Queridos amigos,
Aqui vão imagens de nostalgia daquelas últimas décadas do Império da Guiné.
Ficamos a saber que o engenheiro de minas José Guedes Quinhones foi o responsável pelo plano de 1919 de que veio a nascer a Bissau que Sarmento Rodrigues pôs em execução.
Ouvimos falar na Garden City, a cidade jardim dos trópicos, vemos projetos que tinham em atenção as condições do clima e a defesa contra a insolação. Refere-se que o HM 241 tinha um serviço de ortopedia que estava entre os melhores do Império e do continente africano. Há ruínas de edifícios dos CTT, abandonados à sua sorte, a crueldade é tanta que ninguém pensa na sua revalorização.
Enfim, uma amostragem pela arquitetura do Estado Novo que jaz agonizante ou não valorizada.
Um abraço do
Mário
Um olhar sobre a arquitetura da Guiné-Bissau, por Ana Milheiro
Beja Santos
Ana Vaz Milheiro é docente do ISCTE e está a preparar pós-doutoramento em arquitetura luso-africana do período do Estado Novo. É investigadora responsável do projeto “Os Gabinetes Coloniais de Urbanização: Cultura e Prática Arquitetónica”. É dela, em colaboração com Eduardo Costa Dias, Doutor em Antropologia Social e investigador do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, o precioso “2011 Guiné-Bissau”, Circo de Ideias – Associação Cultural, 2012.
Escreve a autora: “Fui à Guiné-Bissau à procura do Estado Novo, em outubro de 2011. Até ao desembarque, a imagem que tinha da Guiné-Bissau baseava-se nas pesquisas documentais iniciadas três anos antes, recolhidas em livros e opúsculos, nos desenhos, projetos e documentos, em fotografias. Em 2009, Eduardo Costa Dias deslocou-se a Bissau, como faz quase todos os anos. Generosamente, acedeu em fotografar uma primeira lista de edifícios públicos construídos na capital guineense depois da Segunda Guerra Mundial. Do cruzamento das imagens dos edifícios com os projetos arquivados em Lisboa saíram as primeiras ‘narrativas’ sobre Bissau. Faltava o confronto com a cidade real. A viagem levou-nos a Safim, Nabijões, Bafatá, Gabu, Sonaco, Contubuel, Bula, Canchungo, Cacheu e Mansoa”. Estamos em Bissau.
Estamos em Bissau, e a arquiteta Ana Milheiro dá-nos uma novidade sensacional: “A cidade contemporânea começa a ser planeada na sequência dos acontecimentos militares de 1913, assinalando os esforços de João Teixeira Pinto para estabilizar a presença portuguesa na região. Com a I República cresce o sentimento de embelezar a cidade. O plano de 1919, do engenheiro Guedes Quinhones, não só dá início ao processo de monumentalização do espaço urbano como corresponde à sua expansão para lá do perímetro primitivo. Cruza a baixa densidade da Garden City, propondo uma praça radial, implantada na cota mais elevada, ligando-se, através de um boulevard, à zona baixa e portuária. A Av. Amílcar Cabral é, então, a Av. 31 de Janeiro. Os limites da cidade são assegurados por uma “Avenida de cintura”, que faz fronteira com os subúrbios, onde a população africana se irá fixar. Identificam-se os lotes das instalações da energia elétrica e abastecimento de água, do Palácio do Governo, do Novo Hospital e do Banco Nacional Ultramarino. Formam um programa mínimo de equipamento (a que se junta a escola primária, c. 1922) que o Estado Novo reforça depois de 1945. A estratégia estado-novista passa por diminuir os vestígios deste urbanismo de perfil republicano, apropriando-se dos seus símbolos”.
Imagem de Bissau inserida no livro de Ana Vaz Milheiro
Três anos após a passagem de Bissau a capital, chega o arquiteto Paulo Cunha, vem com a responsabilidade de construir casas, a capital está muito carente. O padrão unifamiliar marca a escala de Bissau, contribuindo para acentuar uma fisionomia do tipo Garden City
Uma vista das moradias de Bissau construídas entre 1944 e 1946
A deambulação prossegue pelas ruinas do Hospital 3 de Agosto e a autora observa: “O seu estado ruinoso atual não impede a constatação da qualidade da arquitetura da última fase da presença colonial”. Detém-se na Sé de Bissau, urdida por João Simões em 1945. No lado oposto da avenida encontra-se a sede dos correios cuja fachada é monumentalizada à maneira das obras do Estado Novo. E chegamos a um equipamento que os arquitetos muito apreciam: a estação meteorológica de Bissau. E Ana Milheiro escreve: “É a questão do clima e, mais precisamente a necessidade de isolamento térmico, que irá definira opção por uma cobertura plana, desafiando as rotinas habituais que preferem telhados inclinados. Nas especificações construtivas, refere o arquiteto que o revestimento da cobertura é composto por pequenas lajes soltas que produzem o mesmo efeito de uma caixa de circulação de ar”.
Estação Meteorológica, Lucínio Cruz, 1952, Bissau
Seguem-se visitas aos bairros de Santa Luzia e da Ajuda, há também um olhar demorado sobre a sede do PAIGC outrora a Associação Industrial e Comercial de Bissau, e, ali bem perto há o edifício sede da TAP. A visita a Bissau está praticamente concluída, tira-se uma impressiva fotografia ao pedestal da estátua de Diogo Gomes, o que da estátua resta encontra-se no forte de Cacheu.
Seguem para Bafatá, e depois Contubuel. Diz a autora: “É um sítio histórico extraordinário”. O lugar, famoso pelas madrassas da etnia Mandinga, ostenta vestígios coloniais. Ali se fundou uma missão católica nos anos 50. Ainda em Contubuel, há uma paragem no mercado e a autora escreve: Materializa um desenho elementar: “Um pavilhão só parcialmente fechado com elementos cerâmicos vazados, rematado com uma cobertura de duas ou quatro águas. O recurso a projetos-tipo está instalado entre os profissionais dos organismos públicos que desenham para África durante o Estado Novo. Na Guiné, encontramos pelo menos quatro séries. A escola primária. A estação de correios com residência para o chefe de posto. O celeiro comunitário. E o mercado-telheiro”. Impressiona-se com a escola primária de Cacheu, chama-lhe à atenção o Cine-Canchungo e diz o seguinte: “Aparece nos relatos dos antigos combatentes como local de visionamento de filmes improváveis. A Mulher Infiel de Claude Chabrol, exibido em dezembro de 1972, é um deles. Durante a década de 60, o conflito armado determina a escala alcançada pelos equipamentos diretamente ligados ao esforço militar: instalações hospitalares, aquartelamento ou clube militar”.
Cine-Canchungo, década de 1960
E não esconde o seu maravilhamento com a estação dos CTT de Gabu, e comenta: “O gaveto da estação dos Correios, Telégrafos e Telefones de Gabu funciona como expressão arquitetónica da urbanidade ambicionada para as povoações interiores da Guiné no período colonial. Um edifício que se abre em esquina é um edifício que desenha em cidade. O projeto repete-se, pelo menos, em Bissorã, Mansoa e Bafatá, nesta última com maiores dimensões. Visitámos o posto dos Correios, agora encerrado, e entrámos na casa do antigo chefe. De área mínima, a habitação é, todavia, um privilégio concedido pelo Estado Novo aos seus funcionários”.
O melhor é folhear calmamente o que Ana Vaz Milheiro captou e sentiu. O livro faz parte de uma coleção que procura construir um mapa afetivo de viagens. A arquiteta passou o teste e legou-nos uma pequenina joia de edifícios que milhares e milhares de ex-combatentes nunca esqueceram.
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13585: Notas de leitura (630): “Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de Língua Portuguesa”, por Alfredo Margarido (Mário Beja Santos)