1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, 1967/69), com data de 20 de Abril de 2018:
Caros amigos.
Este texto, revela um dos muitos episódios vividos na primeira pessoa pelo então Ten PilAv José Nico em Abril de 1968.
De algum modo, ainda que na retaguarda, sinto ter contribuído para o sucesso de muitas missões protagonizadas pela Força Aérea no apoio ao nosso Exército. Cooperei por dois anos com todos os Pilotos da “Esquadra de Tigres” executando com rigor as tarefas que ao longo do tempo me foram atribuídas na preparação e operacionalidade dos Aviões Fiat G-91 R/4.
É por ter tido uma especial empatia e admiração pelo então Ten PilAv J. Nico, (isto sem qualquer menosprezo por todos os outros) e ligado por uma amizade que perdura até aos dias de hoje, que vos envio este magnifico e pragmático episódio de guerra para publicação.
O Ten Nico, além de um excepcional Piloto, foi também o fotógrafo de serviço, já que o Fiat G-91 estava equipado no nariz com Câmaras Fotográficas cujas fotos muito contribuíram para a detecção de armamento inimigo e sua subsquente destruição.
Mário Santos
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PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS (3)
V Madina do Boé, “O Algarve na Guiné”
TenGen PilAv José Nico
Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…
O passar do tempo vai tornando cada vez mais difícil reavivar os acontecimentos que, por alguma razão significativa, mas especialmente aqueles que foram episódios de confronto directo com o inimigo, mereciam ficar registados na nossa memória colectiva. O detalhe das acções vai-se diluindo no nevoeiro do esquecimento e só a permanência de alguns flashes e de uns poucos registos me permite recuperar a sequência daqueles momentos que vivi ou testemunhei e que merecem ser divulgados.
Dentre esses flashes que persistem, seleccionei um para construir este meu testemunho dos "PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS"
1966, Base Aérea n.º 12, com a nova pista.
A imagem que perdura é clara. Vejo-me no espaço que existia entre os pré-fabricados onde estava instalado o Grupo Operacional 1201 da Base Aérea n.º 12, com a sala de equipamentos e as Esquadras de um lado e a sala de briefings, o bar e sala de estar, gabinete do comandante do Grupo e a Secretaria, do outro.
Sei que foi ao começar o dia de trabalho, pouco depois de ter chegado à Base, vindo de Bissau. Alguém que passa por mim, entrega-me um papel com uma mensagem rádio e é esta mensagem que me vejo a ler com alguma surpresa e ao mesmo tempo com satisfação porque, finalmente, tínhamos conseguido desferir um rude golpe nas forças com que o PAIGC matraqueava, há anos, a companhia do Exército instalada na isolada posição de Madina do Boé, no Leste do território.
Depois de muita pesquisa e com o apoio do ex-comandante da CCaç 1790, cheguei à conclusão que este flash da minha memória respeita ao dia 11 de Abril de 1968, uma quinta-feira.
MADINA do BOÉ – O alvo para a estreia dos cubanos em combate
Desde o início da luta que o PAIGC escolhera o aquartelamento de Madina do Boé como um alvo preferencial. Terá sido até esta a primeira posição do Exército que o inimigo pensou aniquilar ou pelo menos forçar o seu abandono, muitos anos antes de tentar o mesmo com o Guilege.
Com essa finalidade criou uma base dedicada em território da Guiné-Conacri, junto à fronteira e a curta distância de Madina do Boé, numa povoação chamada Kambera. Era ali que se organizava para as incursões e era para ali que retirava depois das flagelações.
De facto, Madina era uma posição em que o apoio de outras unidades terrestres não era viável e o apoio de fogo da Força Aérea, além de só ser possível durante o dia, só era imediato em termos relativos, dada a distância. A posição estava isolada e só podia contar com os seus próprios meios.
As limitações no apoio a Madina do Boé, a que se somavam outras vulnerabilidades, como era o facto de estar rodeada de pequenas elevações[1], são a justificação para que a zona tenha sido escolhida para uma espécie de campo de exercícios e carreira de tiro do PAIGC.
Era ali que os quadros, regressados dos países onde recebiam formação militar, se exercitavam e ganhavam experiência. A ideia de que a zona era difícil de proteger, levou mesmo a URSS a prometer ao PAIGC construir uma pista para aviões de transporte Antonov para apoio logístico directo, assim que conseguissem desalojar os portugueses daquela posição. Esta ideia era inexequível enquanto a Força Aérea mantivesse a superioridade aérea mas o PAIGC, segundo declarações de Nino Vieira, acreditou durante muito tempo nela.
Foram essas vulnerabilidades que também justificaram o facto de Madina do Boé ter sido o alvo escolhido para a primeira acção de combate com o envolvimento dos cubanos. Amílcar Cabral, que estava nessa altura muito preocupado com a segurança dos seus novos apoiantes internacionalistas[2], enviados por Fidel de Castro na sequência da Conferência Tricontinental de Havana, em Janeiro de 1966, escolheu Madina para fazer uma demonstração das capacidades dos seus guerrilheiros.
Esta decisão, em princípio acertada, não evitou porém o desastre que, por acaso, foi relatado por uma testemunha privilegiada, o cubano Oscar Oramas, que foi o embaixador de Fidel em Conacri e simultaneamente o executivo para o apoio ao PAIGC. É assim que ele descreve essa acção no seu livro “Amílcar Cabral para além do seu tempo”[3]
“A primeira operação militar de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efectuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de Novembro de 1966.
Esta instalação militar conta com uma edificação na sua superfície, a partir da qual combatem os guineenses fulas incorporados no exército colonial, enquanto os Portugueses se mantêm em trincheiras e refúgios subterrâneos, onde instalam a sua artilharia.
O comando guerrilheiro situa-se para esta operação, a uns 500 metros do quartel, instala um canhão B-10 junto de uma grande árvore, com a ideia de o proteger do fogo inimigo. A operação é dirigida pelo Comandante Domingos Ramos, um dos principais dirigentes do PAIGC. Pela parte cubana encontra-se o tenente Artemio, chefe dos assessores cubanos, com umas dezenas de combatentes guineenses e cubanos, e Ulisses Estrada, Chefe da 5ª Direcção do Ministério do Interior cubano. Junto deles, encontra-se a operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que participa na operação com o fim de filmar um documentário que sirva para propagandear, principalmente na Europa, a luta que o PAIGC está a liderar.
Domingos dá ordem para o início das acções e o canhão B-10 começa a disparar acompanhado pelo fogo de espingardas dos guerrilheiros. A resposta dos Portugueses não se faz esperar; têm coberta a pequena elevação de onde ataca a guerrilha e as suas granadas de morteiro começam a produzir impactos certeiros sobre o comando guerrilheiro, provocando a confusão e a desorganização.
Domingos, atrás da árvore onde está situado o canhão, atira-se para cima do corpo de Ulisses com a clara intenção de o proteger, quando é atingido por um estilhaço de morteiro, que lhe provoca uma ferida que sangra copiosamente. Ulisses, ajudado por outro cubano, transporta-o para o posto médico, situado a uns 100 metros na retaguarda, mas o seu corpo chega a este já sem vida.
O grupo guerrilheiro dispara todas as munições que em Boké haviam decidido utilizar neste combate e empreende uma retirada desorganizada, a qual é aproveitada pelos Portugueses para lançar uma salva de morteiros para os atingir.
Ulisses considera que o mais importante nesse momento é evitar que o cadáver de Domingos caia nas mãos do Exército português, e, acompanhado por outro cubano, toma um camião e condu-lo até Boké, República da Guiné, entregando-o a Aristides Pereira para que seja enterrado com todas as honras que merece como um dos fundadores da luta do PAIGC”.
Depois deste episódio, que naturalmente abalou a direcção do PAIGC, as acções contra Madina do Boé só voltaram a intensificar-se novamente em Outubro de 1967 (na época das chuvas quando todo o Boé ficava completamente isolado).
Dessa vez, durante 13 horas consecutivas, a posição foi violentamente bombardeada, e os combatentes do PAIGC conseguiram mesmo aproximar-se das redes de protecção. Logo às primeiras horas do dia seguinte, com a chegada do apoio aéreo e o bombardeamento da zona envolvente pelos G-91, o ataque cessou imediatamente.
Como apoiámos Madina do Boé em Abril de 1968
Por todos os motivos já indicados, o apoio de fogo a Madina do Boé pela Força Aérea, era fundamental. No entanto, a nossa eficácia nessas situações era, na generalidade, muito limitada. Isso acontecia tanto no caso de Madina do Boé como no dos outros aquartelamentos apoiados.
É certo que, quando os aviões chegavam ao local, os ataques terminavam porque o inimigo tinha receio de ser localizado e não se revelava mas, por outro lado, era muito difícil infligir-lhe danos dada a dificuldade de referenciar com precisão os alvos. As indicações dadas pelas forças terrestres em termos de direcção e distância eram apenas estimativas e, do ar, mesmo que a direcção fosse uma indicação satisfatória, já a distância era impossível de medir a olho, com alguma precisão, sobre o manto verde da mata.
Em Madina, nas curtas visitas dos DO-27 e em conversa com os comandantes de companhia, fomo-nos apercebendo que o inimigo utilizava repetidamente bases de fogos que já estavam bem identificadas o que correspondia às características de campo de treino de tiro que a zona tinha para o PAIGC. Foi por isso que em 10 de Novembro de 1966 a reacção da companhia CCaç 1416 fora tão certeira.
No início de Janeiro de 1968, a CCaç 1790 que na altura se encontrava em Bissau como unidade de intervenção do Comando Militar, iniciou a sua deslocação para Madina do Boé onde assumiu a responsabilidade de todo o Boé, com uma pequena guarnição destacada em Béli.
O ex-comandante da CCaç 1790 descreveu-me assim a posição que foi ocupar:
“Madina do Boé é uma pequena povoação com características físicas específicas. É rodeada por pequenas elevações (com cerca de 300 m de cota média), que são a continuação na Guiné da cordilheira do Futa Djalon da Guiné Conacri.
Madina fica num vale fértil com muita água, tem um clima agradável, a ponto de em brincadeira os militares que ocuparam anteriormente a posição terem ali colocado uma tabuleta com a expressão “Madina do Boé, o Algarve na Guiné”, e que ali permaneceu até ao fim da presença portuguesa.
Não havia um aquartelamento militar propriamente dito, mas antes uma dezena e meia de abrigos enterrados dispostos em círculo com um diâmetro de cerca de 1,5 kms e ocupados, cada um, por 5 a 7 militares.
No centro da povoação havia três casas edificadas. A população que ali vivia também dispunha de abrigos junto das suas tabancas. Por razões óbvias os abrigos estavam ocupados em permanência; era ali, e em cada um, que se tomavam as refeições e se fazia a rotina dos dias.
Os montes em redor davam comandamento e capacidade de observação contínua sobre as nossas posições. Evitávamos, por isso, ajuntamentos de pessoas que constituíssem alvos fáceis; mesmo quando se jogava futebol, fazíamo-lo junto de valas a céu aberto onde nos podíamos rapidamente abrigar em caso de ataque.
O PAIGC atacava Madina do Boé quase diariamente, normalmente com armas pesadas, morteiros de 82 mm e canhões sem recuo de 75 e de 82mm. A partir dos meados de 1968 passou também a utilizar atiradores especiais que, embora fazendo tiro a grande distância, e sempre à mesma hora, acertaram algumas vezes; nunca causaram mortes, mas provocaram alguns feridos graves, e criaram uma enorme instabilidade emocional.
O desencadear das longas flagelações com armas pesadas tinha características próprias: ocorria normalmente aos crepúsculos, especialmente no vespertino, por razões de segurança das unidades do PAIGC que realizavam o ataque. É que durante a noite não havia operações aéreas na Guiné; por isso após o pôr-do-sol, estavam seguros que só na madrugada seguinte poderiam aparecer os Fiat G91; quando atacavam ao raiar da aurora faziam-no muito rapidamente sendo esses ataques intensos, mas terminando logo de seguida para evitarem qualquer ataque aéreo de resposta.
[...]
Está hoje completamente comprovado que o PAIGC teve sempre nos arredores de Madina oficiais e sargentos cubanos que regulavam o tiro das suas armas pesadas com muita eficácia; como nos montes em redor tinham excelentes postos de observação de tiro, e meios adequados para o efeito, escolhiam facilmente as zonas a bater, e faziam correr as salvas por todo o aquartelamento.”
Quando se chegou ao final de Março de 1968 o PAIGC começou a aumentar novamente a pressão sobre Madina do Boé mas dessa vez houve três novos factores que jogaram um papel fundamental.
O primeiro foi que face à rotina dos ataques, o comandante da CCaç 1790 desenhou uma quadrícula alfa numérica de referenciação que se sobrepunha às cartas 1:50.000 que todos utilizavam. Quando a situação começou a ficar complicada, um exemplar desta quadrícula
[4] foi entregue a um piloto de DO-27 que passou por Madina e depois passou a ser utilizada como elemento de coordenação entre a CCaç 1790 e os pilotos dos G-91 nas acções aéreas de apoio de fogo.
O segundo factor era uma vulnerabilidade dos cubanos que utilizavam emissores-receptores nas frequências da banda FM dos 80 Mhz que podiam ser escutadas nos rádios (transistores) do pessoal. Por essa razão, era normalmente possível ouvir-se em Madina as comunicações do inimigo, em castelhano, e por vezes deduzir onde iria caír a próxima salva, e também conhecer os resultados dos ataques aéreos quando estes se realizavam.
O terceiro factor foi a decisão de pôr uma parelha de G-91 no ar ao fim do dia e tentar o contacto rádio em rota para Madina. Se o inimigo não se tivesse manifestado, a parelha entrava em espera, por alturas de Bambadinca, na esperança de poder intervir imediatamente se o PAIGC entretanto desencadeasse alguma flagelação.
A espera era efectuada alto para reduzir o consumo de combustível e depois, se tudo corresse de feição, bastavam apenas 6 minutos de voo a 400 KIAS[5] para atingir um alvo na zona de Madina do Boé.
Quando os aviões iam armados com foguetes e metralhadoras (caso da parelha de alerta) o tempo de espera podia atingir cerca de 40 minutos mas, nessas condições, com tão baixa capacidade letal, era difícil provocar danos sérios no inimigo. Com bombas nas estações internas, dada a curta autonomia do G-91 sem tanques externos, a espera tinha uma janela muito estreita, no máximo 20 minutos, e portanto era necessário muita sorte.
Foi com estes preparos já em força que ao fim da tarde de 9 de abril de 1968, o PAIGC desencadeou uma flagelação com armas pesadas. Logo após caírem as primeiras salvas, o comandante da companhia conseguiu contacto rádio com os G-91, na frequência do apoio aéreo (FM 49.0 Mhz), e utilizando a quadrícula de coordenação indicou a localização da base de fogos do inimigo.
Os aviões apareceram rapidamente sobre o local e atacaram com foguetes 2,75” e metralhadoras as posições indicadas o que fez parar imediatamente o ataque ao aquartelamento. Logo a seguir o pessoal do Exército começou a ouvir nos “transistores” vozes cubanas pedindo macas e enfermeiros para socorrerem as muitas baixas que tinham sofrido. Estes resultados foram divulgados de imediato através de uma mensagem “relâmpago” que não chegou ao meu conhecimento.
Lembro-me, no entanto, que na manhã do dia seguinte, 10 de Abril de 1968, fui escalado para uma missão com o Cap Vasquez que era na altura o comandante da Esquadra 121. A caminho da linha da frente disse-me que íamos ver se Madina do Boé precisava de apoio e que os aviões iam armados com bombas incendiárias e foguetes, para além das metralhadoras, é claro. Percebi depois que ele estava ciente do resultado do ataque no dia anterior e pretendia tentar uma segunda oportunidade.
Nem sonhava o que o destino me tinha reservado quando levantei a tampa que escamoteava o botão vermelho do STARTER e o cartucho de arranque do motor disparou. Depois, a rotina das operações aéreas não exigia grandes explicações e, que me lembre, não houve praticamente quaisquer comunicações entre os dois pilotos. Descolámos e eu segui o n.º 1 em escalão de combate a cerca de 300 mts de distância. O comandante da parelha voava o G-91 5403 e eu o 5427.
Ainda estávamos a subir, acompanhando o Rio Geba, quando o n.º 1 tentou o contacto rádio com Madina do Boé:
- Madina, Madina, Tigres chamam!
Mal terminara a chamada, ouvimos imediatamente a voz do Capitão Aparício, sinal de que estava à espera que aparecessem aviões na frequência de apoio ar-solo:
- Tigres, aqui é Madina! Informo que o inimigo está a instalar-se a meio da encosta no ponto 2! - disse isto muito de seguida como se tivesse a informação presa na garganta e estivesse em pulgas para a soltar.
Acho que, embora bem sentado e amarrado, até estremeci. É desta que levam, pensei logo eu. Na quadrícula verifiquei que o ponto 2 era uma pequena elevação chamada Felo Gorlige que ficava mais ou menos no enfiamento da pista de Madina. Conhecia perfeitamente o local. A resposta do Cap Vasquez, no seu estilo peculiar que mais parecia um sussuro, foi extraordinariamente pausada e lacónica, não deixando transparecer a emergência que subitamente nos caíra no colo:
- Madina, entendi que estão no ponto 2 a meio da encosta. Confirme!
- Afirmativo Tigres, afirmativo!
Depois destas comunicações nenhum de nós disse qualquer palavra. Cada um ficou a pensar com os seus botões. Eu pensava que, apesar da situação parecer favorável a indicação de “a meio da encosta”, deixava em aberto uma grande margem de erro. Além disso, se a vegetação na zona fosse relativamente densa, a cobertura ia ser reduzida e, em consequência, a margem de erro aumentava.
Vi o avião da frente voltar ligeiramente á direita porque baixou a asa desse lado durante uns momentos e a seguir começou a descer e a afastar-se, indicação de que estava a acelerar. Calculei que fosse adquirir à volta de 400 KIAS e foi isso que aconteceu.
Estávamos nessa altura a cerca de 60 Kms em linha recta e nessas condições era impossível descortinar a zona onde se localizava Madina. Na trajectória que seguíamos passámos praticamente sobre a confluência do rio Corubal com o rio Geba e foi sempre a descer suavemente que fomos perdendo altitude. Aproveitei para ir ligando o armamento e certifiquei-me, por diversas vezes, que tinha os “pylons” internos ligados e os externos, que suportavam as calhas dos foguetes, desligados. Faltava apenas armar as espoletas o que normalmente se fazia já muito perto do alvo mas dessa vez resolvi deixar tudo pronto para o ataque. Não queria falhar. No visor seleccionei 140 milésimos que era a minha referência pessoal para as incendiárias em voo rasante a 400 KIAS.
Quando cruzámos novamente o rio Corubal, a cerca de 15 kms de Madina, começámos a perceber os contornos do terreno e pensei então que o melhor seria largar as bombas no seguimento do impacto das do n.º 1 para tentar aumentar a extensão da zona coberta. Estas conjecturas foram interrompidas porque entrámos em voo baixo e deixámos de ver a zona do alvo. De Madina, no prolongamento da pista, o terreno eleva-se ligeiramente para Oeste e os aviões vinham a voar abaixo dessa lomba. Foi bom porque isso iria garantir uma surpresa total e, apesar de por alguns momentos não vermos o objectivo, sabíamos que os aviões voavam alinhados com ele.
A partir desse momento entrámos numa final longa e alucinante, característica dos ataques a muito baixa altitude, em que o terreno parecia escorregar freneticamente por debaixo da barriga do avião. Só quem passou por situações como esta poderá entender o que senti naqueles momentos porque eu não sou capaz de o reproduzir por palavras com a eficácia merecida. Os dados estavam lançados e a expectativa do que estava prestes a acontecer devia estar a injectar-me “toneladas” de adrenalina no sangue.
Concentrado no controlo do voo e no seguimento do avião da frente, vi de repente o n.º 1 desaparecer quando passou a pequena lomba antes da pista e continuou rente ao solo. Segundos depois foi a minha vez e nessa altura já vi o outro avião parecendo trepar a encosta do Felo Gorlige. De repente vi o clarão das bombas a explodir mas, à distância, pareceu-me que o espalho não tinha sido grande coisa.
Focado na encosta onde ia largar o armamento e com a velocidade que levava, não via mais nada. Não vi sequer as casas e abrigos do aquartelamento que ficaram á minha direita, mesmo ali ao lado.
Naqueles poucos segundos de acção o meu Mundo encolhera-se espantosamente e resumia-se ao Felo Gorlige.
Foi então que passei por uns momentos de confusão porque, de repente, apercebi-me que não era seguro entrar na fumarada que alastrava sobre a zona do alvo. Não podia largar mais acima como queria e só me restava a possibilidade de largar mais curto e foi o que fiz. Foi tudo muito rápido. Depois entrei na nuvem de fumo do lançamento anterior e limitei-me a puxar o nariz do avião para cima para ter a certeza que não colidia com o solo.
Ainda estava a subir voltando apertado pela direita, todo torcido e comprimido na cadeira de ejecção, a tentar localizar visualmente o avião do Cap Vasquez, quando a voz do Cap Aparício me encheu o capacete:
- Em cheio, Tigres, em cheio. Era mesmo aí!
De seguida detectei o n.º 1 já a voltar sobre o Dongol Dandum numa trajectória que só podia ser para lançar os foguetes no alvo. Armei também os meus e executámos depois 4 circuitos de tiro em que fomos disparando os foguetes aos pares procurando bater a zona envolvente ao redor da mancha de fogo.
Depois, como o combustível não dava para mais, o n.º 1 entrou em contacto rádio com Madina para nos despedirmos ao mesmo tempo que iniciámos uma subida para os 20.000´ de regresso a Bissalanca.
Ainda me parece, ao recordar este episódio, estar a sentir a intensa calma que, depois daqueles minutos esfusiantes, pareceu inundar-me o espírito. Como de costume nestas missões entrámos numa inicial curta com o COLLECT TANK a debitar e o respectivo indicador a mostrar menos de 250 lbs de combustível remanescente.
Duas horas depois, descolei numa segunda parelha de G-91, armada com foguetes e metralhadoras, que bateu outros pontos nas imediações do aquartelamento, segundo a orientação dada pelo comandante da CCaç 1790. Dessa vez levei o G-91 5401 mas já não consigo determinar quem foi o outro piloto.
O que disseram os cubanos naquele dia
As comunicações rádio dos cubanos escutadas em Madina, na sequência deste ataque, prolongaram-se por várias horas. No essencial pediam apoio para a evacuação da enorme quantidade de feridos que tinham sofrido e referiam também a existência de cerca de 30 mortos. O tom de aflição e a insistência nos pedidos de socorro reflectiam claramente uma situação de extrema gravidade.
Foi um apanhado dos indicadores recolhidos nessas escutas que o capitão Aparício plasmou pormenorizadamente numa nova mensagem “Relâmpago” e que eu tive oportunidade de ler no dia seguinte de manhã. Foi com alguma surpresa que tomei conhecimento dos resultados pois nada me indicava com segurança que tinhamos atingido o alvo e que as consequências tinham sido tão devastadoras para o PAIGC[6]. A única informação que podia ter algum significado fora a dada pelo comandante de Madina quando largámos as bombas no Felo Gorlige mas essa era uma avaliação visual a uma distância de 3 Kms, portanto pouco fiável.
Não é pois de estranhar que este momento me tenha marcado e se tenha somado aos instantâneos que, passados quarenta e seis anos, ainda perduram na minha memória.
Nos dias 12, 14, 16 e 17 de Abril continuámos a efectuar saídas com os G-91 em apoio de Madina de Boé.
A partir de 16 de Abril desistimos da configuração com foguetes e metralhadoras e passámos a levar os aviões armados com duas bombas de 200 kgs nos “pylons” internos e mais duas de 50 Kgs nos “pylons” externos. Só não os levámos à carga máxima (2 bombas de 200 Kgs e 4 de 50 Kgs por avião) por causa da resistência ao avanço provocada pelos suportes que tinham de ser montados nos “pylons” externos com o consequente aumento do consumo de combustível e redução da autonomia.
A actividade da Força Aérea em apoio da CCaç 1790, durante o período mencionado, e que na prática se manteve com menor intensidade até à desactivação de Madina, acabou por dar resultado e o inimigo, se não “encolheu as unhas”, teve que passar a empregar tácticas menos favoráveis.
Mais do que isso não seria nunca possível, nem em Madina do Boé, nem em qualquer outra posição periférica dado que o PAIGC e os seus reforços internacionalistas beneficiavam do santuário proporcionado pelas Repúblicas da Guiné-Conacri e do Senegal. Nunca abandonou a zona mas as flagelações diminuíram de frequência e de intensidade.
Foi certamente para compensar esta quebra nas suas acções ofensivas que passaram a utilizar uma táctica que escapava completamente à acção punitiva dos aviões: os franco-atiradores, como referiu o ex- comandante da CCaç 1790 no seu testemunho, atrás reproduzido.
A infantaria da Força Aérea também lá esteve (Operação Diana)
A continuação das flagelações e depois os tiros com armas de precisão procurando causar baixas na guarnição de Madina do Boé sugeriu também, na fase que se seguiu às acções atrás descritas, a utilização de meios terrestres da Força Aérea.
O comandante do batalhão de paraquedistas n.º 12, na altura o Tcor Para Fausto Marques, deslocou-se a Madina do Boé para perceber melhor a natureza do problema e engendrar um plano de acção. Com base nos elementos colhidos concluiu que só a surpresa poderia garantir resultados visto que tudo apontava para que o aquartelamento estivesse sob observação permanente a partir da vizinha encosta do Dongol Dandum.
Por essa razão foi iniciado o transporte diário em DO-27, directamente de Bissalanca para Madina, de equipas de 4 paraquedistas, simulando voos de rotina. Para encobrir a chegada deste pessoal, o avião aterrava de Este para Oeste e, quando dava a volta no fim da pista para se dirigir à entrada do aquartelamento (a meio da pista), parava por momentos para deixar sair os quatro homens que se embrenhavam na mata próxima.
Estes voos começaram no dia 11 de Julho e terminaram no dia 15 de Julho de 1968 quando o efectivo do grupo de combate comandado pelo Tenente Pára José Manuel Gomes chegou aos 20 elementos.
A missão que lhes foi atribuída rezava assim:
1 - Reconhecer com efectivos reduzidos, evitando a todo o custo o contacto com elementos inimigos ou população, os trilhos que levam às posições de flagelação inimigas.
2 - Efectuar emboscadas nos pontos que o inimigo costuma ocupar para flagelar com armas ligeiras a população de Madina e os movimentos na pista de aterragem.
3 -Emboscar o inimigo nos itinerários de acesso às suas posições, aniquilando-o e capturando o material.
4 - À ordem armadilhar as pontes do rio Capege e Mael Bane.
A orientação táctica foi para efectuar o reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na medida em que o grupo de combate fosse engrossando. As saídas deviam ser executados principalmente à noite, aproveitando a fase da lua, e durante o dia o pessoal devia manter-se escondido e em repouso. Depois de reconhecidos os trilhos que o inimigo utilizava nos seus movimentos, deviam então ser montadas emboscadas nos locais mais prováveis de passagem.
Logo no segundo dia foi efectuado um reconhecimento ao alvorecer em que foram empenhados os primeiros quatro paraquedistas que haviam chegado no dia anterior, apoiados por um grupo de combate da CCaç 1790.
Nesta saída o inimigo, atento a todos os movimentos, bem instalado no balcão do Dongol Dandum, flagelou o grupo de três direcções, com um efectivo estimado em cerca de vinte elementos, tendo ferido um guia nativo. A intenção era reconhecer a área no topo Oeste da pista mas por causa deste ataque tiveram de inflectir para Este, depois prosseguiram para Norte e a seguir voltaram para Oeste atravessando a picada para o Che-Che em direcção a uma pequena elevação conhecida como “Colina de Madina”.
Por informação da CCaç 1790 esta zona era por vezes utilizada pelos guerrilheiros que até já teriam sido atingidos por uma salva de morteiros e sofrido baixas. De facto, descobriram os impactos das granadas de morteiro e raminhos partidos com vestígios de sangue. Para além disso, o terreno amplo e aberto tinha boas condições para se montar uma emboscada. Depois de reconhecerem toda a zona subiram a vertente Oeste do Dongol Dandum, desceram pela vertente contrária e acabaram por regressar ao aquartelamento vindos de Este.
No terceiro dia foram empregues os oito paraquedistas que já estavam disponíveis. Para efeitos de dissimulação integraram-se novamente num grupo de combate da CCaç 1790 que ia apanhar lenha nas imediações da picada para o Che-Che. Depois seguiram para Leste até ao rio Barquege (a 1,5 Km) tendo encontrado posições de morteiro a cerca de 1 Km do aquartelamento. Nesta e nas restantes saídas houve problemas com os guias[7] porque eles sabiam perfeitamente por onde os guerrilheiros andavam, tinham medo e também tinham um grande receio do escuro da noite.
O truque de falha do gerador
No quarto dia saíram às 02H00 12 paraquedistas que foram montar a primeira emboscada junto às posições de flagelação que tinham sido reconhecidas no dia anterior. Por recomendação do pessoal da CCaç 1790, foi simulada uma falha do gerador eléctrico para encobrir a saída.
Em Madina, quando falhava o gerador ficava tudo às escuras até que a iluminação voltasse a ser reposta. O mais preocupante era a perda da iluminação do perímetro de segurança, balizado com arame farpado, e por isso era usual os sentinelas dispararem algumas rajadas para o exterior no sentido de dissuadir eventuais tentativas de infiltração.
Como havia necessidade de encobrir a saída dos paraquedistas foi sugerido ao Ten Gomes que fosse simulada a falha do gerador para confundir os olheiros do PAIGC. E foi assim, com as luzes apagadas e os sentinelas ao tiros para o Dongol Dandum, que os 12 homens do Ten Gomes afastaram o cavalo de frisa que dava acesso à pista e esgueiraram-se para a direita na direcção Leste. Pouco depois chegaram ao local pretendido onde montaram uma emboscada mas o inimigo não se revelou até ao alvorecer. No regresso, já dia claro, foram flagelados com armas ligeiras a partir da encosta do Dongol Dandum quando entravam no aquartelamento.
Até esse momento, dado que nos primeiros dois dias as saídas foram feitas juntamente com pessoal de Madina e desta vez fora aplicado o “truque do gerador”, o inimigo nunca se terá apercebido da presença de outras forças pelo que a vantagem da surpresa ainda se mantinha.
No quinto dia a acção anterior repetiu-se, desta vez com dezasseis paraquedistas, e o local escolhido para a emboscada foi entre o topo da pista e a Colina de Madina na zona que tinha sido reconhecida no segundo dia. No entanto, dessa vez também não houve contacto e o grupo regressou a Madina já o sol ia alto.
Finalmente a surpresa resultou
No sexto dia[8], 16 de Julho de 1968, sairam pelas quatro horas da manhã dezoito paraquedistas que rodearam o Dongol Dandum por Leste, seguiram depois pelo vale do rio Barquege e foram aquietar-se na encosta Sul, um pouco a Norte da antiga tabanca de Sebere Dandum.
Foi nessa posição que às oito horas da manhã ouviram o tiroteio de uma flagelação a partir da encosta Leste. O Ten Gomes deu então instruções para o grupo abandonar a posição e subir para Norte até encontrar o carreiro da guerrilha que levava à vertente Leste. A deslocação foi inicialmente complicada pela reacção do guia nativo que os acompanhava dessa vez e que, transido de medo, se recusou a prosseguir. Teve que ser deslocado para o fim da coluna onde ocupou a última posição e na prática passou a ser rebocado pelo último paraquedista.
Ao chegarem ao trilho, a meia encosta, procuraram rapidamente uma zona que proporcionasse um campo de tiro e montaram um dispositivo em L invertido em que a perna maior, com dez paraquedistas, se estendia a subir ao longo do trilho e a menor 90º à direita, de frente a uma pequena clareira. Numa posição recuada em relação à perna maior ficaram o 1.º Cabo Enfermeiro Giroto e o homem do rádio.
Poucos minutos depois avistaram os primeiros guerrilheiros que desciam a encosta completamente descontraidos e na galhofa[9] mas apenas cinco entraram na zona de morte que era pequena. Os paraquedistas viram-se obrigados a abrir fogo porque o guerrilheiro que seguia à frente já estava apenas a quatro metros de distância.
Como este trazia a Kalashnikov em bandoleira não foi o primeiro a ser abatido, foi o segundo da fila que trazia binóculos ao pescoço[10] e a arma em posição de fogo. Só depois o Fur Capucho atingiu o primeiro homem da fila. A disciplina de fogo, que era um dos pontos fortes das tropas paraquedistas, ao contrário do que sucedia com a generalidade das nossas forças na Guiné, funcionou aqui em pleno mais uma vez. O terceiro homem da fila, abatido pelo soldado José Santos, caíu a cerca de seis metros da emboscada. O quarto também foi atingido e foi nessa altura que o quinto guerrilheiro o tentou auxiliar tendo chegado a arrastá-lo de nível na clareira, vários metros para Oeste, ao mesmo tempo que os restantes elementos do grupo que ainda se encontravam encobertos pela mata abriram fogo ao longo do trilho na direcção dos paraquedistas.
No entanto esses dois guerrilheiros não conseguiram escapar porque o 2.º Sarg Lança movimentou rapidamente a sua equipa de modo a conseguir posição de fogo e acabaram abatidos também mas não conseguiram alcançar os corpos para lhes retirar as armas. Do lado dos paraquedistas, a reacção cega do inimigo provocou duas baixas: o Ten Gomes foi ferido numa perna assim como o apontador da MG 42, 1.º Cabo Cabaço, que se encontrava ao seu lado.
16 de Julho de 1968, emboscada pós-ataque do PAIGC a Madina.
Com dois feridos e com um número indeterminado de guerrilheiros em posições mais elevadas, não foi possível explorar melhor o sucesso mas a equipa do 2.º Sarg Lança encontrou rastros de sangue ao longo da mata de onde o grupo inimigo tinha surgido.
Nas circunstâncias foi necessário quebrar o contacto para trazer os feridos imediatamente para Madina e evacuá-los. No entanto o grupo ainda foi flagelado sem consequências, desta vez de um ponto mais para Sudoeste da zona. A retirada fez-se para Este, mantendo o nível da meia encosta e foi protegida com alguns disparos para as matas mais acima.
O Ten Gomes teve que ser amparado por outro paraquedista e o 1.º Cabo Cabaço que estava em pior estado, foi carregado por dois companheiros. Ao aproximarem-se de Madina começaram a avistar pessoal da CCaç 1790 que tinha saído do aquartelamento e se dirigia ao seu encontro na tentativa de dar apoio.
Coube-me a mim efectuar a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o TCor Fausto Marques e por um feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde eu, o Ten Gomes e um soldado da CCaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda tenho de que alguma vez estive “no Algarve na Guiné”...
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[1]- O próprio aquartelamento ficava no sopé de uma elevação chamada Dongol Dandum com cerca de 100 metros de altura
[2] - Testemunho de Ulisses Estrada Lescaille em “Recordando a Amílcar Cabral, líder anticolonialista de Guinea Bissau” no dia 21 de Maio de 2003:
“Una vez concluida la misión en el Uvero, en noviembre de 1966, a pesar de la preocupación de Amílcar - que no se encontraba en el país, por temor a la muerte o captura de uno de nosotros en los frentes de batalla, me uno a las guerrillas comandadas por Domingo Ramos, comisario político del PAIGC, en la primera operación militar de envergadura en la que participan los instructores militares cubanos, bajo el principio de convertir el combate en una escuela.”
[3] - Note-se como Oramas, numa lógica de culto da personalidade, tradicional nas ditaduras comunistas, fantasia sobre a acção do chefe guerrilheiro para a acomodar ao seu estatuto de herói nacional, apesar do desaire sofrido. Não me parece nada credível que o movimento de Domingos Ramos tenha sido para cobrir o Ulisses que é um preto matulão. Era mais digno e honroso que se atirasse para cima da Isabel. O mais provável é que Domingos Ramos que estava de pé, pois era o chefe e só assim conseguia ver os impactos do B-10, tenha sido atingido e desfaleceu caindo sobre o Ulisses que estava ao seu lado.
[4] - Esse exemplar da quadrícula para o apoio aéreo a Madina do Boé ainda existe.
[5] - KIAS – Knots Indicated Air Speed (velocidade ar indicada em milhas náuticas por hora)
[6] - Testemunho do ex comandante da Ccaç 1790, actual Tcor Inf (R) José Aparício após uma visita à Guiné em 1994:
“Regressados a Madina visitámos os montes circundantes de onde éramos atacados. Constatei que a quadrícula alfa numérica que utilizávamos estava correcta, e os vários pontos eram efectivamente as bases de fogo que referenciámos na quadrícula.
Um dos elementos que nos acompanhava, e que desempenhava as funções de governador do Gabu, mas que nos tempos da nossa permanência pertencia às forças do PAIGC estacionadas na zona, pediu-me para o seguir sozinho, que me queria mostrar um local; pediu-me para não tirar fotografias e não falar do assunto aos jornalistas e operadores de imagem que nos acompanhavam, o que cumpri,
naturalmente.
Chegados ali, na contraencosta de um dos montes à volta de Madina, na direcção (E), mostrou-me o local onde foram enterrados os mortos do PAIGC na zona, descrevendo-me a maneira como enterraram os corpos. Quem ficou constrangido e embaraçado pela situação, fui eu, e por respeito não ousei voltar a olhar com insistência para o espaço e estimar o número de sepulturas, mas que eram muitas.
Na longa conversa que ali mantivemos, referiu-me os ataques aéreos de 9 e 10 de Abril de 1968 confirmando o juízo que ao tempo tínhamos formulado das circunstâncias de então. Falou-me também das dificuldades que tinham nas evacuações de feridos, já que os hospitais de que o PAIGC dispunha na região com médicos cubanos, se encontravam longe, em Boké a (S) e Kundara a (N). As forças do PAIGC à volta de Madina tinham enfermeiros cubanos, que nos dias dos citados ataques se viram ultrapassados pela situação, passando toda noite a pedir auxílio para transportar os muitos feridos existentes, o que foi ouvido em Madina.”
[7] - Os guias nativos eram soldados do recrutamento local que estavam agregados às companhias metropolitanas. Eram necessários não só porque conheciam o terreno mas também porque eram os intérpretes quando eram feitos prisioneiros ou se encontrava população.
[8] - 16 de Julho de 1968.
[9] - Faziam aquilo praticamente todos os dias.