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segunda-feira, 30 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18880: Notas de leitura (1087): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2018:

Queridos amigos,

É um romance invulgar, inegavelmente com suporte histórico. Assistimos ao evoluir de mentalidades de homens formados para o dever e para o cumprimento estrito na fidelidade militar. Eles vão evoluindo num cenário de guerra, móvel, caprichoso, cobrindo-se de glória e ruminando a dor de perdas, assistiremos ao fragor das operações e aos gritos dos sinistrados. E da fé inabalável chegaremos à compreensão de que aqueles combates tinham chegado a um beco sem saída e que depois do fim da guerra houvera dispersão, desistência e silêncios, muitos silêncios.

Oxalá que Nuno Mira Vaz não perca este filão do romance com paraquedistas, esta operação ganhou-a bem.

Um abraço do
Mário


Um romance sobre os paraquedistas no declínio do Império (2)

Beja Santos

“Máscaras de Marte”, de Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2018, é um romance histórico, com uma arquitetura bem escudada numa memória que vem do Colégio Militar, grandes amigos de armas encontram-se na Guiné no período de 1972 a 1974, a narrativa percorre as lides e andanças desses Oficiais Paraquedistas e suas tropas, há a crueza das operações, a brutalidade dos sinistros, a farronca daqueles que querem ser heróis à força, a mudança de mentalidades daqueles que acreditaram piamente no dever e na fidelidade aos princípios e que se apercebem que está ali um mundo vulcânico, um parturejar de país, que nenhum espírito combatente já pode obstar.

A roda da fortuna deu uma guinada para os acontecimentos que ocorreram a partir de 25 de março de 1973, um míssil terra-ar Strela marca a sua presença no teatro de operações, de forma sucinta o autor relata tais factos e descreve o que está a mudar, em tal onda de perplexidade, o PAIGC concentra efetivos nas fronteiras Norte e Sul, vai começar o inferno em Guidage, Guilege e Gadamael.
Escreve Nuno Mira Vaz:

“O deslocamento do esforço militar português para Sul acabou por ser aproveitado pelo PAIGC junto à fronteira Norte. Sem que tivesse transpirado pitada para os Serviços de Informações Militares ou para a DGS, o PAIGC concentrou seis centenas de guerrilheiros em redor de Guidage, mantendo como ponto de apoio principal para a manobra de cerco a base de Cumbamory, em território senegalês. Aqui, à ordem do Comandante Francisco Mendes (Chico Té) e tendo como comissário político Manuel dos Santos (Manecas), permaneciam o Grupo de Foguetões do Norte, um grupo de artilharia e um grupo de reconhecimento. Na zona de Cufeu, barrando a estrada entre Binta e Guidage, instalou-se o Corpo de Exército 199/B/70; na região de Facar, a Oeste, posicionou-se o Corpo de Exército 199/A/70; e o Corpo de Exército 199/E/70 dividiu-se em dois segmentos: um em reforço do Corpo de Exército 199/B/70 na zona de Cufeu e outro na defesa da base de Cumbamory”.

Em Guidage estão a CCAÇ 19 e um pelotão de artilharia, são 200 elementos. A partir de 8 de maio, irá apertar-se o cerco com minas anticarro, colunas de reabastecimento que são obrigadas a regressar, emboscadas inclementes, bombardeamentos sobre o destacamento, impede-se o abandono com enérgica intervenção de um destacamento de fuzileiros e graças à energia indómita do Tenente-Coronel Correia de Campos. A 17 de maio, vai uma Companhia de Paraquedistas que sai de Binta e que se desloca a corta-mato, mas o inimigo está à espreita, é dia de luto para a Companhia, mas entram em Guidage.

Há igualmente a retirada de Guilege e os tempos de provação que se irão viver em Gadamael, no meio de um fogo infernal desembarca ali, vinda expressamente de Caboxanque, outra Companhia de Paraquedistas. Neste ínterim, a artimanha montada pelo Capitão Rosado, que acumulara armas do PAIGC que seriam depois referenciadas em sucessivos relatórios eivados dos seus autoproclamados feitos heróicos e com apreensão de armamento do PAIGC é descoberta pelo Major Alves, o aldrabão de feira e pesporrente Rosado pretende vingar-se do Cabo Quarteleiro Azinheirinha, o autor deixa-nos aqui páginas expressivas, assim:

“Percebeu então que Azinheirinha, produto das planícies e amante da quietude e do silêncio, era um falso lento: ao mesmo tempo que recuava um passo, fazia voar a mão esquerda ao encontro do braço do capitão. Só quem teve o pulso agarrado por uma manápula de cavador é que pode compreender a sensação de estar aprisionado numa tenaz de aço. Com a incredulidade estampada no rosto, Rosado demorou menos de um segundo a reagir com o outro punho, mas não obteve melhor resultado, porque a mão livre do Azinheirinha procedeu exatamente como a sua irmã. Durante um espaço de tempo que pareceu desmesurado a ambos, ficaram frente a frente, separados por centímetros, o capitão com as feições desfiguradas e vermelhas de raiva e o soldado sem pinga de sangue, lívido de inquietação”.

Sucedem-se episódios que fazem parte da História dos últimos atos da guerra colonial, caso do Congresso dos Combatentes, que mereceu um vigoroso abaixo-assinado de protesto, militares altamente condecorados diziam não reconhecer aos organizadores a necessária representatividade e não admitiam que pela sua não participação fossem definidas posições ou atitudes que pudessem ser imputadas à generalidade dos combatentes.

Spínola regressa à Metrópole, começa a contestação da legislação que permitia oficiais milicianos a ingressar num quadro especial de oficiais, foi enorme a reação, aqui germina a formação do MFA. A guerra prossegue, Mira Vaz descreve uma operação destinada a destruir um quartel do PAIGC nas imediações de Bedanda, são páginas muito sentidas.

E assim se chegou ao fim da guerra, aqueles militares briosos, as máscaras de Marte, entram num ocaso:

“Um deles desligou-se rapidamente do serviço ativo e regressou à terra natal para colaborar na gestão do património familiar. Não foi uma única vez a Tancos para festejar o Dia dos Paraquedistas. Aquele que fora um dos mais genuínos apoiantes do MFA foi preso no 11 de março. Reabilitado no 25 de novembro, foi promovido paulatinamente até ao posto de tenente-coronel, tendo então passado à reserva. No dia 23 de maio de cada ano vai em peregrinação a Tancos, para um convívio sempre estimulante com os seus antigos camaradas. Lê cada vez menos e tem-se aproximado de Deus, na mesma medida em que se tem afastado dos homens.

O capitão que não assinou o documento esteve quase a ser saneado na sequência do golpe militar. Subiu sem entusiasmo todos os degraus da hierarquia até coronel. Vai com frequência a Tancos, mas a alegria que sente na companhia dos antigos camaradas é sempre ensombrada por certas lembranças infaustas. Há dias em que se arrepende de não se ter oposto pelas armas ao abandono do património português de além-mar.

Aquele em relação ao qual nunca se conseguiu apurar, sem margem para dúvida, se assinara ou não os documentos mais importantes do MFA, esteve quase a chegar a general. Quando a promoção parecia iminente, alguém foi aos arquivos desenterrar um certo documento, foi decidido que ele não tinha condições para a promoção. Quando passou à reforma, fez questão de comparecer aos festejos do dia 23 de maio. Mas, fosse por causa do seco acolhimento dos camaradas, ou porque não aguentava ser figura secundária, passado dois anos deixou de ir a Tancos”.

Um imprevisto romance envolvendo capitães paraquedistas na Guiné, importa saudá-lo pelo conteúdo e a forma. E pedir ao seu autor que prossiga na senda da ficção.
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Notas do editor

Poste anterior de 16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18850: Notas de leitura (1084): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18872: Notas de leitura (1086): "Heróis limianos da Guerra do Ultramar", de Mário Leitão, ed. autor, Ponte de Lima, 2018, 272 pp. Um ato de pedagogia cívica e patriótica, que devia ser replicado em todas as nossas terras

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18850: Notas de leitura (1084): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
O Coronel de Cavalaria Paraquedista Nuno Mira Vaz tem já um expressivo número de títulos publicados, nesta obra de ficção, mas com cunho histórico, posiciona três amigos na Guiné, em 1972, mesmo com efabulações, está ali a história do BCP 12, as suas glórias e os seus mortos e feridos.
Um romance de arquitetura sóbria mas que abre mão para se entender a evolução das mentalidades destes oficiais para-quedistas no decurso da guerra. Nem ali falta um grande safado que é o António Rosado, alguém que aspira receber a medalha de Valor Militar, faz todas as manigâncias para lá chegar.

Um abraço do
Mário


Um romance sobre os para-quedistas no declínio do Império (1)

Beja Santos

A diferentes títulos, “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz, Fronteira do Caos Editores, 2018, merece aqui ser saudado como romance de fortes ressonâncias históricas, em Bissalanca, no Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12 (BCP 12), se irão encontrar camaradas de armas, alguns andavam no Colégio Militar, todos cursaram na Academia, desde 1961 que a África em fogo é o magneto que os atrai. Quem desencadeia as hostilidades para que a História progrida é Eduardo Azaruja, é recebido pelo Comandante de Batalhão, que o inteira da situação política. Em abril desse ano (1972) membros da Comissão de Descolonização da ONU tinham permanecido nas chamadas regiões libertadas da Guiné-Bissau, fizera-se uma operação para os lados de Guileje, com êxito relativo; reunira-se uma Assembleia Nacional Popular do PAIGC, a Guiné caminhava para a declaração unilateral da independência; Spínola reajustara o mapa da guerra, voltava-se em peso ao Cantanhez. Os paraquedistas andam permanentemente afobados, desta feita até vão abrir quartéis e neles permanecer, como uma tropa macaca.

Aparece um amigo de Eduardo, Francisco Meireles, vêm as recordações do Colégio Militar. Azaruja é apresentado à sua Companhia, reencontra o Sargento-Ajudante Carlos Pardal. E depois chega o Capitão Alexandre Albuquerque, o Alex, o círculo de amigos está quase retomado. A Companhia 122 parte para o Cubisseco, é a estreia operacional de Azaruja, é nos preparativos que ele vai recordando os acontecimentos de abril de 1971, em Angola. Nuno Mira Vaz tem a preocupação de ir situando cada um destes oficiais desde a formação até ao evoluir da guerra, Meireles, por exemplo, viveu a queda do Estado Português na Índia, ficou marcado pelos acontecimentos. Entre os amigos há confidências e queixumes pelos atos operacionais inaceitáveis.

Num jantar, Albuquerque conta aos amigos:

“Cheguei há três dias de Sare Bacar com a Companhia. Estivemos lá mais de um mês. Uma tabanca minúscula, encostada à fronteira do Senegal, uma meia dúzia de quilómetros a Oeste de Pirada. A nossa missão era impedir um ataque, que estaria iminente, do PAIGC. Exatamente contra quê, ou contra quem, nunca nos foi explicado. Também ninguém parecia saber ao certo por que motivo os atacantes iriam cruzar a fronteira justamente naquele local, sabendo, porque não podiam deixar de saber, que nós ali estávamos. Mas o Comando-Chefe estava seguro de que o caminho para o ataque passaria ali nos próximos três ou quatro dias. Com alguma rapidez mas pouco afinco, cavámos umas valas. Passados os primeiros quatro dias sem que algo de anormal ocorresse, apareceu-nos um Tenente-Coronel a informar que o ataque tinha sido adiado, mas desta vez o Comando-Chefe não tinha dúvidas: seria dentro de dois ou três dias. Entre as certezas dele e os desenganos sucessivos fornecidos pela realidade, passou para cima de um mês. Ao fim de uns dias já ninguém aguentava o atum e as sardinhas de conserva. Ali não aconteceu coisíssima nenhuma. Nem ao menos uns tirinhos para justificar as medidas de segurança. Se vos dissessem, na Metrópole, que se podia despachar uma Companhia de paraquedistas para a fronteira com o Senegal e mantê-la lá durante um mês a olhar para as moscas, vocês acreditavam?”

A narrativa vai-se entremeando com os episódios do ingresso destes jovens como paraquedistas, avultam operações, os oficiais assistem à morte dos seus soldados. É nisto que entra em cena a ovelha negra do rebanho, Rosado, Nuno Mira Vaz irá fazer dele o símbolo da abjeção, alguém que aspira, socorrendo-se dos meios mais desprezíveis, em ser condecorado com a medalha de Valor Militar. António Rosado viera de um seminário para a Escola do Exército, tem um belo perfil militar, quase instintivamente os outros oficiais fogem dele.

É nesta atmosfera de vai-e-vem operacional que os paraquedistas vão ser hipotecados na implantação de três destacamentos militares no Cantanhez – em Caboxanque, Cadique e Cafine, seria a reocupação de uma região onde as forças portuguesas não atuavam desde 1969. Rosado entusiasma-se, vai ter clima propício para a sua ambicionada medalha de Valor Militar. Como o romance está dentro de coordenadas históricas, Nuno Mira Vaz descreve a primeira reocupação militar do Cantanhez, em janeiro de 1968, e a decisão de Spínola de ali retirar as tropas a pretexto do reajustamento do dispositivo militar. Efetivamente, a operação Grande Empresa terá um grande investimento dos paraquedistas, várias Companhias de Caçadores desembarcam em Cadique, em Caboxanque e em Cafal, os paraquedistas estão permanentemente operacionais, patrulham, emboscam, assaltam. Rosado elabora um relatório destinado a autovangloriar-se e a pôr o Comandante do Batalhão nos píncaros.

E o autor comenta o que a Grande Empresa está a provocar:

“Por toda a área do Cantanhez, mesmo nos locais mais afastados dos aquartelamentos, as populações regressavam às moranças tradicionais ou apresentavam-se nos aldeamentos construídos pela engenharia militar, a princípio desconfiadas, hesitantes, numa reserva que as impedia de manifestar entusiasmo pelas casas novas, pelos poços de onde brotava água potável ou pelas escolas onde os militares lhes ensinavam os rudimentos do português e da matemática. Aos poucos foram-se abrindo, os militares incentivaram-nas a fazer-se representar por conselheiros eleitos em assembleias onde se discutiam formas de melhorar as condições de vida e, passado algum tempo, tudo o que acontecia nas tabancas tinha o aval dos habitantes, ainda que em registos diferentes, pois com as populações que habitavam em locais afastados das guarnições militares nunca se estabeleceu o mesmo grau de confiança recíproca que a proximidade alimentava. Mas no final de março de 1973, Caboxanque era, depois de Tite e de Pirada, a localidade que, em toda a Guiné, tinha maior afluência de população não residente, para efetuar trocas comerciais ou para consultar o médico-militar”.

A tropa macaca recolhia e reinstalava as populações negras, os paraquedistas patrulhavam o exterior dos quartéis, patrulhava-se igualmente um afluente do Cacine, o PAIGC manifestava-se sobretudo com bombardeamentos espaçados.

Inopinadamente, este quadro da reocupação do Cantanhez vai ser alterado, surgiram os mísseis, vão seguir-se, no romance de Nuno Mira Vaz novas formas do inferno da guerra.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18841: Notas de leitura (1083): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (43) (Mário Beja Santos)/a>

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18613: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (23): um paraquedista, uma enfermeira paraquedista e um maluquinho das máquinas voadoras... O que faziam em Monte Real, no sábado, dia 5 de maio ?







Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 >  Jaime Bonifácio Marques da Silva, Giselda Antunes Pessoa e Mário Leão

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O que é que têm em comum estes três camaradas nossos ?  

Bom, a Giselda era a única camarada presente em Monte Real, no sábado. Como se sabe, foi enfermeira paraquedista no TO da Guiné, entre 1972 e 1974... É casada com o coronel piloto aviador reformado, Miguel Pessoa... Costumamos chamar-lhes o casal mais 'strelado' do mundo... O Miguel apanhou com um e teve de ejectar-se, em 25 de março de 1973... A Giselda teve mais sorte, apanhou com dois, de raspão, mais tarde...

O Jaime foi alf mil paraquedista, no BCP 21, em Angola, entre 1970 e 1972. Era (e é) muito amigo da Rosa Serra, também enfermeira paraquedista. Estiveram os dois juntos em Angola. A Rosa Serra e as restantes enfermeiras paraquedistas foram homenageadas há dois anos, em Fafe, segunda terra, por casamento, do Jaime.  Foi na edição de 2016 do "Terra Justa - Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade". A ideia partiu do Jaime.

Em Fafe, o nosso grã-tabanqueiro lourinhanense casou, teve dosi filhos, trabalhou como professor de educação física, foi autarca, com o pelouro da educação e cultura. Por doença da esposa, fixou-se definitivamente na sua terra natal, Seixa, Lourinhã, onde o casal, reformado, vive agora.

Desinquietei-o para vir a Monte Real. Nunca tinha vindo, mas costuma estar atento ao que se passa com os ex-combatentes, quer da FAP, quer do Exército, quer da Marinha. É sócio, inclusive, da AVECO . Associação dos Veteranos Combatebentes do Oeste, com sede na Lourinhã.

O Jaime veio, comigo e com a Alice, e gostou. E era o único paraquedista presente, além da Giselda. Trouxe inclusive 2 garrafas de aguardente vínica da Região Demaracada da Lourinhã. Foi com imensa alegria e sentido de partilha que ele abriu as duas garrafas e deu-a a  provar a mais de  três dezenas de camaradas presentes, no fim da refeição, depois do almoço. Foi um sucesso e um momento alto do nosso encontro: a maior parte dos camaradas desconhecia este produto da nossa terra, que é único no mundo, a par do Cognac e do Armagnac...

O Mário Leitão, hoje farmacêutico reformado, foi por sua vez  professor na Escola Superior de Enfermagem de Viana do Castelo. E é piloto civil  (com 300 e tal horas de voo)... Não sei se ainda é, depois de um grave acidente sofrido há uns anos. Tem, enfim, o "bichinho" dos aviões. Tal como o Jaime, que foi para os paraquedistas, porque lhe garantiram que saltar de paraquedas podia ser um dos melhores prazeres da vida... Andou muito a penantes no Norte e no Leste de Angola.  E tem guerra que chegue para contar aos filhos e netos....

E a Guiné? Tem quase meia centena de referências no nosso blogue, o que dá uma ideia do que temos em comum. É membro da nossa Tabanca Grande, vai a caminho da meia centena de referências no nosso blogue.

Não sei do que estavam a falar o Jaime e a Giselda quando lhes tirei estas "chapas"... Mas é fácil de adivinhar. O Mário, por sua vez, estava a preparar-se para oferecer dois dos seus livros ao casal Miguel & Giselda.

Aqui fica as fotos, para memória futura.

LG.
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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18079: (In)citações (113): Mário Leitão aos microfones da Rádio Ondas do Lima: Ninguém fica para trás!... Seis heróis limianos ainda continuam sepultados em terras de África: 1 no cemitério de Bissau, e os restantes em cemitérios de Moçambique (Mueda, Vila Cabral, Nova Freixo)


Capa do livro "História do Dia do Combatente Limiano", 
da autoria de Mário Leitão, edição de 2017.



Ponte de Lima > Singelo mas comovente monumento de Homenagem aos combatentes limianos. inaugurado em 24 de agosto de 2013

Fotos (e legendas: © Mário Leitão (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem de [António] Mário Leitão [ex- Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), 1971 a 1973; membro da nossa Tabanca Grande; autor do livro "História do Dia do Combatente Limiano"

Data - 9/12/2017
Assunto - Soldados limianos sepultados em África

Caro Luís Graça, querido amigo e camarada! Um grande abraço!
Acabei há poucos minutos de ler este pequeno texto na Rádio Ondas do Lima, numa rubrica semanal chamada ALMA LIMIANA.

Ele também se refere ao Soldado José Peeira Durães, sepultado em Bissau em campa bem referenciada.

Julgo que a sua divulgação no nosso blogue será da maior importância.
Obrigado pelo excepcional trabalho da tua equipa!
Outro abraço!
Mário Leitão
(Grão-Tabanqueiro 741, infiltrado)


PS - As referências numéricas referem-se aos meus aquivos, conforme serão publicadas no próximo livro HERÓIS LIMIANOS DA GUERRA COLONIAL. Até já, Professor!


2. Mário Leitão aos microfones da Rádio Ondas do Lima: Ninguém fica para trás!

As televisões e os jornais noticiaram anteontem o regresso dos restos mortais de um militar português que morreu em combate em Angola, em 19 de Setembro de 1962, e que por lá ficou sepultado durante 54 anos. Trata-se do Soldado Paraquedista António Silva, natural de Lobão da Beira, no concelho de Tondela, que pertencia ao Regimento de Caçadores Paraquedistas de Tancos e que morreu em Úcua, tendo sido enterrado em Luanda.

Com o regresso deste soldado, os Paraquedistas portugueses cumpriram finalmente o seu lema NINGUÉM FICA PARA TRÁS, tão apregoado pelas Forças Armadas Portuguesas, mas atraiçoado sucessivamente ao longo de mais de meio-século pelos altos comandos militares e pelos sucessivos governos de Portugal. De facto, agora já não há nenhum paraquedista fora do território nacional, porque este foi o último corpo a ser resgatado. No entanto, jazem em África, ao que se diz, mais de dois mil corpos de soldados de Portugal! São mais de dois mil lutos por fazer! São mais de dois mil gritos de dor permanente que esmagam dia a dia as suas famílias!

Trago aqui hoje esta questão, porque o tema encaixa perfeitamente no alcance desta crónica chamada ALMA LIMIANA, como facilmente poderia explicar. Mas também porque ele faz parte de uma das maiores preocupações da minha vida actual: o registo histórico da participação limiana na Guerra Colonial,

Naturalmente, os caros ouvintes não sabem que há 6 rapazes de Ponte de Lima que ficaram sepultados em África. Vou REPETIR: Naturalmente, os nossos ouvintes desconhecem que existem 6 corpos de soldados limianos que ficaram abandonados em África!

São 6 Heróis Limianos que deram a vida ao serviço de Portugal, mas que ficaram abandonados por aqueles que gritavam a torto e a direito que NINGUÉM FICAVA PARA TRÁS! Este assunto deveria estar na ordem de trabalhos dos nossos políticos eleitos, quer a nível autárquico quer a nível nacional, mas infelizmente não faz parte das suas preocupações.

Grande parte dos políticos portugueses tem uma deficiente carga cultural, quer sob o ponto de vista da qualidade quer no que respeita à quantidade. Temos provas disso todos os dias, a começar por presidentes de junta e a terminar em ministros, e por isso não lhes passa pela cabeça que é um dever da Pátria resgatar os corpos dos seus filhos que por ela morreram. Mas os chefes militares também têm culpa, porque têm poder suficiente para exigir aos governantes que corrijam essa injustiça.

O Professor Dr. Luís Graça, da Escola Nacional de Saúde Pública, já em Abril/2008, a seguir a uma Grande Reportagem da SIC/Visão intitulada NINGUÉM FICA PARA TRÁS, dava notícia dos esforços desenvolvidos pela Liga dos Combatentes para resgatar os restos mortais de muitos soldados mortos na Guerra do Ultramar. Através do seu blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, o País vai sendo sensibilizado pouco a pouco para essa colossal tarefa de resgate, que deveria ser um ponto de honra para qualquer governo.

Ora, a este propósito , lanço novamente o meu apelo através da Rádio Ondas do Lima para que o nosso Concelho se mobilize para resgatar os restos mortais dos seus soldados que jazem em solo africano, cujos nomes são os seguintes (conforme constam no livro publicado em 10 de Junho deste ano, intitulado História do Dia do Combatente Limiano):


José de Araújo Sendão, 
natural de Santa Cruz,
 morto em Combate aos 23 anos, 
sepultado em Vila Cabral, Moçambique;


Manuel Fiúza Parente das Bouças, 

natural de Moreira, 
falecido em combate aos 22 anos de idade, 
sepultado em Vila Cabral, Moçambique;


José Narciso Vieira Rodrigues, 
natural de Anais, 
morto em combate com 22 anos, 
sepultado em Mueda, Moçambique;


Domingos da Sila Araújo, 
da Vacariça, Refoios, 
morto em combate em Nova Freixo, norte de Moçambique, 
onde está sepultado;


José Pereira Cerqueira, 
do lugar do Paço, Vitorino das Donas, 
morto em combate com 23 anos, 
sepultado em Vila Cabral, Moçambique;


José Pereira Durães, 
natural de Abelheiras, 
Vitorino de Piães, 
falecido com 22 anos em Mansoa, Guiné, 
e sepultado no cemitério de Bissau.

Portanto, faço daqui um apelo aos presidentes das Juntas das Freguesias de Santa Cruz, Moreira, Anais, Refoios, Vitorino das Donas e Vitorino dos Piães para que honrem o cargo para que foram eleitos e iniciem rapidamente o processo para resgatarem estes seus conterrâneos do esquecimento. 

Esses Heróis têm o direto de regressar à terra natal, de modo a permitirem a conclusão do luto que foi adiado durante tantos anos! E essas freguesias têm o direito de se sentirem honradas e confortadas com o regresso dos seus filhos martirizados pela Guerra do Ultramar. O bem-estar social não é apenas o saneamento básico, os caminhos alcatroados e a cozinha farta! A felicidade das populações alicerça-se, sobretudo, no conforto do dever cumprido! Cumpramos, pois, o nosso dever!

Pela minha parte, podem contar com todo o meu apoio e com a ajuda de muitas instituições e de gente que vive angustiada com este problema.

Não deixemos estes Heróis Limianos abandonados em África!

Obrigado e muito bom dia para todos os ouvintes.
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Nota do editor:

Último postes da série > 24 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18011: (In)citações (112): A Tabanca Grande, a Guerra “de libertação”, que tarda em acabar para os bissau-guineenses e a marca dela nos ex-combatentes do continente (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17303: FAP (101): Agora num expositor... Aventuras de um capacete... E não só... (Miguel Pessoa)



O Tenente Pilav Miguel Pessoa iria ser recuperado um dia depois de se ter ejectado do seu Fiat G-91 atingido por um míssil Strela


Com a devida vénia ao Blogue da Tabanca do Centro e ao nosso camarada Miguel Pessoa, Coronel Pilav Ref (ex-Tenente Pilav da BA 12, Guiné, 1972/74), reproduzimos o Poste 906 daquele Blogue:

AGORA NUM EXPOSITOR... AVENTURAS DE UM CAPACETE… 
E NÃO SÓ…

Miguel Pessoa

Há tempos foi publicado neste blogue um Poste (P866) da autoria do meu camarada Alberto Roxo da Cruz, em que ele relatava as peripécias que envolveram a sua ejecção e recuperação nas matas da Guiné. Dessa história - que naturalmente conhecia, pois eu também estava lá… - fixei uma frase ali escrita: “Aí, apercebi-me que tinha perdido o capacete, que estava com o francalete bem justo, assim como a máscara e a viseira colocadas. Quem quiser, que experimente retirar o capacete da cabeça, nestas circunstâncias. Nós tentámos essa experiência e ninguém conseguiu!”

A cena da perda do seu capacete na ejecção, essa desconhecia-a. Mas é em tudo igual ao que me tinha acontecido meses antes no Sul da Guiné, quando também tive que me apear dum Fiat G-91 em andamento… No meu caso não dá para relatar a minha descida em paraquedas pois não me lembro de nada entre o disparo da cadeira de ejecção e a recuperação da consciência uns minutos (?) depois da queda.

Esses pormenores já os relatei anteriormente no blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné" (podem ver aqui) .

Sobre o capacete, posso assegurar que também eu tinha a máscara de oxigénio colocada, o francalete devidamente ajustado e a viseira em baixo. Mesmo assim, o facto é que o capacete se foi embora durante a ejecção, o que mostra a brutalidade desta medida de emergência…

O que não contei então é que, mais tarde, em conversas tidas com o Gen. Paraquedista Norberto Bernardes (meu camarada e amigo desde os tempos da Academia Militar em 1965) me foram relatadas as peripécias da recuperação desse meu capacete, encontrado no mato pelo grupo que ele comandava (então como Capitão), inclusive com recurso a um ramo para ver se o IN o teria armadilhado…

Bom, como quem procura tem prioridade, no fim desse dia o meu amigo Bernardes estava na posse do meu capacete… e do meu paraquedas, os dois em razoável estado de conservação.

Magnânimo, o Norberto Bernardes propôs-me decidir qual a peça que eu gostaria de recuperar, ficando ele com a outra. Optei por ficar com o paraquedas, que achava ser uma boa recordação; afinal, iria ter um capacete novo quando voltasse a voar. E assim se fez: Eu guardei o paraquedas e o Norberto Bernardes levou o capacete para a sua casa.

Passados uns bons anos, parece que tivemos ambos um rebate de consciência – Afinal, lá em casa as peças não tinham grande préstimo, seria mais interessante se estivessem expostas num local em que pudessem ser apreciadas por outras pessoas.

Foi assim que em determinada altura o Norberto Bernardes me informou que tinha oferecido o meu capacete para ser exposto no Museu da Base Escola de Tropas Paraquedistas, em Tancos.


Achei a ideia interessante e resolvi oferecer o meu paraquedas ao Museu do Ar, da Força Aérea, oferta essa que acabou por não se concretizar por “falta de espaço para exposição do material” (palavras do responsável, que me escuso de comentar…).

Desde há muitos anos, principalmente desde a data da minha recuperação, os Paraquedistas têm sido uma família para mim, com quem gosto de me dar e que sempre me recebem bem.

Foi por isso que em 2006 naturalmente resolvi oferecer o meu paraquedas ao Museu da Base Escola de Tropas Paraquedistas, onde hoje repousa na companhia do meu capacete, após uma longa separação de 33 anos, iniciada no longínquo ano de 1973…


Com um abraço especial ao Norberto Bernardes, um camarada por quem tenho grande amizade e consideração, lembrando também com saudade outro camarada que foi essencial na minha recuperação, o Cap. João Cordeiro, falecido num trágico acidente num salto de paraquedas, poucos meses mais tarde.

Miguel Pessoa
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17183: FAP (100): Um DO no charco do Como, história inserta no livro "Nos, Enfermeiras Paraquedistas" (Miguel Pessoa / Giselda Pessoa)

segunda-feira, 20 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17159: Notas de leitura (939): "Irmãos de Armas", por António Brito, Clube de Autor, 2016 (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Março de 2017:

Queridos amigos,
António Brito é um dos nomes consagrados da literatura da guerra colonial, devemos-lhe uma obra-prima titulada Olhos de Caçador, seguramente associado à sua experiência de paraquedista, foi combatente em Moçambique e participou em algumas das mais importantes operações em território moçambicano.
Para quem duvida que esta literatura já disse o que tinha a dizer, "Irmãos de Armas" irá surpreender os mais exigentes e os mais céticos, é um notabilíssimo romance, os Rolling Stones vão ser conhecidos desde as suas infâncias duríssimas, vamos acompanhá-los em operações arriscadíssimas e assistir ao seu triunfo, e depois o definhamento no regresso.
Como se escreve na capa do livro, a guerra transformou-os em matilha de caçadores, ninguém os treinou para viver em paz.
Que grande romance!

Um abraço do
Mário


"Irmãos de armas", por António Brito: 
Um notabilíssimo romance sobre a guerra colonial, do antes ao depois

Beja Santos

“Irmãos de Armas”, por António Brito, Clube de Autor, 2016, é um romance assombroso, daqueles que vai constar no conjunto das obras incontornáveis da literatura da guerra colonial. Devemos a António Brito uma obra-prima, um dos seis mais de sempre, "Olhos de Caçador", um herói paraquedista em Moçambique. Em Irmãos de Armas voltamos a Moçambique, vamos acompanhar a ascensão e a queda dos seis Rolling Stones, as pedras rolantes com quem se podia contar para as operações mais temíveis. Iremos à infância dura de todos estes futuros paraquedistas, no final seremos convocados para ajuizar a sua hecatombe e a homenagem que lhes prestam as mulheres amadas, mas nem sempre consideradas.

O narrador é Alex Baldaia, o alferes que comandou esta unidade combatente que percorreu os territórios mais arriscados de Moçambique, para destroçar operações da FRELIMO, arruinar-lhes equipamento de vária ordem ou laquear-lhes as redes de abastecimento. Alex vai remexer na cinza fria ao escrever o seu caderno de memórias em que um punhado de heróis condecorados, ao regressar, se tornou numa lista de pobres diabos dispersos na multidão, alucinados, traumatizados, desencontrados, delituosos.

Tudo vai começar no Dondo, Moçambique, em Setembro de 1970. A unidade dos Rolling Stones vai viver experiências emocionantes. Logo no Planalto dos Macondes, é aí que vão conhecer Filipe Maltês, Milhafre de seu nome de guerra, um piloto de helicóptero que será o companheiro de todas as sagas. Vão resgatar um desertor da FRELIMO, traz no alforge segredos comprometedores para a guerrilha. Logo o leitor irá mergulhar no horror da guerra, e arrepiar-se com as consequências na morte de um gato. Os nomes dos Rolling Stones só terão importância para lhes conhecermos as vicissitudes da vida civil, no antes e depois. No horror da guerra eles dão pelo nome de Jonas, Marradas, Cochise, Lince, Príncipe, movem-se com metralhadoras, bazucas e granadas diversas. A narrativa é compulsiva, uma autêntica montanha russa entre jovens que fogem da miséria, que emigram para os locais mais inacreditáveis mas também os mais acreditáveis, desde a América dos Peles Vermelhas até ao Barreiro. Transformaram-se em máquinas de guerra, toda esta narrativa buliçosa, explosiva, todo este linguajar de caserna socorre-se de prosopopeia, parágrafos rápidos, secos e disparados para meter o leitor no âmago das andanças, verdadeiras correrias na caça ao homem. Vamos conhecendo-lhes o passado, entremeado por cartas ou diários de mulheres influentes que quebram na trama narrativa o choque dos combates, das perseguições, das matanças. Os Rolling Stones devem ser tidos em alto conceito pelos comandos das forças armadas, dão-lhes as missões mais arriscadas, pelo caminho destroem tudo e põem as colunas guerrilheiras viradas do avesso.

Príncipe é um alferes paraquedista culto, medularmente líder, de instinto felino, um verdadeiro irmão mais velho desta pequena fraternidade. Movem-se como enguias, estes Rolling Stones, desembaraçados e expeditos, percebemos melhor a naturalidade do seu heroísmo quanto mais lemos sobre o que passaram na infância, como se endureceu o coiro e se fez um saber de experiência feito. É essa uma das notabilidades da narrativa de António Brito, não há tempo a adormecer ou esfriar a leitura, ou estamos nas profundezas de um Portugal paupérrimo ou saltamos de helicóptero para entrar na mata na caça ao homem ou resgatar algum dos nossos, que até pode ser piloto de helicóptero ou de T6. Liquida-se um grupo na Tanzânia e destrói-se todo o armamento, a escrita é envolvente e ribombante:
“Um vómito de terra e árvores jorrou do solo e elevou-se no ar. O chão fendeu-se em rasgões bárbaros, os túneis romperam-se como tripas podres cheias de peidos, vomitando gases, golfadas de trotil e ferro. Toneladas de morte destinada aos portugueses fundiram-se num pulsar da retina. Um eco de catástrofes espalhou-se pelas encostas, atordoando o vale. Reverberou mesmo depois de o solo em ruínas ter morrido desfigurado.
Da arriba nada restou. A aba encostada às cabanas ruiu como um bano falido. Naquele sítio a geografia mudara de lugar. Os mapas terão de ser refeitos.
Espalhados pela encosta, em cima das árvores, distinguimos restos de empenagens de rockets, aletas de granadas de morteiro, ferragens de metralhadora, motores de propulsão dos Strela.
Saímos dali com o coração num alvoroço.
Tínhamos aniquilado a morte”.

Este grupo de mosqueteiros audazes aproveita as pausas para frequentar bordéis, beber cervejolas, comer do bom e do melhor. Assiste ao desenvolvimento da guerra, a FRELIMO já não está só no Norte, avança para o Sul e Oeste de Moçambique, mais uma razão para os Rolling Stones destruírem corredores de abastecimento e pôr os guerrilheiros em fuga. Há quem já esteja a fazer segundas comissões, caso do sargento Sorraia, um homem da lezíria que não se ajeitou à vida de casado na Ribeira de Santarém, gosta de espalhar a sua adrenalina, não teme as balas nem a sede nem os reencontros com os frelimos.

Findo o heroísmo, em Fevereiro de 1972, regressam e a paz foi para todos eles uma tragédia. “Juntos sobrevivemos a mortes e desvarios, realizámos façanhas de epopeia que nos transfiguraram para sempre. Sabíamos que se fôssemos vivos, estivéssemos perto ou longe, não íamos faltar à chamada. Nisso podemos estar seguros, promessa feita a um camarada que combateu ao nosso lado, nos remendou as feridas do corpo e nos carregou às costas, dura mais que um talho rasgado na pedra bruta”. Alex fará a demanda de todos os seus camaradas. E no fim, para pasmo do leitor, serão as mulheres dos Rolling Stones que se encontram para os lembrar. O país de onde partiram ignora-os.

António Brito com Irmãos de Armas vem recordar-nos que a literatura da guerra colonial ainda está de muitíssimo boa saúde.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de março de 2017 > Guiné 63/74 - P17151: Notas de leitura (938): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XIII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [IV]: o fim de uma odisseia

sábado, 3 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16795: Agenda cultural (527): Convite para a sessão lançamento do meu livro "Irmãos de Armas", dia 12 de Dezembro às 18h30, no El Corte Inglês de Lisboa, 7º piso, (António Brito)

1. O Cor M. Barão da Cunha reenviou-nos o convite que passamos a publicar da autoria de António Brito, que nasceu em 21 de Novembro de 1949 e aos dezoito anos alistou-se nas tropas pára-quedistas, onde permaneceu quatro anos, tendo sido mobilizado para Moçambique, combateu nalgumas das mais importantes operações militares contra a FRELIMO (1969/71).




CONVITE >  Lançamento do livro de António Brito




Caro Cor. M. Barão da Cunha

Dia 12 de Dezembro, 2ª feira, às 18h30, no El Corte Inglês de Lisboa, 7º piso, vamos realizar o lançamento do meu novo livro IRMÃOS DE ARMAS.

Uma história inédita de combatentes, contada antes, durante e depois da guerra.

A apresentação será feita pelo cineasta António-Pedro Vasconcelos.

Será uma honra poder contar com a sua presença.

Se for razoável fazê-lo, pedia-lhe a gentileza de tornar extensivo este convite, reenviando-o, aos membros da Tertúlia Fim do Império.

Receba um abraço de amizade.

António Brito






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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


1 DE DEZEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16786: Agenda cultural (520): Porto, Unicepe, 5 de dezembro de 2016: às 18h15: apresentação do livro do nosso camarada Paulo Salgado "Guiné: crónicas de guerra e amor".

Ver também as postagens sobre o mesmo autor em:

8 DE OUTUBRO DE 2008 > Guiné 63/74 - P3283: Memórias literárias da guerra colonial (5): Olhos de Caçador, de António Brito, ex-pára-quedista, Moçambique, 1969/71

12 DE JUNHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14737: Notas de leitura (727): “Olhos de Caçador”, de António Brito, Porto Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

3 DE JULHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14830: Notas de leitura (733): “Sagal, um herói em África”, de António Brito, Porto Editora, 2012 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16539: Os nossos seres, saberes e lazeres (177): 28 segundos de fama, adrenalina e felicidade de avô... Cernache, Coimbra, o meu primeiro vídeo de um salto em paraquedas... (Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72)

Vídeo (0' 28'') alojado em You Tube > Luís Graça


Cernache, Coimbra, 25 de setembro de 2016... Paulo Santiago que há 4 anos tirou o curso de paraquedismo ("abertura  automática"), só agora tem um vídeo de um salto...

Escreveu ele: "Nos 4.000 pés... Abraço ao meu instrutor, Avelino Cruz, meu amigo e camarada da Guiné.... Mais ou menos à mesma hora, eu voava, e na maternidade, nascia a minha neta...bela!!!"

Foto e vídeo: Cortesia do Paulo Santiago / Avelino Cruz (2016)


1. Mensagem,  com data de 28 de setembro último, de Paulo Santiago [, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho e Bambadinca, 1970/72]:


Luis, boa tarde

Tenho um pequeno vídeo no Facebook,  relativo a um salto que dei no passado domingo, dia 25.

Como deves saber, saiu no blogue, há quatro anos tirei o curso de Paraquedismo ("abertura automática").  Se tivesse menos uns anos, ainda iria para a "queda livre"...

Até hoje, não tinha qualquer vídeo dos saltos. Foi o "largador" que filmou os breves segundos. O salto foi em Cernache, Coimbra. 

Coincidência, quase à mesma hora do salto, nascia, na maternidade Daniel de Matos, a minha neta.

Se achares o vídeo bom para "saberes e lazeres" podes publicar.Como não sei se é possível sacá-lo do facebook,vou reencaminhar-te o mail onde ele se encontra.

Abraço. Paulo

PS -  A neta é mesmo minha,vem da minha filha...

2. Comentário do editor:

Paulo,  duplos, triplos, múltiplos  parabéns!... Por estares em boa forma, pelo salto, pela neta!... Boa continuação da jornada da vida... Obrigado pelo vídeo... Como vês, está editado (no You Tube).... É a tua prova de vida. E um exemplo para os demais camaradas da Tabanca Grande que já queixam do peso dos anos... Nunca é tarde para saltar... até de paraquedas!....Abraço grande. LG
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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16533: Convívios (771): III Encontro de Paraquedistas, Bombarral, 2 de outubro de 2016, comemorativo dos 60 anos da criação das tropas paraquedistas em Portugal (1956-2016).


III Encontro de Paraquedistas, Bombarral, 2 de outubro de 2016, comemorativo dos 60 anos da criação das tropas paraquedistas em Portugal (1956-2016).

Inciativa com apoio da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste,l com sede na Lourinhã, e Associação de Pára-quedistas Tejo Norte, com sede em Oeiras, além do município do Bombaral.

Prazo para inscrições: até 28 de setembro de 2016
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Nota do editor:

Último poste da série > 22 de setembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16515: Convívios (770): Encontro do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh S/R 2199 (Cufar, 1970/72), dia 8 de Outubro de 2016, no Porto (Luís de Sousa)

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13593: Convívios (625): I Encontro de paraquedistas do Oeste... Lourinhã, 6 de setembro de 2014... Parte IV: Saltos de paraquedas no estádio municipal... Revivendo emoções fortes


Vídeo (0' 26'')




Vídeo (0' 16'')

Lourinhã > 6 de setembro de 2014...I Encontro de Paraquedistas do Oeste > Saltos de paraquedas no estádio municipal local... Foram três saltos que fizeram reviver emoções fortes a muitos dos presentes (que têm brevet mas deixaram de saltar há muito)... Os jovens paraquedistas (civis)  que saltaram eram dois rapazes e um rapariga.. Lamento não saber a que escola ou associação pertencem...




Lourinhã > 6 de setembro de 2014...I Encontro de Paraquedistas do Oeste > Saltos de paraquedas no estádio municipal local > Entre a assistência, em primeiro plano, à direita, o Jaime Silva e a esposa Dina... À esquerda, um dos furrieis do seu grupo de combate, da 1º CCP / BCP 21 (Angola, 1970/72)...  Este camarada (aqui acompanhado da esposa) veio de Aveiro, e é já um velho amigo do Jaime (um dos organizadores do encontro).


Lourinhã > 6 de setembro de 2014...I Encontro de Paraquedistas do Oeste > Saltos de paraquedas no estádio municipal local >  Aspeto parcial da assistência... Este espetáculo foi possível graças à conjugação de um,a série de boas vontades... Mesmo assim é preciso pagar o avião. etc. O grupo seguiu depois para o restaurante "O Braga", no Vimeiro, a 5 km da vila da Lourinhã.  O almoço de convívio teve 114 inscritos.


Fotos e vídeos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.

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sábado, 19 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13418: Convívios (615): I Encontro de Paraquedistas do Oeste, dia 6 de Setembro de 2014, no Vimeiro (Lourinhã)



I ENCONTRO DE PARAQUEDISTAS DO OESTE

6 DE SETEMBRO DE 2014 NO VIMEIRO (Lourinhã)

Os PARAQUEDISTAS, sócios da AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste - (Associação aberta a todos os Combatentes dos três Ramos das Forças Armadas), estão a organizar o I ENCONTRO DE PARAQUEDISTAS DO OESTE que terá lugar no próximo dia 6 de setembro de 2014 no Restaurante Braga, no Vimeiro (Lourinhã).

Este Encontro tem como objetivo juntar, num saudável convívio, todos os que tiveram a coragem de conquistar, com o seu esforço e sacrifício, o direito de usar uma BOINA VERDE e, também, o prazer de se poder lançar livremente da porta de um avião em pleno voo.

Este encontro será aberto aos familiares e amigos dos PARAQUEDISTAS.

No grupo dos nossos AMIGOS, que gostaríamos que estivessem connosco no Vimeiro, incluímos, também, todos os camaradas de Armas dos outros Ramos das Forças Armadas que, de algum modo, estiveram ao nosso lado e nos apoiaram nas inúmeras operações que os PARAQUEDISTAS realizaram em África.

Lembro os camaradas da Marinha (Fuzileiros e Marinheiros), os camaradas da Força Aérea (Pilotos e Mecânicos dos aviões e helicópteros e de outras especialidades) e os do Exército (as Companhias que nos acolheram e apoiaram em pleno mato, bem como as companhias de Comandos com quem partilhámos muitos sacrifícios em África).

Na Guiné, em Angola e Moçambique, nos momentos difíceis de apoio mútuo ou de convívio salutar, fizemos muitos e bons amigos que se prolongaram até hoje, na nossa vida. É por isso que gostaríamos, também, de os rever e de os ter connosco no Vimeiro.

O ENCONTRO terá, pelas onze horas, um momento de grande significado para todos nós que participámos na Guerra em África, quando evocarmos junto ao Monumento dos Combatentes na Lourinhã a memória dos nossos camaradas que tombaram ao serviço de Portugal. Entre eles está o Paraquedista Carlos Alberto Ferreira Martins, morto na Guiné em 15.4.1971.

Todos, serão bem-vindos. 
Jaime Silva 
(1.ª CCP – BCP 21 /1970 – 1972)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13417: Convívios (614): Rescaldo do último Encontro da Tabanca da Linha, levado a efeito no passado dia 17 de Julho de 2014 em Cascais (José Manuel Matos Dinis / Manuel Resende)

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13171: Efemérides (155): O baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau na Associação Comercial, Industrial e Agrícola, em 5 de junho de 1965: "Alto lá e pára o baile!" (depoimentos de Virgínio Briote, João Parreira e Luís Rainha)



Guiné > Bissalanca > 1966 > Comandos a caminho de Bafatá, junto ao Dakota para operações na região do Xitole.


Marcelino da Matam, então 1º cabo,  é o primeiro da esquerda, na segunda fila, de pe.  O alf mil Briote é o segundo, a contar da esquerda, da primeira fila. O Capitão Rubim (hoje cor art na reserva) é o 6º da primeira fila, também a contar da esquerda.

Guiné > Bissalanca > 1966 > Comandos a caminho de Bafatá, junto ao Dakota para operações na região do Xitole. São essencialmente elementos do Gr Cmds Diabólicos, de que era comandante o nosso querido amigo, camarada, grã-tabanqueiro e editor (jubilado) Virgínio Briote, para quem mandamos um xicoração fraterno e que esperemos reencontrar em Monte Real, no dia 14 de junho próximo.


Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitios reservados [Edução: LG]


1. Vai fazer 50 anos, para o ano, o célebre baile dos finalista da Escola Técnica de Bissau (e não propriamente do Liceu  Honório Barreto), que ficou bem gravado na memória de alguns dos camaradas que pertenceram aos comandos do CTIG (Brá, 1965/66) como foi o caso dos nosso grã-tabanqueiros Virgínio Briote (, um histórico do nosso blogue, como autor e coeditor), João Parreira e Luís Raínha...

O Virgínio e o João já publicarm, na I Série, em 2005, a sua versão dos acontecimentos dessa noite, em que um grupo de militares, comandos e outros, forçaram a entrada no baile, por vol,ta das 2 h da manhã, e travaram-se de razões com os organizadores.  Os desacatos que se seguiram obrigaram à intervenção da Polícia Militar e da PSP. No final, acabou tudo à boa maneira portugesa, com umas porradas para uns bodes expiatórios e pedidos de desculpa do governador Schulz à Associação.

Não nos compete julgar o comportamento de nenhuma camarada nosso, de acordo com o espírito e a letra das nossas  normas editoriais.  Cenas destas passaram-se na metrópole, envolvendo civis e militares. Mas. neste caso, estamos num território em guerra, e numa cidade, Bissau, ainda em pleno desenvolvimento, mas com sinais de crispação entre os militares, metropolitanos, e a elite crioula...

Juntamos aqui 3 depoimentos, de camaradas nossos que estavam lá nessa noite: além do Virgínio e do João, o Luís Rainha (que é também o fundador., administrador e editor principal do blogue Comandos da Guiné- 1964 a 1966, co-editores: Júlio Abreu e João Parreira, os três também membros da nossa Tabanca Grande).

Os acontecimentos tiveram lugar na Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau, mesmo nas barbas do Governador Arnaldo Schulz.

Não encontrámos até à data nenhuma versão da parte dos civis,  organizadores do baile ou da direção da associação, muito menos do PAIGC (que ocupa hoje este edifício, de resto o melhor edifício da Bissau colonial, segundo a conceituada especialista em arquitetura colonial  estadonovista, a Ana Vaz Milheiro, já aqui vátias vezes falada).

Não sabemos de eventuais ligações, nesta época, ao PAIGC; por parte da direção ou de alguns membros dos corpos sociais da Associação Comercial e Industrial de Bissau, como parece insinuar o Luís Rainha no seu depoimento. O EliséeTurpin foi secretário-geral desta  Associação, de 1973 a 1976,  e não em 1965 (como já escreveu algures o Virgínio Briote), O que é mais espantoso é como é que o homem conseguiu escapar às malhas da PIDE/DGS, vivendo à luz do dia em Bissau... Nunca foi preso... Afinal tratava-se, nada mais nada menos, de um dos fundadores do PAIGC, em 1956!... Só há uma explicação, quanto a mim: a escola de resistência do PCP-Partido Comunista Português, de que o Elisée Turpin também era (ou tinha sido) militante...

Esta junção dos três textos, para além de uma homenagem aos seus autores (e muito em particular ao nosso editor jubilado Virgínio Briote que superou um grave 'roblema de saúde, do foro oftalmológico, ainda não há muito tempo) , é também uma forma de dar a conhecer melhor, aos nossos leitores mais recentes (ou "piras"),  o ambiente que se vivia em Bissau, em meados de 1965,  no tempo do Arnaldo Schulz, o general que antecedeu o António Spínola.



Guiné > Bissau > s/d > Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 144". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal). O melhor edifício da cidade, segundo Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura colonial estadonovista. É hoje sede... do PAIGC!

Foto: © Agostinho Gaspar / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine   (20q0). Todos os direitios reservados [Edução: LG]



Guiné > Brá (?) > Setembro de 1965 >  Virgínio Briote, ao centro, tendo à sua esquerda o Marcelino da Mata e o Azecedo e *a sua direita o Black e o Valente

Foto: © Virgínio Briote (2005). Todos os direitios reservados [Edução: LG]


(i) A versão (ligeiramente ficcionada) do Virgínio Briote
ex-alf mil, comando, cmdt do Gr Cmds
Diabólicos (CTIG, Brá, 1965/66)

[Os parênteses retos, em itálico,  são da responsabilidade do editor,  LG]

Morreu um tipo de um país qualquer, o Salazar decretou 3 dias de luto e lá estamos nós a ouvir música de mortos com a nossa bandeira a meia haste. Custa-me engolir estas histórias quando os nossos mortos estão a ser ignorados.

Fala-se no próximo baile de finalistas, que vai ser uma festa de arromba! Alguns dos nossos vão roncar com as namoradas ou com os arranjinhos. O Uva   [, João Parreira,] anda todo satisfeito, até o Quintanilha, aquele alferes dos páras, mandou vir da metrópole um fato de cerimónia.

Quando estive de férias na metrópole logo a seguir à formação dos grupos, os Fantasmas accionaram uma mina e foi o que se sabe, 9 dos nossos já lá estão. Entre eles,  o meu grande amigo Artur. Morrem-nos 9 homens e a Emissora Nacional continua a twist e ié-ié. É isto que me custa engolir, estão a ouvir? E ainda por cima, cabo-verdianos e alguns sectores guineenses não vêem com bons olhos a nossa presença nas festas deles!

Mas que raio estava aqui a fazer? A Guiné não lhe estava a dizer nada, não a sentia como sua, até se sentia um intruso. Até com os civis brancos, poucos, duas dúzias se tanto, sentia-se sem convite.

Na esplanada do Bento, a 5ª Rep, como também era conhecida , bebia cerveja com mancarra, num grupo de 5 ou 6 comandos e páras. Um terá dito que naquela noite, na Associação Comercial de Bissau, havia o baile dos finalistas do Liceu [,  ou melhor, Escola Técnica de Bissau]. Outro lembrou-se de perguntar se alguém recebera convite. Eu não, tu não, aquele também não…Ninguém se lembrou de nós, como pode ser? Queres ir?

Dentro da Associação, no enorme salão de baile, finalistas e familiares todos animados a dançarem, com o Toni ao piano. Quando os viram entrar em fila, alto lá e pára o baile!... Depois, ninguém soube bem como tudo começou…

A princípio, as frentes pareciam bem delimitadas, os participantes em festa de um lado e a meia dúzia de intrusos do outro. Com o decorrer das hostilidades, as duas partes em confronto clarificaram-se ainda mais. Entre vivas ao camarada Presidente Amílcar, um pelotão da PM  entrou por ali dentro, despachou tudo o que lhe apareceu pela frente, trinta e tal tipos com escoriações para o hospital, a polícia civil e a pide também metidas. Vidros e loiças em cacos, cadeiras e mesas partidas, uma noite que nunca mais acabava.

Mesmo em frente ao Palácio do Governo, onde, soube-se depois, da janela, o Governador [, gen Arnaldo Schulz,] via aqueles gajos darem-lhe cabo da psico. Uma vergonha!

Os acontecimentos na Associação Comercial alteraram o ambiente na cidade. A desconfiança entre a população negra, cabo-verdiana e a tropa, os nervos crispados, a porcaria mais ou menos submersa, subiu tudo. Tentava-se levar a vida normal, mas via-se pouca gente nas ruas, sobretudo à noite. A PM aumentara os patrulhamentos. O PAIGC, como lhe competia, aproveitava e tirava dividendos.

Nos dias a seguir ao sucedido choveram exposições no Palácio, sete, dissera todo cheio de importância o ajudante de campo do Governador. O General Shulz recebera numerosas individualidades civis, apresentara desculpas formais à Associação Comercial e aos finalistas, prometera pagar os prejuízos, tomar providências enérgicas, o habitual nestes casos.

Em Brá, o capitão [, da CCmds / CTIG, Nuno Rubim,]  interrompeu os desenhos que estava a fazer quando o viu entrar. Começou por lhe dizer que as saídas para a cidade estavam proibidas. Depois, pediu-lhe explicações. Que se tudo tinha acontecido como se contava, que não tivesse dúvidas que haveria consequências. O Governo da Província estava a ver o programa de pacificação a andar para trás, que aguardasse o auto de averiguações, que era tudo, chutara o capitão, cada vez mais longe dele e dos outros. Logo a seguir deu-lhe ordem para ir para o Xitole, o grupo deveria manter-se lá até nova ordem, sem mais detalhes. Bater a zona, procurar o IN, dar-lhe caça, para que é que havia de ser?

Embarcaram num Dakota até Bafatá, depois apanharam boleia numa coluna auto que os levou para Fá, rumo ao Xitole, numa coluna a abarrotar de abastecimentos.

Até Fá Mandinga o percurso foi-se fazendo. Depois, até ao Xitole, foram sempre debaixo de chuva, os quilóemtros nunca mais acabavam, as viaturas civis que aproveitaram a boleia não estavam preparadas, metiam-se na lama até à carroçaria. O Corubal parecia o Atlântico quando o atravessaram. Chegaram no outro dia à noite, com os reabastecimentos reduzidos a metade, alguns destruídos pelas águas, outros desapareceram, ninguém soube dizer como.

Mantiveram-se lá quase 3 semanas, contactaram com o IN nas proximidades do Galo Corubal, em Satecuta [, subsetor do Xitole, na maregm direita do Rio Corubal]  , sem consequências para além de trocas de tiros à distância.

Da estadia no Xitole o que os marcou mais foi a chuva. E o toque a silêncio, tocado à noite por um profissional da corneta. Um solo de requinta, de arrepiar!

Percurso inverso, quase a mesma história, com a diferença de ter sido feito a pé até Bambadinca.

Dias depois em Brá, um capitão procurou-o, queria ouvi-lo para o tal processo que estava a decorrer, já tinha ouvido os outros, só faltava ele. O que tinha acontecido, como, quando, porque é que, quem fora o cabecilha, leia, assine aí em baixo, alferes Gil Duarte [, alter ego do autor.,]se estiver de acordo.

À noite fora até Bissau, encontrar-se com os companheiros do costume. Passaram-lhe para as mãos a Plateia, uma revista de cinema que saía em Lisboa. Folheou-a, os olhos na Brigitte Bardot a fazer festas no focinho de um burro, um pé da Sofia Loren num banco a tirar a meia preta com um tipo qualquer deitado numa cama, à espera. Parou numa página. Crónica da Guiné na Plateia, ora deixa ver! Uns arruaceiros tinham invadido as instalações da Associação, interromperam a festa dos finalistas e partiram tudo, à boa maneira dos teddy-boys de Liverpool e Manchester, escrevia escandalizado o correspondente [, que assinava Joaão Benamor]. Olharam uns para os outros, calados.

Fica assim, perguntou alguém? Que não, que era melhor falar com o correspondente, esclarecê-lo, tirar-lhe as dúvidas. Bissau era pequeno, foram até à esplanada do [Café] Bento [, a 5ª Rep], disseram que ele devia estar lá para cima, no café Império.

Encontraram-no, estiveram com ele, explicaram-se uns aos outros. Não foi logo na Plateia seguinte, mas a rectificação leram-na dois meses mais tarde, acompanhada de um cartão com os melhores cumprimentos.

Entraram no gabinete, fizeram-lhe a continência e puseram-se os 5 em linha, aprumados [, 2 alferes e 3 furrieis, todos dos Cmds / CTIG]. O Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante Militar, mexia nuns papéis em cima da secretária, não encontrava, abriu gavetas, ah, estão aqui, satisfeito. Quando levantou os olhos para eles, mudou de cara.

Ora bem, meus senhores, antes de mais, devo manifestar-lhes a pena que tenho de os ter aqui nestas circunstâncias. Já tive convosco manifestações de apreço, quando o mereceram, o que não é o caso desta vez, infelizmente. Relatar aquilo que ficou apurado, é desnecessário…

Puno o alferes comando…., olhava primeiro para o citado, escrevia depois, três, cinco dias de prisão simples, o critério nunca se soube, porque no dia tal, às tantas horas,…grave prejuízo para a tranquilidade e bem-estar públicos…contrariando os esforços que o governo da Província…a lenga-lenga igual para todos.

Não sabia porquê, tinha apanhado três dias de prisão, a pena mínima, sabia lá, cara fechada para o Justo [1º cabo, guineense, do Gr Cmds Diabólicos, mais tarde, oficial graduado da 1º CCmds Africanos] que lhe perguntava porquê uma pena tão reduzida.

Desciam a escadaria quando o ouviu chamar outra vez, ó Gil, então, quando vais de férias?


(ii)   Depoimento do João Parreira  (ex-fur mil comando, Gr Cmds Fantasmas, CTIG, Brá, 1965/66)


[Foto à esquerda: O Joâo Parreira e o Vassalo Miranda, Bél+e, mo dia 10 de junho de 2010. Fotp de L,.G..]

[Os parênteses retos, em itálico,  são da responsabilidade do editor,  LG]



Conforme o prometido, passo a descrever a minha participação e os acontecimentos que deram origem à narração do V. Briote em 13/11/05 (*) sobre o baile dos Finalistas da Escola Secundária [, Escola Técnica, e não Lice«u],  realizado em Bissau, no Sábado, em 5 de Junho de 1965.

Na manhã daquele dia para me descontrair tinha ido com alguns camaradas para Quinhamel, uma vez que estava com grandes projectos para aquela noite. Semanas antes tinha conhecido a Helena,  uma moça cabo-verdeana, que era o que se costuma dizer uma “brasa” e andava todo entusiasmado.

Na véspera do baile, a Helena que era finalista, disse-me que me ia arranjar um convite para assim poder ir com ela . No próprio dia encontrei-me com ela da parte da tarde e ela disse-me que não tinha conseguido obter um convite, mas que me tinha comprado um bilhete. Assim dei-lhe os 100 pesos correspondentes ao preço do bilhete.

Estava a dançar com ela, já devia ser madrugada quando ouvi um grande borburinho, virei-me e reparei que o motivo era a entrada sem bilhete de vários militares desconhecidos e logo a seguir uma cara conhecida.

A música não parava de tocar e os pares continuavam a dançar. Várias finalistas e familiares encontravam-se sentadas em cadeiras que tinham sido colocadas junto às paredes. Alguns dos recém-chegados dirigiram-se de imediato a estas finalistas a pedir para dançar, mas não tiveram sorte.

No salão enorme, junto a uma das janelas encontrava-se uma mesa rectangular bastante comprida que dominava todo o salão e que estava totalmente ocupada com africanos e cabo-verdeanos que presumi serem os professores e o Principal [ , diretor] da Escola [Técnica].

Guiné > Bissau > Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, já depois de ter saído da CART 730... "Esta foto foi tirada numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, creio que se chamava Café Universal".

Foto: © João Parreira (2005).Todos os direitos reservados


Notava-se que os ocupantes desta mesa ficaram furibundos com a intrusão. O alf Godinho, um dos “velhinhos”, foi um dos últimos a entrar, pelo que dirigiu-se logo para essa mesa e foi falar calmamente com um dos que se encontravam sentados no centro da mesa.

Desconheço o teor da conversa, mas o certo, pois eu estava a dançar perto, é que um deles lhe atirou com uma garrafa à cabeça. De imediato,  vindo da mesma mesa,  ouviu-se um deles gritar e logo a seguir outros a fazerem coro: "Se o nosso chefe estivesse aqui, e não em Conacri, nada disto acontecia”.

Com esta agressão e com as palavras insultuosas o ambiente ficou desde logo muito tenso.

Com todo este reboliço entraram de rompante 2 ou 3 camaradas que tinham ficado à porta do edifício, já que o porteiro não os tinha deixado entrar.

O Furriel V[assalo] Miranda alheio à situação e que na altura andava a passear o seu inseparável whisky, deixou-o ficar no hall de entrada à guarda de um porteiro, e também entrou.

O contacto físico em vários pontos do salão, não muito distante da pista de dança, começou já passava das 03h00 e prolongou-se por bastante tempo.

Apesar do que se estava a passar, a música não parava de tocar e parecia que todos os pares queriam estar alheios à situação. Como não podia deixar de ser, parei de dançar e pedi à Helena para não sair da pista pois ia ajudar os meus camaradas, e depois voltava.

Ela, que foi fantástica, disse-me para não ir pois podia ficar magoado, mas eu tranquilizei-a dizendo-lhe que em Lisboa tinha praticado boxe em clubes e tinha entrado em vários combates públicos.

Assim , por 3 ou 4 vezes, dava um pezinho de dança, atravessava a pista por entre os pares, ia a uma das zonas da pancadaria, envolvia-me como podia no meio de um dos grupos em contenda dava uns bons pares de murros e, quando me sentia satisfeito lá voltava novamente para junto da moça para continuar a dançar.

Dado o reboliço que se gerou também entraram no salão vários paraquedistas para darem uma ajuda aos que se encontravam em minoria. Entretanto alguém deve ter chamado a PM que entrou mais tarde e começou logo a tirar os nomes à rapaziada.

Tive mais sorte que o VB [, Virgínio Briote,]
e os outros camaradas pois logo que vi a PM entrar na nossa direcção apressei-me, sorrateiramente, a atravessar o salão pelo meio dos pares, a fim de ir ter com a Helena (a minha tábua de salvação) que estava a dançar sòzinha e agarrei-me logo a ela, pelo que a PM não deve ter percebido que eu também tinha andado no barulho.

Acabado o baile fui levar a Helena a casa, mas depois destes acontecimentos o ambiente não era propício pelo que vi gorados os projectos que tinha idealizado em Quinhamel.

Ao fim e ao cabo, feitas as contas tive sorte a dobrar pois livrei-me de ser punido e como tal de ter que ir passar uns tempos ao mato.

Domingo, 6 de Junho de 1965, às 19h00 dirigi-me com o V [assalo] Miranda e alguns fuzileiros para a Praça do Império onde se encontravam vários grupos de africanos em atitudes provocadoras e hostis, para tentarem tirar, talvez, ainda mais dividendos dos acontecimentos daquela madrugada.

Não sei bem como tudo começou, mas um deles apanhou o Miranda distraído e aplicou-lhe um tremendo murro que fez com que ele vacilasse, e depois fugiu. Corremos atrás dele mas não o apanhámos na rua pois foi refugiar-se no cinema UDIB. O porteiro, cabo-verdeano, que estava já a correr a porta de lagartas para o proteger não o conseguiu fazer, já que, com a ajuda do meu cinturão foi persuadido a não a fechar, e assim o Miranda entrou e ficou a sós com o seu agressor.

Voltámos para a Praça do Império onde o número de africanos tinha aumentado de uma forma incrível e notavam-se as mesmas atitudes agressivas. Como estávamos, mais uma vez, em grande desvantagem numérica, e com o intuito de os intimidar e evitar o confronto, mandei pedir a Brá para quem nessa altura estivesse disponível viesse ao nosso encontro.

Passada meia-hora chegou um jeep com o condutor e um Alferes (o único que vinha armado para o que desse e viesse) e logo atrás uma Mercedes com mais pessoal.

Infelizmente a intenção não deu resultado pois, ao aperceberem-se da chegada,  os africanos atiraram-se a nós à tareia usando os punhos e os pés.

Assim cada um de nós estava a ser agredido por 3 ou 4 pelo que, para evitar o pior, decidimos resolver o assunto com a máxima rapidez, e para esse fim usámos os nossos cinturões a torto e a direito, o que teve o condão de os obrigar a fugir. 

Com a Praça vazia usámos os mesmos veículos e regressámos a Brá.


(iii) Depoimento do Luís Raínha, ex-alf mil, comando, 
cmdt do  Gr Comandos Centuriões, CTIG,
Brá, 1965/66  (***)

A minha narrativa vai ser um pouco diferente, pois, eu fui ao baile convidado por uma Família de um dos finalistas, ou seja, todo o mundo sabia, sabe e sempre soube que eu tive uma grande paixão e amor por uma moça da família Barbosa. Uma das famílias mais importantes da Guinè, a Lu, como carinhosamente a tratava e ainda hoje a lembro com saudade.

Muitas coisas se fizeram contra este amor, a tudo ele foi resistindo, mas houve uma altura que caíu.
Bem, vamos ao que interessa, que é o Baile de Finalisatas do Liceu Honório Barreto de Bissau. Já lá vão cerca de quarenta e cinco anos e ainda me parece que foi ontem.

Pelas 19H00 do dia 05Jun65, o condutor do meu Grupo foi-me levar a Bissau e perguntou-me se era necessário ir-me buscar. Respondi que não, pois eu me arranjaria. Deixou-me junto à porta de casa de minha namorada e foi-se embora, dizendo um breve , até amanhã.

Fui buscar a Lu e fomos jantar ao Grande Hotel e de lá fomos para o baile. Não há que  contar novamente tudo, pois os meus camaradas já o fizeram e como tal interessa só o que se passou connosco, o que vi e ouvi. 

Já durante a jantar fui ouvindo que se estava preparar algo contra os brancos, informo que a minha Companheira era morena - muito bonita, pois não os iam deixar entrar no referido baile, como mais tarde aconteceu.

Depois do jantar, como era cedo ainda passámos por casa e os rumores continuavam; chegando ao ponto da própria me alertar de que podia ir descansado pois estava convidado. Chegados ao baile fomos à mesa que nos estava reservada e a seguir fomos dançar, mas o ambiente era tenso e ainda nem sequer se via nada de anormal. Cerca das duas horas da manhã é que as coisas começaram a azedar com a entrada em cena da tropa branca, que logo foi rodeada pelos cabo-verdianos aos gritos e insultos.

Estava declarada a guerra há tanto tempo esperada pelos cabo-verdianos. O pior de tudo é que os nossos Chefes não viram ou não quiseram ver as coisas como elas eram e estavam a acontecer. Enviaram as PM e a Policia civil para dar em tudo que fosse branco.

Eu, a única coisa que fiz foi proteger a senhora que estava comigo, por consequência à minha guarda. Colocando um dos meus braços por cima dos seus ombros e com o cartão de oficial do exército lá fui abrindo caminho pelo meio da multidão e dos Policias, estes distribuindo cacetada por tudo quanto era sítio, não poupando ninguém, tentavam aclamar os ânimos.

Quando íamos a caminho de casa vimos o General Shulz à varanda em pijama a ver o espectáculo.
Claro, que quando os cabo-verdianos quiseram a coisa acabou.

De tudo isto, podem-se tirar várias conclusões, mas duas  há que saltam logo aos olhos de qualquer pessoa medianamente inteligente. Toda a barraca foi muito bem preparada pelo PAIGC e os nossos Chefes da altura caíram que nem uns patinhos. E porquê? Por causa da ''psico-social', uma palermice em que os nossos governantes acreditavam ou queriam acreditar.

[Luis Rainha, foto atual à esquerda] 

Assim, acabou um episódio (****)que podia ter facturado para o nosso lado, mas pela incompreensão dos Chefes Militares foi o adversários que ficou com os louros.

Mas, sempre foi assim, nós havemos de ser os eternos coitadinhos.

(iv) Punições a que  foram sujeitos 4 dos 5 comandos alegadamente envolvidos nos incidentes do "baile dos alunos finalistas da Escola Técnica de Bissau" (*****)  

(Felizmente,  estes incidentes entre nuilitares e civis não pocdem ser comparados com os que tiveram lugar, em Bissau, precisamente dois anos depois, envolvendo paraquedistas e fuzileiros, e de que resultaram 2 mortos) (******).





Cópias da Ordem de Serviço nº 70, de 27 de agosto de 1965, do CTIG em que são punidos com prisão disciplinar 3 furrieis milicianos e um alferes miliciano da CCmds / CTIG, Brá, 1965/66. Rasurados os seus nomes. (Cortesia do blogue Comandos da Guiné- 1964 a 1966).

________________

Notas do editor:

(*) Vd. I Série  do nosso blogue > 13 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVII: O 'baile dos comandos' na Associação Comercial [Virgínio Briote]

(**) Vd. I Série do nosso blogue > 13 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIII: O baile dos finalistas do Liceu de Bissau de 1965 (João Parreira)

(***) Vd. blogue Comandos Guiné - 1964 a 1966 > 24 de abril de 2010 >  G.C.G. - A0032: Uma histórica verídca de vez em quando- 2ª Parte > O Celebérrimo "Baile na Associação Comercail de Bissau"

(****) Último poste da série > 4 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P12094: Efemérides (151): Dia da Mãe... Para celebrar, hoje como ontem, com poesia (Joaquim Luís Fernandes)

(*****) Recorde.se aqui a criação e a extinção da CCmds / CTIG, Brá, 1965/66

 Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos é criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds / CTIG) sendo nomeado seu comandante o Cap Art "Cmd"  Nuno Varela Rubim. Em 20 de Fevereiro de 1966 é nomeado comandante da CCmds / CTIG o Cap Art.«Cmd» José Eduardo Garcia Leandro.

O 2º.Curso de Comandos tem início em 7 de Julho de 1965, terminando em 4 de Setembro do mesmo ano, com a formação de 4 Grupos de Comandos designados por:

«Diabólicos» Alf. Mil. «Cmd» Virgínio Silva Briote
«Centuriões» Alf. Mil. «Cmd» Luís Almeida Rainha
«Apaches» Alf. Mil. «Cmd»  Neves da Silva
«Vampiros» Alf. Mil. «Cmd» Pereira Vilaça

O 3º. Curso de Comandos, realizado pela CCmds / CTIG aquartela da em Brá, tem início em 9 de Março de 1966 terminando a 28 de Abril de 1966, constituído por militares voluntários pertencentes a Unidades sediadas na Guiné e que se destinavam a recompletamento de Grupos de Comandos.

(...) Com a chegada a Bissau da 3ª.Companhia de Comandos, vindos do CIOE - Lamego, é extinta em 30 de Junho de 1966, a CCmds / CTIG, ficando, somente em actividade, até finais de Setembro de 1966 o Grupo de Comandos «Diabólicos»,  data em que a maioria dos militares que o integravam terminava a sua comissão de serviço.

Fonte:  Regimento de Comandos > História dos Comandos > CCmds / CTIG,  Brá, Guiné

(******) Vd. poste de 2 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)

(...) Na noite de 3 de Junho de 1967, no final dum jogo que parecia ter decorrido de forma idêntica a tantos outros, entre o ASA – acrónimo de Atlético Sport Aviação, o clube dos militares da Força Aérea – e a equipa onde alinhavam os marinheiros, sucedeu o inesperado: estes, depois de trocarem insultos e provocações com os pára-quedistas, como era hábito, abandonaram o recinto desportivo, numa atitude pouco consentânea com os seus comportamentos recentes.

Os páras correram atrás deles pelas ruas da cidade, não imaginando que, algumas centenas de metros à frente, emboscado num prédio em construção, um grupo de fuzileiros armados com G-3 se preparava para os atacar a tiro. Custa a entender onde aqueles homens foram buscar ânimo para levar a cabo semelhante acto, mas a verdade é que foram capazes de abrir fogo à queima-roupa sobre camaradas de armas desarmados, matando de imediato o 1.º cabo Ismael Santos e o sold. Fernando Marques, para além de terem provocado ferimentos noutros soldados. (...)