Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1968), actualmente coronel (DFA) na situação de reforma:
Samba Culo era outra base conhecida do PAIGC na zona da CART 1690. Não vem nos mapas existentes agora, talvez porque não haja lá população. Além dessa base, havia várias casas de mato nessa região, elementos de apoio importantes para dormida e descanso dos guerrilheiros.
Sobre a Operação Inquietar I: foi um fracasso, pois não conseguiu o objectivo, que era a destruição da base, tendo sido destruídas, no entanto, várias casas de mato; a história do ferido mencionado é que se tratou de um soldado da CCAÇ 1689, que levou um tiro no bolso onde tinha uma granada de fumos, provocando o rebentamento desta; tentando apagar o fogo que se ateou nas calças do camuflado com as mãos, ficou com estas totalmente queimadas (os ossos dos dedos ficaram à vista). Com a única coisa que eu tinha - manteiga das rações - tentei minorar-lhe o sofrimento. Gritava pela mãezinha e dizia:
- O meu alferes é tão bom!... Enfim, só visto. Sei que ficou bom, embora com cicatrizes, e vive no Porto.
Sucedeu-me aqui uma coisa que eu nunca pensei que fosse possível: na noite de 10 para 11 de Junho de 1967 consegui dormir debaixo da chuva torrencial de um tornado, numa clareira completamente a descoberto. O cansaço já era muito. A retirada está exemplificada na fotografia que também envio em anexo: é pessoal do meu grupo de combate, que teve de se apoiar uns aos outros, tal era o cansaço, e porque o PAIGC vinha atrás de nós...
“4. Op Inquietar I. 9 a 15 de Junho de 1967.
“Situação particular:
"Há notícias de que o IN tem um acampamento em Canjambari, além de outros espalhados pela mata do Óio. O IN tem-se revelado durante operações realizadas e implantado engenhos explosivos nos itinerários.
"Missão:
Executar uma acção em força sobre o acampamento IN de Canjambari em coordenação com as forças do Agrupamento 1976.
"Força executante:
Dest A - CCAÇ 1685 ; 1 Gr Comb CART 1690; 1 PEL MIL/CMIL 3
Dest B - CCAÇ 1689; 1 Sec. (+) CMIL3
Dest C - CCAÇ 1501 - (1 Gr Comb); CCAÇ 1499 (1 Gr Comb); 2 Secções CMIL 2; 1 Secção CMIL 4
"Desenrolar da acção:
9JUN67
Os destacamentos A e B deslocaram-se em meios auto de Fá para Banjara. À alta da viaturas militares para os transportar houve necessidade de recorrer a requisição de viaturas civis, utilizadas apenas no troço Fá - Sare Banda. A concentração das forças em Banjara foi morosa, pois teve que se fazer por escalões. Iniciada pelas 07H00 terminou pelas l6H00.
10JUN67
Pelas 02H00 os destacamentos A e B iniciaram juntos o movimento para Casa Nova que atingiram pelas 06H00. Pelas 06H50 as NT abriram fogo sobre 2 elementos desarmados tendo abatido l e ferido outro num braço, quando tentavama fuga. Interrogado este revelou a existência de una tabanca nas proximidades, localizado depois em Banjara 2A4. Pelas 13H50 atacaram este objectivo que o IN abandonou precipitadamente. As NT destruíram 10 casas de mato, depois de terem passado revista e capturado uma longa, roupas e utensílios domésticos.
Pelas 12H30 as NT atingiram Gendo, utilizando o prisioneiro como guia, onde pararam para comer. Em exploração das declarações prestadas pelo guia os Cmdts dos Dest A e B que estavam juntos decidiram seguir a corta nato para Samba Culo, durante a noite, se até iniciarem a progressão não fossem detectadas. Pelas 13H00 ouviram um tiro isolado do lado NW, que lhes pareceu de reconhecimento. Pelas 14H40 um Gr IN estimado em 15 a 20 elementos flagelou durante cerca de 20 minutos com armas automáticas, PM, LGF, e Mort 60, a po sição onde as NT se encontravam, mas sem consequências.
O Comandante do Dest B deidiu então, como medida de decepção desviar-se ara Banjara 5A5 e daqui progrediu durante a noite em direcção a Samba Culo.
Pelas 17H30 as NT já se encontravam em andamento quando ouviram o rebentamento de duas granadas de mort. 60 no local onde estacionaram. Cerca das 18H00 as NT avistaram 2 elementos dos que seguiam em direcção às NT. Ao detectá-los, internaram-se no mato. Momentos depois ouviu-se o lançamento de 1 granada de Mort., tendo as NT avançado imediatamente sobre a posição onde se supunha estar instalada a arma.
Assaltado o acampamento foram capturadas 2 longas, destruídos numerosos artigos e utensílios domésticos, roupas, alimentos, catanas, bicicletas e destruídas 50 casas de mato, acampamento de Cambaju, situado em Banjara 3CL.
O Cmdt Dest B decidiu então atravessar a bolanha do R Cambaju, para passar a noite em Banjara 3EL e progredir depois sobre Samba Culo.
11JUN67
Pelas 05H00, debaixo de chuva torrencial as NT progrediram ao longo do R Cambaju, seguindo o Dest B à frente. Pelas 08H00 o Dest B capturou l elemento IN, que explorado levou as NT a destruir outro acampamento. Cerca das 12H00 o PCV entrou em contacto com o Dest B, que lhe solicitou que sobrevoasas o Dest C que necessitava da sua presença e voltasse depois. Em vão
o PCV tentou contactar de novo com o Dest A e B. No resto da manhã e durante a tarde de 11JUN, pelo que não foi possível reabastecê-los como estava previsto, apesar de todos os esforços de ligação do PCV, dos T-6 e HELI.
Finalmente pelas 17H50 conseguiu o PCV contactar com o Dest B, que pedia a evacuação de um ido, evacuado momentos depois por um heli no seu regresso a Bissau. Depois de feito o reabastecimento do Dest C verificou-se que os Dest A e B se encontravam por região do ponto 38 (Banjara 2D4) e dado o estado precário do pessoal, pediu autorização para retirar o que
lhes foi negado.
12JUN67
Pelas 08H00, como o PCV não aparecesse e os Dest A e B não tivessem sido reabastecidos os Cmdt dos Destacamentos decidiram progredir para SW, tendo atingido Banjara pelas 09H00 altura em que surgiu o PCV e lhes comunicou que de Bafatá saíra uma coluna com os reabastecimentos e com as instruções a cumprir durante o dia 12 e na noite de 12/13JUN. O Dest A recebeu ordem de montar emboscadas sobre o itinerário Banjara-Mantida e o Dest B re-
cebeu ordem de montar emboscada por região de Bantajã, mas que não resultaram.
13JUN67
Iniciado o regresso, os Dest A e B chegaram a Fá pelas 12H50.»
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 7 de junho de 2005
segunda-feira, 6 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P47: O Alferes Lopes, com os balantas (CCAÇ 3, Barro, região de Cacheu, 1968/69)
Texto de A. Marques Lopes, alferes miliciano na CART 1690 (Geba, Zona Leste), onde foi ferido (1967), e depois na CCAÇ 3 (Barro, Cacheu, 1968/69), hoje coronel (DFA) na reforma e dirigente da Associação 25 de Abril (delegação Norte):
Barro fica a cerca de 3 kms da fronteira com o Senegal. Na altura em que lá estive, com a CCAÇ 3, o comandante era o capitão Carlos Abreu (depois do 25 de Abril foi adjunto do General Spínola; conheci os pais dele, que tinham um restaurante na Calçada do Combro, em Lisboa).
Barro fica a cerca de 3 kms da fronteira com o Senegal. Na altura em que lá estive, com a CCAÇ 3, o comandante era o capitão Carlos Abreu (depois do 25 de Abril foi adjunto do General Spínola; conheci os pais dele, que tinham um restaurante na Calçada do Combro, em Lisboa).
Antes dele esteve o capitão Ferreira, atualmente um quadro do PSD em Torres Vedras (como o é também o meu ex-camarada de armas da CART 1690, e amigo, o ex-alferes Moreira, actualmente em Torres Vedras, e o advogado que levou à minha reintegração no Exército).
Esclareço que todos os que conheci na guerra, e sobreviveram, têm cada um a sua ideologia política. Mas a amizade, cimentada em situações difíceis, sobrepõe-se às ideologias e somos todos muito amigos e o que faz com que nos encontremos com frequência. Discutimos sobre o agora e não estamos de acordo em muita coisa, mas abraçamo-nos e cimentamos a amizade com o que passámos em conjunto, no passado.
A missão da CCAÇ 3 em Barro (em Binta, não sei) era evitar a passagem dos guerrilheiros do PAIGC e das populações por ele controladas do Senegal para a mata do Óio. A missão deles era, sobretudo, fazer abastecimentos em géneros e em material bélico para os combatentes daquela zona. A nossa era evitar que isso sucedesse. Essas infiltrações vinham, nomeadamente, das tabancas Sano, Sonako e Samine, situadas no Senegal.
Além das emboscadas que montávamos, muitas armadilhas foram colocadas naquela zona para obviar a isso (quando ouvíamos bum!, íamos a correr pois devia ser uma vaca que caíu na armadilha). Às vezes, penso que duas vezes no meu caso (em Sambuiá e Senquerem), participávamos em operações do COP 3 de Bigene, comandado pelo tenente-coronel, na altura, Correia de Campos (não, não é o actual ministro da saúde), que foi um herói de Guidage em 1973, muito maltratado depois do 25 de Abril, em minha opinião.
Um dia, creio que em Junho de 1968, o General Spínola foi a Barro e perguntou:
- Vocês já foram ao Senegal? - Eu, e os outros, que não sabíamos o que ele queria, dissemos que não (já tínhamos ido várias vezes a Sano, Sonako e Samine para roubar vacas e queimar casas). E ele disse:
- Então, têm de pensar em ir lá -. E lá fomos mais à vontade. O roubar vacas era uma preocupação, pois era a nossa subsistência. Muito raramente, havia um abastecimento feito pelos fuzileiros através do rio Cacheu. Às vezes, vinha uma Dornier trazer o correio e os chamados frescos. A maior parte das vezes comíamos arroz e rações de combate, ou, então, uma dobrada hidratada que saltava da panela assim que aquecia. Só tínhamos carne quando havia vacas.
Na altura, o General Spínola deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles). Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:
- Quero os balantas, disse eu.
Esclareço que todos os que conheci na guerra, e sobreviveram, têm cada um a sua ideologia política. Mas a amizade, cimentada em situações difíceis, sobrepõe-se às ideologias e somos todos muito amigos e o que faz com que nos encontremos com frequência. Discutimos sobre o agora e não estamos de acordo em muita coisa, mas abraçamo-nos e cimentamos a amizade com o que passámos em conjunto, no passado.
A missão da CCAÇ 3 em Barro (em Binta, não sei) era evitar a passagem dos guerrilheiros do PAIGC e das populações por ele controladas do Senegal para a mata do Óio. A missão deles era, sobretudo, fazer abastecimentos em géneros e em material bélico para os combatentes daquela zona. A nossa era evitar que isso sucedesse. Essas infiltrações vinham, nomeadamente, das tabancas Sano, Sonako e Samine, situadas no Senegal.
Além das emboscadas que montávamos, muitas armadilhas foram colocadas naquela zona para obviar a isso (quando ouvíamos bum!, íamos a correr pois devia ser uma vaca que caíu na armadilha). Às vezes, penso que duas vezes no meu caso (em Sambuiá e Senquerem), participávamos em operações do COP 3 de Bigene, comandado pelo tenente-coronel, na altura, Correia de Campos (não, não é o actual ministro da saúde), que foi um herói de Guidage em 1973, muito maltratado depois do 25 de Abril, em minha opinião.
Um dia, creio que em Junho de 1968, o General Spínola foi a Barro e perguntou:
- Vocês já foram ao Senegal? - Eu, e os outros, que não sabíamos o que ele queria, dissemos que não (já tínhamos ido várias vezes a Sano, Sonako e Samine para roubar vacas e queimar casas). E ele disse:
- Então, têm de pensar em ir lá -. E lá fomos mais à vontade. O roubar vacas era uma preocupação, pois era a nossa subsistência. Muito raramente, havia um abastecimento feito pelos fuzileiros através do rio Cacheu. Às vezes, vinha uma Dornier trazer o correio e os chamados frescos. A maior parte das vezes comíamos arroz e rações de combate, ou, então, uma dobrada hidratada que saltava da panela assim que aquecia. Só tínhamos carne quando havia vacas.
Na altura, o General Spínola deu indicação para se dividir a companhia em pelotões de acordo com as etnias (o tirar partido das rivalidades entre eles). Como eu era o alferes mais antigo, o comandante da companhia perguntou-me o que é que eu queria:
- Quero os balantas, disse eu.
E o meu grupo de combate foi quase todo de balantas (tinha um cabo fula, o Mamadu, e três furriéis brancos, além de mim). Ouviam a rádio do PAIGC mas demo-nos sempre bem. Porque eu sempre fiz por isso. Por exemplo: um dia, fui com um que estava doente através da mata até Bigene, porque em Barro não havia médico; emprestei dinheiro a todos, mas todos me pagaram quando me vim embora...
Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal Alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.
Foi sempre minha preocupação não matar população civil (o tal Alferes Gonçalves terá alguma coisa a dizer sobre isto... lembro-me de uma situação). Mas era difícil, pois a visão e a filosofia da vida deles era diferente. Um dia, por exemplo, foi apanhado no meio de um tiroteio um velho cego.
- Mata! - foi a reacção.
- Não, disse eu - Mas foi complicado.
Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:
Numa das tais operações do COP 3, não sei já qual, um guerrilheiro do PAIGC levou uma rajada no baixo ventre e ficou com os tomates pendurados. Disse para fazerem uma maca para o levarem. Fizeram a maca, mas não o quiseram levar:
- Alfero, deixa estar, vem jagudi [abutre] e come ele...
- Não!
Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:
-Alfero, a gente pega.
Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira pára-quedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.
Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.
Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas.
A. Marques Lopes
Eu e um furriel pegámos na maca e começámos a atravessar uma bolanha com água pelo pescoço. A meio da bolanha, vieram dois e disseram:
-Alfero, a gente pega.
Chegámos à base de operações, onde estava o tenente-coronel Correia de Campos, um helicóptero e uma enfermeira pára-quedista, e, azar, o homem do PAIGC morreu.
Em frente destes, formei o grupo de combate e, porque estava furioso, chamei-lhes todos os nomes. O tenente-coronel Correia de Campos estava de boca aberta. É evidente que nós, os ocidentais, temos uma maneira de ver as coisas, a vida e a morte, de uma forma diferente. Assim como outras, por exemplo, a democracia e a política.
Numa outra situação, houve um deles que ficou com a garganta aberta por um estilhaço de RPG2. Sucedeu mais ou menos a mesma coisa. Mas, com visões diferentes da nossas, era gente muito fixe, amigos. Tenho saudades deles e pena de não me poder encontrar com eles. Vou mandando fotografias e vou contado mais alguma coisas.
A. Marques Lopes
domingo, 5 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P46: Em memória dos bravos de Geba... (Marques Lopes)
Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967)...
A CART 1690 esteve na Guiné de Abril de 1967 a Março de 1969. O que vos contei desta companhia adquiri-o através dos dados da "História da Unidade", de alguma pesquisa pessoal e de alguns elementos em meu poder. Mas não terminou este meu trabalho e pode ser que, no futuro, outros elementos que, então, venha a possuir, cheguem ao vosso conhecimento.
Procurei não individualizar críticas, mas, sim, dar exemplos do que se passou e do que aqueles homens passaram e sofreram, tal como outros da nossa geração passaram e sofreram, eu sei. Houve mais operações e acções (como podem depreender pelo "resumo da actividade operacional"), mas aquelas de que vos dei conhecimento foram as mais exemplares desse sacrifício (como dele são exemplo as baixas sofridas, mesmo nos escalões mais elevados).
Sempre que possível, fiz-me acompanhar de um atirador-fotógrafo, que atirou algumas fotografias sempre que pôde. E pôde poucas vezes, é claro, como podem calcular. Algumas das fotografias não corresponderão, provavelmente, às operações relatadas, porque já não as consigo situar, mas servem de ilustração do que era normal em todas elas [vd. também Banjara e Cantacunda].
Era uma zona muito propícia a azares, como têm visto. Também me calhou a mim (não era mais que os outros, claro, apesar de ter estado 24 horas no campo do inimigo... "teve de ser assim", como disse o Comandante Gazela). Um dia, quando ia no caminho de Geba para Banjara, fui ferido (e sortudo, mais uma vez), assim como o soldado Lamine Turé, do meu grupo de combate ; na mesma altura morreu o comandante da CART 1690, que quis ir comigo nessa viagem, o capitão Manuel C.C. Guimarães (tinha 29 anos, era filho de um sargento-ajudante e sobrinho da Beatriz Costa), e morreu o soldado Domingos Gomes, também do meu grupo de combate.
Levei o corpo do capitão, porque me pareceu que estava ainda vivo, e o Lamine, directamente para Bafatá... porque em Geba não havia médico, vejam lá! Não levei o do Domingos Gomes, porque ficou aos bocados, não deu tempo nem tive condições para os recuperar. De Bafatá fui evacuado para o HM241 [em Bissau], primeiro, e para o Hospital Militar Principal,[em Lisboa], passada uma semana.
Lá se foi, pois, o régulo de Geba... (gostei desta, amigo Luís Graça!). Não há relatório desta situação, obviamente, uma vez que não ficou quem o pudesse fazer.
Falar-vos-ei, depois, da CCAÇ 3 [Barro, 1968], onde fui colocado depois da minha estadia no HMP, embora dela não tenha senão a minha lembrança e as fotografias que um outro atirador-fotógrafo teve oportunidade de atirar.
Estive quase uma semana no Arquivo Histórico Militar, em Santa Apolónia, mas nada consegui de documentos sobre ela. Era uma companhia de naturais da Guiné e é possível que, com a independência, muita coisa se perdesse (ou fosse destruída). Mas ainda não explorei o Arquivo Geral do Exército, nem para a CCAÇ 3 nem para a CART 1690, e pode ser que, quando o fizer, consiga mais alguma coisa, quer de uma quer de outra.
Só consigo falar destas experiências convosco e com os que estiveram comigo, porque sei que as compreendem, pois as tiveram como eu tive. Não com a família, não com os amigos que por elas não passaram. Sinto que para estes é um peso ou algo irreal, alguns pensam, até, que estou a pintar. Não, para estes custa-me falar disto, tenho procurado não o fazer. É com tristeza que sinto em alguns um certo desinteresse.
No entanto, e por isso, talvez, sinto também que deve ser feito um esforço para fazer ver a todos o que foi a guerra colonial para mais de um milhão de jovens que por ela passaram, naqueles que deveriam ter sido os melhores anos das suas vidas, mas onde, ao invés, 8.290 morreram; onde, ao invés, milhares ficaram feridos, 30.000 destes com deficiências físicas; e onde, ao invés, 140.000 ficaram afectados psiquicamente (dados do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra). E os pais, e os filhos, e as mulheres deles, que também foram afectados.
Esta juventude perdida estupidamente devia merecer mais atenção e consideração. Felizmente, por alturas das comemorações da revolução dos cravos, a Associação 25 de Abril costuma ser convidada por algumas escolas e fala sobre estas coisas. Por exemplo: no passado dia 30 de Maio, estivemos com os alunos da Escola Secundária do Padrão da Légua, em Matosinhos, num debate sobre a guerra colonial.
Com muita estima e consideração.
A. Marques Lopes
Anexo- Resumo da Actividade Operacional da CART 1690
Operações (com nome de código) ...................49
Operações (com nome de código) com PCV (*)........12
Patrulhamentos..................................1561
Emboscadas........................................36
Outras acções....................................442
Total de acções realizadas......................2100
(*) Posto de Comando Volante
A CART 1690 esteve na Guiné de Abril de 1967 a Março de 1969. O que vos contei desta companhia adquiri-o através dos dados da "História da Unidade", de alguma pesquisa pessoal e de alguns elementos em meu poder. Mas não terminou este meu trabalho e pode ser que, no futuro, outros elementos que, então, venha a possuir, cheguem ao vosso conhecimento.
Procurei não individualizar críticas, mas, sim, dar exemplos do que se passou e do que aqueles homens passaram e sofreram, tal como outros da nossa geração passaram e sofreram, eu sei. Houve mais operações e acções (como podem depreender pelo "resumo da actividade operacional"), mas aquelas de que vos dei conhecimento foram as mais exemplares desse sacrifício (como dele são exemplo as baixas sofridas, mesmo nos escalões mais elevados).
Sempre que possível, fiz-me acompanhar de um atirador-fotógrafo, que atirou algumas fotografias sempre que pôde. E pôde poucas vezes, é claro, como podem calcular. Algumas das fotografias não corresponderão, provavelmente, às operações relatadas, porque já não as consigo situar, mas servem de ilustração do que era normal em todas elas [vd. também Banjara e Cantacunda].
Era uma zona muito propícia a azares, como têm visto. Também me calhou a mim (não era mais que os outros, claro, apesar de ter estado 24 horas no campo do inimigo... "teve de ser assim", como disse o Comandante Gazela). Um dia, quando ia no caminho de Geba para Banjara, fui ferido (e sortudo, mais uma vez), assim como o soldado Lamine Turé, do meu grupo de combate ; na mesma altura morreu o comandante da CART 1690, que quis ir comigo nessa viagem, o capitão Manuel C.C. Guimarães (tinha 29 anos, era filho de um sargento-ajudante e sobrinho da Beatriz Costa), e morreu o soldado Domingos Gomes, também do meu grupo de combate.
Levei o corpo do capitão, porque me pareceu que estava ainda vivo, e o Lamine, directamente para Bafatá... porque em Geba não havia médico, vejam lá! Não levei o do Domingos Gomes, porque ficou aos bocados, não deu tempo nem tive condições para os recuperar. De Bafatá fui evacuado para o HM241 [em Bissau], primeiro, e para o Hospital Militar Principal,[em Lisboa], passada uma semana.
Lá se foi, pois, o régulo de Geba... (gostei desta, amigo Luís Graça!). Não há relatório desta situação, obviamente, uma vez que não ficou quem o pudesse fazer.
Falar-vos-ei, depois, da CCAÇ 3 [Barro, 1968], onde fui colocado depois da minha estadia no HMP, embora dela não tenha senão a minha lembrança e as fotografias que um outro atirador-fotógrafo teve oportunidade de atirar.
Estive quase uma semana no Arquivo Histórico Militar, em Santa Apolónia, mas nada consegui de documentos sobre ela. Era uma companhia de naturais da Guiné e é possível que, com a independência, muita coisa se perdesse (ou fosse destruída). Mas ainda não explorei o Arquivo Geral do Exército, nem para a CCAÇ 3 nem para a CART 1690, e pode ser que, quando o fizer, consiga mais alguma coisa, quer de uma quer de outra.
Só consigo falar destas experiências convosco e com os que estiveram comigo, porque sei que as compreendem, pois as tiveram como eu tive. Não com a família, não com os amigos que por elas não passaram. Sinto que para estes é um peso ou algo irreal, alguns pensam, até, que estou a pintar. Não, para estes custa-me falar disto, tenho procurado não o fazer. É com tristeza que sinto em alguns um certo desinteresse.
No entanto, e por isso, talvez, sinto também que deve ser feito um esforço para fazer ver a todos o que foi a guerra colonial para mais de um milhão de jovens que por ela passaram, naqueles que deveriam ter sido os melhores anos das suas vidas, mas onde, ao invés, 8.290 morreram; onde, ao invés, milhares ficaram feridos, 30.000 destes com deficiências físicas; e onde, ao invés, 140.000 ficaram afectados psiquicamente (dados do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra). E os pais, e os filhos, e as mulheres deles, que também foram afectados.
Esta juventude perdida estupidamente devia merecer mais atenção e consideração. Felizmente, por alturas das comemorações da revolução dos cravos, a Associação 25 de Abril costuma ser convidada por algumas escolas e fala sobre estas coisas. Por exemplo: no passado dia 30 de Maio, estivemos com os alunos da Escola Secundária do Padrão da Légua, em Matosinhos, num debate sobre a guerra colonial.
Com muita estima e consideração.
A. Marques Lopes
Anexo- Resumo da Actividade Operacional da CART 1690
Operações (com nome de código) ...................49
Operações (com nome de código) com PCV (*)........12
Patrulhamentos..................................1561
Emboscadas........................................36
Outras acções....................................442
Total de acções realizadas......................2100
(*) Posto de Comando Volante
Guiné 63/74 - P45: Sinchã Jobel VII (Marques Lopes)
Texto de A. Marques Lopes:
O Alferes Fernandes, referido no relatório que se segue, foi, mais tarde, substituído pelo Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, o Aznavour, por ser parecido com o Charles Aznavour, que morreu também, em 8 de Setembro de 1968 num ataque a Sare Banda (ver relatório).
O soldado Fragata (Manuel Fragata Francisco), um alentejano de Alpiarça, do meu grupo de combate, ficou nesta operação. Mas a história toda foi-me contada pelo Comandante Gazela [do PAIGC ]: ficou furado por vários estilhaços de uma roquetada e foi levado, em maca, pelos guerrilheiros desde a mata do Óio até a um hospital de Ziguinchor, na Casamansa, Senegal. Foi obra, hão-de concordar, e não foi fácil, como calculam. Aí, em Ziguinchor, foi tratado pelo portugês Dr. Pádua, um médico desertor, e que me confirmou isto quando, há alguns anos, o encontrei em Lisboa.
Depois desse tratamento foi repatriado pela Cruz Vermelha Internacional e foi para o Anexo do HMP, na Rua Artilharia Um, em Lisboa. Disse o Comandante Gazela que, com a simplicidade própria daqueles nossos soldados, o Fragata, ao apanhar o avião de regresso, disse: "Obrigado. Graças ao nosso partido – referia-se ao PAIGC -, "posso voltar para casa".
Infelizmente, o Fragata, passado pouco tempo após a saída do Anexo, morreu num desastre de motorizada na sua terra.
Depois desta operação, aquela zona foi considerada ZLIFA (Zona Livre de Intervenção da Força Aérea), isto é, só os T6 e os Fiat é que passaram a voar para lá para despejarem toneladas de bombas e napalm sobre a floresta que rodeava a clareira de Sinchã Jobel. Sem grande efeito prático, pois as bombas rebentavam no cimo das copas das árvores, deixando praticamente intactas as partes no solo. E a guerra continuou...
Em 1998, o Comandante Gazela confidenciou-me que, naquele dia 24 de Junho de 1967, eles não se aperceberam que eu tinha ficado na bolanha. Só o souberam dois dias depois, quando o Suleiman Baldé, chefe dos milícias de Sare Madina, lhes disse que me tinha emprestado uma bicicleta.
Este Suleiman Baldé, embora nas milícias, era do PAIGC e acabou por ser morto mais tarde pelas NT. Quando consegui sair de Sinchã Jobel, no dia 25, cheguei a essa tabanca de Sare Madina e foi, de facto, o Suleiman Baldé que me emprestou uma bicicleta. E foi de bicicleta que cheguei à sede da companhia, em Geba.
Fui chamado, depois, ao Comando do Agrupamento. Primeira preocupação dele: se eu tinha trazido a G3... e, não sei se a sério se a brincar, “há um problema, é que você passou 24 horas no campo do inimigo”… Não fiz boa cara, com certeza, pois o Comandante do Agrupamento teve de sorrir e disse-me: "Você, agora, tem aí história para contar num livro”. Não sei quando ele aparecerá, mas estou a trabalhar para isso.
Uma reflexão: na Guiné, e estas operações são prova disso, quem fez a maior parte da guerra dura e prolongada não foram as tropas especiais (sem pôr em causa o seu valor), mas sim o sacrificado Zé Soldado, isolado no mato, sem farras em Bissau, pau para toda a colher e, as mais das vezes, sacrificada carne para canhão.
“22. Op Invisível. 16 de Dezembro de 1967
“Situação particular:
Em face das acções realizadas sabe-se que o IN actua no regulado de Mansomine onde possui a base de Sinchã Jobel.
“Missão:
Executar uma batida nesta região tentando desalojar o IN.
“Força executante:
Dest A – CART 1742, a 2 Gr Comb.
DEst B - CART 1690 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL 110 / C MIL 3
“Desenrolar da acção:
"Em 18 de Dezembro de 1967, às 22H00, as forças intervenientes saíram auto transportadas de Geba em direcção a Sare Gana, progredindo em seguida apeadamente em direcção a Ganhagina, que atingiram em 19 , às 04H00. Não se pôde efectuar a cambança da bolanha nessa altura, em virtude do guia não conhecer o caminho, para atingir a bolanha pelo que as forças intervenientes se instalaram, montando a devida segurança.
“Pelas 06H00 as forças intervenientes iniciaram novamente a progressão à bolanha, que atingiram pelas 07H50 hora a que se iniciou a cambança da mesma. Nesta altura foram avistados elementos IN em cima de árvores, pelo que se tomaram as devidas medidas de segurança para a travessia da mesma. A cambança terminou às 08H50, iniciando-se em seguida a progressão à base de patrulhas. Cerca das 11H50 fez-se um alto, devido novamente ao guia se ter perdido e precisar de se orientar. Foi destacada1 Secção reforçada para fazer a protecção ao guia, enquanto a restante força interveniente montava segurança no local de estacionamento.
“Às 12H45 iniciou-se novamente a progressão à base de patrulhas que foi atin- gida às 15H52. Nesta altura ouviram-se vozes de elementos IN, o que levou as forças intervenientes a supor que o IN se encontrava instalado naquele local. Devido a este facto a missão foi alterada e estabeleceu-se que o Dest B faria o assalto ao objectivo enquanto o Dest A faria a detenção do IN. Para o assalto ao acampamento IN o Dest B nomeou 1 Gr Comb, enquanto o 2º. Gr Comb faria a protecção ao 1.º e serviria de reserva.
“Estabeleceu-se também o ponto de reunião das forças intervenientes. Quando o 1º GR Comb progredia em direcção do acampamento IN, foi emboscado e surpreendido por um súbito desencadear de intenso e nutrido fogo IN. Tentou anular-se o mesmo reagindo as NT fortemente. Como o 1° Gr Comb fosse o que nessa altura se encontrasse mais submetido ao fogo IN, veio o2º Gr Comb em auxilio do primeiro, mas o mesmo foi atacado pela rectaguarda e, portanto, não pode proteger a retirada do primeiro.
“Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes. Verifiquei que nessa altura já o Dest B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º. Cabo Sousa da CART 1742 (que estava a fazer fogo com a ML MG-42), soldado metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos.
“Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda, e quando o puxava pêlos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos. Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante comprido (a cobrir as orelhas), facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar. Quando retirava em direcção ao ponto de reunião, encontrei uma secção da CART 1742, e 4 soldados da minha Companhia que me informaram ser impossível entrar em contacto com a CART 1742, enviei 5 soldados desta última Companhia afim de averiguar tal impossibilidade, enquanto se montava a segurança com os restantes elementos. Logo após esses 5 Soldados regressarem, fui informado que a CART 1742 já retirara. Devido a tal e uma vez que o IN já nos estava a envolver, iniciei a retirada em direcção à bolanha.
“Durante a retirada fomos constantemente perseguidos pelo IN que disparava incessantemente rajadas de armas automáticas ligeiras e metralhadora pesada, além de encontrarmos diversos elementos IN já instalados ao longo do caminho que conduzia à bolanha e que fez com que este grupo tivesse que atravessar a bolanha num local diferente do que inicialmente estava previsto, e que batiam o caminho por onde nos deslocávamos.
“Quando atravessámos a bolanha o IN bateu a mesma com granadas de morteiro 82 (algumas das granadas estavam equipadas com espoleta de tempos), rajadas de armas pesadas, ligeiras e roquetadas, tendo o mesmo entrado na bolanha em nossa perseguição, e ainda após concluída a travessia depararam-se-nos alguns elementos IN instalados deste lado da bolanha. Conseguimos, no entanto, fazer a travessia da mesma e iniciarmos a progressão em direcção a Sare Ganá, que atingimos às 21H00.
Chegados a Sare Ganá, verifiquei que a CART 1742 já aí se encontrava e que faltavam 16 elementos da minha Companhia e 1 elemento da CART 1742. [estes militares foram recuperados no dia 21 de Dezembro de 1967, durante a Op Invisível II, realizada com esse objectivo] .
“Resultados obtidos:
Baixas sofridas pelo IN: Mortos confirmados 14; numerosas baixas prováveis.»
O Alferes Fernandes, referido no relatório que se segue, foi, mais tarde, substituído pelo Alferes Carlos Alberto Trindade Peixoto, o Aznavour, por ser parecido com o Charles Aznavour, que morreu também, em 8 de Setembro de 1968 num ataque a Sare Banda (ver relatório).
O soldado Fragata (Manuel Fragata Francisco), um alentejano de Alpiarça, do meu grupo de combate, ficou nesta operação. Mas a história toda foi-me contada pelo Comandante Gazela [do PAIGC ]: ficou furado por vários estilhaços de uma roquetada e foi levado, em maca, pelos guerrilheiros desde a mata do Óio até a um hospital de Ziguinchor, na Casamansa, Senegal. Foi obra, hão-de concordar, e não foi fácil, como calculam. Aí, em Ziguinchor, foi tratado pelo portugês Dr. Pádua, um médico desertor, e que me confirmou isto quando, há alguns anos, o encontrei em Lisboa.
Depois desse tratamento foi repatriado pela Cruz Vermelha Internacional e foi para o Anexo do HMP, na Rua Artilharia Um, em Lisboa. Disse o Comandante Gazela que, com a simplicidade própria daqueles nossos soldados, o Fragata, ao apanhar o avião de regresso, disse: "Obrigado. Graças ao nosso partido – referia-se ao PAIGC -, "posso voltar para casa".
Infelizmente, o Fragata, passado pouco tempo após a saída do Anexo, morreu num desastre de motorizada na sua terra.
Depois desta operação, aquela zona foi considerada ZLIFA (Zona Livre de Intervenção da Força Aérea), isto é, só os T6 e os Fiat é que passaram a voar para lá para despejarem toneladas de bombas e napalm sobre a floresta que rodeava a clareira de Sinchã Jobel. Sem grande efeito prático, pois as bombas rebentavam no cimo das copas das árvores, deixando praticamente intactas as partes no solo. E a guerra continuou...
Em 1998, o Comandante Gazela confidenciou-me que, naquele dia 24 de Junho de 1967, eles não se aperceberam que eu tinha ficado na bolanha. Só o souberam dois dias depois, quando o Suleiman Baldé, chefe dos milícias de Sare Madina, lhes disse que me tinha emprestado uma bicicleta.
Este Suleiman Baldé, embora nas milícias, era do PAIGC e acabou por ser morto mais tarde pelas NT. Quando consegui sair de Sinchã Jobel, no dia 25, cheguei a essa tabanca de Sare Madina e foi, de facto, o Suleiman Baldé que me emprestou uma bicicleta. E foi de bicicleta que cheguei à sede da companhia, em Geba.
Fui chamado, depois, ao Comando do Agrupamento. Primeira preocupação dele: se eu tinha trazido a G3... e, não sei se a sério se a brincar, “há um problema, é que você passou 24 horas no campo do inimigo”… Não fiz boa cara, com certeza, pois o Comandante do Agrupamento teve de sorrir e disse-me: "Você, agora, tem aí história para contar num livro”. Não sei quando ele aparecerá, mas estou a trabalhar para isso.
Uma reflexão: na Guiné, e estas operações são prova disso, quem fez a maior parte da guerra dura e prolongada não foram as tropas especiais (sem pôr em causa o seu valor), mas sim o sacrificado Zé Soldado, isolado no mato, sem farras em Bissau, pau para toda a colher e, as mais das vezes, sacrificada carne para canhão.
“22. Op Invisível. 16 de Dezembro de 1967
“Situação particular:
Em face das acções realizadas sabe-se que o IN actua no regulado de Mansomine onde possui a base de Sinchã Jobel.
“Missão:
Executar uma batida nesta região tentando desalojar o IN.
“Força executante:
Dest A – CART 1742, a 2 Gr Comb.
DEst B - CART 1690 a 2 Gr Comb ref. c/ 1 PEL MIL 110 / C MIL 3
“Desenrolar da acção:
"Em 18 de Dezembro de 1967, às 22H00, as forças intervenientes saíram auto transportadas de Geba em direcção a Sare Gana, progredindo em seguida apeadamente em direcção a Ganhagina, que atingiram em 19 , às 04H00. Não se pôde efectuar a cambança da bolanha nessa altura, em virtude do guia não conhecer o caminho, para atingir a bolanha pelo que as forças intervenientes se instalaram, montando a devida segurança.
“Pelas 06H00 as forças intervenientes iniciaram novamente a progressão à bolanha, que atingiram pelas 07H50 hora a que se iniciou a cambança da mesma. Nesta altura foram avistados elementos IN em cima de árvores, pelo que se tomaram as devidas medidas de segurança para a travessia da mesma. A cambança terminou às 08H50, iniciando-se em seguida a progressão à base de patrulhas. Cerca das 11H50 fez-se um alto, devido novamente ao guia se ter perdido e precisar de se orientar. Foi destacada1 Secção reforçada para fazer a protecção ao guia, enquanto a restante força interveniente montava segurança no local de estacionamento.
“Às 12H45 iniciou-se novamente a progressão à base de patrulhas que foi atin- gida às 15H52. Nesta altura ouviram-se vozes de elementos IN, o que levou as forças intervenientes a supor que o IN se encontrava instalado naquele local. Devido a este facto a missão foi alterada e estabeleceu-se que o Dest B faria o assalto ao objectivo enquanto o Dest A faria a detenção do IN. Para o assalto ao acampamento IN o Dest B nomeou 1 Gr Comb, enquanto o 2º. Gr Comb faria a protecção ao 1.º e serviria de reserva.
“Estabeleceu-se também o ponto de reunião das forças intervenientes. Quando o 1º GR Comb progredia em direcção do acampamento IN, foi emboscado e surpreendido por um súbito desencadear de intenso e nutrido fogo IN. Tentou anular-se o mesmo reagindo as NT fortemente. Como o 1° Gr Comb fosse o que nessa altura se encontrasse mais submetido ao fogo IN, veio o2º Gr Comb em auxilio do primeiro, mas o mesmo foi atacado pela rectaguarda e, portanto, não pode proteger a retirada do primeiro.
“Começou também nessa altura o IN a fazer fogo com o Mort 82, com que abateu o alferes miliciano Fernandes. Verifiquei que nessa altura já o Dest B tinha as seguintes baixas: Alferes Miliciano Fernandes, 1º. Cabo Sousa da CART 1742 (que estava a fazer fogo com a ML MG-42), soldado metropolitano Fragata e um soldado milícia que não consegui identificar, além de vários feridos.
“Procurei trazer o alferes miliciano Fernandes para a rectaguarda, e quando o puxava pêlos pés, fui surpreendido por um grupo IN, que corriam em direcção aos furriéis milicianos Marcelo e Vaz e em minha direcção gritando que nos iriam apanhar vivos. Note-se que neste grupo IN avistei elementos brancos os quais usavam o cabelo bastante comprido (a cobrir as orelhas), facto também confirmado pelos já citados furriéis milicianos. Devido a tal, tive que abandonar o corpo do alferes Miliciano Fernandes e retirar. Quando retirava em direcção ao ponto de reunião, encontrei uma secção da CART 1742, e 4 soldados da minha Companhia que me informaram ser impossível entrar em contacto com a CART 1742, enviei 5 soldados desta última Companhia afim de averiguar tal impossibilidade, enquanto se montava a segurança com os restantes elementos. Logo após esses 5 Soldados regressarem, fui informado que a CART 1742 já retirara. Devido a tal e uma vez que o IN já nos estava a envolver, iniciei a retirada em direcção à bolanha.
“Durante a retirada fomos constantemente perseguidos pelo IN que disparava incessantemente rajadas de armas automáticas ligeiras e metralhadora pesada, além de encontrarmos diversos elementos IN já instalados ao longo do caminho que conduzia à bolanha e que fez com que este grupo tivesse que atravessar a bolanha num local diferente do que inicialmente estava previsto, e que batiam o caminho por onde nos deslocávamos.
“Quando atravessámos a bolanha o IN bateu a mesma com granadas de morteiro 82 (algumas das granadas estavam equipadas com espoleta de tempos), rajadas de armas pesadas, ligeiras e roquetadas, tendo o mesmo entrado na bolanha em nossa perseguição, e ainda após concluída a travessia depararam-se-nos alguns elementos IN instalados deste lado da bolanha. Conseguimos, no entanto, fazer a travessia da mesma e iniciarmos a progressão em direcção a Sare Ganá, que atingimos às 21H00.
Chegados a Sare Ganá, verifiquei que a CART 1742 já aí se encontrava e que faltavam 16 elementos da minha Companhia e 1 elemento da CART 1742. [estes militares foram recuperados no dia 21 de Dezembro de 1967, durante a Op Invisível II, realizada com esse objectivo] .
“Resultados obtidos:
Baixas sofridas pelo IN: Mortos confirmados 14; numerosas baixas prováveis.»
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