Guileje, outra vez!
Após alguns eventuais estudos de EM, as Altas Chefias tinham chegado à conclusão que a melhor maneira de prepararem os jovens militares acabados de sair da Academia para uma vida de “futuras comissões no Ultramar” era dar-lhes uma primeira “experiência ao vivo” por terras da Guiné.
E qual o melhor local para “sentirem a coisa”? Guileje!!!
Não sei quantos Aspirantes eram, mais de 4 e menos de 8, alguém os terá levado até ao Guileje, visita e pernoita no quartel, devem ter aguentado uma manga de briefings, mosquitos, pius e … blá blá….
Até arrisco a dizer (especulação, alguém pode vir a confirmar ou negar tal pensamento) que terão visto e ouvido uns tiros de obus.
Depois havia que os trazer de novo à civilização, a missão da FAP consistia em ir recolhe-los e transportá-los de novo para Bissau.
20 Junho 72, já tinha um mês de Guiné e 11 horas de DO-27, completado o treino operacional (aterrar em Bula, Binar e Biambe), feito a minha primeira missão e, para além das do treino operacional já conhecia outras duas pistas, Tite e Fulacunda.
Coube-me ser o n.º 2 de uma formação de dois DO-27, o meu era o 3329, o piloto que liderava a operação parece que era daqueles que já tinha barbas, eu ainda era um imberbe periquito, nada de importante, não fazia a mínima ideia onde era o Guileje mas também não era importante, bastava-me seguir o chefe, havia de chegar ao destino.
Como ultimo conselho alguém amigo tinha-me dito para ter atenção à travagem já que a pista acabava na porta do quartel (que era de cimento).
Posições relativas de Bula, Binar e Biambe
Posições relativas de Tite e Fulacunda
Ao fim da tarde lá descolámos de Bissau rumo Sul, apontados a Guileje, só que….
Época das chuvas, trovoadas, cumulo-nimbos, dilúvios à frente, ao lado, por detrás, nunca tinha visto chover tão grosso e por tanto tempo, lá me fui aguentando sem perder de vista o outro avião, mas com aquela sensação estranha de, em vez de avançarmos para o destino, andarmos às voltas.
Uma hora depois deste bailado vi algo que me fez disparar a adrenalina, um raio passou perto de mim a acertou lá em baixo no capim que, apesar de tanta chuva, logo começou a arder.
Devo ter dito algo pelo radio do tipo “Ó Janeca, olha lá o pingo da solda” de modo que o vetusto chefe da missão resolveu deixar-se de voltas e voltinhas e aterrar na pista mais próxima, esperando que aquele mau tempo acabasse por passar.
Depois de mais umas voltas finalmente lá encontrámos uma pista e aterrámos, só então me apercebi que, apesar de estarmos a voar há mais de uma hora, ainda só estávamos em … Bolama.
Os aviões apenas estacionados na placa, ao olharmos para Sul ia-me dando uma “travadinha”, vimos uma enorme mancha de “borrasca”, ali mesmo ao pé e a avançar para nós.
“Vamos embora JÁ”… e o grande chefe abalou.
Localização de Bolama
Vide Carta da Provícia da Guiné 1:500.000
Sozinho, triste e abandonado, 40 dias de Guiné, lá me tentei desenvencilhar o mais rápido que podia e sabia, uma coisa era certa, tinha de descolar antes daquele mau tempo chegar, se ficasse no chão de certo que o vento me partia o avião.
Procedimentos a correr e muito atabalhoados, o inicio da descolagem acabou por coincidir com a ventania a chegar à pista, durante algum tempo ainda consegui manter o avião direito, depois as rajadas de vento tornaram o controlo da direcção difícil, o avião ficou tipo cata-vento, vi-me apontado a um dos embondeiros que ladeavam a pista.
Abortar a descolagem era má opção, continuei com o motor aos copos, em direcção à árvore.
Aqui um parêntesis, era periquito e com poucas horas no DO-27 mas tinha tido um grande instrutor.
Ao chegar perto do obstáculo… manche à barriga e flaps (todos) , o DO-27 parecia um elevador, logo passei por cima do embondeiro, como os pilotos costumam dizer… “na cagadinha”.
O regresso a Bissau demorou uns 15 minutos, os Aspirantes acabaram por ficar mais uma noite no Guileje, eu conheci mais uma pista (Bolama) e, com a ajuda do “Joãozinho Caminhante” … dormi que nem um justo!
Amigo José Almeida Brito [, foto de jornal, à direita], tenho saudades tuas, obrigado pelos teus ensinamentos, onde estiveres, este texto é para ti.
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13415: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (27): De visita, com o seu neto, ao Museu do Ar, em Sintra, o Vitor Oliveira reencontra o T6, nº 1737, no qual voou no CTIG