sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16649: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte XIII: Bolama, uma experiência agridoce (II)


Foto nº 1 > Bolama visat de São João



Foto nº 2 > Tarrafo




Foto nº 3 > Residencial Gá-Djau.


Foto nº 4 > Praia Ofir com vacas a apascentar (1)



Foto nº 4A > Praia Ofir com vacas a apascentar (2)


Foto nº 5 > A Adelaide na praia de Ofir


Foto nº 6 > Antigo palácio do Governador, em ruínas


Foto nº 7 > Antigos paços do concelho, em ruínas


Guiné-Bissau > Arquipélago de Bolama - Bijagós > Bolama  > Outubro de 2015


Fotos (e legendas): © Adelaide Barata Carrêlo (2016), Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico 
e das notas de viagem de Adelaide Barata Carrelo, à Guiné-Bissau, em outubro-novembro de 2015 (*). 

Com sete anos, a Adelaide passou uma larga temporada (1970/71) em Nova Lamego, com o pai, a mãe e os irmãos, tendo regressado no N/M Uíge, em 2 de março de 1971. Em 15/11/1970 teve o seu "bartismo de fogo".

O pai era o ten SGE José Maria Barata, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71). Quarenta anos depois regressa à Guiné-Bissau...

É nossa grã-tabanqueira, nº 721 (membro da nossa Tabanca Grande desde 11/7/2016).



BOLAMA (II)

 Chegados a Bolama esperámos uma espécie de "tuk-tuk" que nos levou à Residencial Gá-Djau.
A primeira impressão... respira-se história por todas as esquinas, vidas que foram felizes aqui, memórias de ruas com nomes que nos pertencem (por exemplo,  "Rua de Cascais"). 

Soubemos que,  através de um protocolo com a cidade de Cascais,  foram oferecidas uma ambulância e uma viatura polivalente, bem como a doação de 55 mil livros para a biblioteca municipal da Guiné Bissau.

Casas de arquitectura puramente colonial ainda se mantém firmes como que um cartão de visita, embora desertas e desejosas para contar as suas infinitas histórias.

Almoçámos,,  no Bar "Sabor das Ilhas",  um peixe grelhado magnífico,  "ventana" (parecido com a nossa "dourada") e arroz, não faltando a magnífica banana como sobremesa.

Ainda visitámos o cemitério de Bolama onde se encontram sepulturas de alguns portugueses que lá viveram e lutaram.

Deambulámos pelas ruas da cidade, onde observámos o Palácio dos Paços do Concelho, a Igreja de S. José e os edifícios militares entregues ao passar dos anos. Espreitámos o interior do Cinema de Bolama pela bilheteira abandonada.

Nos campos de futebol adjacentes ao quartel, observámos adolescentes a treinar intensamente debaixo de um calor sufocante.

Encaminhámo-nos para o mercado municipal, e no caminho demos conta da existência de duas cabines telefónicas que hoje estão completamente mudas.

Ao regressar à Residencial esperava-nos um chá "wuarga" (espécie de chá preto muito forte com muito açúcar), servido em copos de vidro pequeninos.

Na primeira noite em Bolama, apanhámos uma trovoada depois de um anoitecer quente e pesado, debaixo de uma espécie de coreto pequeno na Residencial.

Dormir à noite... impensável, mas o cansaço era tanto que as melgas eram simples mosquinhas a bailar à volta dos nossos ouvidos.... E o calor...?

Ao nascer do dia não podíamos perder um mergulho na praia de "Ofir". Quando chegámos, a água estava mansa, como as vacas que comíam a erva junto á areia.

A água estava morna, o que nos permitiu nadar e mergulhar durante bastante tempo.

O que aconteceu depois...,  é que não esperávamos. Quando nos fomos secar nas toalhas e vestir as roupas que deixámos em cima de um muro junto à praia, fomos atacados por formigas grandes e rápidas que nos mordiam os pés e tudo o que podiam,  sem dó nem piedade. Por mais que sacudíssemos as roupas, mais elas surgiam, fugimos dali com uma sensação agridoce, mas valeu a pena!

Planeávamos ir a Cantanhez, mas,  com as chuvas e o estado das estradas, mudámos o rumo à nossa viagem.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 27 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16646: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte XIII: Bolama, uma experiência agridoce (I)

Guiné 63/74 - P16648: Parabéns a você (1152): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de  20 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16619: Parabéns a você (1151): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16647: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (15): Desertor era o militar que (i) foi incorporado, (ii) estava nas fileiras e (iii) as abandonava ao fim de algum tempo... Desconfio um bocado do número de desertores que foi avançado pelos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins, se for aplicada a definição exacta dos regulamentos da época (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


1961 > Chegada a um porto ultramarino (talvez Luanda), de um contingente militar oriundo da metrópole. [ Foto, alegadamente do porto de Bissau,  adquirida na Papelaria Benfica, junto ao estádio Sarmento Rodrigues... Em 1961, o porto de Bissau não tinha grandes condições para a atracagem de naivos de maior calado do que, por exemplo, os da classe Manuel Alfredo,  Alfredo da Silva ou Ana Mafada. Também parece que não havia carris nem grandes guindastes.].

A foto é do nosso camarada açoriano, ex-fur mil  Durval Faria,  um dos primeiros de nós,  a partir para a Guiné, logo em 1962... Pertenceu à CCAÇ 274 / BCAÇ 356 (1962/64)... O Durval Faria chama-lhe Companhia de Caçadores Especiais nº 274, constituída por militares das lhas de São Miguel e Santa Maria]

Foto do Mural do Facebook, do nosso camarada Durval Faria (Lagoa, S. Miguel, Açores) (Aqui reproduzidas com a devida vénia...). O Durval Faria é membro da nossa Tabanca Grande



1. Comentário de António J. Pereira da Costa ao poste P16628 (**)

[António José Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; tem mais de 110 referências no nosso blogue]

Olá,  Camaradas

Desertor é o militar "que deserta". Isto é, o que foi incorporado, está nas fileiras e as abandona, ao fim de algum tempo.

Ponho à consideração do blog que "puxe pelas memórias" e tente lembrar-se de quantos militares desertaram nas unidades a que cada um pertenceu. Creio que o número de desertores "na frente de batalha", foi absolutamente residual, creio que por falta de confiança no "tratamento" que o inimigo lhes daria. 

Podemos lançar um inquérito "à Luís Graça" com a pergunta quantos camaradas desertaram na minha unidade no TO daquela PU? 

As cinco hipóteses: 

nenhum
um
dois
três
mais de três 

Não se aceitam respostas do tipo "não sei/não me lembro", uma vez que um caso de deserção numa companhia era um caso muito falado. 

Será de excluir a deserção dos naturais da PU? Ou deverão ter um tratamento estatístico à parte?

No fundo, estavam nas mesmas condições dos que desertavam nas unidades metropolitanas. Há também o caso dos que desertavam "para trabalhar". Tive vários casos de homens que desertavam - ausentavam-se por mais de 8 dias se eram prontos ou mais de 15 dias na recruta - para irem trabalhar nas colheitas e outros trabalhos agrícolas e depois, finda a tarefa, voltavam.

Este tipo de deserção levanta a questão do "patriotismo" do nosso povo. É um conceito escorregadio que se poderia medir pelo número de "voluntários". No fundo, "aquilo da tropa era uma chatice". Pagavam uma miséria, davam comida que até podia ser em quantidade mas, às vezes, não era assim tão boa e era muito diferente da de "lá de casa". (A questão da comida é/era importante.).

O ambiente do quartel (caserna e refeitório) tinha muito que se lhe dissesse...

Ensinavam(?) coisas que não interessavam para nada e até mandavam fazer ginástica que só servia para cansar e chatear. Ukék eutouakiafazer? Uké isso da pátria?

Este tipo de desertores era frequente e, quando punidos pelo crime, não entendiam o que tinha passado e alegavam que não tinham cometido crime nenhum e até diziam:
- Eu não fugi. Precisava de ir para sustentar a família.

A legislação sobre "amparos" era e tinha de ser muito restritiva. E tudo acabava no embarque para o TO de alguma PU.

Desertores "ideológicos", nas unidades territoriais,  era poucos. Poderemos lançar mais um inquérito, pois assistimos a casos de deserção sem regresso e, na minha opinião, são estes os verdadeiros desertores, os que se recusaram a fazer a guerra e preferiram deixar o país definitivamente e reiniciar a vida noutro país. Claro que a consulta às ordens de serviço das unidades não permite destrinças entre as diferentes situações.

Para ser sincero, desconfio um bocado do número de desertores, se for aplicada a definição exacta dos regulamentos.

Parece-me que estamos a referir como "desertor" qualquer homem que fugiu ao serviço militar, quer tenha fugido adolescente - antes de "dar o nome" [, faltoso] - quer o tenha dado e tenha fugido quando a incorporação se aproximava [refratário]. 

Estes números são muito consideráveis, mas creio que não sejam determináveis com grande exactidão. Julgo que os serviços não os controlavam, nem para efeito de estatística, o que poderia medir a impopularidade da guerra ou patriotismo do povo. Este resultado poderia ser decepcionante para os "guerristas".

Para se ser desertor - naquele tempo e hoje - é necessário ter-se sido incorporado. Era, nos termos da lei do tempo, um crime "essencialmente militar", ou seja, um crime que só os militares podiam cometer. Hoje a legislação mudou e não existe este tipo de crimes. 

Se se não era incorporado,  era-se civil e, quanto muito, deixava de se cumprir "um dever de cidadania", como se diz hoje.

Neste âmbito, considerando que os membros do blog são ex-militares, teremos de tomar como verdadeiros os elementos fornecidos pelos investigadores, relativos àquelas duas situações. Seria bom que eles indicassem o seu método de trabalho, técnica de interpretação de elementos disponíveis e fontes consultadas.

Aqui, era interessante consultarmos as histórias das unidades, onde as deserções em face do inimigo deverão vir assinaladas e, talvez, personificadas.

O tal inquérito sobre esta matéria seria interessante...

Para a maioria dos membros do blog, dada a curta permanência na "metrópole", será difícil fornecer números de desertores nas unidades do continente e ilhas. (***)

2. Comentário do editor:

Seguimos a sugestão do nosso amigo e camarada Tó Zé, abrindo um inquérito 'on line' no sítio do costume, o  canto superior da coluna da esquerda... 

Vamos considerar também as eventuais situações de deserção na metrópole, aquando da formação da companhia (ou equivalente). Pode haver um caso ou outro onde seja difícil obter elementos fiáveis: por exemplo, na minha CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, éramos cerca de 60 e tal graduados e especialistas que se juntaram no Campo Militar de Santa Margarida para "formar a companhia".  Não posso garantir que alguém não tenha comparecido (, sendo dado nesse caso como desertor). Mas penso que não. Era uma unidade "atípica" que se foi juntar aos seus praças, do recrutamento local, já recrutas (cerca de 1 centena).  Demos-lhes a instrução de especialidade e fizemos com eles a IAO. Não houve deserções  no tempo em que lá estive (maio de 1969/março de 1971). Fomos substituídos por outros graduados e especialistas, em rendição individual.

Já no caso da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), por exemplos, sabemos que houve, na véspera do embarque, a deserção de um oficial miliciano (ou aspirante a oficial miliciano).

O nosso inquérito desta semana contempla as duas situações: a hipótese de deserção ter ocorrido na metrópole e ou já no TO da Guiné. Podem e devem ser dadas duas respostas: por exemplo, 1. Nenhum [caso], na metrópole; e 2. Nenhum [caso], no TO da Guiné. Ou então: 3. Um [caso], na metrópole; e 2. Nenhum [caso], no TO da Guiné. 

INQUÉRITO 'ON LINE': "NA MINHA UNIDADE (COMPANHIA OU EQUIVALENTE) NÃO HÁ CASOS DE DESERÇÃO" 

1. Nenhum, na metrópole

2. Nenhum, no TO da Guiné

3. Um, na metrópole

4. Dois, na metrópole

5. Três ou mais, na metrópole

6. Um, no TO da Guiné

7. Dois, no TO da Guiné

8. Três ou mais, no TO da Guiné


A responder até 3/11/2016, 5ª feira, 15h34.
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(**) Vd. poste de 22 de outubro de  2016 > Guiné 63/74 - P16628: Recortes de imprensa (83): Guerra colonial: mais de 200 mil refratários, mais de 8 mil desertores... e faltosos, não se sabe..., segundo estudo em curso conduzido pelos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins (Lusa / DN - Diário de Notícias / Expresso, de ontem

(...) Os historiadores do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, vão apresentar os dados finais do estudo no colóquio "O (as)salto da memória: histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio", que se realiza na quinta-feira, no qual será também apresentada documentação inédita sobre desertores da Guerra Colonial.

De acordo com os investigadores, o número definitivo do novo estudo sobre militares que desertaram da Guerra Colonial "pode pecar por defeito" porque ainda não é possível contabilizar os dados referentes a todos os territórios e o estudo tem como base apenas fontes do Exército.

O Código de Justiça Militar definia como desertor aquele que não comparecia na instalação militar a que pertencia num prazo limite de oito dias.

Segundo Miguel Cardina, para compreender o fenómeno da recusa de ir à guerra, além dos militares que desertaram, é preciso também considerar os refratários - jovens que faziam a inspeção mas que fugiam antes da incorporação - e os faltosos, que nem sequer faziam a inspeção militar.

"Temos dados que indicam que entre 1967 e 1969 cerca de dois por cento dos jovens que são chamados à inspeção foram refratários. Este número é certamente superior ao número dos desertores. Os faltosos são aqueles que nem sequer se apresentam à inspeção. Dados de 1985 do Estado-Maior do Exército indicam que cerca de 200 mil terão abandonado o país. Na década de 1970, cerca de vinte por cento dos jovens que deveriam fazer a inspeção já não se encontravam no país", indicou o historiador do CES.

Para Miguel Cardina, o "processo de afastamento e fuga" da estrutura militar deve ser estudado com profundidade e, por isso, o estudo começa pelos desertores - porque não existiam números conhecidos até ao momento - mas frisou que é preciso considerar as outras categorias: os refratários e os faltosos.

"Temos de colocar estas três categorias na mesma equação, sabendo que elas são diferentes e têm uma ligação com o fenómeno da guerra, também ela diferente. É natural que, no quadro dos faltosos, a guerra possa estar presente mas não tem o mesmo peso que tem nos refratários e também nos desertores", explicou.

Segundo o historiador, o "fenómeno dos faltosos" cruza-se com o fenómeno da emigração, sendo que uma boa parte destes jovens não estavam a "fugir da guerra" mas também da falta de perspetivas de futuro, ou seja, "a guerra podia ser" uma das motivações para o ato de emigrar. (...)


(***) Último poste da série > 24 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16631: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN, o sold at inf José António Almeida Rodrigues (1950-2016)

Guiné 63/74 - P16646: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte XIII: Bolama, uma experiência agridoce (I)







Guiné-Bissau > Região de Quínara > Travessia do rio Grande de Buba (ou, melhor do "canal do porto"), de São João para Bolama, vindo de  Fulacunda > Outubro de 2015

Fotos (e legendas): © Adelaide Barata Carrêlo (2016), Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Carta de São João (1955) > Escala 1/50 mil > Detalhe: posição relativa de São João, Bolam, canal do porto e rio Grande de Buba.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)



1. Texto e fotos enviados em  12 do corrente. Continuação da publicação do álbum fotográfico e das notas de viagem de Adelaide Barata Carrelo, à Guiné-Bissau, em outubro-novembro de 2015 (*). 

Com sete anos, a Adelaide passou uma larga temporada (1970/71) em Nova Lamego, com o pai, a mãe e os irmãos, tendo regressado no N/M Uíge, em 2 de março de 1971.  Em 15/11/1970 teve o seu "bartismo de fogo".

 O pai era o ten SGE José Maria Barata, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71). Quarenta anos depois regressa à Guiné-Bissau...

É nossa grã-tabanqueira, nº 721 (membro da nossa Tabanca Grande desde  11/7/2016).


BOLAMA (I)

A ilha de Bolama localiza-se no arquipélago dos Bijagós, na Guiné-Bissau. É a ilha mais próxima do território continental da Guiné-Bissau, e é o nome da principal cidade, capital da região de Bolama.

A ilha é rodeada por manguezal, que é um ecossistema costeiro de transição entre os ambientes terrestre e marinho, zona húmida característica de regiões tropicais e subtropicais. Associado às margens de baías, enseadas, barras, desembocaduras de rios, lagunas e reentrâncias costeiras, onde haja encontro de águas de rios com a do mar, ou diretamente expostos à linha da costa, está sujeito ao regime das marés, sendo dominado por espécies vegetais típicas, às quais se relacionam outros componentes vegetais e animais.

Ao contrário do que acontece em praias arenosas e dunas, a cobertura vegetal do manguezal instala-se em substratos de vasa de formação recente, de pequena declividade, sob a ação diária das marés de água salgada ou, pelo menos, salobra.

Depois de passar por Fulacunda, seguimos a caminho de Bolama. À beira estrada surge-nos uns montes de argila vermelha compacta, que podem atingir os dez metros de altura e pesar toneladas, são erguidos pelas formigas térmitas ou salalé, que na Guiné se denominam por "Bagabaga".

Ao longo da estrada avistam-se braços do rio Geba onde corpos nus se banham dando conta da nossa passagem. Sempre a contornar as poças de água na estrada e em ziguezague chegámos ao fim da estrada, a S.João, onde iríamos atravessar as águas profundas para chegar a Bolama.

Alguns rapazes que se encontravam neste cais improvisado, prontificaram-se para chamar o dono da piroga para nos levar. Atravessámos as águas que se rasgavam no casco da piroga e vimos pequenos peixes saltavam brilhando ao sol.

Guné 63/74 - P16645: As nossas mulheres (14): Tive conhecimento, mas muito mais tarde, que boa gente vivia em Bissau ou tinha a mulher que vivia na cidade (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; lapidador de diamantes, reformado)


Guiné > Bissau > 1968 > Despedida: foto do Mário Gaspar tirada junto á estátua do cap Teixeira Pinto (ou "capitão-diabo", para os guineenses)

Foto: © Mário Gaspar (2016). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, do 20 do corrente,  de 

Assunto - Se tive, familiares ?... Poucos foram aqueles que usufruíram de tal


Se tive porventura contactos com familiares meus ou de camaradas, no mato ou Bissau?

Enquanto camaradas morriam – e esses meus heróis caíam por toda a Guiné, e em Moçambique e Angola? E nós éramos calcados, amassados e esmiolados nos bocados e nas poças de sangue desses mesmos camaradas. Bissau era cidade. Mulheres, comida e local onde se vivia, existia VIDA.

Senti o corpo a arder, queimado e chamuscado de morte. Nunca tive receio dela. Fácil de compreender: vivia e estava casado com ela. Senti-o quando tive conhecimento ao regressar a Bissau, após gozar férias em Lisboa. Privilégio que poucos usufruíram… Pois regressava e dizem que os camaradas Pestana e Costa tinham falecido. Escrevi, nesse mesmo dia para aquela com quem me casei:
– Estou farto de Bissau, aqui só se fala em guerra!

Fui para Gadamael Porto, de avioneta. Pouco tempo depois estava nessa Operação fantasma “Revistar”. Não se falava de outra coisa na esplanada do Hotel Portugal… Em toda a Bissau… Depois foi o que foi. E eu cheio de guerra, inundado. Escutei o meu grito

Vinte e quatro horas, com um horário de 8 horas e 100% de aumento de tempo para efeitos de reforma ou aposentação. No mato o dia ultrapassava matematicamente – no nosso interior essas 24 horas – e quantos como eu (nem o direito a esse período de tempo, para a reforma e/ou aposentação) tínhamos essas 24 horas, para existir justiça, seriam 400% de aumento de tempo, estávamos 24 horas de Serviço, sem descanso semanal.

Tive conhecimento, mas muito mais tarde, que boa gente vivia em Bissau ou tinha a mulher que vivia na cidade. Neste último caso, vivia o casal em Bissau ou no interior.

Curiosamente só muito posteriormente, vim a saber existirem militares que viviam com esposa, em determinadas zonas da Guiné.

Como muito boa gente – conheço e desconheço a razão – não diz qual a elite militar que possuía esse prazer, melhor ser no interior de Comandos, Fuzileiros e Paraquedistas. Também naqueles que estavam colocados em Bissau – aí era indiferente o Posto.

Pois em Bissau ouvi disparos. De quem? Tropas Especiais aos tiros após jogo de futebol. Não é deles a culpa, outros os denominaram como tal.  Estou à vontade para afirmá-lo, estive – fui obrigado (todos foram obrigados) a frequentar umas Provas para os Rangeres. Só tenho a dizer que bem me arrependi, bem pior era ser-se Atirador e especialista em minas e armadilhas.

Se tive familiares, também amigos, é bem verdade que sim… Por correspondência – carta ou aerograma – e com namoradas, com ejaculação. As palavras são mesmo escritas, em determinadas ocasiões tudo o que queremos e desejamos. Eram minhas as vaginas, suecas, brasileiras e portuguesas. Puxava-lhes pelos seios e íamos para a cama.

Mas a cama era dura. Depois aqueles mosquitos entravam por todos os buracos e mordiam. Os 4 paus que erguiam o mosquiteiro eram meus aios. Quando no “corredor da morte” – “corredor de Guilege” aguardávamos vindos da fronteira o PAIGC para abastecer a sua tropa, era de madrugada e dormia-se um sono com os pés dentro de um charco.

Os sonhos? Não sonhei mais. Cheiro de tiros, canhões e morteiros.

Tenho a impressão que teria passado razoavelmente de janeiro de 67 a outubro de 68 em Bissau. Apreciador de cerveja, camarão e ostras. Gostando de comer um pombo verde no Zé da Amura.

Até com piscina, tão apreciador de dar umas braçadas estilos livre, mariposa ou de bruços.

Talvez não tivesse ido a esse mundo do “Pilão”, perigoso demais para um habitante de Bissau. Mas estive lá e à noite… Decerto estava já mesmo “apanhado pelo clima”, não do de Bissau – doentio decerto – melhor que o mato.

Um abraço

Mário Vitorino Gaspar

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de outubro de  2015 > Guiné 63/74 - P15293: As nossas mulheres (13): Só se pode falar do passado porque o futuro começa amanhã (Juvenal Amado)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16644: Estórias mal contadas que fazem História: a mina anticarro soviética que eu (e não o capitão...) despoletei, na secretaria, em Cufar, em 11/7/1973 (Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740, Cufar, 1972/73, e Pel Caç Nat 52, Bambadinca e Mato Cão, 1973/74; novo membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730)



Guiné  > Região de Tombali > Cufar >  CCAÇ 4740 (1972/74) > 1973 > Mina anticarro soviética, em caixa de madeira



Guiné  > Região de Tombali > Cufar >  CCAÇ 4740 (1972/74) > 1973 > Mina anticarro soviética, em caixa de madeira:  espoleta MUV 2


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) > O alf mil inf Luís Mourato Oliveira, à direita, com o João Santos: "Neste dia que a ementa era leitão,  o João Santos, grande companheiro que figura na imagem, pode saborear o pitéu com apetite, ao contrário do que aconteceu quando o jantar foi macaco cão e o estômago dele não resistiu".



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74)  > "Véspera de Natal de 1973,  o PAIGC estava na mata e tomamos a iniciativa de os enfrentar para que a consoada fosse 'em paz'. Aqui está parte do Pel Caç Nat 52 que emboscou com sucesso o PAIGC nesse dia, sofrendo um ferido ligeiro".


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74)  > "Do planalto de Mato de Cão a vista magnífíca do rio Geba e da bolanha de Nhabijões"


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira  (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


​1. Mensagem de Luís Mourato Oliveira, com data de 24 do corrente;

 [foto à esquerda, Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740, Cufar, 1972/73, e Pel Caç Nat 52, Bambadinca e Mato Cão, 1973/74; novo membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730]


Caro Luis

Apesar de visitar o Blog com alguma regularidade, a minha colaboração tem sido muito limitada, diria até nula.

Aproveito para te informar que,  com muita pena minha,  já não vivo na Marteleir,. Lourinhã,  desde setembro de 2015 e talvez por isso nunca nos encontrámos este ano,  apesar de todas as sextas-feiras lá estar presente para o jantar habitual da nossa tertúlia "raiz de cana".

Como verás,  o motivo do "escrito" foi o encontro com um ex-camarada de Cufar [, da CCAÇ 4740]. Talvez mais encontros me levem a dar mais alguma colaboração.

Verifiquei que,  apesar de num texto sobre o sequestro em Bambadinca​ pela CAÇ 22 [ou 21 ?] (**), de que fui testemunha e prestei informação estar identificado como tabanqueiro nº 625, não consto na lista [alfabética] dos tabanqueiros, o que gostaria, pois permitia ter talvez contacto com outros camaradas visitantes do Blog e que me conhecessem.

Por hoje não te incomodo mais, apenas te envio o texto em anexo para tua análise e aprovação e também as melhores saudações com votos de saúde e alegria.

Luís Mourato ​Oliveira

​PS - Seguem em anexo imagens de mina anticarro soviética bem como espoleta MUV 2 que não enviei no primeiro correio​


2. Comentário do editor LG:

Luís:

Tens toda a  razão, foi uma notória falha minha, tinha-te prometido apresentar a tua pessoa,  ao pessoal da Tabanca Grande,  como o novo membro, com o lugar nº 625, de modo a poderes  passar a desfrutar melhor, face a face, da companhia dos amigos e camaradas da Guiné que se sentam á sombra do nosso mágico e protetor poilão... 

Isto passou-se em 23/7/2013, imagina (!), há mais de três anos atrás!... Eu tinha acabado de regressar de Luanda e vinha cansado (*). A verdade é que  o  que te prometi, não cumpri nesse fim de semana,,, Faço-o hoje, tardiamente, mas com todo o gosto,  por ter na nossa companhia não só um lourinhanense (ou descendente de lourinhanses) mas também um camarada que comandou (e foi o último comandante de) os bravos do Pel Caç Nat 52, e que andou por terras que eu também calcorreei, com o mítico Mato Cuor, no regulado do Cuor...

Já não te posso dar o lugar nº 625, entretanto ocupado, mas passas a ter um outro lugar, cativo, sob o nº 730. Depois do Henrique Matos, do  Joaquim Mexia Alves,  e do Mário Beja Santos (por ordem alfabética, não necessariamente histórica), passas a ser o quarto comandante do Pel Caç Nat 52 a integrar a nossa Tabanca Grande.

Um alfabravo, espero poder encontrar-te um dia destes, por terras da Lourinhã, entre a Praia da Areia Branca e a Marteleira. LG


3. Estórias mal contadas que fazem História
Capa do livro

por Luís Mourato Oliveira


Na passada semana tive a surpresa do camarada “cufariano” da CCAÇ 4740, Mário Oliveira,  ex-furriel mec auto daquela companhia e um dos administradores do site daquela unidade que ele próprio criou conjuntamente, com o ex-alferes Zêzere e com o ex-furriel Faria, me contactar através do Facebook.

Dizia-me ele que,  semanalmente e com rigor, todos os sábados se desloca à Ameixoeira, onde actualmente resido, para visitar a sogra e almoçarem em convívio familiar com esta,  bem como com os seus cunhados,  e que seria agradável encontrarmo-nos para um café e uma boa cavaqueira. 

Respondi imediatamente que teria todo o gosto neste encontro após quarenta e três anos em que apenas tivemos oportunidade de trocar recordações e notícias através do site por ele criado. Combinámos o encontro e à hora combinada lá estávamos nós sentados no café do Sr. Manuel,  nas galerias de Santa Clara. 

Para minha surpresa reconhecemo-nos imediatamente,  não graças à boa memória dos nossos rostos dos vinte anos nem porque não mudámos nada desde essa data, mas sim pelas fotografias e postes que vamos trocando no Facebook. As tecnologias têm algumas vantagens!

Foi uma manhã de convívio muito agradável, sobretudo porque rebuscámos as boas lembranças daquele tempo. Celebrámos o facto de termos tido uma vida sã e com alegrias durante a nossa vida na tropa bem como no tempo que se seguiu e não abordámos nem agruras nem tragédias antigas para que o encontro celebrasse apenas as coisas boas da vida.

Uma das boas lembranças que trocámos foi um dos milagres de Cufar, de certeza que aconteceram muitos mais, que ocorreu em julho de 1973 e que é relatado no livro “Diário da Guiné“,  da autoria do nosso camarada António Graça Abreu [,  pág,  que connosco conviveu esse período que a todos marcou e de quem tenho estima e consideração,  apesar de aqui vir corrigir a estória que,  segundo ele,  ocorreu no dia 11 daquele mês. 

Estou certo de que o que Graça Abreu escreveu e a que só não correspondem os actores do acontecido naquele dia, não se deve a uma voluntária alteração dos factos, mas sim à narrativa que lhe foi dada dos acontecimentos e que aceitou como boa e posteriormente a transcreveu,  ficando assim para a construção da História.

Nesse dia um popular de Matofarroba dirigiu-se ao aquartelamento e denunciou que uma mina anticarro tinha sido colocada à entrada do aldeamento, na altura uma aldeia restruturada através da acção de reordenamentos lavada a cabo na Guiné.

Um grupo dirigiu-se ao local, localizou e levantou a mina. Tratava-se de uma mina anticarro russa, uma arma de uma simplicidade letal que se resumia a um caixote de madeira com cerca de sete quilos de trotil e uma espoleta que cedia com a pressão da uma viatura provocando assim os estragos que todos nós conhecemos. O caixote foi assim simplesmente levantado, transportado para a unidade e “arrumado” na secretaria da companhia sobre a secretária do já falecido primeiro-sargento Xavier…e lá ficou.

O alferes do terceiro pelotão, Luís Oliveira, eu próprio [. e não o capitão, segundo a versão do António Graça de Abreu,  vd. ponto 4, a seguir],  entrou por acaso na secretaria, talvez para ver a mina “apreendida”,  porque não era local que frequentasse com regularidade, e movido por uma curiosidade perigosa sobre a arma do inimigo e para verificar se esta tinha sido desarmada antes de estar assim exposta, rodou a tampa de baquelite que ocultava e dava acesso à espoleta MUV que deveria fazer a mina explodir.

Para grande surpresa minha e ainda maior susto, verifiquei que,  após a tampa de baquelite estar completamente desenroscada, alguma coisa a prendia e a impedia de se soltar do caixote mortal. Com o máximo cuidado detectei que a na base da rosca da tampa tinha sido feito um pequeno orifício e que neste estava preso um cordel que impedia a tampa de se soltar. Também rapidamente concluí que o mesmo cordel estava lasso e que, se havia perigo, o pior já tinha passado. 

Informei imediatamente os presentes na secretaria para que saíssem porque a mina estava armadilhada, cortei o cordel que accionava a armadilha, retirei a espoleta MUV que armava originalmente o engenho e com ajuda de alguém foi retirada a tampa de madeira do “caixote” ainda mina.

Havia uma segunda espoleta MUV soldada no trotil e armada no dispositivo de tracção onde estava atada a outra ponta do cordel. Na tampa da mina estavam pregados grosseiramente alguns pregos que deveriam servir de guia ao cordel para que,  ao desenroscar a tampa de baquelite, a tração do mesmo fosse orientada para que a espoleta fosse accionada e o engenho explodisse. Felizmente isso não aconteceu e,  se assim fosse, como calculam, não poderia hoje estar a contar esta estória.

Posto isto, e para que as estórias contribuam para a História com o máximo de rigor, mais que a corrigir a narrativa do Graça Abreu em que só os autores não correspondem aos acontecimentos ocorridos, ficam-me na memória a série de condutas incorrectas na acção de levantamento da mina que são reveladores da impreparação dos nossos militares e da falta de liderança para algumas acções que, pela sua delicadeza e perigosidade.  exigiam profissionalismo e regras de procedimento rigorosas e aplicadas exclusivamente por especialistas.

Concluindo, após a identificação e  localização da uma mina, esta deveria ter sido detonada no local por especialista de minas e armadilhas,  evitando assim o risco desta estar armadilhada e infringir baixas desnecessárias quer às NT quer à população civil e evitaria também os erros subsequentes que se sucederam.

A mina deveria ter sido desarmada por um especialista que melhor do que eu teria gerido o desarme da armadilha lá colocada.

O mais caricato desta estória foi a mina ter sido depositada na secretaria sobre a secretária do primeiro Xavier que certamente não carecia daquele equipamento para as suas tarefas administrativas.

Por último, o meu próprio erro de manusear uma arma que não me dizia respeito, visto ser atirador de infantaria e não especialista de minas e armadilhas,  e ainda ter ignorado negligentemente que o desarme de uma mina não deveria ser efectuado numa secretaria e onde estavam mais militares que seriam vitimas da minha incúria,  caso a armadilha tivesse funcionado.

Por último as informações militares deveriam ter aprisionado, interrogado e posteriormente controlado quem prestou a informação sobre a localização da mina,  dado o objectivo primeiro da denúncia era para que a mina fosse accionada através da armadilha pois o efeito psicológico dessa acção teria muito maior impacto devido a não ser usual pelo IN.

Felizmente estão cá todos para contar e constatar que às vezes é possível aprender com o erro, noutras nem por isso!

Lisboa, 2016.10.24
Luís Mourato Oliveira



Sítio da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/74), criado por Mário, e donde consta entre outros elementos informativos a história da unidade. Um dos camaradas desta companhia que faz parte da nossa Tabanca Grande é o Armando Faria, ex-fur mil at inf, minas e armadilhas. o António Manuel Salvador, ex-1.º cabo aux enf. Pernso que há mais, cito de cor.



4. Excerto do Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, do nosso camarada António Graça de Abreu  (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp), com a devida vénia:


Cufar, 11 de Julho de 1973 [pp. 131/132]



Tudo calmo na zona, apenas uma mina anti-carro colocada aqui nas nossas barbas e um pontão que foi pelos ares.



Primeiro. Entre Cufar e o nosso porto grande, no rio Cumbijã, os guerrilheiros não costumavam cair na tentação de pôr minas nos cerca de dois quilómetros de estrada alcatroada. No caminho para o porto existe um desvio, mais um quilómetro em piso de terra que conduz a uma pequena povoação chamada Mato Farroba habitada por umas centenas de africanos e alguns elementos da milícia local, que estão do nosso lado. Pois na terra da estrada, a cinquenta metros da povoação, encontrava-se ontem uma mina anti-carro capaz de fazer voar um camião. Terá sido colocada durante a noite quando a população e os tipos da milícia estavam a dormir, ou talvez mesmo com a conivência da gente de Mato Farroba. Eles não têm viaturas, só ali passam as tropas portuguesas de Cufar que vão lá todos os dias levar materiais e ajudar na construção de novas tabancas. Mas foi a população de Mato Farroba quem descobriu a mina e avisou as NT. 

O capitão da companhia [, a CCAÇ 4740,] foi lá buscá-la, desactivou-a e depois trouxe-a para o seu gabinete. Aqui, ao desenroscar lentamente a tampa para tirar a espoleta, sentiu uma pequena pressão esquisita. Se tivesse continuado a desenroscar, hoje já não tínhamos capitão. A mina estava equipada com um sistema, um fio que conforme se desenroscava a tampa apertava esse mesmo fio que levava a um outro detonador. O capitão desconfiou, levantou cuidadosamente a tampa de madeira e cortou o fio. Salvou a vida. Estive a ver a mina, de fabrico russo, uma caixa de madeira com sete quilos de trotil, um feio instrumento de morte. (...)  
_______________

Notas do editor:



(...) Meu caro acamarada e conterrâneo Luís Oliveira:



Acabo de regressar de Luanda, depois de um dia cansativo: levantei-me às 5h30, cheguei ao ao aeroporto às 7h00 e... embarquei no Airbus 340, do TP 288, às 13h00 (...)

Faço questão de, mais uma vez, te pedir que aceites o meu convite para te juntares à grande fanília da Tabanca Grande, passando a seres o membro nº 625 do blogue. 


 Permito-me discordar da tua opinião segundo a qual as tuas memórias pessoais da Guiné seriam irrelevantes para a historiografia da guerra colonial... Não são, pelo menos não são para mim e para todos aqueles que passaram por Bambadinca e tiveram o privilégio de conhecer os bravos do Pel Caç Nat 52... Ora, tu foste muito simplesmente o último comandante desta subunidade, composta por camaradas guineenses... E do Pel Caç Nat 52 estão cá, na nossa Tabanca Grande, não só o seu primeiro comandante, o Henrique Matos, como também outros que se lhe seguiram, o Beja Santos e o Joaquim Mexia Alves...

Estou demasiado cansado para a esta hora fazer o teu poste de apresentadação. Mas estou seguro que nos vai honrar com a tua presença. De resto, já cumpriste as nossas regras básicas, que é o envio de 2 fotos + 1 texto ou história,

Um abraço. Espero poder encontar-te em agosto na Praia da Areia Branca, na Marteleira ou na Lourinhã. LG

PS1 - Vejo que também estás no Facebook. (...)




(...) Meu caro Fernando, muito obrigado pela coragem de vires, a público, revelar esse segredo, que possivelmente guardavas há muito na tua memória... De qualquer modo, o que nos contas - ao fim destes anos todos - e que deve ter isso um pesadelo para ti e para os demais camaradas que foram feitos reféns, já não era segredo para mim... Já aqui transcrevi, ao de leve, uma conversa que tive, em Monte Real, por ocasião do nosso VII Encontro Nacional, com o último comandante do Pel Caç Nat 52, o alf mil Luis Mourato Oliveira, filho de mãe lourinhanse (...).



Ele também estava em Bambadinca, sentado tranquilamente no bar de oficiais, quando ocorreram os graves incidentes a que te referes... Foi igualmente sequestrado como tu, e mantido como refém até à chegada do brigadeiro Carlos Fabião, que, vindo de Bissau, resolveu o problema com patacão... 


Isto ter-se-á passado não com o Batalhão de Comandos Africanos, como tu sugeres, mas com o pessoal da CCAÇ 21, que era comandada pelo tenente comando graduado Jamanca, e onde havia antigos militares da formação inicial da CCAÇ 12 do meu tempo (1969/71) (...)

Guiné 63/74 - P16643: Estórias avulsas (86): O velho problema da falta de meios nas Transmissões (José Luís Gonçalves, ex-Soldado Radiotelegrafista, 2ª CCAV/BCAV 8320/73, Olossato, 1974)

Chegada de correio ao Olossato
Foto: © José Luís Gonçalves


1. Mensagem do nosso camarada José Luís Gonçalves (ex-Soldado Radiotelegrafista da 2.ª CCAV/BCAV 8320/73, Olossato, 1974), com data de 23 de Outubro de 2016:

Boa tarde meu caro Carlos Vinhal.

Só agora estou a responder, ao teu convite, porque muito embora acompanhe o blogue no Facebook, não tenho muito tempo livre. Posso aos poucos contar alguns episódios que se passaram durante o tempo que estivemos no Olossato e quando depois ficamos aquartelados na Amura.

Como deve ser do conhecimento de todos que na altura estavam ligados às transmissões, principalmente os radiotelegrafistas e os operadores de cripto, foram meses em que todos os dias recebíamos mensagens extensas a comunicar deserções de elementos de milícias, com armas e fardamento, para não falar das outras mensagens com ordens e outros assuntos.

No Olossato só tínhamos a trabalhar o rádio "STORNO" e os "Bananas" que utilizávamos para comunicar com os helis e as avionetas que nos levavam o correio da Metrópole.

Os outros radiotelefones Racal, e um da marca Marconi, que tinha uma série de relés, e que nunca conseguimos saber como funcionava, estavam avariados. Por isso não tínhamos hipóteses de utilizar telegrafia, porque só me lembro de ter visto um "AN-GRC9" em Bissorã, quando numa deslocação em serviço à CCS do Batalhão, para receber ordens de como devíamos preparar a entrega do nosso material de transmissões antes de fazermos a transferência do aquartelamento para o PAIGC.

Bom, isto tudo serve para contar um pequeno incidente que aconteceu no nosso posto de rádio.

O nosso furriel de transmissões, sportinguista dos quatro costados, quando saiu do avião deve ter tido um choque de calor que lhe deve ter "toldado" um pouco o juízo, e, apesar de ter conhecimento de que os Racal estavam avariados, vinha invariavelmente altas horas da noite, quando não tínhamos operador de serviço, (por não termos rádio), e começava a chamar por Bissorã em altos berros.
Até que um dia, aliás uma noite, fomos acordar o nosso Capitão para pôr fim àquele abuso.
O furriel acabou por ser enviado para Bissorã e nós ficamos sem chefe de transmissões na companhia.

Junto vou enviar uma foto, da chegada de uma avioneta, à nossa pista, onde estou eu e dois radiotelefonistas com os famosos "Bananas (AVP1)" a tiracolo.

Um grande abraço. e prometo não demorar a contar outra história.
José Luís da Silva Gonçalves
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16183: Estórias avulsas (85): "Naja nigricollis" emboscada no Xime na cama de um furriel… teve um fim triste e dramático (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp /Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)

Guiné 63/74 - P16642: Agenda cultural (509): No dia14 de Outubro às 15 horas, acompanhado de muitos amigos, procedemos ao lançamento de "Sussurros Meus" (Fernando de Jesus Sousa)



1. Mensagens do nosso camarada Fernando de Jesus Sousa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 6, Bedanda, 1970/71, DAF), com data de 17 de Outubro de 2016, a propósito do lançamento do seu último livro "Sussurros Meus":

No dia14 de Outubro às 15 horas, acompanhado de muitos amigos, procedemos ao lançamento de "Sussurros Meus".[1]

Obrigado por terem participado nesta festa bonita. Foi para mim uma honra ter contado com a vossa presença.

Com respeito estima e consideração
Bem-hajam.
Fernando Sousa



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Nota do editor

[1] - Vd. poste de 11 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16589: Agenda cultural (500): Lançamento do livro de poemas "Sussuros Meus", da autoria de Fernando Jesus Sousa, dia 14 de Outubro de 2016, pelas 15 horas, no Salão Nobre da ADFA, Av. Padre Cruz, Lisboa

Último poste da série de 21 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16626: Agenda cultural (502): No passado dia 14 de Outubro de 2016, no Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, realizou-se a sessão de apresentação do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" da autoria do nosso camarada José Ferreira da Silva

Guiné 63/74 - P16641: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (36): O guerreiro da minha rua

Com os meus vizinhos básicos, especializados no apoio à messe de Catió
Foto: © José Ferreira da Silva


1. Em mensagem do dia 17 de Outubro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos mais esta história para a sua série com o mesmo nome:

Caros amigos
Junto nova história, para possível publicação no nosso Blogue Luís Graça.
Espero que sirva para integrar a série "Memórias boas da minha guerra".

Sempre grato pelo apoio.
Abraço
José Ferreira Silva


Memórias boas da minha guerra

36 - O guerreiro da minha rua

Tive a sorte de conviver desde criança com o Zéquita Casal. Era mais velho cerca de dois anos e meio, mas, por ser baixote, nunca se notou a diferença de idade nem o atraso na escola.

Efectivamente, ele diferenciava-se do irmão mais velho, quer no bom aproveitamento escolar, quer no seu crescimento e, ainda, na aparência física. À medida que ia crescendo, mais se parecia com um tal Martinho, indivíduo muito conhecido por mulherengo, pela sua esperteza viva e pela sua habitual disponibilidade para alinhar em zaragatas. Lembro-me de, um dia, o ver com uma carrinha fechada, subir toda a calçada da estrada romana para vir buscar amigos e levá-los a ver um Porto-Benfica.

Todos sabiam que ele era analfabeto, não tinha carta de condução e que o carro não podia estar em seu nome. Só o Martinho era capaz disso tudo. Ora, constava-se que o Zequita era mesmo seu filho. E que esse fruto inesperado se deveu a um deslize amoroso de sua mãe, quando o marido partiu para a Venezuela (… ou procurar saber se o o rapaz nasceu com cerca de 10 meses de gestação).

O pai, Neca Casal, não aguentou muito tempo na Venezuela e regressou rapidamente. Era uma excelente pessoa. Toda a gente gostava dele. E é curioso que também gostavam muito da sua mulher, a Sora Micas. Ninguém via aquele casal em discussões ou a tomar atitudes menos correctas. Não fora aquele aparente deslize “bem disfarçado/tolerado/esquecido” e diríamos que era um casal exemplar. Por mim, não conhecia melhor.

Para quem conheceu o Neca Casal, é fácil compreender o seu rápido regresso. Era uma pessoa introvertida, humilde, simpática e muito presa à família, ao trabalho e aos amigos. Para além disso, ele era um exímio tocador de guitarra portuguesa e integrava o Grupo dos Fados. Assim, para alegria dele, da família, dos amigos e de muita gente, tudo regressou ao melhor dos ambientes.

Parecia não haver justificação para o Zequita gostar tanto de porrada. Tal como o irmão Jorge, foi criado em ambiente alegre e pacato. No entanto, sempre que podia, lá mostrava a sua supremacia guerreira. Nos tempos de Escola Primária, era ele quem mais nos defendia daqueles mariolas que nos apareciam. Não era pelo seu tamanho mas, sim, mais pela sua destreza e valentia. Por outro lado, parecia sentir a tal necessidade de ajustar contas com toda a gente. E ai daquele que ele apanhasse a chamar-lhe Martinho! Como resultado, trazia sempre as “medalhas” na cara e beneficiava da nossa gratidão.

Recordo desse tempo, em que andámos juntos na 3.ª Classe, os castigos que levava da Professora D. Isaura, a tal Salazarista que era o pavor dos seus alunos. Destaco um, cujo desfecho foi muito penoso.

Constava-se, entre os alunos, que se pusesse um cabeleiro sobre a mão aberta e lhe juntasse um pouco de azeite, a régua partiria no momento da reguada. Ora o Zequita, como levava reguadas quase todos os dias, ao saber disso, não perdeu a oportunidade. Foi logo no próximo castigo das “10 reguadas”. Porém, como não tinha o azeite, lembrou-se de escarrar na palma da mão. Quando a Professora lhe bateu com a régua, recebeu o espirro do escarro na cara. O que se seguiu foi aterrador. O Zequita até chorava com dores das reguadas que lhe batiam furiosamente em todo o corpo. Foi humilhante vê-lo molhado, por ter mijado nas calças. Então, deixou a escola e só veio a fazer a 4.ª classe através daquele programa especial de educação para adultos. Já ele namorava.

Como ele trabalhava na oficina do pai Neca, dedicada ao fabrico e recuperação de componentes para motos, bicicletas e motorizadas, tive acesso a um projecto especial de bicicleta de… pau.

Todos os jovens do meu tempo se lembram bem destas maravilhosas “Motas de Pau” e das corridas que fazíamos com elas. Quantas “medalhas” exibíamos nos cotovelos, nos joelhos, no nariz e na testa?! Pois eu, bastante viciado nesse popular desporto, enfrentava, ainda, a forte oposição de meus pais. Todavia, como já trabalhava, consegui juntar os 5$00 necessários e comprar a “máquina” do Zequita, que ele havia encostado, pois já tinha uma bicicleta a sério. Este modelo único tinha a adaptação dos eixos com rolamentos das próprias bicicletas. Foi uma ideia debatida entre nós, uns 2 ou 3 anos antes.

Na estrada romana, eu explorava as novas possibilidades daquela “máquina”. Quase não havia inclinação suficiente para rolar. No entanto, eu levantava o cu e baloiçava o meu peso para a frente sempre que surgia essa dificuldade. Dava-me um gozo incrível manter a máquina em movimento em situações difíceis.

Entusiasmado pelo domínio na minha rua (Estrada Real), logo me quis evidenciar numa corrida organizada em Souto, num Sábado seguinte.

A rua tinha uma inclinação muito próxima dos 10%. Saber descer com aquela inclinação, seria o caminho para a vitória. Porém, eu não podia desperdiçar as capacidades da minha “máquina” e logo fiz questão de me adiantar fortemente. Quando vi que a vitória já não me escaparia, meti pé no arame do travão e tentei controlar. Comecei a derrapar até que o arame partiu. Acelerei sem querer. A rua terminava na estrada das Termas, precisamente defronte para o muro da Quinta do Fontes. Atravessei-a, a tentar seguir para a esquerda, fugindo do muro da quinta. Sem hipóteses de seguir na estrada, bati num pequeno muro sobranceiro ao lavadouro, dei uma cambalhota e fui cair/mergulhar de costas, lá em baixo, na presa de água, coberta de silvas e outros arbustos selvagens.

Devido ao choque, nem me lembro bem o que se terá passado depois. Só sei que quando me levantei da cama, fui logo ao quinteiro ver como estava a bicicleta. Lá estava ela num monte de lenha, devidamente cortada em pedaços. A minha mãe já o tinha feito antes, com outra bicicleta, quando descobriu que era eu quem gastava o azeite todo para untar os eixos das rodas.

Em Monção ainda se fazem corridas de Bicicletas de Pau 

Sempre preocupado em disfarçar o seu feitio agressivo, o Zequita brindava amiúde os amigos com minudências de seu agrado.

Um dia comprometeu-se em arranjar para o Sábado seguinte, uma galinha para fazermos uma comezaina na tasca da Cadima. Ora, o galinheiro ficava ao fundo da varanda e era preciso ir lá buscá-la. Passámos um tempão a “treinar”, como dueto musical; ele tocava a guitarra e eu cantava. Quanto mais actuávamos, mais a mãe e uma tia se divertiam, a assistir. Elas achavam muita graça às nossas inesperadas pretensões artísticas e não havia meio de irem para a cozinha. Quando consegui apertar o pescoço ao galináceo, perante o barulho que provoquei, o Zequita aumentou assustadoramente o som da guitarra, partindo 2 ou 3 cordas.

Nós gostávamos muito de cinema. Mas o Zequita era um fanático pelas aventuras dos “Cobóis” e dos Piratas. Era lá que se inspirava nos golpes que aplicava nas assíduas lutas “justiceiras”. Agora, que era mais velho, queria complementar a sua faceta de “artista”, lançando-se à conquista da sua “gaja”. Porém, quase nunca teve a sorte dos seus ídolos (Kirk Douglas, Clark Gable, Cary Grant, Henry Fonda, Burt Lancaster, James Stewart, Clint Eastwood, etc., etc).

A vitoriosa equipa dos Solteiros que, com a dos Casados, tinha que disputar em cada dia 26 de Dezembro, o custo de uma arrozada de frango.

O Zequita já andava na recruta, em Viseu, quando se interessou por uma moça de Guisande. Conheceu-a numa matiné do Cinema de Arrifana. Chegou à fala com ela, num intervalo, quando estava acompanhada por algumas amigas.

Num dos Sábados seguintes, insistiu comigo para lhe fazer companhia, numa desfolhada. Hoje, acredito que ele já se teria excedido nalgum relacionamento local. Fomos na sua nova motorizada. Fiquei cá fora do portão de madeira de um alpendre que, todo aberto, deixava ver um monte de espigas de milho rodeado essencialmente por jovens raparigas. Entre elas, lá se instalou o Zequita, parecendo alheio a toda a “admiração” que lhe estavam a dispensar. Cá fora, um grupo de rapazes, acompanhava os trabalhos, ao mesmo tempo que galhofavam. A dada altura, já ouvia ameaças, do género:
- Vais levar poucas, vais!

Mal acabou a desfolhada, o pessoal ia saindo e ia-se desligando. O Zequita ainda estava com a rapariga quando se aproximaram dele. Chefiava o grupo, um grandalhão que deu início à “malhação”. O Zequita não se ficou e foi reagindo, distribuindo murros e pontapés, mas insuficientes para tamanha investida. Eu, teria que me solidarizar e aproximei-me em sua defesa, procurando, pacificamente, acabar com o ataque. Entre socos e pontapés, senti uma correada, cuja fivela me deixou um golpe na cabeça. Alguns já mostravam navalhas. Valeram-nos as pessoas mais adultas (quase só mulheres) que se manifestaram contra as agressões, acabando por fazer desistir os meliantes.

Ficámos no chão, abandonados, à espera de recuperarmos forças para o regresso. E assim que pudemos, subimos, cambaleando, para cima da motorizada, e lá viemos devagar e aos “ésses”. O Zequita caiu de cama, foi assistido pelo médico e lá ficou uns dias. Durante essa noite, constou-se o que havia acontecido e, perante o estado clínico do Zequita, desenvolveu-se a revolta!

Os jovens do Ferral, juntaram-se depois do almoço do Domingo. Para uma melhor coordenação bélica, foram todos a pé, calcorreando os 7 quilómetros em marcha lenta. Nada de entraves para o êxito da Operação. Até o Jorge, que via muito mal, deixou os óculos em casa. Chegados ao local do crime, logo vimos os valentões que se passeavam em grande grupo. Quando nos aproximámos, eles pararam indecisos e iniciaram mudança de direcção parecendo adivinhar a nossa intenção. Tivemos que acelerar um pouco para junto deles. E, tal como já havíamos combinado, teria que ser eu a começar as hostes. Precisamente com o valentão/grandalhão. Fui pela berma da rua, servindo-me do degrau existente no passeio para me aproximar um pouco da sua altura, e desafiei-o:
- Ouve lá, ó valentão, hoje não me queres bater?

Ele, murmurou qualquer coisa e desviou o olhar. Então, gritei-lhe mais alto:
- Não sejas cobarde, mostra agora a tua valentia, seu filho da puta.

Colocando a mão esquerda na frente, enfiei-lhe um soco em cheio, lá para cima, dando início ao combate colectivo.

A rua estava cheia de beligerantes em frenética luta. A quantidade de lutadores estava equilibrada, mas a nossa equipa estava moralizada pela razão da sua revolta perante a cobardia desses agressores. A dada altura, viam-se chicotes e marmeleiros no ar. Eles serviram-se das pedras dos muros para retaliarem. O Jorge, irmão do Zequita, via muito mal e como a tarde já começara a escurecer, ele agarrava a vítima com a mão esquerda e disparava o potente soco com a direita. Chegou a enganar-se e a ouvir gritar:
- Foda-se, olha que eu sou dos teus!

A rua ficou deserta e intransitável para veículos. Nós, cada um com as suas mazelas, iniciámos o regresso. Estava a escurecer quando, já na estrada da Corga, mandámos parar o autocarro da Feirense. Apesar de exibirmos alguns ferimentos, entrámos, eufóricos e orgulhosos pela missão cumprida. Quem exteriorizava mais a sua valentia era o Nequita Fareleiro que manobrava uma tesoura, ao mesmo tempo que se lamentava não ter conseguido cortar o cabelo a ninguém. O revisor nem se aproximou para cobrar os bilhetes.

Uns anos mais tarde, já em Catió, quando a minha Companhia se havia, finalmente, juntado ao seu BART 1913, foi-me dada a oportunidade de conhecer alguns vizinhos, nomeadamente, o Laurentino, de Canedo; o Zé, de Fiães; o Engelha, de Sandim e o Fernandes, de Guisande. O primeiro fazia de cozinheiro na messe e os outros de ajudantes. Por sinal, uns “cromos” bastante conhecidos.

Quando o Guisande me disse de onde era, eu disse que conhecia muito bem aquela rua de entrada na freguesia e que, em tempos tinha andado lá em zaragata. Ele, que era gago, exclamou logo em forma de rajada:
- Fo…fo…foda-se, fo…fo… foram vo… vocês que que fo…fo… foderam aque…. aquela qua… quadrilha lá da da da terra? Ó… olhe, nun… nunca mais ti… ti…tivemos pró… problemas cu… cu…cu…esses ca… ca… caralhos.

Quando o Zequita chegou da Guiné, em 1965, Já eu andava na tropa. Por isso, poucas vezes nos encontrámos. Recordo que ele não dizia mal daquilo. Curioso, quando lhe perguntei se tinha dado muita porrada lá na guerra, ele respondeu:
- Não dei um tiro, sequer. Mas como ajudante na cozinha, cheguei a foder a tromba a vários filhos da puta.

Estava muito mais maduro e pouco falava de guerra. Falava-nos mais das ”bajudas de mama firme” e das “mulheres grandes” com as suas mamas descaídas.

Mais de 3 anos depois, logo após a minha chegada em 9 de Março de 1969, fui convidado para o seu casamento, que se realizava no Sábado seguinte. Não me lembro bem da história da “conquista” de sua mulher. Parece que ele se meteu em defesa dela e do pai, durante um desentendimento comercial (e físico!), quando estavam a vender os seus produtos serranos na feira de Lourosa. A rapariga deve ter ficado impressionada com a sua solidariedade e valentia. Sei que ela era lá das fraldas da Serra do Marão, onde fomos assistir à cerimónia e “comungar” de um magnífico banquete caseiro. Foi dos melhores que participei. Muito simples, muito abastado e muito alegre. Mas, o que mais me marcou foi a imagem do Zequita agarrado à guitarra, ao lado de seu pai que, orgulhosamente, exibia um largo sorriso de felicidade. Estava eu embevecido a contemplar esse lindo quadro, quando ouço a sua mãe: - Estás a ver Zeca? Tal pai tal filho.

Quando regressei, vim a “ver” o filme completo da vida deste guerreiro.

E, desta vez, recordei também uns comentários do ilustre sapateiro António da Ponte:
- Quando formos chamados para o Juízo Final, Deus vai-nos dar uma ordem em voz alta: O seu a seu dono e os filhos a seus pais!

E acrescentava: - Já viram tamanha confusão?

Silva da Cart 1689
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16511: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (35): A honra não tem preço