© Marques Lopes (2005)
1. Perguntei à malta da tertúlia dos ex-combatentes da Guiné se alguém tinha uma foto da igrejinha de Geba. O Reis, há dias, tinha-me mandado uma mas era a de Bambadinca... onde espantosamente nunca cheguei a entrar (hei-de pubicá-la um dia destes). Minto: fui lá uma vez, para participar no velório de um furriel dos comandos africanos, cortado ao meio, ao pisar uma mina antipessoal e ao rebentarem, por simpatia, as granadas ofensivas que levava à cintura...
Confesso que, na época, eu não era crente (nem hoje o sou) mas sentia que as poucas igrejas e capelas espalhadas pelo interior da Guiné serviam de consolo, de refúgio e de esperança para muitos dos nossos camaradas... Num caso ou noutro serviram também para agitar as consciências e até contestar a guerra colonial.
Alguns católicos, alguns padres e até alguns capelães do Exército, como o Padre Mário da Lixa ou o Padre Poím, utilizaram também as igrejas e as capelas para tomar posições públicas contra a guerra colonial. O caso mais conhecido e mediático foi talvez, na Metrópole, o do grupo de católicos que fez uma vigília e greve de fome, de 30 para 31 de Dezembro de 1972, na Capela do Rato, em Lisboa.
Mais difícil era a resistência na frente de combate, como foi o caso do Padre Mário da Lixa. Segundo a resenha biográfica disponível na sua página pessoal, ele esteve na Guiné apenas uns escassos meses, entre Novembro de 1967 e Março de 1968: desembarcou como alferes capelão do Exército português, integrado no Batalhão 1912, na região de Mansoa, para logo a seguir (Abril de 1968) ser "expulso de capelão militar, por ter ousado pregar, nas Missas, o direito dos povos colonizados à autonomia e independência".
Regressado à sua Diocese, no Porto, foi rotulado pelo Bispo castrense de então, D. António dos Reis Rodrigues, como padre irrecuperável. Foi nessa altura que começou a paroquiar a freguesia de Paredes de Viadores (Marco de Canaveses), por nomeação do Administrador Apostólico da Diocese do Porto, D. Florentino de Andrade e Silva (como se recordam, o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, estava ainda no exílio, por ordem de Salazar...).
Em Julho 1970, o Padre Mário (entretanto, colocado em Outubro de 1969, pelo seu bispo, regressado do exílio, na Freguesia de Macieira da Lixa, Felgueiras, como pároco) foi preso pela PIDE/DGS. Em Março de 1971 saiu da prisão política de Caxias, depois de ter sido julgado e absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto (Daqui, deste ponto do ciberespaço, envio-lhe um abraço).
Em Bambadinca lembro-me do Padre Poím, capelão militar, de origem açoriana, pertecente ao BART 2917 (1970/72) (vd. respectiva foto com o furriel miliciano Guimarães da CART 2716, na nossa página dedicada ao Xitole).
Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, tal como o Padre Mário da Lixa. Não sei muito bem o resto da história, que me foi (re)contada pelo Guimarães. Confesso que nunca ouvi nenhuma das suas homilias, uma vez que não ía à missa. Mas conheci-o pessoalmente em Bambadinca e lembro-me do seu ar frágil e sofrido.
Vem tudo isto a (des)propósito de igrejas e capelas da Guiné. Sensibilizou-me o episódio evocado pelo Fernando Carvalho que se recolhia à igrejinha de Geba para imaginar que estava na sua terra natal, no seu verde Minho...
2. O meu apelo, entretanto, não caiu em saco roto: o Marques Lopes mandou-nos de imediato duas fotos da igreja de Geba. Com a seguinte nota: "Foi no tempo da CART 1690 que a igreja foi construída. Apesar daquilo tudo [a guerra...], ainda deu para isso... O Fernando Carvalho há-de lembrar-se dela".
Já agradeci ao Marques Lopes: de facto, o baú dele é mesmo um caixinha de surpresas. Mas são estas pequenas peças, fotos, documentos, depoimentos, estórias, etc., que nos ajudam a reconstituir o puzzle (desconjuntado) da nossa memória da Guiné e dos seus lugares...
© Marques Lopes (2005)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 27 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P83: (Tabanca Grande): Terras que também calquei (Fernando Gomes de Carvalho, um ex-combatente da CCAÇ 2401, 1968/70)
1. Vou apresentar-me, mas não receber ordens. (Em 1968 apresentava-me e recebia ordens). Sou o ex-Furriel Miliciano Carvalho da CCAÇ 2401, 1º pelotão.
Ao recordar terras que pisei na minha juventude, através da Net, vim encontrar aqueles, como eu, que por lá passaram.
Norte e Leste da Guiné tocaram-me nos bons e maus momentos dos anos de 1968 a 1970. Não tive sítio certo desde Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego (Gabu), Pirada, Geba e seus destacamentos (Sarabanda, Cantacunda e Banjara), Piche, Buruntuma, etc.
Quantas vezes recordo a igreja de Geba, junto ao Rio Geba! Ali podia esquecer África e, por alguns momentos, pensar que estava na Metrópole, passando os olhos sob a torre e o telhado da igreja e fixando, ao fundo, o horizonte. Era o meu cantinho no Minho!
Ver as vossas fotos fez-me recordar vivamente os momentos duros que todos nós, ex- combatentes da Guiné, passámos na juventude... Essas batatas fritas com bife e cerveja preta em Bafatá? Mas era só quando havia!...
Dou os parabéns a todos vós por esta página na Net, só assim podemos transmitir aos jovens de hoje o que os jovens da década de 60 e 70 passaram.
Já agora lançava um apelo a todos os ex-combatentes que tenham espólio de qualquer tipo relacionado com a guerra, e que queiram doar ou emprestar para o MUSEU DA GUERRA COLONIAL (uma história para contar...), situado em Vila Nova de Famalicão, do qual sou sócio-fundador. Deixo também aqui um convite para o visitarem.
Para todos os Periquitos, Maçaricos ou Velhinhos, um abraço. Adeus, até ao meu regresso!
Fernando Gomes de Carvalho
Av. Dr. Carlos Bacelar, 311
4760-480 ESMERIZ
Telemóvel: 968583045
2. Comentário do Marques Lopes (que recebeu e reenviou esta mensagem para a maralha da tertúlia) (lista a actualizar...):
Caro camarada ex-combatente [Carvalho]:
É com muita satisfação que recebo, dois dias seguidos, mensagens de dois ex-combatentes que passaram por Geba. Ontem foi um,[o Belmiro Vaqueiro], que lá esteve antes de mim, e hoje é o Fernando Carvalho, que esteve depois.
É bom encontrarmos pessoas para recordarmos terras que pisámos na nossa juventude, como diz. Não lhe vou dar ordens, vou apenas convidá-lo a incluir-se num grupo de amigos que passaram pela Guiné durante a guerra e que vão contando coisas dessa passagem neste blogue-fora-nada que o nosso camarada ex-combatente Luís Graça vai gerindo com muita sabedoria. Venha participar, pois terá muito que contar com toda a certeza.
Um abraço.
Marques Lopes
Ao recordar terras que pisei na minha juventude, através da Net, vim encontrar aqueles, como eu, que por lá passaram.
Norte e Leste da Guiné tocaram-me nos bons e maus momentos dos anos de 1968 a 1970. Não tive sítio certo desde Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego (Gabu), Pirada, Geba e seus destacamentos (Sarabanda, Cantacunda e Banjara), Piche, Buruntuma, etc.
Quantas vezes recordo a igreja de Geba, junto ao Rio Geba! Ali podia esquecer África e, por alguns momentos, pensar que estava na Metrópole, passando os olhos sob a torre e o telhado da igreja e fixando, ao fundo, o horizonte. Era o meu cantinho no Minho!
Ver as vossas fotos fez-me recordar vivamente os momentos duros que todos nós, ex- combatentes da Guiné, passámos na juventude... Essas batatas fritas com bife e cerveja preta em Bafatá? Mas era só quando havia!...
Dou os parabéns a todos vós por esta página na Net, só assim podemos transmitir aos jovens de hoje o que os jovens da década de 60 e 70 passaram.
Já agora lançava um apelo a todos os ex-combatentes que tenham espólio de qualquer tipo relacionado com a guerra, e que queiram doar ou emprestar para o MUSEU DA GUERRA COLONIAL (uma história para contar...), situado em Vila Nova de Famalicão, do qual sou sócio-fundador. Deixo também aqui um convite para o visitarem.
Para todos os Periquitos, Maçaricos ou Velhinhos, um abraço. Adeus, até ao meu regresso!
Fernando Gomes de Carvalho
Av. Dr. Carlos Bacelar, 311
4760-480 ESMERIZ
Telemóvel: 968583045
2. Comentário do Marques Lopes (que recebeu e reenviou esta mensagem para a maralha da tertúlia) (lista a actualizar...):
Caro camarada ex-combatente [Carvalho]:
É com muita satisfação que recebo, dois dias seguidos, mensagens de dois ex-combatentes que passaram por Geba. Ontem foi um,[o Belmiro Vaqueiro], que lá esteve antes de mim, e hoje é o Fernando Carvalho, que esteve depois.
É bom encontrarmos pessoas para recordarmos terras que pisámos na nossa juventude, como diz. Não lhe vou dar ordens, vou apenas convidá-lo a incluir-se num grupo de amigos que passaram pela Guiné durante a guerra e que vão contando coisas dessa passagem neste blogue-fora-nada que o nosso camarada ex-combatente Luís Graça vai gerindo com muita sabedoria. Venha participar, pois terá muito que contar com toda a certeza.
Um abraço.
Marques Lopes
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domingo, 26 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P82: Tabanca Grande: Belmiro Vaqueiro (CCAÇ 1426, Geba, 1965/67) Presente!!!
Guiné > CART 1690 > Destacamento de Banjara (sub-sector de Geba, Zona Leste) > 1967 > Militares com um troféu de caça... Nesse dia houve rancho melhorado... A montagem de armadilhas para caçar porcos do mato já era uma prática corrente no tempo da CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67), "quando a fome apertava"... © A. Marques Lopes (2005)
1. Mensagem do ex-combatente Belmiro Vaqueiro (CCAÇ 1426, Geba, 1965/67).
Título: Em memória dos bravos da CART 1690
Foi com muita emoção que vi o excelente trabalho publicado na Net acerca dos bravos da CART 1690. Curvo-me perante a memória dos caídos em combate cujo historial desconhecia.
É que eu percorri todos esses locais e ainda tenho bem presente os momentos vividos em Cantacunda e Banjara. Fiz parte da Companhia de Caçadores n.º 1426 com sede em Geba (1965 a 1967), companhia que que pelos vistos foi rendida pela CART 1690 nos primeiros dias de Maio de 1967.
Em Banjara, à noite, havia uns tantos voluntários que também colocavam armadilhas na bolanha para apanhar os porcos. Só o fazíamos quando a fome apertava.
Apresento oe meus respeitosos cumprimentos.
O ex-combatente Belmiro Vaqueiro.
2. Resposta do Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CART 1690, Geba, 1967):
Caro camarada ex-combatente:
É óptimo encontrar alguém que tenha passado pelos mesmos locais que eu. Sim, foi a CART 1690 que chegou a Geba em 17 de Abril de 1967. Após alguns dias de sobreposição de comandos, substituiu-se de facto a CCAÇ 1426.
Convido-o a integrar este grupo de ex-combatentes da Guiné e escrever para o excelente blogue-fora-nada, da autoria do amigo Luís Graça. Com certaeza terá muitas coisas a contar-nos também.
3. Comentário de Luis Graça:
Quando em 23 de Abril de 2004 lancei o primeiro post sobre este tema [ Guiné 69/71 - I: Querida(s) madrinha(s) de guerra] estava longe de imaginar que hoje poderíamos estar aqui a falar da nossa (minha e de outros camaradas) experiência como ex-combatentes na Zona Leste da Guiné, no período em que fiz parte da CCAÇ 12 (1969/71). No fundo, tinha uma vaga esperança de (re)encontrar gente do meu tempo e que tivesse andado pelos mesmos sítios (Contuboel,Geba, Bafatá, Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Enxalé, Mississirá, Fá...).
Primeiro apareceu o Castro, mais novo (Xime e Mansambo, 1972/74) e depois o Guimarães (Xitole, 1970/72). A seguir veio o Lopes, mais antigo que todos nós (esteve na Zona Leste, em Geba, em 1967, onde foi ferido, na CART 1690; e depois na Zona do Cacheu, em Barro, com a CCAÇ 3, em 1968). Bom, e por aí fora: um a um, ou em grupo, começam apareceu os velhos tugas, não só da minha época (1969/71) como mais e mais novos, e que andaram pelas mais desvairadas terras da Guiné, do Cacheu ao Gabu...
Tudo isto para dizer que o Belmiro Vaqueiro (Geba, 1965/67) é bem vindo e será recebido de braços abertos na nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné, no caso de ele manifestar interesse em partilhar connosco não só o seu endereço de e-mail como as suas memórias.
4. Já em data posterior (3 de Julho de 2005), o Belmiro mandou-me os seguintes esclarecimentos:
"No seguimento da mensagem enviada ao A. Marques Lopes, como já tive oportunidade de referir, pertenci à CCAÇ 1426. Embarcámos com destino à Guiné, a bordo do Niassa, em meados de 1965 e regressámos à Metrópole nos primeiros dias do mês de Maio de 1967, a bordo do Uíge.
Fonte: Navios Mercantes Portugueses > Uíge (2000)
"Sou um ex-furriel miliciano e o tempo de tropa repartiu-se por Geba,Camamudo, Cantacunda e Banjara. No sector de Banjara era onde a traça mais atacava (os camufulados não eram anti-traça).
"Foi a minha companhia quem primeiro ocupou as novas instalações sitas no morro sobranceiro a Geba. Também foi a minha companhia, enquadrada por forças, ao que julgo, de sapadores e blindadas, adstritas ao Batalhão 7 de Espadas com sede em Bafatá, quem primeiro se instalou na bela instância de Banjara, onde se manteve até ao final da comissão.
"Actualmente vivo na cidade de Bragança na situação de reformado".
1. Mensagem do ex-combatente Belmiro Vaqueiro (CCAÇ 1426, Geba, 1965/67).
Título: Em memória dos bravos da CART 1690
Foi com muita emoção que vi o excelente trabalho publicado na Net acerca dos bravos da CART 1690. Curvo-me perante a memória dos caídos em combate cujo historial desconhecia.
É que eu percorri todos esses locais e ainda tenho bem presente os momentos vividos em Cantacunda e Banjara. Fiz parte da Companhia de Caçadores n.º 1426 com sede em Geba (1965 a 1967), companhia que que pelos vistos foi rendida pela CART 1690 nos primeiros dias de Maio de 1967.
Em Banjara, à noite, havia uns tantos voluntários que também colocavam armadilhas na bolanha para apanhar os porcos. Só o fazíamos quando a fome apertava.
Apresento oe meus respeitosos cumprimentos.
O ex-combatente Belmiro Vaqueiro.
2. Resposta do Marques Lopes (ex-alferes miliciano da CART 1690, Geba, 1967):
Caro camarada ex-combatente:
É óptimo encontrar alguém que tenha passado pelos mesmos locais que eu. Sim, foi a CART 1690 que chegou a Geba em 17 de Abril de 1967. Após alguns dias de sobreposição de comandos, substituiu-se de facto a CCAÇ 1426.
Convido-o a integrar este grupo de ex-combatentes da Guiné e escrever para o excelente blogue-fora-nada, da autoria do amigo Luís Graça. Com certaeza terá muitas coisas a contar-nos também.
3. Comentário de Luis Graça:
Quando em 23 de Abril de 2004 lancei o primeiro post sobre este tema [ Guiné 69/71 - I: Querida(s) madrinha(s) de guerra] estava longe de imaginar que hoje poderíamos estar aqui a falar da nossa (minha e de outros camaradas) experiência como ex-combatentes na Zona Leste da Guiné, no período em que fiz parte da CCAÇ 12 (1969/71). No fundo, tinha uma vaga esperança de (re)encontrar gente do meu tempo e que tivesse andado pelos mesmos sítios (Contuboel,Geba, Bafatá, Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole, Enxalé, Mississirá, Fá...).
Primeiro apareceu o Castro, mais novo (Xime e Mansambo, 1972/74) e depois o Guimarães (Xitole, 1970/72). A seguir veio o Lopes, mais antigo que todos nós (esteve na Zona Leste, em Geba, em 1967, onde foi ferido, na CART 1690; e depois na Zona do Cacheu, em Barro, com a CCAÇ 3, em 1968). Bom, e por aí fora: um a um, ou em grupo, começam apareceu os velhos tugas, não só da minha época (1969/71) como mais e mais novos, e que andaram pelas mais desvairadas terras da Guiné, do Cacheu ao Gabu...
Tudo isto para dizer que o Belmiro Vaqueiro (Geba, 1965/67) é bem vindo e será recebido de braços abertos na nossa tertúlia de ex-combatentes da Guiné, no caso de ele manifestar interesse em partilhar connosco não só o seu endereço de e-mail como as suas memórias.
4. Já em data posterior (3 de Julho de 2005), o Belmiro mandou-me os seguintes esclarecimentos:
"No seguimento da mensagem enviada ao A. Marques Lopes, como já tive oportunidade de referir, pertenci à CCAÇ 1426. Embarcámos com destino à Guiné, a bordo do Niassa, em meados de 1965 e regressámos à Metrópole nos primeiros dias do mês de Maio de 1967, a bordo do Uíge.
Fonte: Navios Mercantes Portugueses > Uíge (2000)
"Sou um ex-furriel miliciano e o tempo de tropa repartiu-se por Geba,Camamudo, Cantacunda e Banjara. No sector de Banjara era onde a traça mais atacava (os camufulados não eram anti-traça).
"Foi a minha companhia quem primeiro ocupou as novas instalações sitas no morro sobranceiro a Geba. Também foi a minha companhia, enquadrada por forças, ao que julgo, de sapadores e blindadas, adstritas ao Batalhão 7 de Espadas com sede em Bafatá, quem primeiro se instalou na bela instância de Banjara, onde se manteve até ao final da comissão.
"Actualmente vivo na cidade de Bragança na situação de reformado".
sábado, 25 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P81: Cartazes de propaganda dirigidos aos homens do mato (Marques Lopes)
© A. Marques Lopes
1. O Marques Lopes mandou-nos, sob a forma de imagens em format.jpg, uma colecção de sete cartazes, a cores.
Eram os nossos conhecidos cartazes de propaganda que deixávamos no mato, nas clareiras, nos trilhos, nas bolanhas, nas regiões fora do nosso controlo, na esperança de que os guerrileiros do PAIGC, as suas milícias e a sua população se entregassem em massa às nossas autoridades, administrativas e militares...
Nunca cheguei a observar os efeitos práticos e objectivos deste tipo de propaganda. Os "homens do mato" que conheci foram os que fizemos prisioneiros; a população do mato (mulheres, velhos e crianças) que recuperámos foi a que arrancámos, à força, das zonas controladas pela guerrilha.
Achei, no entanto, esse material muito interessante,se bem que revele alguma ingenuidade e uma estética de duvidosa eficácia. E pedi-lhe, ao Marques Lopes, para ver se descobria a origem e o ano ("Quem os produzia, quando, para usar onde"...).
O Marques Lopes respondeu-me que "esses folhetos que enviei tínhamo-los quer em Geba quer em Barro, portanto em 1967 e 1968, para espalhar pelas matas. Nenhum deles tem indicação de autor ou de origem, mas é certo que apareciam em pacotes vindos do Comando Chefe de Bissau". Uma coisa é certa: eram cartazes destinados especificamente ao teatro de operações da Guiné.
O que eu acho interessante é que ele tenha tido a preocupação de os guardar. Julgo que também me passaram pelas mãos alguns desses cartazes, mas não fiquei com nenhum. Na altura o que eu queria mesmo era esquecer a Guiné... para sempre. Esses materiais são hoje valiosos pelo seu interesse iconográfico e historiográfico. Não os encontro, por exemplo, no sítio do Centro de Documentação 25 de Abril nem em qualquer outra parte da Net.
Essas imagens e outras fotos (que eventualmente não venham publicadas, neste blogue nem na página Luís Graça e Camaradas > Subsídios para a História da Guerra colonial > Guiné (1963/74) passam a figurar no meu álbum do Portal Care2.com: Guerra Colonial > Guine-Bissau (1963/74) / Colonial War > Guiena-Bissau (1983/74). Este portal tem a vantagem de permitir a inserção de um número teoricamente ilimitado de fotos.
As imagens originalmente enviadas pelo A. Marques Lopes eram muito pesadas (2 a 3 MB cada uma). O seu tamanho teve que ser reduzido. É natural que percam qualidade.
A colecção (no fundo, é uma sequência de banda desenhada) começa com uma imagem do mapa da Guiné ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") (Cartaz nº 1).
© A. Marques Lopes
A numeração é da minha única responsabilidade: tem a ver a lógica da sua sequência para efeitos de leitura. É claro que o Cartaz nº 1 ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") também podia vir no fim.
O segundo cartaz mostra um grupo de guerrilheiros, no mato, feridos e/ou desmoralizados (vd. i,magem no toppo deste post). Os combatentes do PAIGC nunca são tratados como tal, mas simplesmente como "homens do mato" (leia-se: bandidos, indivíduos que estão fora da lei e da ordem). Aliás, no nosso tempo, "ir no mato" era, no falar das gentes da Guiné, juntar-se à guerrilha, fugir das zonas sob administração portuguesa. Portugal, de resto, nunca reconheceu o PAIGC como inimigo, nem a luta contra o terrorismo como uma situação de guerra, face à Convenção de Genebra.
O título do cartaz é:
- No mato, há doença, fome e morte...
A legenda, por sua vez, diz o seguinte:
- O Chefe do Grupo do mato julga que vai morrer. Foi gravemente ferido.
No Cartaz nº 3 vemos o mesmo grupo de "homens do mato" a entregar-se às autoridades militares portuguesas da zona. Depois do Chefe do mato ter ido falar com o "homem grande da tabanca" (que veste à maneira fula, o que está longe de ser inocente, já que os fulas eram os nossos grandes aliados)...Legenda:
- O Homem Grande diz à tropa que estes homens foram enganados, estão arrependidos e fartos da guerra.
No Cartaz nº 4 vemos os "homens do mato, arrependidos" serem bem tratados pelas autoridades portuguesas: (i) são tratados pelos enfermeiros da tropa, (ii) bebem cerveja com soldados africanos...
No Cartaz nº 5 vemos uma tabanca, sob a bandeira portugesa (e, parece-me, ao canto superior direito, descortinar uma inverosímil antena de televisão!). Legenda: "a gente do mato que estava enganada e não vivia na tabanca há muito tempo" abraça a família e os amigos...
© A. Marques Lopes
Por fim, a tropa e os civis ajudam aqueles que se apresentam a reconstruir a sua tabanca (clara referência aos famosos "reordenamentos" ou "aldeias estratégicas" que, no tempo do Spínola, tiveram um grande incremento)(Cartaz nº 6).
O último cartaz (nº 7) tem uma lógica implacável: "Apresenta-te à tropa, levanta os braços"... Mostra dois "homens do mato", de braços levantados, segurando a sua espingarda semi-automática (Simonov ?) por cima da cabeça...
2. Veja-se o que diz o Centro de Documentação 25 de Abril sobre a propaganda, usada durante a guerra colonial, por um lado e outro:
"A acção psicológica destina-se a influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos. Na guerra subversiva é utilizada para obter o apoio da população, desmoralizar e captar o inimigo e fortalecer o moral das próprias forças, assumindo três aspectos diferentes, embora intimamente relacionados: acção psicológica, acção social, acção de presença.
"Quer as forças portuguesas, quer os movimentos de libertação, usaram intensamente a acção psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para a conquista dos seus objectivos, dentro da ideia que as palavras são os canhões do séc. XX e que, como se ensinava aos futuros chefes da guerrilha na escola de estado-maior da China, na guerra revolucionária deve atacar-se com 70 por cento de propaganda e 30 por cento de esforço militar.
"A acção psicológica exercida sobre a população, o inimigo e as próprias forças foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação, de acordo com as finalidades de cada uma destas áreas: a primeira, pretendendo impor à opinião pública certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversa; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitam de encontrar ambiente favorável.
"Quanto às populações, procurou-se criar esse ambiente propício com a acção social, que visava a elevação do seu nível de vida, para as cativar, conquistando-lhes os corações e originando condições mais receptivas à acção psicológica. Esta acção foi desenvolvida sob a forma de assistência sanitária, religiosa, educativa e económica.
"Relativamente ao adversário, a acção psicológica das forças portuguesas era isolar os guerrilheiros das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito quer na acção, quer na dos seus chefes. Para o efeito utilizaram-se panfletos e cartazes lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso e nas povoações, emissões de rádio, propaganda sonora directamente a partir de meios aéreos, apelando à sua rendição e entrega às forças militares ou administrativas, garantindo-lhes e explicando-lhes que a participação na guerrilha constituía um logro".
Nota de correcção:
Posteriormente à inserção deste post, recebi em 26 de Junho de 2005 a seguinte mensagem do Marques Lopes: "Peço-te que faças uma correcção a propósito dos cartazes que enviei. Quem tinha esses cartazes em seu poder era o meu amigo alferes Reis, da CART1690, que mos cedeu. Embora eu os conhecesse, como disse, quer em Geba quer em Barro, não tinha nenhum destes em meu poder. Tenho outro, não igual, mas ando ainda à procura dele... deve estar no meio de outros papéis. Quando o encontrar enviá-lo-ei".
Aqui fica a correcção: o seu a seu dono. A autoria das imagens é do Marques Lopes, já que foi ele quem teve o trabalho de as digitalizar e enviar para a nossa tertúlia.
1. O Marques Lopes mandou-nos, sob a forma de imagens em format.jpg, uma colecção de sete cartazes, a cores.
Eram os nossos conhecidos cartazes de propaganda que deixávamos no mato, nas clareiras, nos trilhos, nas bolanhas, nas regiões fora do nosso controlo, na esperança de que os guerrileiros do PAIGC, as suas milícias e a sua população se entregassem em massa às nossas autoridades, administrativas e militares...
Nunca cheguei a observar os efeitos práticos e objectivos deste tipo de propaganda. Os "homens do mato" que conheci foram os que fizemos prisioneiros; a população do mato (mulheres, velhos e crianças) que recuperámos foi a que arrancámos, à força, das zonas controladas pela guerrilha.
Achei, no entanto, esse material muito interessante,se bem que revele alguma ingenuidade e uma estética de duvidosa eficácia. E pedi-lhe, ao Marques Lopes, para ver se descobria a origem e o ano ("Quem os produzia, quando, para usar onde"...).
O Marques Lopes respondeu-me que "esses folhetos que enviei tínhamo-los quer em Geba quer em Barro, portanto em 1967 e 1968, para espalhar pelas matas. Nenhum deles tem indicação de autor ou de origem, mas é certo que apareciam em pacotes vindos do Comando Chefe de Bissau". Uma coisa é certa: eram cartazes destinados especificamente ao teatro de operações da Guiné.
O que eu acho interessante é que ele tenha tido a preocupação de os guardar. Julgo que também me passaram pelas mãos alguns desses cartazes, mas não fiquei com nenhum. Na altura o que eu queria mesmo era esquecer a Guiné... para sempre. Esses materiais são hoje valiosos pelo seu interesse iconográfico e historiográfico. Não os encontro, por exemplo, no sítio do Centro de Documentação 25 de Abril nem em qualquer outra parte da Net.
Essas imagens e outras fotos (que eventualmente não venham publicadas, neste blogue nem na página Luís Graça e Camaradas > Subsídios para a História da Guerra colonial > Guiné (1963/74) passam a figurar no meu álbum do Portal Care2.com: Guerra Colonial > Guine-Bissau (1963/74) / Colonial War > Guiena-Bissau (1983/74). Este portal tem a vantagem de permitir a inserção de um número teoricamente ilimitado de fotos.
As imagens originalmente enviadas pelo A. Marques Lopes eram muito pesadas (2 a 3 MB cada uma). O seu tamanho teve que ser reduzido. É natural que percam qualidade.
A colecção (no fundo, é uma sequência de banda desenhada) começa com uma imagem do mapa da Guiné ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") (Cartaz nº 1).
© A. Marques Lopes
A numeração é da minha única responsabilidade: tem a ver a lógica da sua sequência para efeitos de leitura. É claro que o Cartaz nº 1 ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") também podia vir no fim.
O segundo cartaz mostra um grupo de guerrilheiros, no mato, feridos e/ou desmoralizados (vd. i,magem no toppo deste post). Os combatentes do PAIGC nunca são tratados como tal, mas simplesmente como "homens do mato" (leia-se: bandidos, indivíduos que estão fora da lei e da ordem). Aliás, no nosso tempo, "ir no mato" era, no falar das gentes da Guiné, juntar-se à guerrilha, fugir das zonas sob administração portuguesa. Portugal, de resto, nunca reconheceu o PAIGC como inimigo, nem a luta contra o terrorismo como uma situação de guerra, face à Convenção de Genebra.
O título do cartaz é:
- No mato, há doença, fome e morte...
A legenda, por sua vez, diz o seguinte:
- O Chefe do Grupo do mato julga que vai morrer. Foi gravemente ferido.
No Cartaz nº 3 vemos o mesmo grupo de "homens do mato" a entregar-se às autoridades militares portuguesas da zona. Depois do Chefe do mato ter ido falar com o "homem grande da tabanca" (que veste à maneira fula, o que está longe de ser inocente, já que os fulas eram os nossos grandes aliados)...Legenda:
- O Homem Grande diz à tropa que estes homens foram enganados, estão arrependidos e fartos da guerra.
No Cartaz nº 4 vemos os "homens do mato, arrependidos" serem bem tratados pelas autoridades portuguesas: (i) são tratados pelos enfermeiros da tropa, (ii) bebem cerveja com soldados africanos...
No Cartaz nº 5 vemos uma tabanca, sob a bandeira portugesa (e, parece-me, ao canto superior direito, descortinar uma inverosímil antena de televisão!). Legenda: "a gente do mato que estava enganada e não vivia na tabanca há muito tempo" abraça a família e os amigos...
© A. Marques Lopes
Por fim, a tropa e os civis ajudam aqueles que se apresentam a reconstruir a sua tabanca (clara referência aos famosos "reordenamentos" ou "aldeias estratégicas" que, no tempo do Spínola, tiveram um grande incremento)(Cartaz nº 6).
O último cartaz (nº 7) tem uma lógica implacável: "Apresenta-te à tropa, levanta os braços"... Mostra dois "homens do mato", de braços levantados, segurando a sua espingarda semi-automática (Simonov ?) por cima da cabeça...
2. Veja-se o que diz o Centro de Documentação 25 de Abril sobre a propaganda, usada durante a guerra colonial, por um lado e outro:
"A acção psicológica destina-se a influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos. Na guerra subversiva é utilizada para obter o apoio da população, desmoralizar e captar o inimigo e fortalecer o moral das próprias forças, assumindo três aspectos diferentes, embora intimamente relacionados: acção psicológica, acção social, acção de presença.
"Quer as forças portuguesas, quer os movimentos de libertação, usaram intensamente a acção psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para a conquista dos seus objectivos, dentro da ideia que as palavras são os canhões do séc. XX e que, como se ensinava aos futuros chefes da guerrilha na escola de estado-maior da China, na guerra revolucionária deve atacar-se com 70 por cento de propaganda e 30 por cento de esforço militar.
"A acção psicológica exercida sobre a população, o inimigo e as próprias forças foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação, de acordo com as finalidades de cada uma destas áreas: a primeira, pretendendo impor à opinião pública certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversa; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitam de encontrar ambiente favorável.
"Quanto às populações, procurou-se criar esse ambiente propício com a acção social, que visava a elevação do seu nível de vida, para as cativar, conquistando-lhes os corações e originando condições mais receptivas à acção psicológica. Esta acção foi desenvolvida sob a forma de assistência sanitária, religiosa, educativa e económica.
"Relativamente ao adversário, a acção psicológica das forças portuguesas era isolar os guerrilheiros das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito quer na acção, quer na dos seus chefes. Para o efeito utilizaram-se panfletos e cartazes lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso e nas povoações, emissões de rádio, propaganda sonora directamente a partir de meios aéreos, apelando à sua rendição e entrega às forças militares ou administrativas, garantindo-lhes e explicando-lhes que a participação na guerrilha constituía um logro".
Nota de correcção:
Posteriormente à inserção deste post, recebi em 26 de Junho de 2005 a seguinte mensagem do Marques Lopes: "Peço-te que faças uma correcção a propósito dos cartazes que enviei. Quem tinha esses cartazes em seu poder era o meu amigo alferes Reis, da CART1690, que mos cedeu. Embora eu os conhecesse, como disse, quer em Geba quer em Barro, não tinha nenhum destes em meu poder. Tenho outro, não igual, mas ando ainda à procura dele... deve estar no meio de outros papéis. Quando o encontrar enviá-lo-ei".
Aqui fica a correcção: o seu a seu dono. A autoria das imagens é do Marques Lopes, já que foi ele quem teve o trabalho de as digitalizar e enviar para a nossa tertúlia.
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