Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Fotos do álbum do Zé Neto (1929-2007) Grupo 4 > Fotos diversas de instalações e atividade operacional... Não sei (porque as legendas são insuficientes) se nalgumas destas imagens aparece o malogrado alf mil Tavares Machado ou alguém do seu grupo de combate especial, Os Lordes. O Zé Neto, que exercia entºão as funções de 1º sargento da companhia, não era um operacional, pelo que as fotos que tirou (e que nos disponibilizoui em vida) foram todas tiradas dentro do quartel. Trata-se de um coleção de "slides", que foram posteriormente digitalizados.
Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]
Guiné > Região de Tombali > Carta de Guileje (1956) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Salancaur, a noroeste de Guileje e de Mejo, por onde passava o corredor de Guileje.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013)
1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), sob comando do cap Eurico Corvacho (também já falecido, em 2011):
Quanto às operações no terreno, as nossas ─ principalmente patrulhas de reconhecimento e nomadizações destinadas a manter o controle possível no itinerário de Gadamael Porto ─ decorriam sem sobressalto de maior, porque, era mais que evidente, o IN evitava o contacto para não denunciar os trilhos que utilizava nas suas infiltrações para o interior do território.
Mas, como já referi, era a partir de Guileje que se lançavam as operações conjuntas e de maior envergadura sobre o corredor de penetração dos turras. Para executar as ordens do Comando do Batalhão ou até do Sector (sediado em Bolama), as unidades empenhadas deslocavam-se até Guileje, onde permaneciam o tempo necessário para a planificação, um, dois dias, e na hora H iniciavam a marcha para o alvo previamente referenciado.
Geralmente os resultados destas operações eram nulos ou pouco compensadores. Nós tínhamos um serviço de informações razoável, com a ajuda dos reconhecimentos aéreos, mas não éramos tão ingénuos que não soubéssemos que nesse aspecto o IN nos levava a vantagem da sua maior mobilidade, conhecimento do terreno e algumas cumplicidades de elementos das populações.
Além disso, o planeamento das operações era feito com as regras copiadas à pressa dos manuais clássicos e algumas leituras dos teóricos da guerrilha e, como tal, se não causavam autênticos descalabros nas nossas tropas isso se devia à bravura dos nossos soldados e ao discernimento dos seus comandantes que sabiam avaliar o momento em que deviam mandar às malvas o rigor dos papéis e actuarem em conformidade com o que deparavam no terreno.
Um pequeno exemplo: as cartas topográficas assinalam correctamente todas as características do terreno, ponto final. Ponto final, no Alentejo ou nas Beiras. Na Guiné nem sequer chega a ser vírgula, porque quando a maré sobe o mar engole uma parte considerável da área total do território.
Por outro lado, as bolanhas são assinaladas como terreno alagado e vistas de avião até têm o aspecto de solo enlameado com farta vegetação, facilmente transponível. A realidade é bem diferente. Extensas zonas que, com os seus socalcos, tinham sido férteis campos de arroz, eram agora, quase abandonadas, autênticas armadilhas onde à mínima distracção um homem se afogava ou ficava atolado até ao pescoço.
Ganhou alguma notoriedade o diálogo entre o Celestino (1) e o Capitão Cadete. Numa operação em que as nossas tropas pretendiam desmantelar a fortificação que os turras tinham implantado em Salancaúr, o Celestino comandava comodamente instalado num avião Dornier. A companhia do Capitão Cadete estava, a pouco mais de duzentos metros do objectivo, a ser fustigada por fogo de canhão sem recuo do IN e o Celestino berrava pela rádio:
─ Avance! Organize o assalto pelo flanco esquerdo!!!
O Capitão, homem experiente, sabia que era de todo impossível dar mais um passo em direcção ao objectivo, estrategicamente defendido pelos lodaçais e, perante a insistência, gritou pelo microfone:
─ Venha cá abaixo e enterre o seu focinho na bolanha, seu…
Isto foi ouvido em todo a rede de transmissões das unidades da zona que, em sintonia, seguiam o desenrolar da operação e… nunca constou que o Capitão Cadete tivesse sido punido.
A zona de Salancaur, que era uma pequena península quando a maré subia, foi durante muito tempo um espinho cravado na nossa garganta. As informações diziam que os turras tinham ali instalado vinte e quatro canhões sem recuo (talvez um exagero), ao mesmo tempo que o reconhecimento aéreo dava conta de actividade rural por parte da população da tabanca nas redondezas, o que punha fora de hipótese a destruição por bombardeamento da aviação.
Os comandos não desistiam de eliminar aquele importante ponto de apoio do corredor de Guileje e as surtidas das nossas tropas sucediam-se sem resultados palpáveis. Numa dessas operações, poucos dias depois do Natal desse ano de 1967 (sei a data precisa, mas não a quero referir) [28/12/1967, L.G.] , tivemos mais três baixas estúpidas, a juntar à de São João.
As nossas tropas saíram ao alvorecer e, excepcionalmente, os Lordes (2), do Alferes Tavares Machado, ficaram no quartel, constituindo a segurança das instalações. Menos de uma hora depois, ouvimos um tiroteio aceso. Os turras tinham emboscado a frente da nossa coluna. Pelo rádio o Capitão Corvacho disse que não havia novidade, que estavam a reagir à emboscada e que o IN estava a retirar.
Em resposta o Alferes Tavares Machado disse que sabia por onde os turras iam fugir e que lhes ia dar uma coça. O Capitão mandou-o ficar onde estava pois a situação estava controlada. Qual quê? Reuniu os seus homens rapidamente e, ele de calças de ganga e camisola branca, embrenharam-se na mata em direcção ao sítio onde deflagrara o tiroteio.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Mais um "achado arqueológico", descoberto recentemente... A placa com o nome do alf Tavares Machado que estava na parada do aquartelamento...
Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2013) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]
Pouco tempo depois, talvez meia hora, ouvimos novo arraial e não tivemos dúvidas de que agora eram os Lordes que estavam sob o fogo bem conhecido das Kalash. Posto ao corrente do sucedido, o Capitão retrocedeu ainda a tempo de enfrentar os turras e evitar uma chacina completa. Só não conseguiu evitar as mortes dos (i) Alferes Nuno da Costa Tavares Machado, (ii) Soldado António Lopes (cuja alcunha era o Sargento, devido aos seus modos bruscos) e (iii) Soldado António de Sousa Oliveira (o Francesinho).
Se houvesse que configurar num homem só, a raça, o patriotismo e o espírito de sacrifício do valoroso soldado português, eu escolhia o Francesinho, sem hesitação.
José Neto (2006)
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Notas do autor:
(1) Celestino era o nome com que depreciativamente tratávamos o comandante do BART 1896, sediado em Buba, personagem muito sombria da minha memória pois ameaçou-me com cinco punições, nunca concretizadas. Algumas vezes o trato por besta nesta narrativa, com alguma propriedade.
(2) Os Lordes era a designação dum Grupo de Combate formado por voluntários da companhia que recebeu instrução especial em Bissau com o fim de constituir o primeiro escalão de progressão e assalto, dado que a CART 1613 foi, inicialmente, companhia de intervenção à ordem do Comando Chefe e actuou em vários pontos do território.
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Nota do editor:
Último poste da série > 18 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12055: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (18): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2o07) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (III): O Ramadão. Fotos.
Último poste da série > 18 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12055: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (18): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2o07) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (III): O Ramadão. Fotos.