Mostrar mensagens com a etiqueta Norberto Tavares de Carvalho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Norberto Tavares de Carvalho. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8941: Notas de leitura (290): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte I): Introdução (A. Marques Lopes / Luís Graça)





Capa do livro de Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011, 303 pp.  (Impresso  na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes.






1. Excerto do posfácio do nosso camarada e amigo A. Marques Lopes, ao livro de Norberto Tavares de Carvalho (pp. 249-251)

(...) Muitos ex-combatentes portugueses da guerra colonial na Guiné têm retratado por escrito as suas vivências, a maior parte com visão pessoalista do que lá passaram, mas vários com a noção de enquadramento dessa experiência ingrata no contexto da vida e do regime vivido, então, em Portugal, e alguns até com notável cunho literário. Há muitos livros.


Também no ciberespaço se encontram muitos blogues individuais com relatos de situações, transcrição de histórias das companhias, blogues colectivos com relatos, opiniões, interpretações. Todos com montes de fotografias. Há quem diga que é a catarse das angústias e perplexidades que marcaram uma juventude, mas eu vejo mais que é, como disse Rui de Azevedo Teixeira, "tempo de maturidade e apaziguamento".

O certo é que, com horizontes mais restritos ou mais amplos, é a história contada pelos seus intervenientes. E a iniciativa do Norberto Ta­vares de Carvalho, e a aceitação dela por parte do Bobo Keita, abre um caminho muito pouco percorrido "pelo outro lado": serem os combatentes do PAIGC a contarem também o que fizeram, o que viram, o que viveram durante a guerra, darem-nos a sua visão dos factos e situações. 

Luís Cabral escreveu, Pedro Pires também, mas foram dirigentes de topo com visão mais ampla, têm mérito como fautores e descritores da história sem dúvida. Mas o guerrilheiro e comandante no terreno Bobo Keita, habitante das matas e bases de guerrilha, parece-se mais com os portugueses que também calcorrearam as mesmas matas e foram atacados nos seus quartéis.

Era bom que houvesse mais outros a fazer o que ele fez. Muita da história ficará por contar, vai-se perder quando morrerem os velhos guerrilheiros. Em Abril de 2006 fui à Guiné-Bissau e, entre outras coisas, quis conhecer pessoalmente o comandante Lúcio. É que, era eu alferes, tínhamos andado os dois aos tiros, eu dum lado e ele do outro. Eu atacava a base dele em Sinchã Jobel e ele atacava os nossos destacamentos. Através de um amigo comum, o Pepito, consegui marcar um almoço com ele no Colete Encarnado em Bissau. Foi interessante,

Os dois maduros e apaziguados. Soubemos que eu tinha 21 anos e ele 23 quando lutámos nesse período da guerra. Também me disse que estava em Cabo Verde aquando do golpe do Nino Vieira em 1980, fiquei agora a saber que também sucedeu com Bobo Keita. "Estás a brincar. eu estou a escrever o meu livro!,  disse-lhe este quando interrogou o Lúcio Soares sobre o apelido da Quinta da Costa, como vem na entrevista. Talvez tenha sido depois deste meu encontro no Colete Encarnado ... Se tivesse sido antes, pode ser que eu conseguisse o que lhe pedi: que me contasse a versão dele de situações em que estivemos os dois.

Não consegui, com pena minha.

Não é fácil. Os portugueses, salvo raras excepções, escreveram livros e textos sobre a guerra só depois do 25 de Abril, já sem pressões, condicionamentos ou receios. Na Guiné-Bissau, com todas as complicações e convulsões ainda não apaziguadas, infelizmente, creio que se mantêm os receios. Sinal disso, parece-me, são as reticências e palavras vagas nas respostas do Bobo Keita às perguntas sobre o Nino, menos quando fala das diferenças entre as chefias da Frente Sul e as da Frente Norte, os peitos vermelhos, porque é uma questão de orgulho pessoal. 

Mas há outra razão, é claro: a tradição oral da generalidade do povo guineense, nomeadamente os mais velhos. O colonialismo, desprezando a educação dos gentios, contribuiu para a continuação dessa generalização e para que, agora, só as camadas mais intelectualizadas, mais jovens sobretudo, possuam outros meios de expressão. Nestas circunstâncias, de louvar o que fez o Norberto Tavares de Carvalho: ganhar-lhes a confiança e, de gravador na mão, ouvi-los falar. Quanto a Lúcio Soares, tenho esperança que a filha dele, que é formada em comunicação social, se disponha a fazer isso.

Para quem, durante a guerra colonial, lutou "do outro lado",  a leitura destas memórias do Bobo Keita tem um interesse muito especial. Porque estive em Cantacunda, em Banjara e na "base do Gazela" (que substituiu em Sinchã Jobel o Lúcio Soares quando este foi para o Morés), porque estive em Barro, na zona norte, entre Ingoré e Bigene. Revejo-me em muitas situações por ele contadas, pois passou também por esses locais. (...)



Porto > UNICEPE, Cooperativa Livreira de Estudantes > 24 de Setembro de 2011 > Norberto Tavares de Carvalho, na sessão de lançamento do seu livro. Foto: Cortesia de Coisas da Guiné, blogue de A. Marques Lopes.



2. Quem é ou quem foi o comandante Bobo Keita (1939-2009) ?


O próprio Norberto Tavares de Carvalho, "o Cote, guineense, filho da diáspora (vive na Suiça, desde há 3 dezenas de anos), já o tinha apresentado sumariamente, no blogue no Didinho, em 4 de Fevereiro de 2009, nestes termos:


(i) Filho de Fofana Keita, descendente do Mali, de confissão muçulmana, nascido na Guiné-
Conacri, tabanca de Dabis, região de Boké e de N’balia Turé, de origem Susso da parte
paterna e Pepel de Safim da ala materna;


(ii) Bobo Keita nasceu em Bissau no dia 24 de« Setembro de 1939;


(iii) O pai, alfaiate, preparou-o para seguir a profissão que, na época, era ambulante;   


(iv) Nasceu do bairro do Pilão, onde desde cedo mostrou habilidade para jogar à bola;


(v) "Um belo dia, na Granja de Pessubé, cruzou-se com um homem que todos chamavam 'Sr. Engenheiro e que tinha uma mulher branca'. O homem, divertido com a sua engenhosidade, ofereceu-lhe uma bola";


(vi) Joga pelo Benfica ded Bissau e  um dia é convocado para a selecção nacional da então Guiné Portuguesa para disputar um torneio de futebol na República do Ghana, ex-colónia inglesa que proclamara a sua independência no dia 6 de Março de 1957;


(vii) No Ghana, aos 17 anos,   conheceu o Presidente Kwame N’krumah, herói da independência; o  discurso de abertura do torneio, proferido no jardim
do palácio presidencial, teve o condão de despertar o jovem Bobo para a política;


(viii) Entra na clandestinadade, ao abandonar Bissau, no dia 26 de Dezembro de 1960, sob a orientação de Rafael Barbosa, dirigente do PAIGC, e rumar em direção  a Conacri, onde o esperava Amílcar Cabral;


(ix) "Uma formação de base político-ideológica sob o patrocínio do 'Engenheiro' e uma outra de cunho militar no ex-Leste Europeu, foram suficientes para galvanizar o espírito combativo do jovem alfaiate";


(x) Depois disso, tornou-se um guerrilheiro, puro e duro, palmilhou a Guiné de lés a lés, foi ferido duas vezes em combate, até se  tornar Comandante da Frente Leste;


(xi) "Último chefe de guerrilha que se entrevistou com Amílcar Cabral poucas horas antes do seu assassinato em Conacri, estaria presente em Boké aquando da captura de um dos
assassinos e a descoberta e libertação de Aristides Pereira, Secretário-Geral Adjunto do
PAIGC, amarrado no fundo do barco por Inocêncio Kani, que o transportava, disposto a
entregá-lo às autoridades portuguesas";


(xii) Membro do Conselho Superiro de Luta, desde Junho de 1973, fez parte da delegação do PAIGC que, depois do 25 de Abril,  participou nas negociações de Londres e de Argel, com a delegação portuguesa;


(xiii) Vindo do leste à frente das suas tropas, foi o primeiro comandante do PAIGC  a entrar em Bissau, em 8 de Setembro de 1974;


(xiv) Foi também ele quem escoltou, até ao avião, o último governador da Guiné,  Carlos Fabião;


(xv) "O golpe de estado de 14 de Novembro de 1980 surpreendê-lo-ia numa missão de serviço em Cabo Verde, na cidade da Praia"; 


(xvi) Não aceitando o golpe de estado de Nino, adaptou Cabo Verde como a sua segunda pátria;


(xvii) Morreu, em Portugal  [, julgo que no Hospital Amadora-Sintra], a 29 de Janeiro de 2009, vítima de  doença prolongada; o seu corpo foi traslado para Cabo Verde.


[Excertos selecionados e adaptados por L.G, que irá publicar, nos próximos dias, algumas notas de leitura, com referência às conversas com este antigo comandante e dirigente do PAIGC, pouco ou nada conhecido entre nós].


3. Quanto ao autor, Norberto Tavares de Carvalho, o Cote  [, foto a seguir, com um grupo de camaradas nossos], reproduzimos aqui uma nota autobiográfica, publicada no blogue da Tabanca de Matosinhosem tempos (31 de Março de 2009), em poste editado por A. Marques Lopes:



(i) Nasceu  em Taliuará, também
conhecida pelo nome de Ponta do Nhu Kôte,   perto de Xime, arredores de Bambadinca, no leste da Guiné, no dia 6 de Junho de 1952;


(ii) Ainda jovem, engajou-se na luta política, primeiramente nas fileiras do PAIGC como militante clandestino, e mais tarde nos meios intelectuais;


(iii) "Ainda sob o regime colonial foi preso em 1972 por ordem expressa do General Spínola, então Governador da Guiné, por ter liderado um levantamento estudantil em Bissau";


(iv) Preso de novo em 1973, por pertencer à rede clandestina do PAIGC, foi condenado a 3 anos de trabalhos forçados na Ilha das Galinhas, tendo sido libertado após o 25 de Abril;


(v) Com a independência, e após o golpe de estado do 14 de Novembro de 1980, foi preso por ter pertencido às forças da segurança como chefe dos serviços da migração;

(vi) Após a sua libertação, em Maio de 1983,  e sendo um opositor de 'Nino' Vieira, refugiou-se na Suíça;

(vii) Nesse país, "formou-se nas Altas Escolas Especializadas do domínio das ciências sociais. Em 1998, fez o seu Brevet Federal de Formador de Adultos na Universidade Operária de Genebra. É titular do Master Europeu em Mediação pelo Instituto Universitário Kurt Bösch, tendo consagrado a sua tese de diploma na reflexão de um dos problemas de maior importância dos nossos dias : a prevenção e a gestão de conflitos. A sua contribuição liga-se à volta dos métodos tradicionais africanos de gestão de conflitos e de reconciliação nos mecanismos nacionais e internacionais da mediação. Faz parte da lista dos Mediadores Civis do Estado de Genebra".

_________________


Nota do editor:


Último poste da série > 21 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8935: Notas de leitura (289): Ultramar - 1968: Quando Américo Thomaz percorreu livremente a Guiné (Mário Beja Santos)


sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8814: Agenda Cultural (157): Apresentação do livro De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho, dia 24 de Setembro de 2011, pelas 16 horas na UNICEPE, Porto

1. A pedido do presidente da direcção da Unicepe, que é seu amigo, o nosso camarada Vítor Junqueira (ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753, Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72) , em mensagem de hoje, 23 de Setembro de 2011, deu-nos conta da apresentação do livro De Campo em Campo, de autoria de Norberto Tavares de Carvalho, no próximo sábado 24 de Setembro, na cidade do Porto.

Passamos a dar notícia, baseados em elementos fornecidos pela editora. E saudamos o aparecimento do nosso camarigo Vitor Junqueira de quem há muito não tínhamos notícia.


Apresentação do livro De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho,  dia 24 de Setembro de 2011, pelas 16 horas, na UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, Praça de Carlos Alberto, 128-A.


DE CAMPO EM CAMPO, de Norberto Tavares de Carvalho


Trata-se de uma empolgante narrativa da guerra colonial, por alguém que a viveu de corpo e alma, do primeiro ao último momento. Futebolista nato, Bobo Keita cruzou-se no estrangeiro com o Presidente Kwame Nkrumah, do Gana, do qual ouviu a mensagem que o preparou para os lances que iria efectuar no campo político. Respondendo ao apelo de Amílcar Cabral, foi com elegância e convicção que fez a sua preparação militar num país do ex-bloco comunista.

Calculista, cedo entendeu que os amuletos não passavam de meras fantasias e passou a interessar-se pelos conhecimentos e técnicas mais ligados à lógica. "Não ouves o zumbido da bala que te ceifa a vida porque a sua velocidade é superior à do som."

Foi assim que o ex-futebolista se formou como militar no emaranhado de trepadeiras e lianas que formam o traiçoeiro solo da Guiné-Bissau. Lutou no Norte e no Leste, comeu ratos e macacos, bateu-se como um leão, foi ferido mas nunca perdeu o ânimo. Sobretudo depois da morte de Cabral.

Último Comandante a entrevistar-se com o Amílcar Cabral poucas horas antes da sua morte, Bobo Keita participou na captura do assassino e na libertação de Aristides Pereira.  Por outro lado, o domínio aéreo, outrora da exclusividade do exército português,  foi posto em causa, logo a seguir,  com o míssil Strela e o Grad, na primavera de 1973. 

A morte do líder viria a intensificar os campos de batalha até que, no dia 25 de Abril de 1974, deu-se o golpe de estado em Portugal, antecedente lógico que permitiu o desanuviamento tanto esperado.

Membro da delegação do PAIGC que participou nas negociações de Londres e de Argel, Bobo Keita afirma que o ambiente entre as duas delegações não foram sempre tão cordiais como se pretendeu. Para ilustrar um desses momentos de tensão, foi quando perante um impasse a delegação do PAIGC anunciou que ia regressar e retomar a guerra. O Dr Mário Soares teria elevado a voz,  frisando bem alto: "Guerra, guerra, vocês só pensam na guerra...!".

Com a assinatura dos Acordos de Argel, os homens de Cabral regressaram efectivamente mas para preparar a fase de transição da retirada do exército português. Foi assim que, no dia 13 de Outubro de 1974, Bobo Keita escoltava, com o devido brio e respeito, o último Governador Colonial da Guiné, o Brigadeiro Carlos Fabião que ia apanhar o avião que o conduziria a Portugal. A cena marcou o fim da guerra colonial na Guiné e também o fim desta empolgante narrativa. (Fonte: Adapt. de Unicepe)


O Autor (segundo ele próprio)

Nasci na Guiné-Bissau onde fiz os meus estudos primários, secundários e universitários. Em Novembro de 1972, estudantes travaram-se de razões com o General António de Spínola. Pus-me logo à cabeça do movimento. Do palácio do Governador fui conduzido à prisão da PIDE/DGS. Solto, criei a minha célula juvenil paralelamente às minhas actividades no seio de militantes do PAIGC que operavam em Bissau. Preso em Maio de 1973, fui condenado a 3 anos de trabalhos forçados. O "25 de Abril" restituiu-me a liberdade. Pude então dar corpo às minhas tendências poéticas e literárias. Participei na primeira Antologia dos poetas da Guiné-Bissau. Chefe do Departamento da Cultura da Juventude Africana Amílcar Cabral (1977-1980), Chefe dos Serviços da Migração (1978-1980), fui preso na sequência do golpe de estado do 14 de Novembro de 1980 na Guiné-Bissau. Após 36 meses de isolamento e 6 meses de trabalhos forçados, fui libertado. Com o pretexto de retomar os meus estudos universitários interrompidos, em 1983 abandonei o meu país e emigrei-me para a Suiça. Diplomado no Instituto dos Altos Estudos Especializados de Genebra, professor e Master Europeu em Mediação, trabalho como funcionário e faço parte da lista dos Mediadores Civis do Estado de Genebra. Sou fundamentalmente Combatente da Liberdade da Pátria.

(Fonte: Unicepe)

************

UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL
Praça de Carlos Alberto, 128-A
4050-159 PORTO
Telefone (351) 222 056 660
Unicepe@net.novis.pt
http://www.unicepe.com
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8805: Agenda Cultural (156): Exibição do filme Quem vai à Guerra, de Marta Pessoa, dia 30 de Setembro de 2011 no Centro Cultural da Malaposta, Olival Basto

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7300: (In)citações (21): 14 de Novembro de 1980, uma data que mudou a vida do meu país e a minha (Nelson Herbert)

1. Comentário do nosso amigo Nelson Herbert [, foto à esquerda,] ao poste P7281:


Mais Velho Rosinha:


Lembro-me perfeitamente,  aos meus 17 anos, dessa noite por sinal, a mais longa da minha vida...

Por várias razões,  pessoais e familiares. Foi uma noite que enlutou a minha familia... um orfão, um bebé de apenas um ano, para cuja educação, sem ressentimentos e ódios, fui chamado a contribuir já no exterior da Guiné. Hoje é um engenheiro licenciado aqui,  nos Estados Unidos, entretanto há anos radicado na Suécia !


Tratar-se-ia pois do primeiro, de duas crianças, membros da minha família, orfãos, vítimas das purgas internas do PAIGC. A segunda é uma jovem formada em Administração de Empresas na Africa do Sul, hoje residente em Angola...


Portanto,  a noite de 14 de Novembro não só alterou o curso da história da Guiné,como acabou por influir no destino e nos projectos da minha vida, como jovem...

Foi por sinal a noite em que o cine-teatro UDIB exibia o filme "Estado Sítio" [État de siège, de Costa-Gravas, 1972]... Se não me falha a memória, um filme retratando também ele um golpe de estado militar algures na América Latina... 


Antecipando a sessão, os primeiros tiroteios aconselhavam a um recolher obrigatório...E a sessão ficou adiada.. 


Sabe que ainda hoje,  algures nos meus arquivos pessoais da Guiné, conservo o bilhete de cinema desse dia, na esperança de um reembolso (Ah Ahhhh)? Aqui pelos States virou hábito vasculhar os clubes de vídeo americanos, em busca de uma cópia do filme, a que não cheguei a assistir !

Foi igualmente a noite em que,  a escassos metros da minha casa, e tendo como alvo uma residência vizinha, um violento tiroteio e explosões envolvendo disparos de tanques e de armas automáticas, punham fim à vida de António Buscardini [1943-1980], o ex-chefe da secreta do governo de Luís Cabral...

A noite mais longa... e de insónias !


Como na época era proibido contrariar os ânimos e os próprios argumentos justificativos do golpe militar (aliás,  sobre este aspecto o meu conterrâneo Cherno Baldé [ e não Djaló, lapso do Nelson] referiu-se em tempos de forma precisa num post deste blog à então unanimidade reinante entre os guineenses nessa matéria), entre o querer ficar mas ter que partir, havia uma opção a ser feita !

Foi pois igualmente a noite determinante da minha decisão de, apesar de jovem, procurar outros rumos mais além. Para tal foi apenas necessário alguns meses de um compasso de espera, o tempo suficiente para a conclusão do ano lectivo e consequentemente do 2º  ano do curso complementar (o antigo 7º ano dos Liceus).


Na altura eu era um jovem professor integrante das então brigadas Chico Tê, a de jovens professores ao serviço da massificação da educação e do ensino na Guiné !


Portanto a todos os níveis, incluindo episódios que por enquanto prefiro manter reservados, a noite de 14 de Novembro de 1980  acabou por alterar não apenas o rumo da Guiné Bissau (*)...mas também o meu próprio destino e projecto de vida ...

Mantenhas

Nelson Herbert
Washington DC,USA
__________________


Notas de L.G.:


Último poste desta série > 13 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7272: (In)citações (25): 14 de Novembro, às 10h30, na BBC, mais um Remembrance Day (António Martins de Matos)


(*) Vd. também o depoimento de Norberto Tavares de Carvalho, "O Cote" (que esteve com  Buscardini antes de este morrer) na página de Didinho: Resistência e morte de António Alcântara Buscardini, 6/10/2006. Em Março de 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje, conheci pessoalmente a viúva de Buscardini, Isabel. Era então ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria.


Sobre Norberto Tavares de Carvalho, que foi preso  na sequência do golpe de Estado de 'Nino' Vieira, vd. o poste de 10 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3125: História de vida (14): Norberto Tavares de Carvalho, O Cote: do PAIGC ao exílio (A. Marques Lopes)


Sobre Buscardini (e o seu papel no processo que levou ao fuzilamento dos ex-Comandos Africanos, em 1977/78), ver ainda o site do seu sobrinho, António Buscardini, e em especial um extenso extracto de declarações de André Gomes, chefe do departamento do Estado-Maior da Guiné-Bissau,  em Novembro de 1980, "no Comissariado do Interior no pós-golpe de Estado conduzido pelo ex- Comissário-Principal do Presidente Luís Cabral, 'Nino' Vieira"...


Infelizmente, o webmaster não cita a fonte bibliográfica, em suporte de papel ou em suporte digital, donde extrai as sinistras e arrepiantes declarações do dirigente do PAIGC sobre os fuzilamentos de 1977/78 (e nomeadamente os de Nhacra), encenadas ou não, obtidas sob coacção ou não, mas com o propósito de incriminar Luís Cabral, António Buscardini e outros, que pertenciam à facção derrotada em 14 de Novembro de 1980.

O material foi colocado na página pessoal (Polonii, plural de Polon, Poilão),  de António Buscardini, filho de José Manuel Buscardini, e  sobrinho do antigo homem forte do regime de Luís Cabral, em 5/7/2007. Presumo que a fonte original seja o Nô Pintcha, o órgão do PAIGC, que passou a estar alinhado com a facção vencedora.  Uma das medidas mais mediáticas tomadas pelos vencedores do 14 de Novembro de 1980 foi a de tentar 'diabolizar' o regime de Luís Cabral,  com a 'revelação' das valas comuns  de Porto Gole, Farim, Cumeré e Nhacra, contendo os restos mortais de cinco centenas de guineenses, executados sumarimente como contra-revolucionários, 10% dos quais pertenciam ao antigo Batalhão de Comandos Africanos.

Recorde-se que este destacado militante do PAIGC, André Pedro Gomes, um dos braços direitos de Buscardini,  era o comandante da guerrilha na região  de Caboiana/Churo, aquando do chamado massacre do chão manjaco, em 20 de Abril de 1970.

Em 17 de Fevereiro de 1968, terá sido ele a chefiar o comando que flagelou, com foguetes (Katiusha),  o aeroporto de Bissau.

Em 1972 era um homem da inteira confiança de Amílcar Cabral, membro do Comité Executivo da Luta e Comandante da frente Nhacra – Morés.

Em 31 de Dezembro de 1980, um mês e meio depois do golpe de Estado,  o Nô Pintcha noticiava o seu "suicídio" na prisão...Enfim, há mais referências, no nosso blogue (II Série), ao André Pedro Gomes...

domingo, 10 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3125: História de vida (14): Norberto Tavares de Carvalho, O Cote: do PAIGC ao exílio (A. Marques Lopes)


O Cor DFA Ref A. Marques Lopes, nosso amigo e camarada, juntamente com o Norberto Tavares de Carvalho, O Cote, que nasceu no Xime, foi líder estudantil no tempo de Spínola, preso pela PIDE/DGS em Novembro de 1972, comndenado em 1973 a três anos de prisão com deportação para o campo de concentração da Ilha das Galinhas, e finalmente libertado em Maio de 1974... Vive exilado na Suíça, desde 1983, na sequência do golpe de 'Nino' Vieira, em 1980
Fotos: © A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem de A. Marques Lopes, com data de 5 de Agotso:

Caros camaradas

No início das minhas férias (que já acabaram, ai, ai...) encontrei-me com um amigo guineense que veio de visita a familiares que tem em Portugal. Chama-se Norberto Tavares de Carvalho, "O Cote" (*). Tem uma história interessante.

Entre 1970 e 1973 foi estudante da Escola Industrial e Comercial de Bissau, tendo também trabalhado, em 72 e 73, como acompanhante na Ponte Cais de Bissau (trabalho nocturno); em 2 de Novembro de 1972 foi preso pela PIDE, por ordem expressa do General Spínola, na sequência de uma greve dos estudantes; em 8 de Maio de 1973 foi novamente preso pela PIDE, tendo sido condenado, em Setembro desse ano, a 3 anos de prisão e deportação para a Ilha das Galinhas (campo de concentração na Guiné para presos políticos). Foi libertado a 3 de Maio de 1974, na sequência do 25 de Abril.

Após a independência, foi dirigente da Juventude Africana Amilcar Cabral, tendo também trabalhado como funcionário público nos Arquivos da Segurança do Estado, entre Novembro de 1974 e Setembro de 1978, e sendo Comandante do Departamento Central da Migração em 1978-1980; foi preso em Novembro de 1980, depois do golpe de Nino Vieira de 14 de Novembro desse ano, tendo sido deportado, em Dezembro de 1982, para trabalhos forçados na ilha de Carache (nos Bijagós). Foi libertado em 1 de Maio de 1983, tendo fugido para o Senegal em Julho desse ano.

É exilado político na Suíça desde Novembro de 1983.

A alcunha de "O Cote" foi-lhe dada pela PIDE, disse-me ele. Os seus pais eram empregados de um alemão, de nome Cote, que estava na Guiné, e começaram a chamar-lhe assim. E é o nome por que ficou conhecido entre os seus camaradas do PAIGC.

Está a preparar um trabalho sobre aspectos da história da Guiné-Bissau, dizendo-me que encontra questões de muito interesse no nosso blogue, de que é leitor assíduo. Perguntei-lhe, já depois do nosso encontro, se podia enviar as fotografias em que estamos juntos bem como a sua estória. Respondeu-me que não vê inconveniente nenhum, "antes pelo contrário, a honra é minha" e "Fique djamtum e que a Tabanca Grande continue a se expandir pelo blogue fora".

Penso que é de publicar o que vos conto.

Abraço

A. Marques Lopes


2. Nova mensagem do A. Marques Lopes, com data de 8 de Agosto:


O Norberto de Carvalho, "O Cote", enviou-me esta correcção:

Excelente, gostei do meu curriculum. Só um pequeno pormenor, pois devo ter-me explicado mal, ou pouco: os meus pais não trabalharam para um alemão, não. É que eles moravam em Xime e, nesse dia 6 de Junho de 1952, data do meu nascimento, resolveram ir para Bambadinca onde haviam parteiras que podiam melhor ajudar no parto. Só que, chegados na "Ponta do Sr. Côte", uma horta há alguns quilómetros de Xime, para quem vai para Bambadinca, o bébé já estava aí! Tiveram que fazer uma alta e a mulher, assistida pela esposa do dono da horta, teve o seu bébé aí mesmo.

O Sr. Côte, dono da horta, de origem alemã (e libanês), ouvindo finalmente o bébé chorar, foi bater à porta do quarto onde o parto se desenrolava e perguntou à sua mulher, (num crioulo sem falhas):
- É rapaz ou rapariga?

Como a resposta foi "rapaz!", o agricultor decidiu que se chamaria Côte, como ele. Não foi lá muito democrático para o recêm-nascido, mas enfim, o patrónimo foi respeitado até hoje. Mas olhe, Marques Lopes, isto é para si, quanto a mim pode deixar o texto tal como está para ser publicado no blogue. Este é um pequeno pormenor sem incidências quaiquer. Avise-me quando o Luís Graça passar o curriculum no blogue. A propósito, explique-me como localizar no blogue o seu trabalho sobre a guerra colonial na Guiné. Devo confessar que me perco um pouco nas minhas buscas no site. Vai um abraço amigo."


Tinha-me pedido, para o trabalho que está a fazer, uma cópia do livro do Alpoim Calvão, De Conakry ao MDLP. Enviei-lho hoje. Recomendação aos editores, especialmente ao Luís Graça, que ele refere: dêem atenção a este caso. É uma relação de interesse para a tertúlia, um guineense da luta que poderá participar.

A. Marques Lopes

____________

Nota de L.G.:

(*) O Norberto Tavares de Carvalho tem publicado, desde Maio de 2006, diversos textos na página de Fernando Casimiro (Didinho). Já aqui pubicámos um desses textos, com a devida autorização do Didinho: 22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2203: Artistas guineenses (2): José Carlos Schwartz (Didinho/V.Briote)