Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > c. 1943 > A cidade, a
baía o Porto Grande e o Monte Cara ao fundo. Ao centro, em segundo plano, o edifício de maior volumetria é o Liceu Gil Eanes, por onde passou a elite do Mindelo e onde estudou Amílcar Cabral (que ali completa o 7º ano do liceu, em 1944, seguindo depois para Lisboa onde se licenciou em engenharia agronómica, no Instituto Superior de Agronomia).
Cortesia de Adriano Miranda Lima /
Blogue Praia de Bote (2012). Informação complementar de Adriano Miranda Lima:
“Foto de origem desconhecida mas que parece ser da Foto Melo ou do José
Vitória”.
Lourinhã, estrada Lourinhã-Peniche, 7/9/1942... Uma fotografia com amigos, contemporâneos do meu pai... Do grupo da foto anterior. Nenhum deles está hoje vivo, se bem os reconheço. O segundo do lado esquerdo, é o meu tio, irmão do meu pai (dois anos mais novo) e meu saudoso padrinho de batismo, Domingos Henriques Severino. O terceiro é o Toni. O quinto é o Carlos Fidalgo (, mais trade sócio da firma Fidalgo & Matos Lda) e o sexto o José Frade. A foto, enviada para Cabo Verde, está assinada pelo Domingos Severino.
Lourinhã > 6/12/1942 > Da esquerda para a direita: Nazaré, Ascensão e Maria Adelaide, três vizinhas e amigas de Luís Henriques, fotografadas na ponte sobre o Rio Grande, Lourinhã. Foto enviada para o amigo e vizinho, expedicionário em Cabo Verde, com "votos de verdadeira e sincera amizade". A primeira parte da legenda é ilegível.
Lembro-me de todas elas. A Maria Adelaide já morreu. Da Ascensão perdi-lhe o rasto. A Nazaré, conhecia-a bem, era a tia da Mariete, a família toda foi para a América, em meados dos anos 50. E julgo que casou por lá... Será que ainda é viva ? Era "ajuntadeira" (costureira de calçado), e trabalhou muito para o meu pai, sapateiro, que dava trabalho a muita gente na Lourinhã.
Lembro-me bem da ti Adelina, mãe da Nazaré, nossa vizinha, e que era um, espécie de curandeira lá do bairro... Nós morávamos na rua dos Valados, ou do Castelo, e elas na rua, paralela, a do Clube... Quando puto, e quando doente, ela - a tia Adelina - aplicava-me as suas mezinhas, receitas da medicina popular com séculos de eficácia simbólica e terapêutica... Lembro-me, com repulsa, das suas unturas, na garganta, feitas com “gordura de galinha”, para tratar da papeira... Foto: arquivo de famíl
Lourinhã > s/d > c. 1940/50 > Passeando com primos e primas… Luís Henriques é o primeiro da esquerda. Na outra ponta, o primo António Francisco Sousa (que emigrará, muito mais tarde, para Moçambique). Foto: arquivo de família.
Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > “Maio de 1943. O jardim de Mindelo onde respirei lufadas de perfume e pó de arroz: isto quando se passava por grupos de senhoras ou meninas. Quando se ouvia tocar a música, à volta deste jardim passeavam milhares de transeuntes”. Foto Melo, pertencente ao arquivo da família.
Na realidade, tratava-se da Praça Nova, ajardinada (hoje, Praça Amílcar Cabral), onde havia/há um coreto, um quiosque, um lado e os bustos de dois insignes portuguesa, o poeta Luís de Camões e o Marquês Sá da Bandeira (Santarém, 1795 - Lisboa, 1876), uma grande figura, como militar e político do liberalismo, que liderou a luta contra o esclavagismo no Portugal do séc. XIX.
Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Maio de 1943 > O jardim de Mindelo. A estátua de Luís de Camões, inaugurada em 1940… Foto: arquivo de família
Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > "Junho de 1943. Alguns internados do depósito dos convalescentes. Entre eles, estou também eu, sentado, lendo [o livro ] ‘Os Bastidores da Grande Guerra’. Luís Henriques , 1º Cabo nº 188/41, 1º Batalhão Expedicionário, R.I. nº 5. S. Vicente. C. Verde".
Cabo Verde > S. Vicente > 1/12/1942 > "Uma das fases do jogo de voleibol no dia da festa da Restauração, organizada pelo R. I. nº 5, em Lazareto, 1/12/1942, S. Vicente, C.Verde. Luís Henriques". Foto: arquivo da família.
Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Cais acostável, baía e o Monte Cara, ao fundo > “Agosto de 1942- A nossa maior alegria, depois dos trabalhos, o banho, em que tantos aprenderam a nadar. Entre tantos, estou eu, Luís Henriques. Em cima do cais, estão os nossos sargentos Peralta e M. Pereira (falecido)”.
Segundo nos contava, ainda chegou a salvar mais do que um camarada, em risco de se afogar… Um deles, ao que parece, terá tentado o suicídio, uns meses antes do regresso a casa: sofria de sífilis, um das doenças sexualmente transmissíveis que mais afligia o contingente expedicionário, numa altura em que ainda não exista a “bala mágica”, o antibiótico… Recordo-me de o meu pai me dizer que no Mindelo “até as pedras tinham vénereo” (sic)… Segundo o nosso camarada Adriano Lima, a penicilina só chegou a Cabo Verde no início de 1945. Foto: arquivo da família.
5. Continuação da "história de vida" de Luís Henriques, ex-1º cabo at inf, 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5, unidade mais tarde integrada no RI 23 (*). Esteve no Mindelo entre julho de 1941 e setembro de 1943. Era natural da Lourinhã. Faria 101 anos,se fosse vivo, no dia 19 de agosto de 2021. A pandemia de Covid-19 impediu a realização, o ano passado, da homenagem que a família e alguns amigos lourinhanses queriam prestar-lhe. O seu filho mais velho, o nosso editor Luís Graça, reuniu entretanto, numa pequena brochura de 100 páginas, o essencial da informação documental sobre a sua vida (*).
Antes de partir para Cabo Verde, o jovem Luís Henriques foi ao Nadrupe reiterar a sua vontade de continuar a namorar a filha do senhor Manuel Barbosa, pequeno agricultor com terras próprias (e outras de renda), e sete bocas para alimentar (a esposa e seis filhos, 3 rapazes e 3 raparigas)…
O futuro sogro terá sugerido que rompesse o namoro, porque não se sabia o que podia acontecer, “podia morrer ou arranjar outra” (sic)… Mas o meu futuro pai manteve-se fiel à promessa de continuar a namorar a Maria da Graça (que também assinava Maria da Graça Barbosa, mas no seu BI era apenas a Maria da Graça, nascida em 6 de agosto de 1922, no dia da festa local, o da N. Sra. da Graça).
Do Mindelo
escreve à sua namorada, futura noiva e esposa, Maria da Graça. Eis algumas
quadras que chegaram até nós:
Deus ao fazer as três Graças,
Sua obra deu por finda,
Nasces tu, Maria da Graça,
A quarta Graça, a mais linda.
(c. 1941)
Desterrado nesta terra,
A saudade me consome,
Que Deus nos livre da guerra,
Já nos basta a sede e a fome.
Estou farto de engolir pó,
Nesta ilha abandonada,
Mas sinto-me menos só,
Quando penso em ti, minha amada.
Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,
Logo que eu saia da tropa,
Vou pedir-te em casamento.
(c.
1942)
Lourinhã > Lourinhã > Abril de 1991 > Luís Henriques (1920-2012), com 70 anos, com a esposa, Maria da Graça (1922-2016). Celebravam nesse ano os 45 anos de casados ( e as "bodas de ouro", em 1996). Foto: arquivo da família.
Correspondia-se também com vizinhos, amigos e amigas da Lourinhã. Infelizmente, essa correspondência perdeu-se, com o tempo. Escrevia em papel fino, e ia mandando fotos, em geral de formato reduzido, legendadas no verso e algumas vezes a tinta verde.
Nos tempos livres, dedicava-se ao desporto: futebol, voleibol, natação. E gostava de ler e escrever. É natural que houvesse uma biblioteca pública no Mindelo. E o próprio RI 23 deveria ter alguns livros para ocupação dos tempos livres dos expedicionários.
Era um leitor compulsivo. Lembro-me de me ter citado, entre outros, o romance do escritor austríaco, de origem judaica, Stefan Zweig (1881-1942), “Vinte e quatro horas na vida de uma mulher” (1935), que eu, confesso, nunca li.Sinopse: "A rotina de um hotel na Riviera é abalada por uma notícia escandalosa. Uma mulher abandona o marido e as duas filhas, em nome de uma paixão por um jovem que havia acabado de conhecer. Este episódio despoleta uma acesa discussão entre os hóspedes do hotel e leva a Senhora C., uma aristocrata inglesa de sessenta e sete anos, a recordar um episódio secreto da sua vida que a tortura há mais de duas décadas. Vinte e quatro horas na vida de uma mulher é um relato apaixonante e intimista sobre a vida de uma mulher que se liberta das correntes do pudor e do preconceito social em nome de uma paixão avassaladora." (Fonte: A Esfera dos Livros).
Em 1942, o escritor e a mulher haviam-se suicidado em Petrópolis, no Brasil, país que os acolheu, no exílio. Antes tinham passado duas vezes por Portugal. O meu pai deve ter tido acesso à edição de 1937, com a chancela da Civilização, Porto, trad. Olando Alice. Terá sido um dos livros que mais o marcou na sua vida, a avaliar pelo número de vezes que o citava.
Em Cabo Verde, Luís Henriques foi contemporâneo dos pais de outros membros da Tabanca Grande, nossos camaradas (Hélder Sousa, Augusto Silva Santos, Luís Dias) ou amigos (Nelson Herbert)... Recorde-se os seus nomes:
- Ângelo Ferreira de Sousa (1921- 2001) (nascido no Cartaxo, a 28 de abril de 1921);
- Armando Duarte Lopes (1920-2018) (nasceu no Mindelo; emigrará depois para a Guiné, onde foi futebolista);
- Feliciano Delfim Santos (1922-1989) (esteve na ilha do Sal) (nascido a 22 de abril de 1922);
- Porfírio Dias (1918-1988) (esteve no Mindelo, quase 3 anos, entre julho de 1941 e maio de 1944) (nasceu em Lisboa, em 30 de julho de 1919).
(Continua)
22 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21282: Meu pai, meu velho, meu camarada (65): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III