REFLECTINDO…
Confesso que estou profundamente chocado com a posição de alguns camaradas acerca da "política" seguida pelo nosso blogue.
Desde a primeira hora e eu sou dessa hora, afirma que pretende criar condições para que a história da guerra colonial seja contada pelos autores e em simultâneo atores dessa guerra ou seja nós e... os nossos adversários à data dos acontecimentos. Caso contrário a história ficará mal contada.
Há uma frase slogan que espelha este espírito "Não deixes que outros contem a tua história"...
1º - Houve uma guerra que alguns querem que seja a guerra do ultramar e outros a guerra das colónias. Estes ficam até ofendidos. Afirmam que Portugal não tinha colónias, mas províncias ultramarinas. Pois... mas quando fui para escola as tais províncias eram colónias e Portugal tinha um império colonial de que o Estado Novo se orgulhava. Mas... mudam-se os tempos… e os nomes por conveniência política. A carne vira peixe, para se poder comer na Quaresma sem se cair em pecado. Será?
Ainda há dias ao procurar numa livraria do Porto tabuadas para enviar para a Guiné, a pedido de guineenses vi um mapa do glorioso império português do Minho a Timor datado de 1946, o ano em que vi a luz deste mundo.
2º - Fomos chamados a combater. Diziam que era pela Pátria. Fomos arrebanhados à força ou será que todos fomos voluntários para "carne para canhão"?
Eu confesso que não fui, mas parti convencido que a minha Pátria tinha a Razão do seu lado. Porém, rapidamente verifiquei o quanto estava errado ao ser acolhido pela forma como fui. Afinal não eram selvagens e comunistas que viviam na Guiné, mas… pessoas com valores e contra-valores como todos os povos do mundo. Com uma cultura muito própria que merecia ser respeitada pelo poder instituído e tal não acontecia. Felizmente nós, os militares e guerrilheiros à força demos lições de civismo a par das lições de guerra que éramos forçados a dar, talvez para sobreviver (não éramos nenhuns santos tal como os “turras”) e hoje somos recebidos em festa.
Confesso que deixei fugir lágrimas de emoção e raiva quando vi um chefe de posto amarrar um homem a um poste e ordenar que lhe fossem dadas 50 chicotadas, só porque outro o acusou de algo, sem ouvir o presumível réu. Só que o queixoso era “português” fiel e o outro era um simples homem do mato.
3ª - Lutar por quem, contra quem e porquê!
Esquecemo-nos dos anos que antecederam o ano de 1640 na luta dos portugueses pela independência contra Castela. Pois é. Já lá vão muitos anos.
Será que aqueles povos não tinham o direito de lutar para o bem ou para o mal por um direito que todo o mundo lhes dava, excepto o regime que vigorava em Portugal?
4º - Creio que toda agente sabe como eram arrebanhados e instrumentalizados os guerrilheiros do PAIGC. Tal como nós ou pior ainda. Entravam pelas tabancas dentro e levavam todos quantos tivessem idade para irem para a luta.
Em 2008 conversei com uma guerrilheira que com doze anos era a rádio telegrafista do PAIGC dos grupos de combate que cercaram Guiledje. Apenas 14 aninhos! Será que estaria lá de boa vontade, voluntária?
Hoje, é uma mulher grande algures numa tabanca na mata do Cantanhez. Será que não deve merecer o nosso respeito?
Um outro guerrilheiro, ao saber as terras por onde andei procurou-me para localizar possíveis encontros. Efectivamente tivemos vários. Foi muito gira a nossa conversa, a qual começou por um humilde pedido de desculpas por parte dele, logo que descobrimos e contabilizamos as vezes que nos encontramos frente a frente: “Discurpa. Guerra é guerra, mas caba há manga di tempo, dá um abraço”. Chamou amigos e família para me conhecerem e fez comigo um pacto: “Quero ser teu ermon” - e não me largou mais nos dias que estive em Bissau.
Este homem que seguia o Nino para todo o lado. Tinha sido “mobilizado” pelo PAIGC com 16 anos numa visita relâmpago à sua tabanca . Era o especialista de minas e armadilhas do terrível trilho “carreiro da morte” no Cantanhez. De uma vez só levantamos 87 minas em Tchangue Laia, montadas por ele.
Hoje, melhor, acabada a guerra, regressou à sua tabanca e é um humilde trabalhador do campo.
Será que não deve merecer o nosso respeito, tanto quanto nós merecemos o respeito dele, daqueles povos que hoje nos recebem em festa? Ou será que nós fomos uns santinhos que por lá apareceram?!
Os nossos aviões, por exemplo, despejavam toneladas de trotil sobre Tabancas em poder do IN, possivelmente pessoas apanhadas entre dois fogos, sem possibilidades de defesa. Ou será mentira?
E quando as nossas tropas, sobretudo as de elite avançavam sobre as tabancas consideradas inimigas?…
Note-se que não pretendo fazer juízos. Guerra é guerra, como disse o Baldé e eu também lá estava.
Antero, o guineense que gosta de ouvir o Hino Nacional
5º - Acabada a guerra, da qual saímos de uma forma inglória, como era de esperar, pois nenhuma guerra pela independência em qualquer parte do mundo foi favorável ao opressor, há que fazer passar à História os acontecimentos que marcaram aquela época de luta, sangue suor e lágrimas por parte das duas frentes em contenda. Para tal é no mínimo necessário tentar ouvir intervenientes de ambas as partes e reconhecer os soldados que se evidenciaram, que os houve naturalmente, e nós temos felizmente muitos. O PAIGC também os terá e há que reconhecê-lo, tanto quanto eles admiram por exemplo o Spínola, o Carlos Fabião e possivelmente outros que lhes merecem no mínimo o respeito pela forma como lhes fizeram frente.
Para finalizar recordo o Ernesto. O motorista que me acompanhou no ano passado durante alguns dias pelo interior da Guiné. O toque do seu telemóvel era… o Hino de Portugal.
- Eu gosto muito de ouvir o Hino Nacional - justificou-se...
Deixemos o blogue cumprir a sua missão. Fazer História, mesmo que nos doa. Deixemos que os intervenientes contem a sua história. Apenas peço o cuidado de tentarem respeitar as susceptibilidades dos outros camaradas ou ex-inimigos.
Não nos esqueçamos que “guerra caba manga di tempo” e o tempo deve cumprir a sua missão de curar as feridas.
Abraço fraterno
Zé Teixeira
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9009: Ser solidário (115): Poço em Farim do Cantanhez (José Teixeira)
Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9149: (Ex)citações (161): Fomos capazes de manter respeito e amizade uns pelos outros e mesmo de deixar saudades (José Brás)