camaradas que não vês há muito, pelo que ficam aqui algumas da tuas palavras escritas em mensagem de 7 de Junho passado:

Camarada Luís Graça 

Descobri o vosso blogue por mero acaso e já lá vai algum tempo.  Depois de algumas hesitações hoje mesmo decidi pôr a minha questão à prova. 

O meu nome é Joaquim Fernandes Alves. Sou ex-furriel mil. da CART 1659 - Zorba, que fez o IAO no RAC, Oeiras.  Partimos de Lisboa a 11 de Janeiro de 1967, e não regressámos todos, como é óbvio, em 10 de Novembro de 1968. 

A nossa área de intervenção foi Gadamael Porto / Ganturé.  Desembarcámos no meio daquele grande lamaçal do rio que penso ser, o Cachima, onde depois, durante o nosso tempo, construímos um cais. 

Após esta pequena apresentação, e tendo a lista de todos os elementos que faziam parte da Companhia, o que pretendo é saber se há possibilidades de obter as moradas de cada um, pelo menos nessa altura da formação da Companhia. 

Um abraço do camarada 
J.Alves
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3. Como na devida altura te elucidou o Luís, não podemos satisfazer o teu pedido pelas razões por ele aduzidas. Fica no entanto, de novo aqui e agora, o teu apelo na hipótese de algum dos teus camaradas, ou alguém por eles, te leia e te possa contactar por nosso intermédio.

Resta-me deixar-te, em nome dos editores e da tertúlia, um abraço de boas-vindas. Fico ao teu dispor para qualquer esclarecimento adicional.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

20 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11738: Em busca de... (225): Os "Zorbas", camaradas da minha CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) (Joaquim F. Alves, ex-fur mil, residente em Olival, Vila Nova de Gaia)
e
30 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11887: Em busca de... (226): Augusto Varandas Casimiro, ex-fur mil vaguemestre, CART 1659, Os Zorbas, Gadamael e Canturé, 1967/68 (Joaquim F. Alves, residente em Olival, Vila Nova de Gaia)

Último poste da série de 18 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11852: Tabanca Grande (405): Rui Vieira Coelho, ex-Alf Mil Médico dos BCAÇ 3872 e 4518, Galomaro, 1973/74 (Tertuliano n.º 624)

Guiné 63/74 - P11904: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (1): A minha cicatriz, resultante do corte do cordão umbilical, está cheio de cotão

1. Em mensagem do dia 31 de Julho de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos o primeiro episódio do seu Pós-Guiné, que esperamos nos traga ironia e humor, mesmo tratando um assunto muito sério como se adivinha. 


O PÓS-GUINÉ 65/67

1 - A MINHA CICATRIZ, RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL, ESTÁ CHEIA DE COTÃO

E ao pisar o cais de desembarque, plagiei e gritei: 
- Mulheres... cheguei. Regressei à minha terra e para o anterior emprego de funcionário público. 

E na viagem nocturna em comboio correio, (que demorava seis horas para chegar ao destino), devidamente acompanhado pela minha mulher, que me fora esperar, aconteceu mais uma cena de solidariedade linda que conto, porque digna de se saber.

Então lá vai:

O revisor, que me afirmara ter um filho na Guiné, quando ao picar dos bilhetes da 3ª classe (bancos em madeira) apercebeu-se que eu havia chegado da guerra e convidou-me para mudar para a carruagem da 1ª, qu'até cama tinha e comprometeu-se a acordar-nos quando estivéssemos próximo da Ponte de Sôr (como se eu fosse dormir numa cama daquelas e embalado que seria pelo solavanquear... também resultado, das rodas quadradas do TGV d'então.

Surpreso fiquei pela amabilidade, fui... ai nanas !!! Quem não iria?

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E assim se passou um ano, naquele ramerrame, com as sem jeito, mas costumadas conversas de café.
No fundo, começava a sentir a saudade dos "meus" da 1422.
E que falta me fazia, aquela adrenalina anterior... a alegria do "acordar" e de continuar vivo...
E que falta me estava a fazer aquela camaradagem que houvera tido e que sabemos quão boa e saudável.

Numa tentativa de alterar qualquer coisa que ainda nem sabia bem o quê, consegui emprego na capital do Império, onde amenizei saudades conversando com a rapaziada amiga e com quem convivera a maior parte dos meus melhores 40 meses da minha vida.

Aqui, Restauradores em Lisboa, acabei por me envolver de novo com tudo o que se ia passando, por lá longe. Primeiro, pelos contactos que começaram a acontecer com os ex-soldados Domingues, Soares e Lavado, com o ex-1º Cabo Fernando Nascimento da minha Secção de Morteiros 60, com o ex-fur. mil. Raul Durão (almoçámos todos várias vezes), com os ex-alf. mil's Macedo e Simões, mensalmente, com o Gualter, com o Formigo (estes dois também ex-furriéis) e mais ainda com alguns camaradas doutras companhias chegantes e com quem ia acabando por me actualizar.

E foi assim que soube do desaparecimento físico, na estrada do Pelundo para Jol*, dos nossos homens (sete ao todo), que desarmados, foram cruel e barbaramente assassinados a sangue frio...
E foi assim que tomei conhecimento da operação a Conakry, que tanto me enche, ainda hoje, de orgulho.

E foi assim, que soube da morte do Amílcar Cabral, cuja causa ainda hoje não esclarecida, embora a versão à época, seja bem diferente das que, de quando em vez por aí circulam.

Elucidado fui mais tarde, do porquê de nos chamarem "Brancos" e refiro-me particularmente aos felupes e futa-fulas com quem convivi no K3, pois que e quanto aos outros chamavam russos, americanos, suecos, e por aí fora. Compreendia finalmente, que aquela generosidade, apenas queria dizer que nos consideravam a raça superior.

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Nem tudo era fácil e lembro-me até daquele dia a que fui assistir à estreia do filme Apocalipse Now, ali no cinema Monumental, e embora posteriormente já o tenha visto... revisto e revisto, na altura saí da sala, enervado, tremente e passados que foram os primeiros dez minutos projectados.

Apanhado pelo clima? Quem disse?

Mas a alegria também aconteceu, como naquela vez que recebi uma carta do Batalhão de Caçadores 1 e pensei cheio de fé que me estariam a convidar de novo a integrar as fileiras (era normal então voltar ao combate, até que fizéssemos 45 anos de idade), mas não... apenas me informavam que havia sido promovido a 2º Sargento.

Como atrás refiro, ia entendendo que tudo estava a mudar para pior para as NT, que agora combatiam ainda e se possível mais aguerridamente, um IN porém mais municiado, com a ajuda de países que ainda agora alguns põem nos píncaros, esquecendo que foram estes os causadores de muitas vidas desfeitas.

Posteriormente, não me foi fácil também, aceitar o acolhimento em Portugal, dalguns exilados chefes inimigos, principescamente recebidos e alguns até desdenhando publicamente das nossas tropas, quando em solo nacional estavam a beneficiar de benesses que deveriam antes, ser concedidas àquelas etnias guineenses que combateram do nosso lado.

Como Portugueses que foram, eram e continuariam provavelmente a gostar de ser, deveriam ter sido melhor tratados.

(Continua)
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OBS:
(*) Jol - o mesmo que Jolmete
Negritos e itálicos da responsabilidade do editor
Emblema da CCAÇ 1422 da coleçção do nosso camarada Carlos Coutinho
O editor
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Nota do editor

Vd. série anterior de Veríssimo Ferreira: "Os melhores 40 meses da minha vida

Guiné 63/74 - P11903: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (4): Um tiro numa cabra de mato... que deu direito a um prémio Governador Geral


1. Mais uma estória do David J. Guimarães, passada no Xitole, nos primeiros tempos da comissão da CART 2716 (1970/1972), e que andava perdida na I Série do nosso blogue:


Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:
Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar…

Os morteiros fixos lá fazem fogo de barragem. Novamente os experientes homens de armas pesadas. E que eficientes! Como eles faziam aqueles morteiros dispar tão amiúde e certeiro... Cessar fogo, tudo silêncio à volta, fora os abutres que logo foram ver o que acontecia.
─  Que aconteceu? E agora... Estará alguém ferido? O que aconteceu? O que vamos fazer?

Nenhum deles disse nada... mas voltaram depressa. E nós nem percebíamos ainda porque que é que eles voltaram assim tão rapidamente... Bem, lá regressa, da patrulha, o 1º Grupo de Combate. Ofegantes, e agora dentro do aquartelamento esboçando sorrisos, todos pretos... Que coisa, sempre que havias tiros ficava-se todo preto!
─  Que aconteceu ???

Lá vem a explicação: o grupo estava a instalar-se, para um tempinho em posição de emboscada. Uma cabra de mato passa em frente... Um soldado diz para o Alferes muito baixinho:
─  Alferes, cabra de mato!
─ Atira-lhe ─  responde o Alferes ─  Há rico tiro, pum, pum!!!

E não é que o IN estava lá emboscado, do outro lado da cabra? Seriam poucos, mas ao sentirem-se detectados deram uns tiros e fugiram, pois que entretanto também começaram a cair bem perto as granadas do morteiro do aquartelamento...
─  Manga de cu pequenino…

Olha que sorte, a santa cabra do mato!... Foi ela, afinal, o nosso anjo da guarda. O Correia voltou com o seu grupo de combate inteiro e o soldado que detectou a cabra... herói. Mais tarde foi-lhe proposto e concedido o prémio Governador Geral. Todos achámos muito bem, veio à metrópole. Se não fora assim, nunca iria lá de férias, porque não tinha dinheiro para isso...

Ninguém soube se a cabra morreu ou não, mas os homens, depois de contados, estavam todos... E os abutres também voltaram ao aquartelamento e continuaram a comer o que restava da vaca morta nesse dia...

A guerra tinha disto também, e ainda bem... Como entendê-la? Só um combatente... Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra.

David J. Guimarães
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11556: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (3): Era do caraças o paludismo

Guiné 63/74 - P11902: Parabéns a você (606): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Electricista do BENG 447 (Guiné, 1968/70) e Rui Alexandrino Ferreira, TCor Ref das CCAÇ 1420 e CCAÇ 18 (Guiné, 1965/67 e 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11889: Parabéns a você (605): Manuel Reis, ex-Alf Mil Cav da CCAV 8350 (Guiné, 1972/74)

sábado, 3 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11901: Bom ou mau tempo na bolanha (23): O "Mississippi" e o 11 de Setembro (Tony Borié)

Vigésimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.




A Multinacional onde o Tony exercia a sua profissão, vendia o seu produto para algumas agências do governo americano, como tal, tinha um contrato onde lhe era imposto que aceitasse alguns presos de delito comum de uma cadeia estatal que havia nas redondezas. Seguindo algumas normas de segurança, vinha um carro celular com os presos pela manhã, recolhendo-os à tarde, eram homens que estavam em final de cumprir as penas a que estavam sujeitos e se encontravam numa fase de análise, era quase como uma experiência de começo de vida, pois assim ambientavam-se melhor a conviver com a normal população quando acabassem de cumprir as suas penas, e fossem colocados em total liberdade.

O “Mississippi”, era um desses homens a quem a sorte não protegeu lá muito enquanto jovem. Trabalhou com o Tony nos primeiros tempos quando começou na multinacional, mais tarde, dado o seu bom comportamento, ficou como empregado, portanto, colega de trabalho do Tony. Era afro-americano e quase como todos os afro-americanos, naquele tempo, tinham orgulho em dizer que os seus bisavós tinham vindo de África, do litoral deste continente, quem sabe se da região de Bissau, Mansoa, Mansabá, Olossato, ou até mesmo Bissorã, portanto naquele tempo quando chegaram ao continente americano foram escravos, alguns até explicavam ao pormenor que o seu bisavô, foi escravo na plantação com o nome tal, e foi vendido duas vezes, pois era muito valente e todos o queriam ter naquelas plantações de tabaco, de algodão, de cana de açúcar ou de outra qualquer coisa, no estado do Mississippi. Ele próprio tinha algumas marcas, no peito, no braço e uma outra ao lado, um pouco abaixo da orelha esquerda, com que os pais o marcaram quando nasceu, ele orgulhava-se de mostrar essas marcas, eram desenhos na pele, parecidos com os que o Tony via frequentemente na Guiné, quando o seu nome de guerra era Cifra, e estava ao serviço do exército de Portugal.

Nasceu e cresceu, numas terras, por onde passava um comboio, ao lado do rio Mississippi, que os seus pais não sabiam a quem pertenciam, simplesmente nasceu lá, com mais três irmãos e seis irmãs. Aprendeu a nadar no rio Mississippi e não tinha receio de cobras, nem de “alligatores”, uma espécie de crocodilos, pelo contrário, caçava-os o comia-os.


Um dia, seguindo o exemplo de muitos jovens na sua situação, pois era normal naquela época, e querendo fugir da fome e da miséria que levava, entra, juntamente com outro irmão mais velho, com a roupa que traziam vestida, pela calada da noite, numa carruagem dum comboio de mercadorias que por lá passava. Vieram parar ao Estado de Nova Jersey, mas muitos iam parar ao estado de Illinois, principalmente à cidade de Chicago. Outros ficavam em Detroit, no Estado de Michigan, ou outros com indústria, onde lhes diziam que havia muito trabalho. Juntou-se com o irmão, à comunidade afro-americana, que vivia nos subúrbios da cidade, tiveram algumas dificuldades no princípio, com a adaptação a um estado mais industrializado. Habituado a viver numa aldeia isolada na beira do rio, não aguentou o impacto com a população de uma grande cidade, sem dar por nada, estava inserido no crime, na droga e na prostituição. Muitas vezes dizia ao Tony que o mais difícil foi assaltar o primeiro estabelecimento de bebidas, depois tudo foi normal, até a polícia o encontrar por mais do que uma vez no local e na hora errados. Foi preso e cumpriu o seu tempo de punição, agora era um homem livre.

Era alto, com corpo de um atleta e forca física um pouco fora do normal, mas o coração era de uma boa pessoa e obediente, quase de uma criança, compreendia o bem e o mal, pedia desculpa, se sem querer insultava alguém, talvez pelo tempo que passou na prisão, com receio de que alguém o acusasse de novo, às vezes até era obediente demais.

Este homem passou a ser amigo do Tony, todos os dias se viam, pois trabalhavam juntos. Nas festas, que por vezes havia em casa do Tony, o “Mississippi” estava presente com a família e o mesmo acontecia, quando qualquer evento se realizava em sua casa.

Certo dia, pela manhã, o Tony liderava um projecto de instalação de um novo sistema para extrair o ar quente dos fornos de fundição de metais, no telhado de determinado edifício, na multinacional. Ao norte, do lado de lá do rio, lá longe, para os lados de Nova Iorque, surge uma enorme nuvem de fumo, logo o avisaram pelo rádio de comunicação interna, que o Tony sempre trazia consigo, para saírem daquela zona de trabalho e regressar imediatamente ao local onde era normal se reunirem pela manhã.

Nesse local, ficaram a saber de todos os ataques que o solo americano estava a sofrer nesse momento. O “Mississippi” olha para o Tony, abraça-o e vendo o Tony limpando algumas lágrimas, diz, com os seus olhos bondosos:
- Tony, the war begins in the world today, everything will be different from now on!

Tomando a liberdade de traduzir, ele dizia mais ou menos isto:
- Tony, a guerra no mundo, começa hoje, vai ser tudo diferente a partir de agora!

Os seus bisavós eram escravos, tinham vindo da costa de África, ele sabia do que falava.

Tony Borie,
Julho de 2013.
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Nota do editor

Último poste da série de30 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11885: Bom ou mau tempo na bolanha (22): O típico emigrante do século passado (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11900: Memória dos lugares (242): Núcleo Museológico Memória de Guileje - Parte I (Carlos Afeitos, ex-cooperante, 2008/2012)



Foto nº 1 > Placa indciativa do antigo heliporto


Fotio nº 2 > O trajeto do quartel para o heliporto, feito com garrafas de cerveja


Foto nº 3 > Uma garrafa de cerveja



Foto nº 4 > O antigo heliporto


Foto nº 5 > Placa indicativa do local onde existiu um dos espaldões de artilharia


Foto nº 6 >  Resto de caixa de munições, com orifícios de estilhaços



 Foto nº 7 >  Caixas, metálicas, de munições de artiharia


Foto nº 8 > Granadas de obus 14 ou peça de artilharia 11.4



Foto nº 9 > "Posto de socorros"


Foto nº 10 > Brasão dos "Cobras", CCAÇ 3325 (1971/72)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico memória de Guiledje > c. 2011



Fotos (e legendas);  © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem de 30 de maio último, do Carlos Afeitos, professor de matemática, cooperante na Guiné-Bissau, durante 4 anos (2008-2012), e nosso grã-tabanqueiro, com o nº 606 [, foto à esquerda], que nos mandou mais de uma meia centenas de fotos recentes de Guileje. Vamos fazer uma seleção desse material.

Bom dia,  caro Luís,

Nos meus devaneios encontrei estas fotos de Guilege, já vi muitas postadas no blog e não sei se já tem algumas parecidas a estas ou não. Durante o tempo que estive na Guiné passei por Guilege duas vezes. A primeira vez foi a caminho de Cantanhez, região lindíssima e que vale a pena visitar. A segunda vez foi quando convidei a minha irmã para ir conhecer a Guiné em 2 semanas. Fiz questão de levá-la um bocado ao sul e ficar a conhecer um bocado mais da história que une os dois países.

Pelas conversas que tive com um homem a viver e a recuperar o antigo aquartelamento, está previsto edificar um complexo que irá servir de escola profissional no sítio da pista de aterragem de helicópteros, relembro que isto segundo as informações.

O senhor serviu de guia e explicou-nos como estava ordenado o quartel e como viviam os militares que estavam destacados para lá. O museu relembra muito bem da vida e da luta de ambas as partes envolvidas no conflito. À entrada podemos ver uma anti-aérea e um Unimog, lado a lado. Fizemos uma visita à pista de aterragem exactamente pelo caminho feito de garrafas e depois mais umas voltas pelos pontos assinalados. 

Na minha segunda visita também tive uma conversa muito amigável com uma pessoa que estava a viver na tabanca no interior do quartel aquando da retirada. Ele contou-me alguns dos momentos complicados que passou e recordou com alguma angústia e nostalgia. As memórias ainda fazem chorar...

Uma das coisas curiosas que eu reparei é do carinho que a população tinha por alguns militares portugueses, pois é uma das coisas que todos falam é nos nomes deles. Depois de tantos anos ainda os recordam e sabem exactamente quem são, a graduação que tinham e de onde eram.

Como as fotos são algumas, vou enviar em 3 mails diferentes, pode fazer o que quiser com elas. Algumas não estão legendadas pois não me lembro muito bem.

Com os melhores cumprimentos,


Carlos Afeitos

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de julho de 2013 >  Guiné 63/74 - P11894: Memória dos lugares (241): Surpresas que só a Feira da Ladra oferece (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11899: Notas de leitura (507): Memórias de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Numa dessas visitas que tenho feito assiduamente à Biblioteca da Liga dos Combatentes, deparou-se-me este documento que me pareceu ter o maior interesse como registo de um velho combatente, pai do primeiro ministro deposto pela ditadura militar, em 2012.
É um documento muito incompleto, seguramente a recolha destas memórias não foi feita em bom português, há saltos óbvios, hiatos desconcertantes, bom seria que estudiosos como Leopoldo Amado ou Julião Soares Sousa se pronunciassem sobre a importância deste testemunho.

Um abraço do
Mário


Memórias de Carlos Domingos Gomes 
(Cadogo Pai)

Beja Santos

Cadogo Pai resolveu passar a escrito as suas memórias. Nascido em 1929, começou como paquete no escritório da família Barbosa, junto do Grande Hotel. Com ambições e desejoso de outro futuro, foi trabalhar na SCOA (proprietária do edifício onde está instalada a Pensão Central), foi depois transferido para Bolama e mais tarde regressou a Bissau como chefe de loja, voltando de novo a Bolama em 1951. Diz ter sido em Bolama que conheceu Aristides Pereira, formou-se um grupo de que faziam também parte Adelino Gomes, Alfredo Fortes, Barcelos de Lima e Alcibíades Tolentino.

Recorda os primeiros contactos com Amílcar Cabral e as personalidades daqueles que pretenderam pôr de pé a Associação Recreativa Cultural e Desportiva, desde os professores Adriano Pires, José Moreira e Pio Mendonça, os advogados Jorge Tavares e Sousa e Artur Augusto Silva, destacando a mulher deste, Clara Schwarz, que ele trata como a mãe dos estudantes, até o médico Ciro de Andrade que ele trata por médico dos reclusos. A associação foi proibida, os nacionalistas voltaram-se para o futebol. Considera que na época (anos 1950) as autoridades portuguesas teriam acirrado as rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos, dando a estes bons empregos e melhores salários.

Os encontros clandestinos ocorriam no quarto de Elisée Turpin e mais tarde na messe do BNU. E presta mais esclarecimentos: “A primeira reunião de Amílcar Cabral com guineenses e cabo-verdianos realizou-se na antiga granja de Pessubé, estava acompanhado do seu fiel companheiro Bacar Cassamá”. Em Setembro de 1955, Cadogo estabeleceu-se por conta própria. Dá como seguro a realização da fundação do PAIGC a 19 de Setembro de 1956, numa moradia da rua Severino Gomes de Pina, tendo estado presentes Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo e Elisée Turpin: “O documento elaborado tinha 8 artigos, o terceiro dizia que o partido trabalhava no sentido de unir todos os africanos de todas as etnias e de todas as camadas sociais, constava da primeira edição do jornal Nô Pintcha, artigo que mandei publicar, citei o artigo mencionado, para esclarecer desde quando tinha ligações com o PAIGC, isto quando o Luís Cabral tentou impedir a minha candidatura às primeiras eleições legislativas realizadas em Bissau, após a independência. Esta declaração provocou interesse a Vasco Cabral que não me largou até eu lhe fornecer, e ao camarada Nino Vieira, o texto completo do documento”. Cadogo diz ter viajado para Portugal em Junho de 1960 porque corria enorme risco de ser preso, fora colocado na lista de suspeitos. Regressa a Bissau em Novembro desse ano, já havia notícias de prisões e mortes de presos em Tite. Recorda o reencontro com Aristides Pereira em Madina do Boé, na altura da comemoração do primeiro aniversário da independência.

Os contactos clandestinos prosseguiam em 1960, Cadogo desenvolvia a sua vida empresarial e refere mais nomes que se juntaram às reuniões, muitas vezes a coberto de jantares e festas: Armando Lobo de Pina, Domingos Maria Deybs, Aguinaldo Paquete. Dá-se então a prisão de Júlio Pereira, em Farim, a seguir a uma granada atirada a um ajuntamento numa festa de tambores em Farim: “Sovado que nem um animal e obrigado numa cela a lutar com um companheiro até à morte”. Embora vereador da Câmara Municipal de Bissau, Cadogo já é alvo de suspeitas. As pressões não pararam de crescer, pretendiam que ele fosse numa delegação a Lisboa numa manifestação de apoio a Salazar, recusou a missão. As prisões sucedem-se, António Carvalho veio dar-lhe a notícia da prisão de Pedro Pinto Pereira e de que a seguir ele estava na Lista. Mas quem foi preso foi João Vaz, isto perto do fim de ano de 1966. Cadogo e mais quatro foram presos em 17 de Janeiro de 1967, e brutalmente espancado. Pede a presença de um advogado, o alferes miliciano Biscaia Pereira e mais adiante escreve: “Os autores do inferno das prisões em Bissau, a começar por Guerra Ribeiro, tenente Castro e outros, começaram a ser afastados de Bissau (…) É altura de destacar a humanidade de certos elementos da PIDE que contribuíram para me salvar a vida, caso do chefe Figueiredo e do agente Silva. Destaco o comportamento do Dr. Biscaia Pereira, que fez tudo para a minha libertação, e o perigo que correu de vir a Bissau defender a minha causa, sem cobrar absolutamente nada. Razões porque, amainamos ódios, porque entre os maus vislumbrei rasgos de humanidade, de pessoas que cumpriam as missões que eram obrigados mas contra o regime colonial e torturas a que fomos sujeitos”.

Combalido, obtém do cardiologista Dr. Diaz um atestado para se deslocar com caráter de urgência a Portugal para fazer exames médicos. É nisto que ocorre o 25 de Abril de 1974. Em 1977, voltou a ser preso, por ter contestado as eleições então realizadas. Preso duas vezes em 1989 e enumera os dados do processo, pedindo a recuperação dos seus bens.

Não se sabe como estas memórias aparecem incluídas no simpósio internacional “Recordar Guileje”, que se realizou em Março de 2008. Trata-se de um documento que encontrei na Biblioteca da Liga dos Combatentes, obviamente um testemunho importante que nos faz pensar quantos outros se têm extraviado ou andarão esquecidos no pó das estantes. Interessava cruzar esta informação com muita outra (por exemplo, os testemunhos coligidos por Leopoldo Amado no livro que preparou sobre Aristides Pereira); não se fica a perceber como é que um membro do Conselho de Estado e galardoado com a medalha de Combatente da Liberdade da Pátria foi preso várias vezes depois da independência.

Dou comigo muitas vezes a pensar como é que os historiadores guineenses vão conseguir obter quadros históricos rigorosos, já nas próximas gerações, com tanta documentação malbaratada, tantos testemunhos inconclusivos e não sujeitos ao contraditório, isto para já não falar em documentos fundamentais que foram habilmente sonegados, caso do julgamento dos incriminados pelo assassinato de Amílcar Cabral, de que não resta um só testemunho escrito ou registo em bobine.
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Notas do editor

Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) é membro da nossa Tabanca Grande e já viu publicadas as suas memórias nos postes de:

30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)

2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50

5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955

8 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista

10 DE AGOSTO DE 2010 > GUINÉ 63/74 - P6843: MEMÓRIAS DE UM COMBATENTE DA LIBERDADE DA PÁTRIA, CARLOS DOMINGOS GOMES, CADOGO PAI (5): JÚLIO PEREIRA, PRESO, TORTURADO E MORTO NA PRISÃO PELA PIDE, SUSPEITO DE ESTAR POR DETRÁS DOS GRAVES ACONTECIMENTOS DE FARIM, EM 1/11/1965

13 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6848. Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (6): 1966, o ano das prov(oc)ações

16 DE AGOSTO DE 2010 > Guiné 63/74 - P6856: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (Fim): Prisão e tortura pela PIDE em 1967, libertação no tempo de Spínola em 1968, refúgio em Portugal em 1973 e regresso ao país depois do 25 de Abril de 1974

Último poste da série de 29 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11880: Notas de leitura (506): A imprensa esquerdista e a luta anticolonial: A Guiné (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11898: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (11): Imagens de postais ilustrados (Parte II)


Postal nº 11A


Postal nº 11B

Postal nº 12A


Postal nº 12B


Postal nº 12A


Postal nº 13B


Postal nº 14B

Fotos: © Carlos Fraga (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

1. Continuação da publicação do álbum de Carlos Fraga, que foi alf mil, na 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, na segunda metade do ano de 1973, indo depois comandar, como capitão, uma companhia em Moçambique, a seguir ao 25 de abril de 1974).

Enquanto fez o seu estágio operacional no CTIG, o alf mil Carlos Fraga tirou fotos (e nomeadamente "slides") mas também comprou fotos, incluindo imagens de postais ilustrados. (*)

Publicam-se a seguir mais 7 fotos da sua coleção de postais ilustrados. Não trazem legendas. Pedimos a colaboração dos nossos leitores para  legendar as imagens.  Na nossa Tabanca Grande há seguramente amigos e camaradas que são capazes de identificar os grupos da população da Guiné do nosso tempo, aqui representados. É um desafio mas também um passatempo... de verão.

Como já aqui o dissemos,  havia da nossa parte pouca informação e conhecimento sobre a composição étnico-linguística da Guiné, da história e da cultura dos seus povos, das suas semelhanças e diferenças, etc.  A "instrução" que o exército nos deu, à pressa, era baseada no estereótipo etnocêntrico dos europeus...  A mim,  por exemplo, calhou-me uma companhia independente (a futura CCAÇ 12), composta por uma centena de militares do recrutamnente local, fulas e futa-fulas, que não falavam correntemente o português... Fomo-nos conhecendo mutuamente ao longo de 22 meses (incluindo o tempo da instrução de especialidade e de IAO, passado em Contuboel)...

Em 1950, os principais grupos étnicos (ou "tribos", como se dizia na época...) eram os seguintes: 

balantas (160 mil), 
fulas (108 mil), 
manjacos (72 mil), 
mandingas (64 mil), 
papéis (36 mil), 
brâmes (16 mil), 
beafadas (11 mil), 
bijagós (10 mil), 
felupes (8 mil), 
baiotes (4 mil) 
e nalus (3 mil) 

Os números são arredondados por excesso ou por defeito... Balantas, fulas, manjacos e mandingas representavam, só,  por sí, 60% do total. A população da Guiné era então de cerca de 510 mil, constituída em 98% por negros.  Os mestiços eram pouco mais de 4500 e os brancos não chegavam aos 2300...