1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 19 de Junho de 2010:
Caro Carlos:
Cheguei ao fim dos relatos da minha visita à Guiné-Bissau. Este é o último. Não sei se alguma vez terei a oportunidade de passar outros quinze dias tão “cheios”.
Um abraço
FG
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ - 35
Diário da Ida à Guiné – Dia Catorze, último dia (17- 03-2010)
Como era costume, levantei-me cedo para ir ver pela última vez…
…última vez… Era o último dia que passava na Guiné. Também agora, ao escrever, estou a sentir sensação idêntica por ser o último relato que faço desta minha viagem à Guiné-Bissau que talvez tenha sido a viagem de que mais gostei em toda a minha vida. As condições que lá se proporcionaram possivelmente não mais se repetirão…
…Como ia dizendo fui pela última vez ver a armadilha. Nada. Recolhi o fio para levar numa próxima ida à Guiné.
Antes de almoço fomos a Bissau. Pelo caminho fizemos uma visita a um empresário português nosso conhecido. Em Bissau substituíram-nos a mola partida da carrinha (40.000 f) e comprei colorau para, ao jantar, confeccionar um gaspacho andaluz pois a sopa, embora sempre boa, achávamo-la quente demais para aquele clima.
No regresso, junto à ponte sobre o rio Mansoa, mais uma vez comprámos camarão tigre para o almoço, que foi acompanhado com uma salada à base de flor de bananeira. O Xico e também os africanos ficaram surpreendidos com as possibilidades da flor de bananeira.
À tarde fotografei o que considerei uma autêntica instituição nacional guineense: Um fogareiro. Em qualquer estrada por onde se passe há sempre sacos de carvão à venda. É com esse combustível, nada ecológico, pois contribui para a desflorestação do território que, nos tais fogareiros, e não só, fazem muitas das refeições.
Foto 1 > Aquecendo água para o chá no fogareiro de roda de bicicleta.
É sabido que em Moçambique e em Angola os miúdos fazem brinquedos (carrinhos, etc.) de arame, autênticas obras de arte. Por toda a Guiné-Bissau, agora não os miúdos mas os adultos, fazem uns fogareiros tendo por base uma roda velha de bicicleta. Aproveitam só o eixo e os raios. Os raios de um dos lados do eixo são “encordoados” como um cesto, com arame de cobre, formando o corpo principal do fogareiro. Com os raios do outro lado “tecem” a base. Vi-os por toda a Guiné tendo-os achado de uma criatividade fora do comum.
Jantámos o tal gaspacho andaluz e ainda antes do telejornal fui pagar à minha lavadeira, que morava nuns armazéns na periferia do empreendimento. Chegado lá, com uma escuridão total, notei que estavam várias pessoas por ali. Umas estariam a fazer o “cume” e uns miúdos estariam a tomar banho. Perguntei pela Augusta. Disseram-me que estava para Bula. Disse ao que ia e que depois o Sr. Francisco Allen lhe pagaria.
Chegaram-me uma cadeira e comecei a conversar com o pessoal. Em determinada altura ouço uma voz vinda do escuro: What is your name? Por momentos fiquei mudo mas reagindo respondi: - My name is Fernando. Quem me interpelou passou a falar em português… para meu descanso. Perguntei-lhe porque é que falou em inglês tendo-me dito que era por ser gambiano.
Fiquei a saber pela primeira vez, e ali às escuras, que na Gâmbia se falava inglês e não francês como eu supunha. Tinha sido portanto uma colónia inglesa.
Conversámos um pouco tendo-lhe perguntado qual o nível de pobreza da Gâmbia. Também ali fiquei a saber que, para aquele gambiano, dos três países da zona, a Guiné-Bissau era o mais pobre seguido do Senegal e a muita distância, a Gâmbia. Outra surpresa para mim.
Tirei algumas fotos mas na escuridão era complicado enquadrar os vultos.
Foto 2 > Na escuridão total o rapaz mais velho dá banho aos mais novos, não sendo irmãos uns dos outros.
Foto 3 > Só cá em Portugal pude reconhecer os miúdos que tinha fotografado no banho e às escuras. Era a Osenda, de quatro anos, e o Nelson da mesma idade, este filho da Augusta. Costumavam ver televisão connosco à noite.
Depois de fazer contas com o Xico e de me despedir do pessoal seguimos para o aeroporto. Eram cerca de dez da noite e a temperatura rondava os quarenta graus. O Xico deixou-me e aí estava eu no fim da minha ida à Guiné e a caminho de Lisboa.
Como uns dias antes tinha estado na gare de entrada de passageiros, onde tínhamos ido levar uns camaradas, tinha observado os procedimentos da verificação da bagagem, autenticamente de faz de conta. Para abreviar direi que acabei por ir para o avião com a enorme navalha de ponta e mola (que muito jeito me fez lá), uma garrafa de litro e meio de água e umas nozes de cola para mostrar cá ao pessoal.
Em Lisboa e por o aeroporto ser como é, a referida navalha protagonizou uma estória, que só contada. Mas chegou comigo ao Porto.
Para amenizar, ainda direi que durante toda a estadia, uma coisa que sempre me admirou foi o tratamento do cabelo de todas as mulheres guineenses. Há quarenta anos arranjavam-no da forma mais simples possível mas agora era uma delícia ver os arranjos dos cabelos das africanas, especialmente em Bissau. Cá em Portugal ainda não vi o entrançado com o encaracolado nas pontas que lá era vulgar.
Foto 4 > A Elisa e a Missinda, duas bajudas de tabanca (com catorze anos) com os cabelos devidamente tratados.
No aeroporto pedi a um casal que me deixasse tirar uma foto ao cabelo da senhora. Na conversa que se seguiu foi-me dito que lá, o custo de um arranjo semelhante era de 10 euros.
Foto 5 > Na gare do aeroporto. Cabelos tratados deste modo viam-se, em Bissau, a todo o momento.
Muitas estórias ficaram por contar e muitas fotos e filmes ficaram por ver.
Até sempre camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:
Vd. postes da ida de Fernando Gouveia à Guiné-Bissau de:
3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6101: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (24): Diário da ida à Guiné - 04/03/2010 - Dia Um
19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois
27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (26): Diário da ida à Guiné - 06/03/2010 - Dia três
30 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6285: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (27): Diário da ida à Guiné - 07/03/2010 - Dia quatro
6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6330: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (28): Diário da ida à Guiné - 08/03/2010 - Dia cinco
13 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6384: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (29): Diário da ida à Guiné - 09/03/2010 - Dia seis
22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6451: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (30): Diário da ida à Guiné - 10 e 11/03/2010 - Dias sete e oito
26 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6473: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (31): Diário da ida à Guiné - 12 e 13/03/2010 - Dias nove e dez
3 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6525: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (32): Diário da ida à Guiné - 14/03/2010 - Dia onze
7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6555: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (33): Diário da ida à Guiné - 15/03/2010 - Dia doze
13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6584: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (34): Diário da ida à Guiné - 16/03/2010 - Dia treze
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