Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 11 de maio de 2009
Guiné 63/74 - P4317: Os Bu...rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)
Caro Carlos
Tendo em vista a série Os Bu... rakos em que vivemos, lembrei-me do Mato de Cão, pois então, nome oficial segundo sei, da reconhecida estância de férias junto ao Geba, e que albergou durante largos meses o Bando do 52.
Ora bem, chegava-se ao Mato Cão, (tiro-lhe o de), vindo de Bambadinca, pelo rio Geba, de sintex a remos, aportando aos restos de um antigo cais(?), onde se desembarcava.
Se me não falha a memória, logo à esquerda, e com vista para a bolanha do lado do Enxalé, ficava o complexo dos balneários, sobretudo a zona de duches.
Dado o clima ameno e soalheiro, estes duches ficavam ao ar livre, e eram constituídos por um buraco no chão, que dava acesso a um poço, cheio de uma água leitosa, e que respondia inteiramente aos melhores padrões da qualidade de águas domésticas.
Os utentes colocavam-se à volta do referido buraco e, alegremente, todos nus em franca camaradagem, (nada de más interpretações!), utilizavam uma espécie de terrina da sopa, em alumínio da tropa, presa por umas cordas, e que, trazida à superfície cheia de água, era a mesma retirada da referida terrina com umas estéticas latas de pêssego em calda, derramando depois os militares a água sobre as suas cabeças para procederem aos seus banhos de limpeza.
Para se chegar ao destacamento propriamente dito, subia-se então uma ladeira íngreme, (o burrinho da água só a conseguia subir em marcha atrás), acedendo-se então à parada à volta da qual, mais coisa menos coisa, se desenvolvia todo o complexo militar.
À esquerda, salvo o erro, ficavam os espaldões de dois morteiros 81 e respectivas instalações, dormitórios do pessoal do pelotão de morteiros.
Um pouco mais à frente e do lado direito ficava o bar e a sala de banquetes, toda forrada a chapas de zinco e assim também coberta, sendo aberta do lado da frente para o exterior, como convém a instalações de férias em climas tropicais.
A arca a pitrol refrescava as cervejas que o pessoal ia com todo o prazer consumindo. Fazia também algum gelo para dar mais alegria aos uísques emborcados, sobretudo ao fim da tarde.
Para encurtar razões, e sobretudo o texto, os quartos de dormir eram todos situados abaixo do chão, cavados na terra, para que assim não se perdesse o calor que tanta falta fazia nas longas noites de Inverno da Guiné!
Por cima, o telhado, de chapas de zinco, era sustentado normalmente em paus de cibo, que assentavam em graciosos bidões cheios de uma massa de cimento e terra.
Lembro-me de como era agradável o jogo que então fazia, quando deitado na cama, os ratos, de quando em vez, passeavam por cima do mosquiteiro, e com pancadas secas os projectava contra o tecto, voltando depois a cair sobre o mosquiteiro.
Tal jogo e divertimento não se consegue nas melhores estâncias de férias das Caraíbas!
No espaço central deste planalto, (porque o Mato Cão era um pequeno planalto), erguiam-se as tabancas do pessoal africano do Bando do 52.
Tudo estava rodeado de umas incompreensíveis valas sobretudo para o lado Sinchã Corubal, Madina, Belel, junto à qual, se a memória não me atraiçoa, estava uma guarita térrea com uma metralhadora Breda.
Ao fim da tarde, e na esplanada do bar e sala de banquetes, bebendo umas cervejas e uns uísques, o pessoal esperava ansioso o ligar da iluminação pública, o que curiosamente nunca acontecia, talvez pelo facto de não haver gerador no Mato Cão.
Bem, o Mato Cão era um verdadeiro Bur…ako, tendo apenas a vantagem, valha-nos isso, do pessoal amigo do PAIGC não ter incomodado muito durante a minha estadia.
Há aliás um post no blogue, de alguém ligado à Força Aérea que faz uma descrição do Mato Cão, por onde passou de helicóptero, que é reveladora das condições de vida (**).
Ah,… uma coisa boa… tinha um lindíssimo Pôr-do-Sol!
Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves
Mando fotografias que podem escolher obviamente.
Tenho pena de não ter nunhuma dos banhos!!!
Na 2024 está este vosso amigo com os Furriéis Bonito, Santos e Varrasquinho, por ordem de alturas!!
A chega à Estância era sempre um momento vivido com prazer
Para que não fiquem dúvidas quanto à qualidade do serviço, aqui fica a vista parcial das modelares instalações
Na sala de jantar imperava o conforto e era obrigatório o uso de traje formal, como documenta a imagem
Um pequeno descanso após as lautas refeições, era sempre bem-vindo
Os momentos de diversão eram proprcionados utilizando os mais modernos equipamentos à disposição. Indispensável a companhia de animais domésticos, seleccionados entre as melhores raças da espécie.
Mais um recanto. Cada hóspede tinha direito a dois colaboradores, sempre atentos às suas necessidades
O convívio e a camaradagem são notáveis. Reparem que o camarada da direita (Fur Mil Varrasquinho), para não correr o risco de estragar a sequência de alturas, se encolhe ligeiramente
Prova de que não estamos aqui a enganar as pessoas, é este lindíssimo pôr-do-sol em Mato Cão.
Fotos: © J. Mexia Alves (2009). Direitos reservados.
Fotos editadas e legendadas pelo editor
2. Comentário de CV:
Desculpem-me, mas é mais forte do que eu. Tenho que meter a colherada.
O camarada Mexia há muito que nos presenteia com alguns mimos literários, carregados de humor e ironia. Duas coisas indispensáveis quando queremos doirar a pílula.
O período entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio é, por excelência, a época em que, como aves migratórias, aparecem os heróis da clandestinidade, que coitados, em países subdesenvolvidos como França, Bélgica, Holanda e equiparados, para evitarem a chatice de irem fazer a guerra colonial, sofreram as mais violentas agruras, disparando perigosas canções revolucionárias, enquanto figurões, como o Mexia Alves, se deleitavam em luxuosos aquartelamentos militares da Guiné, Angola e Moçambique, onde a falta de conforto era coisa impensável.
No caso particular, Burako de Mato de Cão (***), fala quem sabe, pois as Termas de Monte Real foram fundadas pela família deste nosso camarada.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 6 de Maio > Guiné 63/74 - P4288: Espelho meu, diz-me quem sou eu (1): Joaquim Mexia Alves
Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4252: Os Bu... rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)
(**) Possivelmente o António Martins de Matos... Vd. poste de 11 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4010: FAP (15): Correio com antenas... (António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)
... Mas não é. O Joaquim já descobriu qual é, é um poste, mais antigo, de 2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1912: Um buraco chamado Mato Cão (Nuno Almeida, ex-mecânico de heli / Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52)
Aqui vai um excerto: é uma história, bonita, de solidariedade entre a gente do ar e da terra:
(...) Mensagem de Nuno Almeida, ex-Esp MMA (Canibais), DFA Guiné, que vive em Lisboa (foto à esquerda, cortesia do blogue de Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74), a quem agradeço, mais uma vez´, este depoimento, mas não volto a convidar para aderir à nossa Tabanca Grande, porque ele já cá está, de pleno direito... (LG):
Camarada Mexia Alves:
Estava a ler o blogue do Luís Graça e vi a sua referência a Mato Cão, o que me fez recordar um episódio, não sei se passado, também, consigo e que passo a relatar:
Fui mecânico de helicópteros da FAP e cumpri o ano 1972 na Guiné. Um dia, creio que no Verão de 1972, fui com um heli fazer o que, creio, se chamava o Comando de Sector (levar o [Ten-] Coronel de Bambadinca a visitar os aquartelamentos).
Fomos visitando vários locais e, quando sinto o piloto fazer manobra para proceder a uma aterragem, fico em estado de choque, pois não se vislumbrava nada no terreno que indicasse haver ali alguém ou algo minimamente capaz de albergar seres humanos. Inicialmente temi que o piloto tivesse detectado alguma falha no aparelho e fosse aterrar para que eu verificasse a condição do mesmo e poder continuar a voar. Mas quando aterramos (num espaço de mato desbravado e completamente inóspito), e a intensa poeira, levantada pelas pás do heli, começa a assentar, vejo surgirem, de buracos cavados no chão, homens em estado de higiene e aspecto físico degradantes (pelo menos aos olhos dum militar que dormia em Bissau e tinha água corrente para se lavar a seu bel prazer).
Chocou-me, e ao piloto também, a situação sub-humana em que esses homens estavam a viver.
A sua reacção, ao verem o [Ten-] Coronel, foi a de parecer que o queriam linchar, tal era a sua revolta pelo que estavam a ser obrigados a suportar.
Quando regressámos a Bambadinca, o piloto foi ao bar e comprou dois pacotes de tabaco Marlboro, escreveu neles algo que creio foi: "com a amizade da Força Aérea", e quando passámos à vertical de Mato Cão largámos esses pacotes, querendo demonstrar a nossa solidariedade para com quem tão maltratado estava a ser.
Mais tarde, em [25 de] Novembro de 1972, fui ferido [com gravidade], ao proceder a uma evacuação, na mata de Choquemone, em Bula, e aí melhor me apercebi das privações e sobressaltos que, a todo o momento, uma geração de jovens, na casa dos 20 anos, foi obrigada a suportar, adquirindo mazelas físicas e, principalmente, psicológicas, que ainda hoje perduram, e que muitos teimam em não aceitar que existem e estão latentes no nosso dia-a-dia.
Abraços, do ex-1º cabo FAP Nuno Almeida (o Poeta) (...)
(***) O sítio, paradisíaco, do Mato Cão era tão popular na época que no nosso blogue há mais de três dezenas de referências com este descritor: Vd. marcadores ou palavras-chave na coluna do lado esquerdo...
Esta estância (turística) também era muito frequentada por outros camaradas nossos como o Beja Santos (Pel Caç Nat 52, 1968/70), Luís Graça e Humberto Reis (CCAÇ 12, 1969/71), Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/1)... Mas nesse tempo não ainda havia as luxuosas infra-estrtuturas hoteleiras aqui tão bem descritas pelo J. Mexia Alves (devem ter construídas e inauguradas depois, em 1972)... O turistame fazia lá campismo selvagem... Bons tempos! Nessa altura o Rio Geba era muito concorrido, até se faziam comboios entre o Xime e Bambadinca e até mesmo Bafatá (no chamado Geba Estreito)... Dizem-nos que o rio agora está assoreado, por aquelas bandas... (LG)
domingo, 10 de maio de 2009
Guiné 63/74 - P4316: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (4): A bazuca em rajada
A BAZUKA EM RAJADA
Esta história tem os seguintes considerandos iniciais.
A sua lembrança é motivada pelo comentário do Alberto Branquinho à minha história anterior, em que ele sublinha que a sua insistência em negar-se a “falar de si ou do seu umbigo” tem como alvo “aqueles que falam/escrevem só e sempre sobre o seu próprio umbigo”. Acho que o compreendo!
Por outro lado tive sempre a tentação de reagir a um artigo publicado no P2264, que é uma espécie de carta escrita pelo Luís Graça a um seu amigo (o Tony Levezinho) transformando-o em interlocutor imaginário daquilo que observou durante uma estadia em Bissau quando, durante algum tempo, esteve “desenfiado” do “Vietnam”.
Para além de considerar essa carta muito interessante, pelo seu conteúdo, pelos pressupostos, até por referir algumas situações ou episódios que eu, ao tempo, “vivia” cá na chamada “Metrópole”, e também para além de retratar, com bastante azedume, aliás, alguma da “fauna” de Bissau, há lá um aspecto que eu próprio testemunhei mais tarde, provando que, nesse capítulo, pouco ou nada se alterou entre o “tempo” do Luís e o meu “tempo”.
Refiro-me ao facto “as tropas especiais” normalmente se “pavonearem” por Bissau, nos períodos em que por lá andavam. Mas, em termos de “exageros de actividade operacional”, também havia, e muito, quem gostasse de contar as suas histórias, as suas aventuras, os seus actos inigualáveis de heroísmo, sempre mais, maiores e mais ousados que o do “contador” antecedente.
Sempre tive alguma dificuldade em entender porque deveriam ser “heróis” aqueles que tinham (têm) como mérito o “saberem matar muito, destruir muito”, em detrimento daqueles que “salvaram, construíram, ajudaram, muito ou pouco”. Certamente será um problema meu, que passará com o tempo, ou então, não!
Foi então a junção destas duas lembranças, “os que falavam de si” e os que exageravam até à náusea, que me fez recordar este pequeno episódio.
Num daqueles dias em que a paciência estava esgotada, vá lá agora lembrar-me porquê, em que não havia paciência para aturar as fanfarronices, as idiotices desbocadas, o exacerbamento do ego de alguns daqueles elementos da “fauna” de Bissau, estando no bar de Sargentos de Santa Luzia, depois do almoço, deixei-me estar na roda de “heróis” que contavam as suas façanhas.
Como disse, a paciência não era muita e depois de ouvir três ou quatro episódios em que haviam sempre emboscadas com, invariavelmente, dois bigrupos (não sei porquê, mas isto dos dois bigrupos era infalível, parecia o Juca Chaves a parodiar o Gary Cooper), em que os personagens “contadores da história” acabavam por ser o elemento decisivo para a resolução do problema e em que em resultado da sua acção os elementos do IN caíam que nem tordos, a fazer lembrar os filmes de “faroeste” com os índios a serem dizimados às dúzias, não me contive e disse que também tinha uma história parecida para contar.
Tendo em conta a minha atitude normalmente reservada, ficaram admirados que tivesse alguma coisa a revelar, mas dispuseram-se a ouvir.
Então eu disse que também se tinha passado comigo uma situação semelhante às que eles tinham estado a contar, que tinha ocorrido numa coluna em que vinha inserido, pouco depois do k3 (era sempre bom referir estes locais de respeito), a qual caiu numa emboscada medonha, eram pelo menos dois bigrupos, talvez até três, e em que a rapaziada ficou tão surpreendida que saltámos dos “unimogs” e alguns até abandonaram os seus equipamentos.
Os “gajos” estavam em cima da gente, a coisa estava feia e eu, que até nem era nada dado a actos de heroísmo, nem sei o que me passou pela cabeça, saltei do chão, agarrei na bazuca que tinha ficado em cima da viatura, coloquei-a junto à cintura, enfrentei os gajos fazendo a “menina” cantar… rá tá tá tá tá tá tá tá, rá tá tá tá tá tá tá tá,. Com esta minha intervenção os tipos assustaram-se, a nossa malta ganhou ânimo e conseguimos abortar a emboscada com poucos feridos e causando inúmeras baixas ao IN.
Propuseram-me um louvor e colocaram-me na “Escuta”. Era por isso que agora eu estava lá.
Como calculam, após alguns breves instantes de perplexidade e de estupefacção (não se esqueçam que isto se passa no Bar, após o almoço…) um dos ouvintes diz: “é pá, mas a bazuca não dispara em rajada!”
Aí eu disse: Ai não? E porquê? Na minha história dispara, sim senhor! Então vocês podem contar as histórias como querem, com as invenções que entendem, e eu não posso? Pois estão enganados, na minha história há uma bazuca que dispara em rajada e vai ficar sempre assim, porque essa é a minha verdade, vocês fiquem com as vossas! Passem bem!
Após esta saída de cena, houve desmobilização geral. Alguns ainda pretenderam empertigar-se um bocado, sentindo-se ofendidos na sua honra, pela dúvida lançada quanto à veracidade das suas histórias, mas foi sol de pouca dura pois começaram a discutir entre eles, cada qual desmentindo os outros.
Reconheço que foi uma atitude pouco conciliadora e certamente injusta para com aqueles que na verdade enfrentaram reais situações mas, como disse, a paciência tem limites e, também em boa verdade, aquelas conversas já enjoavam. Mas foi quase “remédio santo” pois durante bastante tempo não houve bigrupos…
E pronto, esta história já está!
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil. Transmissões TSF
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em: 22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4235: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (3): Recordar aos poucos ou circuncisão espectacular
Guiné 63/74 - P4315: Agenda Cultural (13): O livro A Mulher Portuguesa na Guerra e nas Forças Armadas (Miguel Pessoa)
Amigos,
Também está a decorrer uma exposição de cartoons relacionados com o "humor na tropa" desde os anos 60 até aos nossos dias. Peço desculpa por alguma imprecisão no que descrevo, mas estou a escrever "de cabeça" e já devem ter descoberto como sou um bocado distraído...
Finalmente, o motivo principal desta conversa, tive a oportunidade de ver à venda (e de comprar, claro) um livro publicado recentemente, editado pela Liga dos Combatentes e intitulado "A Mulher Portuguesa na Guerra e nas Forças Armadas" (edição: 2008; preço: 15 euros).
Trata-se, conforme referido na contra-capa, de uma centena de depoimentos de Mulheres que viveram a guerra no ultramar, acompanhando familiares ou como enfermeiras pára-quedistas, ou que sentiram de longe os efeitos da guerra por lá terem alguém a combater e, finalmente, testemunhos mais recentes de Mulheres servindo nos 3 Ramos das Forças Armadas. Infelizmente é uma edição de apenas 1.000 exemplares, que eu prevejo que possa acabar depressa.
Um abraço,
Nota de MR:
Vd. último poste da série de:
Guiné 63/74 - P4314: Nino: Vídeos (5): 'A guerra é uma das coisas mais horríveis da vida' (Nino Vieira)
Guiné-Bissau > Bissau > Palácio Presidencial > 6 de Março de 2008 > Último excerto, em vídeo, da audiência que o Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira (1939-2009) deu, por volta das 12h, a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) (*).
Sinopse:
Referência às difíceis negociações de Argel, em 1974, entre Portugal (representado por Mário Soares e Almeida Santos) e o PAIGC, com vista ao acordo de paz. Posição de Spínola que acaba por dar o seu OK, facilitando assim o desfecho das negociações. Grande apreço de 'Nino' pelo velho marechal. Quando estava já em coma, fez questão de o visitar no hospital. Encontro, nessa ocasião, com o Gen Almeida Bruno, que estava emocionado. Bruno e 'Nino' falam de Guileje e Gadamael. Bruno pergunta a 'Nino' a razão por que é que o PAIGC não quis tomar Gadamael, quando tinha todas as condições para o fazer. A resposta de 'Nino' foi que, para o PAIGC, Gadamael seria uma cilada das NT. Depois de entrar em Gadamael, as tropas do PAIGC seriam facilmente dizimadas. Mantendo o seu tom de confidências, 'Nino' diz taxativamente que "a guerra é uma das coisas mais horríveis da vida"....
Volta a fazer um apelo à cooperação. A antiga colónia portuguesa precisa hoje, não de ser novamente colonizada, mas atacar os seus problemas de desenvolvimento. Remata, por fim, com um apelo a Cuba e Portugal "para que ajudem a escrever a história"... A Guiné-Bissau precisa de preservar a sua memória. "Os senhores têm filmes, documentos, fotografias"... Visivelmente feliz e bem disposto, 'Nino' faz um agradecimento final aos presentes por terem vindo à Guiné-Bissau participar no Simpósio de Guileje...
Vídeo (7' 00''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.
Alojado em You Tube > Nhabijoes
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Notas de L.G.:
Vd. postes anteriores da série:
8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3996: Nino: Vídeos (1): Ouvindo a versão do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje (Luís Graça)
9 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4002: Nino: Vídeos (2): O amigo de Cuba... e de Portugal, que em Março de 2008 pedia mais professores de português (Luís Graça)
17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4045: Nino: Vídeos (3): Em Portugal, um vizinho meu, antigo combatente, reconheceu-me e tratou-me por 'comandante Nino'...
14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4185: Nino: Vídeos (4): Guidaje, Guileje, Gadamael: A Op Amílcar Cabral
sábado, 9 de maio de 2009
Guiné 63/74 – P4313: Tugas - Quem é quem (5): João Bacar Jaló (1929-1971) (Benito Neves, Mário Fitas e João Parreira)
Há histórias da guerra que travámos em África, que obviamente se perderam "ad eternum" com aqueles que já iniciaram a última "marcha".
Com o "desaparecimento" dos seus protagonistas, essas histórias jamais se conhecerão. Podiam até nem ser histórias "importantes", mas perderam-se definitivamente.
Mas ainda há milhares de intervenientes em factos históricos, que por diversos motivos não mostram qualquer intenção de algum dia abordarem esses acontecimentos. São diversas as explicações para este fenómeno.
Alguns veteranos escusam-se, dizendo não ter nascido para escrever e muito menos descrever, narrar, versejar... Se uns assim dizem a verdade, outros escondem-se por detrás de posições e justificações que, por vezes, reprimem ainda velhas emoções e outros sentimentos que, como não podia deixar de ser, aceitamos e respeitamos.
Algumas dessas atitudes são tão firmes e inabaláveis que nos dão a certeza da gravidade dos estados psíquicos, nomeadamente do terrível stress pós-traumático de guerra.
Somos seres humanos, mais ou menos sensíveis, tendo enfrentado a ida para África com maior ou menor preocupação. Nesta minha divagação pessoal, não sendo médico, nem um perito nestes assuntos psicológicos, permito-me pensar que todos aqueles que foram mobilizados ficaram marcados para o resto das suas vidas. Depois aqueles que enfrentaram combates e situações de forte tensão e, ou, estiveram sob fogo inimigo, viram esse sintoma agravado e elevado a uma alta potência.
São marcas de tal modo cicatrizadas e enraizadas, que nem o bisturi mais acutilante as sacaria fora. E se as mazelas físicas são visuais, marcantes e traumatizantes, as psíquicas não o são menos, por invisíveis na fisionomia corporal, mas quantas vezes espelhadas, quer no teor das palavras, nas atitudes do dia a dia e, ou, no comportamento pessoal. É notável que uns estão mais afectados que outros, pelo menos aparentemente, digo eu.
Mas, com imensa alegria e felicidade, penso que, graças a Deus, ainda por cá andamos muitos, mantendo a memória bem viva do nosso passado recente em África. Assim, com a colaboração deste e daquele camarada, ajustando e corrigindo pormenores, ainda é possível reconstituir alguns puzzles incompletos, ajudando a deixar histórias mais completas e leais à verdade dos factos.
Esta é uma delas, que pode ainda não estar concluída.
Por isso, deixo aqui um apelo a todos os restantes camaradas, para que, quem conheça mais algum pormenor deste herói, nos preste também a sua contribuição, por grande ou pequena que lhes pareça.
Até ao momento já recebemos os seguintes complementos testemunhais do Benito Neves, do João Parreira e do Mário Fitas, que conheceram e conviveram com o João Bacar Jaló (ou têm informações inéditas sobre a sua vida e morte):
1 - O Benito Neves, enviou o seguinte e-mail em 4 de Maio de 2009
Meu caro Magalhães Ribeiro, o meu abraço.
Vi hoje publicada no blogue a biografia do nosso João Bacar e as dúvidas sobre a sua morte.
Sobre esta última já contactei um dos alferes da minha CCav 1484, que privou com o João Bacar e que, inclusivamente, o recebeu em sua casa todas as vezes que o João Bacar veio à Metrópole.
Há dias estive com o referido alferes que me esteve a contar a versão que tem sobre a morte do João e que, ao que parece, não foi bem como foi publicado mas quase. Segundo ele, no cenário de guerra, o João Bacar teria na mão uma granada já sem cavilha, terá tropeçado e caído em cima da granada que explodiu, matando-o. As restantes granadas (e ele trazia sempre várias) terão explodido por simpatia.
De qualquer forma eu já pedi a confirmação desta versão ao alferes Miguel da CCav 1484, que sei ter tido contactos com pessoas que estiveram próximas, na altura da morte do João.
Em memória de João Bacar, relembro o HOMEM e o COMBATENTE. Quando esteve connosco ainda era alferes e foi, depois, promovido a tenente. Participou em todas as operações que efectuámos no Sector de Catió. Quantas vidas nos poupou? Não sabemos, mas a nossa gratidão para com ele é do tamanho do Mundo. Aquando da sua morte as lágrimas rolaram livremente pelas minhas faces. Hoje continuo a inclinar-me perante a sua memória.
Deixámos Catió em Julho de 1967 e os oficiais e sargentos da Companhia ofereceram ao João Bacar aquilo que soubemos que ele mais desejava: um relógio automático, à prova de água e com ponteiros luminosos. Por trás tinha gravado: "Recordação da CCav 1484". O João delirou!
Pena que a biografia publicada no blogue não permita leitura. Se te fosse possível a digitalização e o envio por e-mail, ficava-te imensamente grato.
Um abraço e o meu muito obrigado
Benito Neves
2 - O Mário Fitas, colocou o seguinte comentário ao post 4275
Caros amigos da Tabanca Grande.
Conheci o João, era assim que tratávamos o Alferes de 2ª Linha João Bacar Jaló.
A C Caç 763 entrou com ele e a sua Milícia nos Acampamentos [do PAIGC] de Cufar Nalu, Cabolol e Caboxanque. Assaltámos Cadique Ialá e Nalu. Já escrevi isso em "Putos Gandulos e Guerra" e "Pami na Dondo a Guerrilheira" sobre ele e a sua gente.
Escreverei mais, porque só quem o acompanhou, poderá confirmar o seu valor. Hoje deixo aqui uns nomes que muitos conhecerão da gente do João: Carlos Queba, Gibi Baldé, Amadu Djaló, Alfa Nan, Cabo, Indrissa, Tui na Defa...
Alguns morreram antes, do seu Capitão. Que terá acontecido aos outros? Ao Gibi Baldé sei que cortaram as mãos! E ao meu velho Alfa Nan - Cabo -, a quem devo a vida?
Gostaria de saber, porque eles vivem na minha memória, como vivem os meus valentes soldados. Desculpem o desabafo! Foi assim! Assim o recordarei!
Obrigado, camarada Ranger, por trazeres aqui o Capitão (do Exército Português), o Guineense João Bacar Jaló.
O abraço de sempre do tamanho do Cumbijã,
Mário Fitas
3 - Em 5 de Maio de 2009, o João Parreira enviou também um e-mail
Sobre o nosso valoroso João Bacar Jaló... Falei esta tarde com um camarada comando africano - o Alferes Amadú Bailo Djaló -, que parte do meu Grupo "Fantasmas", e que o conhecia bem e me disse o seguinte:
- O Bacar Jaló tinha saído de uma bolanha perto de Tite e, estando-se a aproximar de uma tabanca, sacou de uma granada de mão e despoletou-a. No entanto, o IN abriu fogo e uma roquetada acertou-lhe na anca, arrancando-lhe completamente a perna. Ao cair, a granada que ele levava na mão descavilhou-se e acabou por explodir, junto ao seu corpo, causando-lhe a morte.
O Amadú, que era da mesma Companhia do João Bacar, não foi nessa operação por estar no Hospital.
É, assim, mais uma triste história que podia ter acontecido a qualquer um de nós e que esta gente em Portugal desconhece, e mesmo que conhecesse não dava qualquer valor.
Abraço,
João Parreira
4 - O Benito Neves, em 5 de Maio de 2009, enviou outro e-mail
Caro Amigo, esta versão eu não conhecia e, na verdade, só quem estava com ele, e perto dele, poderá testemunhar com rigor como a coisa aconteceu.
No fundo acabamos por, desta forma, estarmos a prestar uma homenagem a um HOMEM simples, com o coração do tamanho do mundo, que nos guiou, comandou e nos salvou. E sei do que falo porque muitas vezes era o João Bacar que, antes e até durante as operações, alterava os percursos de forma a minimizar os riscos que as envolviam.
Relembro que, naqueles anos de 1966/67, as ordens de operações chegavam ao Batalhão delineadas não sei se pelo comando de Agrupamento (Bolama), se por Bissau.
O Comandante do Batalhão reunia, um ou dois dias depois (dependia dos transportes), com os Comandante das Companhias que iam intervir, normalmente de Cufar, Bedanda, Comandante da Companhia de Intervenção de Catió (que era a minha) e com o Comandante da Companhia de Milícias 13.
Havia na parede do gabinete um mapa da zona onde era exemplificada a operação que iria ser feita (por onde iriam avançar as Companhias que iriam montar segurança, por onde iriam progredir a Companhia de Milícias 13 e a de intervenção, etc., etc.). Depois de explanada toda a operação, era perguntado aos Srs. Cmdts das Companhias se haviam dúvidas, que eram (ou não) esclarecidas. Quando chegava a vez do João Bacar falar (e quantas vezes aconteceu...) o mesmo dizia simplesmente:
- Isso está tudo mal e se for assim eu não vou.
Pasmava-se...
- Mas está tudo mal o quê?
- Tudo - respondia o João - Esta e aquela Companhia que vão montar segurança, neste e naquele ponto, não podem avançar porque o rio está a encher, é fundo e tem muita corrente. Portanto, quando àquela hora for necessário a montar segurança, não estão lá. A Companhia de Milícias e a CCav não podem avançar por aqui porque a mata é muito fechada, dificulta a progressão e, portanto, quando se faz dia ainda estamos longe.
Além há postos de sentinela avançada que detectam a nossa progressão e quebra-se o sigilo da operação.
Ficava tudo mudo.
- Mas, João, isto tem que ser feito! - dizia o Comandante do Batalhão.
E o João, logo ali, alterava horas e percursos, como ele sabia.
Posso dizer que em toda e qualquer operação delineada (ou alterada) pelo João Bacar, nunca as NT tiveram qualquer problema e as coisas correram muito bem. No entanto, outras houveram em que não foi tanto assim.
O João foi, para nós, uma fonte inspiradora de confiança e até de alguma tranquilidade. Admirado por todos que lhe ficámos a dever imenso e cada um nem sabe quanto. Ainda hoje, repare-se, o João Bacar é uma fonte inesgotável de boas recordações, de respeito, grande admiração e enorme gratidão.
Foi para mim um privilégio tê-lo conhecido e convivido com ele durante 16 meses.
Um abraço
Benito Neves
5. Comentário do MR:
Muito agradecido aos 3, com um abraço Amigo do MR.
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Notas de MR:
Ver artigos de:
2 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4275: Tugas - Quem é quem (4): João Bacar Djaló (1929/71) (Magalhães Ribeiro)
20 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2569: Tugas - Quem é quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)
10 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)
4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: Tugas - Quem é quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)
23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: Tugas - Quem é quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril
Ver também:
20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1769: Estórias do Gabu (4): O Capitão Comando João Bacar Jaló pondo em sentido um major de operações (Tino Neves)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXVII: A 'legenda' do capitão comando Bacar Jaló (João Tunes)
11 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P4312: Antropologia (14): Dança dos bijagós, uma redacção escolar, de 1958, do menino Abreu (António Graça de Abreu)
Com os Bijagós na ilha Roxa, Fevereiro de 1974
António Graça de Abreu
Pouco ou nada se tem falado sobre os bijagós no nosso blogue. O povo desta etnia da Guiné teve mais sorte que os balantas, fulas, mandingas, etc., teve a felicidade de habitar em ilhas separadas do território onde se desenrolava a guerra. Além de Bolama, quase nenhum de nós conheceu as ilhas dos Bijagós.
Numa das minhas idas de Cufar para Bissau, naveguei na LDG Alfange (foram vinte e sete horas!) e como era preciso aguardar pela maré-cheia para concluir a viagem, a lancha grande quase se encostou à ilha Roxa. De manhã, ficou tudo a torrar ao sol durante umas boas horas dentro da LDG, excepto o comandante e o imediato que lançaram um zebro à água e foram pescar, e ainda cinco fuzileiros do destacamento de Cafal que, noutro zebro, resolveram ir para a praia na ilha Roxa. Pedi-lhes boleia e como era alferes e um deles me conhecia do CAOP 1, de Cufar, embarquei com eles. Foi um deslumbramento a descoberta da ilha e o contacto com os bijagós. No meu Diário da Guiné, a 16 de Fevereiro de 1974, pags. 194 a 197, descrevi, ao pormenor, o que me sucedeu na ilha Roxa.
O que eu tinha completamente esquecido é que, com 11 (onze!) anos de idade, no antigo 2.º Ano do liceu, havia escrito um texto sobre os bijagós. Só a semana passada, ao arrumar e deitar fora muitos papéis velhos, descobri a singular prosa no meu caderno de redacções, no Liceu Alexandre Herculano, no meu Porto, cidade onde nasci e cresci.
Lembrei-me do blogue e deixo à consideração do Luís e do Vinhal a eventual publicação deste texto.
Aí vai, um menino do Porto a escrever sobre a Guiné, em 1958:
A Dança dos Bijagós
De um dos trechos existentes no meu livro de leitura, achei um, de certo modo curioso, sobre a dança dos Bijagós.
Esta dança é executada pelos nativos de uma raça da Guiné chamada Bijagós. Nesta interessante dança, os homens dão a ideia de serem animais ferozes pois eles modificam completamente o seu aspecto de seres humanos. Pintam o corpo com tinta vermelha, cobrem a cabeça com barro e enfeitam-na com penas ou peles. Alguns põem chifres na cabeça. De vez em quando, um dos dançarinos dá um grito rouco que ecoa pelos ares dando a impressão de ser um animal feroz. Esta dança é acompanhada pelo rufar dos tambores. As pessoas que a executam fazem diversas contorções com o corpo, o que muito agrada aos forasteiros que vão ver os nativos dançar.
FIM
Grupo de mulheres bijagós com os seus apetrechos e trajes de dança
Localização da Ilha Roxa no Arquipélago dos Bijagós e Sul da Guiné
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4100: Blogpoesia (34): Regressei um dia / lavando a alma na espuma das lágrimas... (António Graça de Abreu)
Guiné 63/74 - P4311: No 25 de Abril eu estava em... (10): Chugué, num buraco com um tecto de quatro toros (José Pedrosa)
Caro Amigo,
Com um abraço a todos, remeto a postagem de hoje no meu Blogue.
http://cerrodocao.blogspot.com/2009/04/onde-e-que-estavas-em-26-de-abril.html
Cumprimentos,
Zé Pedrosa
2. Assim, com a devida vénia ao nosso camarada, reproduzimos o seu poste
Há 35 anos eu estava onde, precisamente, esta hora do dia se chamava "hora sexual". Durante duas horas tinha de estar pronto para a acção, pois, se elas viessem, não podia estar desprevenido: tinha de reagir imediatamente, caso contrário, era o fim ...
Estava em Chugué, na vala de acesso ao meu abrigo de guerra (um buraco no solo com um tecto de quatro toros de árvore pau sangue), aguardando vigilante que passassem as duas horas de prevenção total - cumprindo as regras militares e as do bom senso, face à permanente iminência de ataques e bombardeamentos das tropas do PAIGC na zona do Tombali - Guiné Bissau.
Posto o sol, a descompressão ia ganhando ânimo entre aquele monte de gente de morte encomendada. O meu hábito de tentar saber notícias pelas ondas curtas da rádio teve sorte. Numa emissora de lingua francesa consegui ouvir as notícias do meu país.
Assim que as percebi (sabedor que já era do Março em Caldas da Rainha) gritei para a minha gente: "pessoal, há reviravolta em Lisboa, parece ser coisa grande, se calhar, vamos saír daqui com vida..."
Depois, seguiram-se horas angustiantes tentando confirmações por todas as ondas da rádio, por tudo quanto eram comunicações militares. A cinco minutos da meia-noite, finalmente, o Menezes dos fuzileiros "abriu o livro" na primeira página: o 25 de Abril e o MFA foram sucintamente explicados e assim resumidos: "a guerra vai acabar, vamos pra casa !"
E, mesmo sem o cessar fogo ordenado, para todos nós, os de infantaria, de artilharia e fuzileiros que ali estávamos, a partir desse dia: "guérra cába pâ nôs".
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Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
9 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3590: O Nosso Livro de Visitas (48): José Pedrosa, ex-Alf Mil da CCAÇ 4747 (Guiné, 1974)
e
17 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3639: Blogues da Nossa Blogosfera (11): Do Cerro do Cão, em Peniche, ao Apocalipse Now (José Pedrosa / Luís Graça)
Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4280: No 25 de Abril eu estava em... (7): RI 15, Tomar, à espera de ir para a Guiné (Magalhães Ribeiro)
Guiné 63/74 - P4310: Tabanca de Matosinhos (11): As crianças da Guiné-Bissau precisam da nossa ajuda (Álvaro Basto)
Caros editores e grandes amigos
Agradecia que dessem uma vista de olhos no poste 151 do Blogue da Tabanca de Matosinhos e o replicassem para a Tabanca Grande.
As áreas de Lisboa são igualmente importantes e afinal é uma contribuição importante que podemos dar sem grande dispêndio.
Tem mais a ver com disponibilidade de tempo e afinal muitos de nós estamos reformados e tempo é o que nos sobra mais.
Um abraço e um obrigado antecipado.
Álvaro Basto
2. Assim e por sugestão do Álvaro, aqui deixamos a transcrição do referido poste.
Na sequência da deslocação a Portugal de duas crianças da Guiné-Bissau para serem avaliadas e operadas ao coração, conforme notícia que se reproduz abaixo, com a devida vénia à SIC (*), esteve hoje a almoçar connosco o Dr. Augusto Bidonga, natural de Catió e Director Clínico da Clínica de Bor que se vocacionou para as doenças pediátricas.
Da conversa que fomos tendo ao longo do almoço ressaltou a incomensurável e já pródiga falta de meios com que se debate para fazer face a tantos casos desesperados de crianças que poderiam ser salvas de uma morte antecipada se tivessem ajuda externa.
Como gente habituada a arregaçar as mangas e a passar rapidamente à acção, logo ali se estabeleceu a criação de uma Bolsa de Famílias de Acolhimento para as crianças que tenham a sorte de vir a poder beneficiar do tratamento hospitalar que necessitam.
Trata-se de uma área onde nos afirmaram ser grande o défice, já que as mesmas não podem trazer acompanhantes familiares e na maior parte dos casos necessitam de cuidados ambulatórios do pós-operatório, não havendo nenhuma Instituição que a isso se dedique.
Afinal muitos de nós temos um quarto lá em casa disponível e tempo para levarmos as crianças às consultas durante o período que por cá tenham que permanecer.
A lista já começou a circular e todos serão bem-vindos nesta ajuda que pode traduzir-se na viabilização de uma intervenção cirúrgica destinada a dar vida a uma jovem vida.
Por isso, se quiserem e reunirem condições para dar este apoio, podem increver-se através do meu email (alvarobasto@gmail.com) indicando um nº de telefone de contacto.
3. Comentário de CV:
Para quem pensa que a actividade da Tabanca de Matosinhos se limita só aos almoços das quartas-feiras, têm aqui mais uma das muitas iniciativas daquela Tertúlia.
Alargamos o apelo do nosso camarada Álvaro Basto à tertúlia da nossa Tabanca e aos nossos leitores, de uma maneira geral, para se puderem e tiverem disponibilidade, aderirem a esta iniciativa. As pobres crianças guineenses não têm culpa de o seu país não ter um mínimo de condições que lhes permita salvar as suas frágeis vidas.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste 151 da Tabanca de Matosinhos de > 22 de Abril de 2009 > P151-Crianças da Guiné e a Tabanca de Matosinhos
Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4281: Tabanca de Matosinhos (10): O nosso camarada Almeida de Gandembel precisa de ajuda (José Teixeira)
Guiné 63/74 - P4309: (Ex)citações (27): Manuel Moreira Barbosa, um Comando da 38.ª (Magalhães Ribeiro)
Queria aqui aproveitar a oportunidade para mandar um ABRAÇO AMIGO a todos os "MAMA SUME" da 38.ª, e homenagear a memória daquele que me tratava como um irmão e que infelizmente já partiu do nosso meio.
O seu nome Manuel Moreira Barbosa, era 1.º Cabo desta famosa e sacrificada Companhia e um belo dia dediquei-lhe o seguinte poema:
Um “COMANDO” da 38.ª
Era a minha “sombra” nas deslocações a Bissau
O meu “guarda costas” preferido!... O número um!
Eu conhecia-o bem e sabia!... Que se necessário!...
Dava a vida pelo amigo!... Como mais nenhum!
Na longínqua e bela Guiné
Mais do qu’em qualquer outro lugar
Encontrar um conterrâneo
Era o rei dos motivos p’ra festejar
Para nós... do Porto e Lisboa
Como éramos a maioria
Amíude os encontros se davam
Sempre com renovada alegria
Quando chegamos a Mansoa
Na recepção a nós os «periquitos»
Alguns “velhinhos” perguntavam
No meio daqueles “pios” esquisitos
- Quais são os “periquitos” do Porto?…
Duas coisas tendes que fazer…
Pagar uma bebedeira mestra...
E contar as novidades... que houver!
Fomos então p’rá cantina beber
E, conversar entusiasmados
Nós, do Porto... do presente... de Abril
Eles... dos “momentos” ali passados
Dias depois estes partiram
O seu tempo de guerra... findara
Foram estes os primeiros amigos
Com que a Guiné me brindara
Um dia o Comandante disse-me:
- O vagomestre está muito doente...
Você vai substituí-lo como souber...
Vai alimentar toda esta gente…
Se mais proveito não lhe fizer…
Vai muitas vezes a Bissau… passear…
É um privilégio raríssimo…
Espero que não vá regatear!
Eu... um Operações Especiais?
Ouço, obedeço e não discuto!
Serei o Rei do desenrascanço?
Se calhar!... avancei pois resoluto!
No dia seguinte... surgiram-me ali
Num jipe... três “Comandos” sedentos
Da 38.ª Companhia
Eram do Regimento de Comandos
Sito na estrada p’ra Bissau, em Brá
A cerca de quarenta quilómetros
Que me convidaram a visitá-los… lá
Mas entre eles estava um Cabo
De seu nome Moreira Barbosa
Que ao saber qu’éramos patrícios
Exigiu comemoração honrosa
Bebemos então e conversamos
Ali cimentamos forte amizade
Daquele tipo hoje muito raro
Com raízes par’à eternidade
Ora... sempre qu’eu tinha d’ir à capital
Entrava nos “Comandos” a correr
- Ó Barbosa queres vir comigo?...
“Perguntai ao cego s’ele quer ver “
Provocavam enorme alarido
As viagens e as petiscadas
No “Portugal”, no “Ronda”, etc.
Estórias, anedotas... gargalhadas
Ele conhecia metade do pessoal
Apresentava-me toda a gente
A nossa mesa depressa s’enchia
De malta faladora e contente
Barbosa perto... tristeza longe
O seu feitio guerreiro... destemido
Completavam a sua forte “alma”
E contagiava o mais encolhido
Como é lógico... muitas conversas
Versavam o tema da guerra
As grandes operações e combates
O sangue derramado na terra
Os golpes de mão e emboscadas
Os acidentes graves conhecidos
O “25 de Abril”...
Enfim... os mortos e os feridos
“- Manga de ronco!... Compr’uma coisa?”
Era o pregão local dos artesãos
Pululantes... insistentes... chatos!
Até qu’o Barbosa fechava as mãos
Quis Deus que “partisses” mais cedo, amigo... irmão
Quantas saudades deixaste dessa tua energia
Da tua dinâmica... do teu empolgar pela acção
Do teu espírito de aventura... do teu riso... da tua alegria...
Era assim o Barbosa... que saudade!
Um abraço Amigo para todos vós, e um abração em especial para o Amílcar Mendes, do Periquito de Mansoa
Magalhães Ribeiro
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4233: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (16): Direito à indignação (Amílcar Mendes)
Vd. último poste da série de > 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4297: Comentários que merecem ser postes (5): Falando da condição feminina e das enfermeiras pára-quedistas (Luís Graça)